Sentença de Julgado de Paz
Processo: 39/2017-JPALQ
Relator: CARLA ALVES TEIXEIRA
Descritores: COMPRA E VENDA PARA CONSUMO / DESCONFORMIDADE DO BEM / DIREITOS DOS CONSUMIDORES
Data da sentença: 06/14/2018
Julgado de Paz de : OESTE - ALENQUER
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Relatório:
A intentou a presente acção declarativa contra B, Lda., pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, que computou em € 1.408,57, e danos não patrimoniais, a que não atribuiu valor.
Alega, para tanto, que adquiriu um automóvel à Demandada, que avariou no período da garantia legal e que esta se recusou a repará-lo sem custos, o que lhe causou diversos danos, nomeadamente despesas, perda de rendimentos e, também, danos não patrimoniais, decorrentes quer do arranjo, quer da imobilização do veículo, que a impediu de exercer a sua profissão e de se deslocar a tratamentos médicos.
Juntou 18 documentos.
A Demandada foi regular e pessoalmente citada e apresentou Contestação, onde negou ter-se recusado a arranjar o veículo sem custos, tendo sido a Demandante quem se recusou a levá-lo às suas instalações para análise da avaria. Impugna, ainda, os danos alegados, por não lhe poderem ser imputados.
Juntou 2 documentos.
Uma vez que as Partes não lograram chegar a acordo na fase da mediação, foi a Demandante notificada para vir atribuir um valor aos danos não patrimoniais que invoca e que pretende ver ressarcidos.
Em resposta a tal convite, veio a Demandante indicar que o valor dos danos não patrimoniais é de € 2.500,00 tendo, ainda, actualizado o valor dos danos patrimoniais para € 12.254,99 e acrescentado um pedido de restituição do veículo
à Demandada contra a devolução do preço pago até à data. No exercício do contraditório veio a Demandada invocar a inadmissibilidade de alteração do pedido e da causa de pedir e impugnar os danos, invocando a ausência de nexo de causalidade entre os mesmos e os factos que lhe são imputados.

Procedeu-se à marcação da audiência de discussão e julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal.
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Questão prévia: Da ampliação do pedido:
No Requerimento Inicial aperfeiçoado, veio a Demandante requerer a ampliação do pedido quanto aos danos patrimoniais de € 1.408,57 para € 12.254,99, tendo ainda acrescentado um pedido de restituição do veículo automóvel à Demandada contra a devolução do preço pago até à data.
A Demandada veio opor-se ao pedido de ampliação alegando ser o mesmo inadmissível.
Analisemos, então, a admissibilidade da ampliação requerida:
Ao abrigo do disposto no artigo 260º do CPC, aplicável ex vi artigo 63º da Lei 78/2001, de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 54/2013, de 31 de Julho (de ora em diante abreviadamente designada LJP), citado o Réu a instância deve manter-se inalterada quanto às partes, ao pedido e à causa de pedir, ressalvadas as situações excepcionais em que é possível a modificação subjectiva e objectiva da instância.
Há que distinguir, desde logo, entre ampliação e cumulação, sendo que a ampliação pressupõe que o novo pedido derive da mesma causa de pedir do pedido inicial, ou de causa de pedir diferente mas integrada no mesmo complexo de factos; enquanto que na cumulação de pedidos, se verifica um pedido fundado em determinado acto ou facto, a que acresce outro pedido fundado em acto ou facto diverso. Esta distinção tem relevo uma vez que nos termos do disposto no artigo 44º da LJP, nos Julgados de Paz só é admitida a cumulação de pedidos no momento da propositura da acção.
No caso, os pedidos “novos” formulados pela Demandante emergem da mesma causa de pedir ou, pelo menos, do mesmo complexo de factos invocada no Requerimento Inicial – a responsabilidade civil da Demandada pelo facto de não ter procedido à reparação do seu veículo automóvel, dentro do período da garantia legal.
Os pedidos agora formulados não poderão, pois, ser considerados uma cumulação de pedidos, pelo que não lhes é aplicável o disposto no artigo 44º da LJP.
