Sentença de Julgado de Paz
Processo: 184/2017-JPSXL
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - INFILTRAÇÕES - CONDOMÍNIO
Data da sentença: 04/20/2018
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, identificada a fls. 1 e 3, intentou, em 3 de julho de 2017, contra B, melhor identificado a fls. 2 e 3, a presente ação declarativa de condenação, pedindo a condenação deste a: a) reconhecer que as infiltrações têm origem na fração da qual é proprietário; b) a reparar a fração da autora; c) indemnizar a autora pelos prejuízos sofridos, devendo tal valor ser liquidado a final, atenta a natureza continuada do dano, e fixado para momento posterior e d) no pagamento das custas judiciais, bem como custas de parte no termos da lei.
Para tanto, alegaram os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 16, que se dá por reproduzido, dizendo, em síntese e no que à presente decisão importa que: é proprietária do segundo direito do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua XXXXX, n.º 4, na Cruz de Pau, freguesia de Amora, concelho do Seixal, sendo o demandado proprietário do andar que fica imediatamente por baixo da sua fração, no mesmo prédio; a referida fração tem sofrido danos causados por infiltrações provenientes da fração autónoma, propriedade do Demandado, o qual ali não reside; que denunciou a situação, não tendo o Demandado tomado qualquer medida para evitar a continuação dos danos; a fração autónoma, propriedade do Demandado encontra-se arrendada, tendo os inquilinos e bem assim a “cuidadora” do Demandado informados da situação, tendo esta última verificado a infiltração; solicitou Vistoria à Câmara Municipal do Seixal, da qual resultou a confirmação da origem das infiltrações; pediu peritagem à sua seguradora que confirmou a origem e as infiltrações; que, após muita insistência e sensibilização, a cuidadora do Demandado autorizou reparação das canalizações de águas quentes; devido ao facto de o Demandado se encontrar muito doente foi protelando o recurso ao tribunal, tendo-se a situação agravado em setembro de 2016; as águas provenientes da fração autónoma do Demandado escorrem pelos cantos e pelo buraco do projetor do teto falso da casa de banho; as obras de reparação dos danos causados na fração autónoma da Demandante ascendem ao montante de 799,50 € (Setecentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos); sempre que alguém toma banho na fração autónoma do Demandado, é como se existisse um chuveiro aberto no teto da casa de banho da Demandante; os danos patrimoniais já apurados são os concernentes aos orçamentos juntos 983,39 € (Novecentos e oitenta e três euros e trinta e nove cêntimos); valor dos honorários despendidos com a mandatária 275,99 € (Duzentos e setenta e cinco euros; valor da taxa de justiça liquidada no Julgado de Paz 35,00 € (Trinta e cinco euros) e pelos danos não patrimoniais e decorrentes do facto de a Demandante não poder usufruir em pleno o seu direito de propriedade desde 21 de julho de 2015 até à presente data, deve o Demandado ser condenado no seu pagamento e cujo valor simbólico se equaciona em 200,61 € (Duzentos euros e sessenta e um cêntimos). -
Juntou 8 documentos (fls. 17 a 38) que, igualmente, se dão por reproduzidos.
A instâncias do tribunal, com vista à efetivação da citação do Demandado, de quem não se possuíam elementos identificativos que permitissem que se oficiassem as entidades constantes do art.º 236.º, n.º do Código de Processo Civil (CPC), não obstante o disposto no art.º 59.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (LJP), juntou também mais um documento – a cópia da Certidão Predial da Fração autónoma, alegadamente propriedade do Demandado – a fls. 82 a 85, que, igualmente, se dá por reproduzido.
A fls. 268 a 276, juntou cinco documentos, que igualmente, se dão por reproduzidos.
Foram efetuadas inúmeras diligências (todas as possíveis), com vista à citação do Demandado, não se tendo alcançado esse objetivo, pelo que foi proferida a decisão de fls. 107, de declarou o mesmo ausente, em parte incerta, e se procedeu à nomeação da Ilustre defensora oficiosa, Sra. Dra. C, que regularmente citada para contestar, no prazo, querendo, em representação do ausente, em parte incerta, nada disse.
Na audiência de julgamento, juntou aos autos carta de sensibilização enviada ao Demandado na morada que lhe é conhecida. (fls. 266).