Vejamos, então, se é admissível a ampliação relativamente a cada um dos pedidos novos formulados:
De acordo com o disposto no artigo 265º n.º 2 do CPC, a menos que haja acordo das partes, o pedido não pode ser alterado e a sua ampliação só é possível, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, se a ampliação for desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, ou seja, como já ensinava Alberto dos Reis, a ampliação há-de estar contida, virtualmente, no pedido inicial.
Desde logo, o pedido de devolução do veículo à Demandada contra a devolução do valor pago, que se traduz numa resolução do negócio celebrado, não é consequência nem desenvolvimento de nenhum dos pedidos formulados inicialmente, pelo que, quanto a este, dúvidas não há de que não é admissível a sua dedução nesta fase, motivo pelo qual não se admite.
Relativamente ao pedido de ampliação para o valor de € 900 relativo à perda de rendimentos decorrentes das aulas que a Demandante deixou de dar em Setúbal trata-se de uma actualização do pedido primitivo, que já havia sido formulado no Requerimento Inicial, pelo que não se trata sequer de qualquer pedido novo, o que se alterou foi o seu valor em consequência do decurso do tempo. Por conseguinte, quanto a este não há dúvidas sobre a sua admissibilidade.
Quanto aos restantes pedidos - deslocações a consultas, no valor de € 1.575,00 e perda de rendimentos de aulas que a Demandante deixou de leccionar em locais não mencionados no Requerimento Inicial (Venda Nova, Falagueira, F, worshops em Setúbal e Oeiras) no valor de € 7.180,00 trata-se de pedidos que não foram sequer mencionados no Requerimento Inicial, sendo certo que se trata de danos que (pelo menos parcialmente) já teriam ocorrido nessa data. Assim, numa interpretação meramente literal e restritiva do disposto no artigo 265º n.º 2 do CPC, tais pedidos não poderiam ser admitidos.
Porém, ainda que se entenda que a Demandante deveria ter diligenciado antes de instaurar a acção, no sentido de contabilizar todos os danos de forma a peticioná-los no Requerimento Inicial que apresentou, uma vez que emergem todos da mesma causa de pedir, a Lei não impede que se formule uma ampliação do pedido, ainda que esse valor já pudesse ter sido contemplado na petição inicial, conforme se defende nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.01.2010 proferido no proc. 3345/05 e de 20.11.2008, proferido no proc. n.º 1346/2008, e Acs. da Relação de Guimarães de 03.05.2011 e de 03.07.2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt, “por ser a solução que é mais consentânea com o princípio da economia processual, permitindo a apreciação da situação globalmente considerada, em todos as suas consequências, evitando a necessidade de propositura de uma nova acção, com inerentes custos e demoras”. Sendo os procedimentos nos Julgados de Paz concebidos e orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual, entendemos ser esta a solução que melhor se adequa à prossecução de tais princípios.
Face ao exposto, admite-se a ampliação do pedido de indemnização formulado pela Demandante para o valor de € 13.383,57 (€ 820,25 + 408,32 + € 1.575,00 + € 8.080,00 + € 2.500,00).
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Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância e não há excepções, nulidades ou outras questões prévias de que cumpra conhecer.
Fixa-se à causa o valor de € 13.383,57 (treze mil, trezentos e oitenta e três euros e cinquenta e sete cêntimos) - cfr. artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 e 2 do CPC, ex vi do artigo 63.º da LJP
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A) FACTOS PROVADOS:
A) Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1 – A Demandada é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, entre outros, ao comércio de veículos novos e usados, reparações mecânicas e venda de peças.
2 – Em 06 de Janeiro de 2017 a Demandante adquiriu à Demandada um veículo automóvel usado da marca C, modelo --------, com a matrícula FR, pelo valor de € 5.000,00.
3 – O veículo encontrava-se anunciado para venda pelo valor de € 5.950,00.
4 - A Demandante destinava o veículo automóvel às suas deslocações pessoais diárias, para o trabalho e para consultas e tratamentos médicos.
5 – As Partes assinaram o certificado de garantia de fls. 9 e 10, do qual consta a redução do prazo de garantia para 1 ano.
6 – Em 06.05.2017, o veículo sofreu uma avaria na embraiagem/caixa de velocidades e foi levado, de reboque, para as instalações da Demandada.