No início da Audiência de Julgamento, foi a Demandante confrontada com o facto de o Demandado não ser o único proprietário da fração autónoma, facto que apenas com a junção da Certidão de Registo Predial o Tribunal detetou, sendo certo que a sua mulher, de acordo com a pesquisa levada a efeito na Base de Dados da Identificação Civil, havia falecido, bem como das implicações nos pressupostos da estabilidade da instância de tal facto, por se tratar de litisconsórcio necessário, atenta a causa de pedir e o pedido. Foi ainda convidada a aperfeiçoar o seu douto Requerimento Inicial (RI)
Em face de tal facto, veio a Demandante requerer prazo para proceder ao aperfeiçoamento do RI, o que, atentas as circunstâncias e a não oposição da Ilustre Defensora nomeada ao Demandado, foi deferido, ordenando-se também a notificação da alegada cuidadora do Demandado para, no estrito cumprimento do dever de cooperação, vir prestar aos autos informações tendentes à estabilização da instância, tudo conforme resulta de fls. 157.
No prazo que lhe foi concedido, veio a Demandante Aperfeiçoar o seu douto RI, no que se refere à alínea a), primeiro pedido, alterando o pedido nos seguintes termos: a) Ser o Réu condenado a reconhecer que as infiltrações têm origem na sua fração da qual é proprietário e, consequentemente, a reparar as mesmas num prazo não inferior a 30 (trinta) dias; b) Ser o Réu condenado a reparar os danos causados pelas infiltrações na fração da Autora; c) Ser o Réu condenado a indemnizar a Autora pelos prejuízos sofridos, devendo tal valor ser liquidado a final, atenta a natureza continuada do dano e ser fixado para momento posterior o seu montante e d) Ser o Réu condenado no pagamento das custas judiciais, bem como nas custas de parte nos termos da lei.
Quanto aos pressupostos da estabilidade da instância, veio a Demandante requerer a prorrogação do prazo para mais, pelo menos vinte dias, com vista à recolha/informações sobre os herdeiros da falecida mulher do Demandado. Notificada do referido requerimento, a Ilustre Patrona nomeada ao Demandado, nada disse.
Foi proferido o despacho a fls. 180, no qual foi admitido o aperfeiçoamento do RI requerido e concedido à Demandante o prazo de 15 dias para regularização da instância.
Na sequência, dentro do prazo que lhe foi concedido, veio a Demandante, informar os autos de que tinha recolhido informações de que não havia sido feita a habilitação de herdeiros da falecida e de uma morada do Demandado, indicando também elementos sobre a sua alegada cuidadora, requerendo que se mandasse citar o Réu pessoalmente na morada que indicou (fls. 189 e 190).
Tendo em consideração as vicissitudes sofridas pelos autos e o facto de, não obstante a latitude observada, se considerarmos que a Demandante está assistida por Ilustre mandatária, foi indeferido o requerido, até porque já se havia tentado a citação pessoal do Demandado na morada agora indicada e, com vista a pôr termo ao “vai e vem” de despachos e requerimentos que nada adiantavam à normal tramitação dos autos, foi designada data para a continuação da audiência de julgamento (fls. 193).
No início da sessão da audiência de julgamento, veio a Demandante, finalmente, apresentar o seguinte requerimento: “A Demandante vem requerer que seja chamada a intervir nos autos a Herança Jacente da comproprietária D, conforme resulta da Certidão predial, representada pelo cabeça-de-casal, B.”.
Notificada a Ilustre Defensora nomeada ao Demandado, declarou esta nada ter a opor ou a requerer quanto ao chamamento à Demanda, atento o facto de terem resultado infrutíferas as diligências levadas a efeito pelo Demandante com vista à identificação dos herdeiros da falecida.
Em consequência, foi proferido despacho de intervenção da herança da falecida proprietária, nos termos do disposto no art.º 2091.º, do Código Civil; 33.º, do CPC e 39.º, da LJP, foi admitida a intervir nos presentes autos a Herança Jacente de D, representada pelo cabeça-de-casal, B, ordenando-se a citação desta.
A ora chamada foi citada, na pessoa de terceiro, para contestar, no prazo, querendo, nada tendo dito.