7 – No dia 08.05.2017 a Demandante levantou o veículo já reparado pela Demandada.
8 – Poucos dias depois, o veículo voltou a manifestar a mesma avaria na embraiagem/caixa de velocidades, tendo ficado imobilizado na estrada enquanto circulava.
9 – A Demandante contactou de imediato a Demandada, dando-lhe conta da avaria.
10 – A Demandada respondeu que a embraiagem nos veículos automáticos é uma componente electrónica, pelo que estava excluída da garantia, nos termos do certificado assinado entre ambas, devendo ser a Demandante a suportar o arranjo.
11 – A Demandante não levou a viatura para as instalações da Demandada.
12 - A Demandante contactou a Demandada através de terceiros, de forma a resolver extra-judicialmente a situação.
13 – A Demandante é doente oncológica e, aquando da avaria, frequentava sessões de fisioterapia e consultas médicas.
14 – A Demandante exerce a actividade profissional de professora de dança em vários locais.
15– Em 19.10.2017 e em 10.11.2017 a D, Lda., procedeu às reparações discriminadas nas facturas de fls. 98 (legível a fls. 147) e 99, que se dão por reproduzidas, no veículo descrito no facto provado n.º 2.
16 – A Demandante efectuou o pagamento da quantia de € 1.076,89 titulada pelas facturas/recibo descritas no facto anterior.
17 - A Demandante faltou a um tratamento na Unidade Clínica Autónoma de Oncologia no dia 11 de Maio de 2017.
18 – A Demandante faltou a 4 sessões de fisioterapia, nos dias 24 e 30 de Maio de 2017, e 13 e 21 de Setembro de 2017 na E, Lda..
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B) FACTOS NÃO PROVADOS:
1 – Aquando da primeira reparação a Demandada limitou-se a limpar a peça avariada da embraiagem.
2 – A Demandante frequenta sessões diárias de fisioterapia.
3 – A Demandante obteve um orçamento para reparação do veículo no valor de € 820,25.
4 – A Demandante suportou um custo de € 91,50 e de € 42,32 em deslocações a duas aulas a Setúbal.
5 – Desde a data da avaria do veículo, até 20.12.2017 a Demandante despendeu um valor semanal de € 252,00 em deslocações, o que perfaz um total de € 1.575,00.
6 – Pelas aulas leccionadas em Setúbal, a Demandante auferia a quantia de € 180,00 mensais.
7 – Pelas aulas leccionadas em Vendas Novas, a Demandante auferia a quantia de € 135,00 mensais.
8 – Pelas aulas leccionadas na Falagueira, a Demandante auferia a quantia de € 135,00 mensais.
9 - Pelas aulas leccionadas no “F”, a Demandante auferia a quantia de € 150,00 mensais.
10 – Em virtude da avaria no veículo, a Demandante faltou a 5 meses de aulas nos locais descritos nos pontos 6 a 9.
11 – Por cada aula leccionada em workshops em Setúbal, a Demandante auferia a quantia de € 60,00.
12 – Em virtude da avaria no veículo, a Demandante faltou a 3 aulas em workshops em Setúbal.
13 – A Demandante teve uma oferta de emprego em Oeiras com a remuneração mensal de € 700,00.
14 – Em virtude da avaria do veículo, a Demandante não pôde aceitar a proposta de emprego referida no ponto anterior.
15 – Em virtude da avaria do veículo, a Demandante foi impedida de comparecer a consultas e tratamentos médicos, o que lhe causou ansiedade.
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C) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal relativamente à factualidade supra descrita, resulta da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, dos factos admitidos por acordo, dos documentos juntos, das declarações das Partes e dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento.
Concretizando:
- facto provado n.º 1: resulta da certidão permanente da Demandada a fls. 148 a 155.
- factos provados n.º 2, 5, 6, 7, 9, 11 e 12: resultam todos de admissão por acordo entre as Partes nos seus articulados, sendo certo que também resultariam das declarações das Partes em audiência e dos documentos de fls. 9 e 10 e 14 a 16.