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Cabe a este tribunal determinar se se verificam os danos cuja reparação os Demandantes pedem; se se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar os mesmos, por parte dos Demandados e, na afirmativa, a quantia indemnizatória.
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Tendo a Demandante optado pelo recurso à Mediação para resolução do litígio, foi agendado o dia 21 de julho de 2017 para a realização da sessão de Pré-Mediação, a qual foi desmarcada, em virtude de o Demandado não se mostrar citado (fls. 64), não se tendo remarcado atenta a circunstância de ter sido nomeada a Ilustre Defensora ao Demandado, situação incompatível com os princípios e os objetivos da Mediação, pelo que, tendo decorrido o prazo para a apresentação da contestação, sem que tal se verificasse, foi designado o dia 17 de outubro de 2017 para a realização da Audiência de Julgamento e não antes, devido à acumulação de serviço, decorrente da acumulação com o Julgado de Paz de Óbidos (Agrupamento, e com o Julgado de Paz do Oeste, bem como a ausência da signatária em gozo de férias anuais (fls. 124).
A referida data foi dada sem efeito, a requerimento da Ilustre mandatária da Demandante, tendo sido designado, em sua substituição, o dia 20 de outubro de 2017, de acordo com a disponibilidade manifestada por todos os intervenientes processuais (fls. 133).
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Aberta a Audiência e estando presente a Demandante – a – acompanhada da sua Ilustre mandatária – Sra. Dra. E - e a Ilustre Defensora nomeada ao Demandado – Sra. Dra. C - foram estes ouvidos, nos termos do disposto no Art.º 57.º da LJP, não se tendo procedido à tentativa de conciliação por tal não se encontrar na disponibilidade da Ilustre Defensora nomeada, tendo-se procedido à realização da audiência de julgamento com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança.
A audiência foi suspensa, em virtude de se ter detetado a necessidade de aperfeiçoamento do RI, no que ao pedido e aos pressupostos da estabilidade da instância concerne, como supra se explanou.
Com vista a dar o necessário impulso processual aos autos, foi designado o dia 27 de dezembro de 2017, para a continuação da audiência de Julgamento e não antes, por absoluta indisponibilidade de agenda (fls. 193).
A referida data foi dada sem efeito, a requerimento da Ilustre mandatária da Demandante, tendo sido designado, em sua substituição, o dia 11 de janeiro de 2018 (fls. 215).
Reaberta a Audiência e estando todos presentes, foi a mesma suspensa por ter sido requerida a intervenção provocada da Herança Jacente de D (fls.229 a 231).
Citada a chamada a intervir, foi designado o dia 12 de março de 2018 para a continuação da audiência de julgamento (fls. 248).
Reaberta a audiência, verificou-se a falta da chamada a intervir, pelo que foi esta suspensa, ficando os autos a aguardar a justificação da falta, designando-se, desde logo o dia 27 de março de 2018 para a sua continuação, com produção de prova (fls. 261 e 262).
Reaberta a audiência, verificou-se novamente a falta da chamada, pelo que, sendo segunda data, se procedeu à realização da audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança (fls.277 279).
Face à necessidade de ponderação da prova produzida, foi a audiência suspensa, designando-se, desde logo, a presente data para a sua continuação, com prolação de sentença.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do Tribunal, de acordo com a qual seleciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomadas em consideração as declarações da Demandante em Audiência de Julgamento e os documentos juntos por esta.
Foram ainda ponderados os depoimentos das testemunhas, apresentadas pela Demandante, as quais prestaram depoimento com isenção, de forma credível e revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais testemunharam. Assim:
1.ª – F, que, aos costumes, declarou conhecer a Demandante por ser sua vizinha e colega no exercício da administração do condomínio, no ano em que foram administradores, e o primeiro Demandado por ter tratado com este, há muitos anos atrás, uma alteração da propriedade horizontal.
2.ª – G, que, aos costumes declarou conhecer a Demandante por ser canalizador e ter sido chamado para verificar as infiltrações na sua habitação e conhecer o primeiro Demandado por ter sido seu colega, na qualidade de bombeiro.
O tribunal não responde aos artigos que contêm matéria conclusiva, de direito ou meras conclusões.
Não se atribui relevância à ausência de contestação escrita, atento o disposto no n.º 4, do art.º 574.º, do CPC.