- facto provado n.º 3: resulta do documento de fls. 46, conjugado com as declarações da Demandada e com o depoimento da testemunha G, não tendo sido produzida prova em contrário.
- facto provado n.º 4: resulta das declarações da Demandante, conjugadas com os depoimentos das testemunhas H, I e J, não tendo sido produzida prova em contrário.
- facto provado n.º 8: resultou das declarações da Demandante que a avaria sofrida pelo veículo era semelhante à anterior, que tinha ocorrido dias antes: o veículo deixava de acelerar, entrava em modo de segurança e parava. A Demandada confirmou que a avaria anterior, que foi por si analisada, dizia respeito à embraiagem/caixa de velocidades, o que também consta do documento de fls. 45, pelo que estes factos, conjugados com as facturas de fls. 98 (legível a fls. 147) e 99 de onde consta o arranjo do kit de embraiagem e do actuador (da embraiagem, como explicado em sede de audiência), bem como outras peças da caixa de velocidades, faz presumir que a nova avaria se devia ao mesmo motivo da anterior.
- facto provado n.º 10: resulta das declarações da Demandante, conjugadas com os documentos de fls. 14, 15 e 16, e do depoimento da testemunha Valentina Saraiva que referiu ter assistido a conferências telefónicas sobre esse assunto, não tendo sido produzida prova em contrário. Com efeito, a testemunha Alfredo Salomé, sobre esta matéria disse não se lembrar do que foi dito à Demandante neste caso em concreto.
- facto provado n.º 13: resulta das declarações da Demandante, das três testemunhas indicadas por esta e do acervo documental junto aos autos a fls. 22, 23, 24, 27, 28, 29, 76, 79 a 86, 91 a 95, 100 a 103, muitos deles duplicados mais adiante.
- facto provado n.º 14: resulta das declarações da Demandante, conjugadas com os depoimentos das três testemunhas que apresentou, bem como dos documentos de fls. 21 e 26.
- factos provados n.º 15 e 16: resulta das facturas/recibo de fls. 98 (legível a fls. 147) e 99.
- factos provados n.º 17 e 18: resultam dos documentos de fls. 22 (repetido a fls. 90), 24 (repetido a fls. 93), 91 e 92 que a Demandante faltou a um tratamento e a 4 sessões de fisioterapia nas referidas datas.

- factos não provados n.º 1, 2, 4, 6, 7, 8, 9 e 11: resultam da ausência de prova produzida nesse sentido.
- facto não provado n.º 3: resulta da ausência de prova nesse sentido. Com efeito, a Demandante limitou-se a juntar o que aparenta ser uma cópia de um email a fls. 20, que não se encontra assinado e cuja autoria se desconhece nestes autos, uma vez que não foi complementado com qualquer outro meio probatório.
- facto não provado n.º 5: resulta da ausência de prova suficiente nesse sentido. A Demandante limitou-se a juntar facturas de táxis a fls. 25 (repetidas a fls. 88) e 89, bem como recibos de portagem e de aquisição de combustível a fls. 25 e 87, que não permitem dar como provado nem o montante que alega, nem a periodicidade dessa despesa, nem sequer a que deslocações dizem respeito.
- factos não provados n.º 10 e 12: resulta da ausência de prova suficiente nesse sentido. Quanto a este facto, a Demandante limitou-se a juntar a fls. 26 uma declaração de uma Associação denominada “K” referindo que a mesma faltou a 3 aulas em Setúbal, alegando ter sido devido à avaria do seu veículo. Desde logo, desconhece-se de que Associação se trata e quem terá elaborado a referida declaração, uma vez que nenhuma prova complementar foi produzida sobre a mesma. De todo o modo, e ainda que se considerasse tal documento como idóneo, tal declaração apenas permitiria a prova de que a Demandante faltou a 3 aulas naquela Associação, sendo que nada provaria sobre as alegadas faltas nos restantes locais, nem tão-pouco, que as faltas naquela Associação se prolongaram por 5 meses.