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Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. A Demandante é proprietária da fração autónoma, designada pela letra “XXXX”, correspondente ao primeiro andar direito, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua XXXXX, n.º 4, na Cruz de Pau, freguesia de Amora, concelho do Seixal (Doc. n.º 1);
2. O primeiro Demandado e sua mulher D, adquiriram, em 14 de outubro de 1992, a fração autónoma, designada pela letra ”XXXX”, correspondente ao segundo andar direito, do mesmo prédio (Doc. de fls.82 e 83; ---
3. O registo civil da D, foi eliminado, por motivo de óbito (Doc. fls.155), desconhecendo-se os seus herdeiros;
4. A fração autónoma, propriedade dos Demandados encontra-se arrendada;
5. Em 21 de julho de 2015, a Demandante remeteu carta, registada, com Aviso de Receção, ao primeiro Demandado, na qual lhe transmitia que existia uma infiltração, cuja origem estava na canalização sua casa de banho (Doc. n.º 2);
6. Tal infiltração já havia sido comunicada várias vezes, verbalmente aos inquilinos;
7. Uma vez que que o proprietário não respondeu nem nada fez, os inquilinos prontificaram-se a informar a Sra. D. H, pessoa que tratava das questões do arrendamento e recebia a renda;
8. A referida senhora deslocou-se uma vez à fração autónoma da Demandante, tendo verificado a infiltração existente;
9. Não tendo o problema sido resolvido, a Demandante pediu uma Vistoria à Câmara Municipal do Seixal;
10. A referida Vistoria teve lugar no dia 1 de setembro de 2015 e do respetivo Auto consta que os técnicos constataram “Que existiram deficiências nas canalizações do andar superior (2.º Dt.º) que provocaram infiltrações para o interior da habitação vistoriada (1.º Dt.º) tendo deixado vestígios nos estuques do teto da sala e no teto da casa de banho.” (Doc. fls. 274 a 276 e verso);
11. Recomendam os técnicos a “Pintura dos estuques do teto da sala e do teto falso da casa de banho da habitação vistoriada (1.º Dt.º) atingidos pelas infiltrações provenientes do andar superior (2.º Dt.º);
12. Entre julho e setembro de 2015, em data que não foi possível apurar, a Demandante recebeu um telefonema do proprietário do rés-do-chão, fração A, que lhe comunicou que tinha a loja completamente alagada e havia água a correr do teto;
13. Em conjunto, pediram a avaliação do problema e dos danos, tendo constatado que o problema viria da fração de cima; do segundo andar direito;
14. Deslocaram-se ao andar de cima e o canalizador disse que só poderiam fazer uma avaliação completa, com autorização do proprietário para fazer a pesquisa da rotura com câmara de filmar;
15. Foi, então estabelecido contacto com a alegada cuidadora do proprietário da fração autónoma, a qual declarou que não autorizava a presença de nenhum dos intervenientes na fração autónoma;
16. Foi chamada a força policial que, atenta a natureza do litígio, informou que nada podia fazer;
17. Mais tarde, em data que não foi possível apurar, foi autorizada, pela alegada cuidadora do proprietário do segundo andar direito, a pesquisa da rotura;
18. Tendo sido constatada uma rotura na tubagem de águas quentes da cozinha do referido andar, foi esta totalmente substituída, da cozinha à casa de banho, com a tubagem por fora;
19. O primeiro Demandado é pessoa idosa (82 anos) e doente, o que inibiu a Demandante de recorrer, de imediato, ao tribunal;
20. Em 11 de setembro de 2016, a Demandante verificou um agravamento da situação, tendo a Demandante participado à sua seguradora;
21. O perito que se deslocou à sua fração autónoma elaborou Relatório do qual consta “Vistoriado o local de risco, verificámos duas situações distintas, ambas com origem superior: Sit1 – Marcas de humidade e escamagem de tinta em tecto da sala do Lrisco, decorrente de rotura na cozinha do piso superior nas ligações de água quente ao esquentador, entretanto reparada. Sit2 – danos em tecto falsoda IS Lrisco decorrente de possível rotura hidráulica no piso superior, estando a rotura ainda activa à data da peritagem. Proprietário do piso superior já foi contactado, tendo-se mostrado indisponível parar resolver problema.” (Doc. n.º 4); ---
22. Em 6 de março de 2016, a Demandante enviou ao primeiro Demandado o relatório de Vistoria, solicitando rápida intervenção (Doc. n.º 6);