Quanto ao motivo para as 3 faltas referidas, desde logo, resulta dos documentos médicos de fls. 28 e 76 a limitação da Demandante para o exercício da profissão, facto que também resulta da declaração manuscrita pela própria a fls. 104 e 105, tendo sido declarado pela própria e pelas testemunhas que apresentou que, em algumas fases da doença, a mesma se mostrou incapacitada para leccionar as aulas de dança.
Por outro lado, resultou dos depoimentos das três testemunhas apresentadas pela Demandante e das declarações da própria que, antes de ter adquirido o veículo em causa, a mesma dependia de boleias de terceiros e de viaturas emprestadas para se deslocar, nunca tal tendo sido impedimento para que faltasse às aulas que leccionava. Além disso, é facto notório que as zonas de Lisboa e de Setúbal são servidas por transportes públicos e táxis, sendo possível a deslocação entre as duas cidades sem depender de viatura própria. Por último, sempre se dirá que a Demandante tinha viatura própria, tendo sido opção sua aguardar 5 meses após ter detectado a avaria para proceder ao arranjo da mesma.
- factos não provados n.º 13 e 14: A Demandante juntou a fls. 104 e 105 uma declaração manuscrita pela própria Demandante (o que é facilmente constatável pela comparação da caligrafia com a constante do requerimento de fls. 118) e assinada pela testemunha I onde refere ter encontrado um emprego à Demandante em Oeiras que a mesma não pôde aceitar por ter o veículo avariado. A referida testemunha em audiência quando questionada sobre a razão de ciência, respondeu que vinha “confirmar o que a Mina (Demandante) me pediu para dizer”, tendo declarado que uma Tia sua precisava de uma dama de companhia e que sugeriu esse emprego à Demandante, mas que esta não pôde aceitar por ter o veículo avariado. Porém, foi vaga sobre essa oferta e nada sabia sobre valores, nem tal consta da declaração elaborada pela própria Demandante.
Não ficou provada, assim, a existência de qualquer proposta concreta, e muito menos, que a não aceitação se deveu a avaria do veículo. De novo, se dirá que é facto notório que as cidades de Lisboa e Oeiras são servidas de transportes públicos e táxis, sendo possível a deslocação entre as duas cidades sem depender de viatura própria. Repete-se, ainda, que a Demandante tinha viatura própria, tendo sido opção sua aguardar 5 meses após ter detectado a avaria para proceder ao arranjo da mesma.
- facto não provado n.º 15: os documentos juntos aos autos apenas permitiram provar o que consta dos factos provados n.º 16 e 17. De novo se refere que existem outros meios de transporte, que a Demandante podia ter diligenciado no sentido de obter a reparação do seu veículo mais cedo e, além disso, no que aos tratamentos diz respeito, resulta dos documentos de fls. 84 a 86, na alínea E., que a Demandante podia ter declarado que necessitava de transporte para se deslocar aos mesmos, o que não fez. Quanto à “ansiedade” que tais faltas aos tratamentos lhe teriam causado, não foi produzida prova sobre esse facto.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:
Está em causa nos presentes autos um pedido de indemnização decorrente de responsabilidade civil da Demandada por se ter recusado a proceder à reparação do veículo automóvel que vendeu à Demandante, e cuja avaria ocorreu 4 meses após a aquisição.
Há que começar por qualificar o contrato celebrado entre as Partes e o regime jurídico que lhe é aplicável. Provou-se que a Demandante adquiriu à Demandada o veículo automóvel identificado no facto provado n.º 2, pelo preço de € 5.000,00.
Dispõe o artigo 874º do CC que: “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”
O contrato celebrado entre as Partes foi, assim, uma compra e venda, que teve como obrigações para a Demandada a entrega do veículo automóvel, com a transmissão da sua propriedade à Demandante e, por parte desta, o pagamento do respectivo preço.
Provou-se, também, que a Demandada se dedica ao comércio de veículos novos e usados, e que a Demandante é professora de dança e utilizava o automóvel para as suas deslocações pessoais diárias, para o trabalho e para consultas e tratamentos médicos.
Dispõe o artigo 1ºB do DL 67/2003 de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo DL 84/2008 de 21 de Maio que: “Consumidor é aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios (…)”, sendo que o regime estabelecido por tal diploma legal é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores – cfr. artigo 1º-A n.º 1 do mesmo DL.