23. À data da entrada da ação, a fração autónoma da Demandante apresentava marcas da humidade e escamagem de tinta (Doc. n.º 7);
24. Danos cuja reparação, de acordo com os orçamentos pedidos pela Demandante, em novembro de 2016 se cifrava em 610,00 €; em fevereiro de 2017, no montante de 650,00 € e em março de 2018, no montante de 610,00 € (sem IVA) – Docs. de fls.268 a 273);
25. Este último orçamento ascende a 930 €, sem IVA incluído, mas reporta-se também à reparação de uma fissura e pintura das paredes e teto do quarto (Doc. fls. 272 e 273);
26. À data da propositura da ação os danos tendiam a aumentar;
27. A Demandante despendeu em honorários com a mandatária o montante de 275,00 € (Duzentos e setenta e cinco euros) – Doc. n.º 8;
28. Pagou a taxa pela propositura da ação, no montante de 35,00 € (Trinta e cinco euros);
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, relevantes para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida envolve danos causados na fração autónoma propriedade da Demandante, causados por infiltrações advenientes das canalizações da fração autónoma, propriedade dos Demandados.
A Demandante detetou sinais de infiltração em julho de 2015, tendo encetado diligências no sentido de apurar a sua causa, tendo sido concluído que havia uma rotura na canalização de águas quentes da cozinha do andar superior, propriedade dos Demandados, a qual, após aturadas e difíceis diligências, acabou por ser totalmente eliminada com a substituição de toda a tubagem, desde a cozinha, até à casa de banho do andar superior.
O tribunal está em crer que, devido ao facto de o primeiro Demandado, e representante legal da segunda Demandada, ter uma provecta idade e de se encontrar doente, tendo alguém que cuida de si próprio e dos seus negócios tem dificultado a solução do problema.
Ao que acresce que a determinação das causas de infiltrações, nos prédios urbanos, constituídos e propriedade horizontal, é extremamente difícil pois, além da canalização de cada uma das frações autónomas, existem as canalizações coletivas; as prumadas de águas limpas e de esgotos que estão instaladas em toda a altura do prédio, as quais são, muitas vezes, responsáveis por infiltrações nas frações autónomas.
E, a determinação também é difícil porque a água procura os caminhos mais inusitados para escoar e, não raras vezes, parecendo que vem de determinado sítio, acaba por se constatar que vem de outro bastante diferente.
É por isso que as infiltrações e as humidades, de um modo geral, são uma fonte de litígios entre proprietários e até entre estes e o condomínio.
Os pedidos formulados pela Demandante têm de ser apreciados à luz do disposto no art.º 483.º e seguintes do Código Civil (CC) e bem assim das normas relativas à propriedade horizontal, essa figura jurídica que tantas dores de cabeça dá aos condóminos, quando estes não assumem as suas responsabilidades.
Ora, dispõe o art.º 483.º, do CC que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” (Bold nosso).
Assim, são requisitos da responsabilidade civil e, por consequência, da obrigação de indemnizar, além do dano, o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjetivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante (antes) e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efectivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578).
Estes requisitos, estabelecidos no n.º 1 do art.º 483.º do CC para a obrigação de indemnizar, são cumulativos.
Por outro lado, dispõe o n.º 1, do art.º 1422.º do CC que “Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.”. É especialmente vedado aos condóminos “Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício.” (n.º 2, al. a) do mesmo dispositivo legal).
Vejamos cada um dos pedidos formulados pela Demandante:
Quanto ao primeiro pedido de condenação dos Demandados a reconhecer que as infiltrações têm origem na sua fração da qual são proprietários e, consequentemente, a reparar as mesmas num prazo não inferior a 30 (trinta) dias.
A Demandante alega que, apesar da substituição de toda a canalização de águas quentes da fração autónoma, propriedade dos Demandados, continua a cair água na sua casa de banho, de cada vez que alguém toma banho no andar de cima. ---
Alega, mas não prova, cabendo-lhe o ónus (encargo) de o provar nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 342.º, do CC.