Estamos, assim, perante um contrato de compra e venda para consumo, ao qual são aplicáveis as disposições previstas no referido diploma legal, que regula a venda de bens de consumo e as garantias a ela relativas, e bem assim, na Lei da Defesa do Consumidor (doravante LDC, aprovada pela Lei 24/96 de 31/07, alterada pelo DL 67/2003 de 08.04) e outros diplomas avulsos que visam a tutela dos direitos do consumidor.
Nos termos do regime jurídico aplicável, o consumidor tem direito, entre outros, à qualidade dos bens e serviços, que deverão ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor – cfr. artigos 3º n.º 1 a) e 4º da LDC.
Por seu lado, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, presumindo-se essa desconformidade, nomeadamente, quando os bens não sejam adequados às utilizações habitualmente dadas a bens do mesmo tipo ou quando não apresentem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem – cfr. artigo 2º n.º 1 e 2 c) e d) do DL 67/2003 de 8 de Abril.
As faltas de conformidade que se manifestem no prazo de 2 anos a contar da data da entrega de um bem móvel presumem-se existentes já nessa data, respondendo o vendedor pelas mesmas – cfr. artigo 3º n.º 1 e 2 do mesmo DL.
No caso em análise, as Partes acordaram na redução do prazo para 1 ano, o que sendo o veículo em causa um bem usado, é legalmente admissível – cfr. facto provado n.º 5 e artigo 5º n.º 2 do DL referido.
Provou-se que o veículo automóvel da Demandante avariou, tendo ficado imobilizado na estrada enquanto circulava, poucos dias após a reparação efectuada pela Demandada de uma avaria semelhante, que tinha ocorrido em 06.05.2017.
Dúvidas não restam de que esta avaria consubstancia uma desconformidade do veículo ao abrigo das citadas disposições legais, uma vez que o mesmo não apresentou a qualidade e desempenho habituais em bens do mesmo tipo, e que se podem razoavelmente esperar, nem se mostrou adequado às utilizações habitualmente dadas a este tipo de bens.
Verifica-se, também, que a desconformidades referida se manifestou antes de decorrido o prazo de 1 ano desde a aquisição (06.01.2017) e que a Demandante a reclamou de imediato, ou seja, antes de decorrido o prazo de 2 meses a contar da data em que a detectou – cfr. factos provados n.º 2, 6, 7, 8 e9 – pelo que a Demandada, enquanto vendedora do bem, responde por essa falta de conformidade – cfr. artigos 5º e 5º-A n.º 1 e 2 do mesmo DL.
Com efeito, a garantia voluntária que foi entregue pela Demandada, em caso algum poderia afectar os direitos que resultam do DL que vem sendo citado, conforme decorre do disposto no artigo 10º n.º 1 e 9º n.º 3 a) desse mesmo diploma.
Assim, tinha a Demandante direito a que a conformidade fosse reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato – cfr. artigo 4º do citado DL 67/2003 de 8 de Abril.
Continua a verificar-se alguma divergência, na doutrina e na jurisprudência, sobre se estes direitos do consumidor obedecem a uma hierarquia.
Porém, no caso, a Demandante optou por exercer o primeiro dos direitos previstos (a reparação) pelo que não se coloca tal questão.
Os únicos limites que são colocados ao exercício de tal direito são a impossibilidade da prestação e o abuso do direito – cfr. n.º 5 do mesmo artigo.
Dispõe o artigo 334 º do Código Civil que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
No caso, não resulta que o pedido de reparação efectuado pela Demandante à Demandada se mostrasse ilegítimo, pois não excede, de forma alguma, os limites da boa-fé, não constituindo abuso do direito, nem tão-pouco se tratava de uma prestação impossível para a Demandada.
Ora, tendo-se provado que a Demandada se recusou a proceder à reparação do veículo sem custos para a Demandante, praticou a mesma um facto ilícito, uma vez que violou as supra citadas disposições legais, destinadas a proteger os interesses da Demandante.
E nem se diga que a Demandante devia ter levado o veículo para as instalações da Demandada, pois a partir do momento em que esta lhe transmitiu que não procederia à reparação sem custos, tal não lhe era exigível.
A sua conduta é, também, culposa na medida em que uma pessoa diligente, no lugar da Demandada, podia e devia ter agido de outra forma, sendo a sua conduta merecedora de censura pela Ordem Jurídica – cfr. artigo 487º nº 1 do CC.
Deste facto ilícito e culposo emerge a obrigação da Demandada de indemnizar a Demandante pelos danos que esta provavelmente não teria se não tivesse sido a lesão, ao abrigo do disposto no artigo 563º do CC. Este dispositivo legal consagra a teoria da causalidade adequada, segundo a qual não basta que o facto ilícito e culposo seja conditio sine qua non dos danos, sendo, ainda, necessário que, em termos abstractos, seja causa adequada a produzi-los.
Dispõe, ainda, o artigo 562º do CC que: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Não sendo possível, no caso, a reconstituição natural, deverá a indemnização ser fixada em dinheiro.
Provou-se que a Demandante, na sequência do facto ilícito e culposo da Demandada recorreu a terceiros para obter a reparação da avaria detectada no seu veículo automóvel, constando das facturas de fls. 147 e 99 a descrição dos trabalhos realizados e o respectivo preço, que foi pago pela Demandante.
Relativamente à factura de fls. 147, detecta-se que todas as peças nela mencionadas dizem respeito à caixa de velocidades/embraiagem, pelo que se verifica uma relação com a avaria em causa nestes autos.
Porém, no que diz respeito à factura de fls. 99, e não tendo a Demandante produzido qualquer prova complementar sobre a reparação efectuada, desconhece-se a que se refere a rubrica “material diverso” pelo que não está provado que tal material tivesse qualquer relação com a avaria detectada. O mesmo se diga em relação às lâmpadas. Assim, da referida factura, apenas há que considerar o valor do actuador (da embraiagem) e a mão de obra, bem como o respectivo IVA, o que totaliza a quantia de € 317,10.
Conclui-se, assim, que as reparações efectuadas e pagas pela Demandante, que se provou estarem relacionadas com a avaria em causa nestes autos ascenderam a € 1.052,28 (€ 735,18 + € 317,10), sendo esse o valor do dano que se encontra numa relação de causalidade adequada com a conduta ilícita e culposa da Demandada.
Relativamente aos demais danos alegados, apenas se provou que a Demandante faltou a um tratamento na Unidade Clínica Autónoma de Oncologia no dia 11 de Maio de 2017 e a 4 sessões de fisioterapia, nos dias 24 e 30 de Maio de 2017, e 13 e 21 de Setembro de 2017 na E, Lda.. Porém, não se provou qualquer dano não patrimonial associado a tais faltas, conforme alegava a Demandante, sendo certo que faltaria também provar o nexo de causalidade entre tal eventual dano e a conduta da Demandada, o que, como já se aflorou em sede de fundamentação da matéria de facto não ocorreu.
Face ao exposto, procede a presente acção, apenas parcialmente, quanto ao montante de € 1.052,28.

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Responsabilidade tributária:
Atento o disposto no artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi do artigo 63º da LJP, e porque ambas as Partes se declaram vencidas, são as custas suportadas por ambas na proporção do respectivo decaimento que é de 92% para a Demandante e de 8% para a Demandada.
Assim, nos termos conjugados dos artigos 1º, 2º, 8º, 9º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24.02, deverá a Demandante efectuar o pagamento da quantia de € 29,40, no prazo de 3 dias úteis a contar do conhecimento da presente decisão, sob pena de a tal quantia acrescer uma sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso, com o limite de € 140,00, devendo ser devolvido igual montante (€ 29,40) à Demandada.
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Dispositivo:
Julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência disso:
a) Condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de € 1.052,28 (mil e cinquenta e dois euros e vinte e oito
cêntimos).
b) Absolvo a Demandada do demais peticionado.

Custas na proporção de 92% para a Demandante e 8% para a Demandada.
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Registe e notifique.
Bombarral, 14.06.2018
A Juíza de Paz

Carla Alves Teixeira
(que redigiu e reviu em computador – artigo 131º n.º 5 do CPC)