Efetivamente, o Auto de Vistoria levado a efeito pelos serviços da Câmara Municipal do Seixal, em setembro de 2015 refere que, existiram deficiências nas canalizações do andar superior, sendo certo que o tempo verbal empregue significa que se existiram; já não existem.
Por outro lado a segunda testemunha, canalizador chamado ao local, uma segunda vez, pela Demandante, no seu depoimento disse que não sabia se o problema persistia e que não sabia se, da segunda vez, as infiltrações vinham do andar superior, porque não fez pesquisa nas prumadas e nos esgotos.
Por último, o perito da seguradora da Demandante, em setembro de 2016 relata que verificou marcas de humidade e escamagem de tinta no teto da sala, decorrente de rotura na cozinha do piso superior, entretanto já reparada e danos no teto falso da instalação sanitária, decorrente de possível rotura hidráulica do piso superior, estando a rotura ainda ativa, à data da peritagem.
Ora, nenhum dos técnicos foi perentório a afirmar que as segundas infiltrações, verificadas em 2016 e, alegadamente persistentes, tiveram ou têm a sua origem na fração autónoma, propriedade dos Demandados, sendo certo que – repete-se – cabia à Demandante produzir prova de tal facto.
É certo que a empresa que apresentou o orçamento de reparação dos danos em março de 2018 inscreve no orçamento a seguinte nota “A não reparação da causa do problema no andar superior agrava constantemente os prejuízos, a estimativa será um agravamento de 80% face ao existente, esta % sobe rapidamente num espaço de 3 meses devido ao aumento constante da rotura e acumulação de águas.”, mas também não é menos certo que quem produziu tal afirmação não foi apresentado como testemunha para se aferir da razão da sua ciência e em que factos se baseava para produzir tal declaração.
Não pode a Demandante querer que se deem como provados factos que, ou não são alegados, ou sobre os quais não é produzida qualquer prova.
Este tribunal, conhecedor dos prejuízos e constrangimentos que tais situações causam a quem passa por elas, tudo fez para que a prova cabal e inequívoca fosse produzida, observando uma certa latitude que, atento o facto de a Demandante estar assistida por Ilustre mandatária, nem se justificava.
Tanto assim é que os orçamentos e o próprio Auto da Vistoria levada a efeito em 2015 (!) apenas foram juntos aos autos a instâncias do tribunal, para apuramento da verdade material, na fase de encerramento da discussão e julgamento do litígio.
Como assim, não resultando provado que as infiltrações subsistem e, sobretudo, que estas, a verificarem-se, são provenientes de deficiência das canalizações do andar de cima, propriedade dos Demandados, não pode deixar de improceder o pedido nesta parte.
No que ao segundo pedido concerne, de condenação dos Demandados na reparação dos danos causados pelas infiltrações na fração da Demandante, dúvidas não restam que, conforme resulta provado, tais danos tiveram origem na deficiência das canalizações de águas quentes da fração autónoma, propriedade dos Demandados.
Foram causados danos no teto da sala e da casa de banho da fração autónoma, propriedade da Demandante, cuja reparação foi orçamentada, à data, no montante de 610,00 € (Seiscentos e dez euros) a que acresceria o Imposto de Valor Acrescentado (IVA) à taxa legal.
A reparação de tais danos não sofreu agravamento, sendo certo que, no orçamento de março de 2018, a sua reparação se cifra no mesmo valor, conforme resulta provado.
Aliás, a questão é irrelevante, face ao pedido formulado. Vejamos:
Neste caso, foi violado o disposto no art.º 1422.º do CC, uma vez que os Demandados não procederam – como deviam - à conservação e manutenção das canalizações da sua fração autónoma de forma a evitar o prejuízo da Demandante.
Pelo que, resultando provado – como, inequivocamente, resulta - que as infiltrações verificadas na fração autónoma da Demandante, foram provenientes da fração autónoma de que os Demandados são proprietários, são estes obrigados a reparar os danos que causaram.
Efetivamente, a nossa lei consagra, a propósito da obrigação de indemnizar, o princípio da reconstituição natural, consagrando o princípio geral do art.º 562.º do CC que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”.
Aliás, nos termos do disposto no art.º 566.º, do CC, a indemnização só é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não é possível; não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Neste caso, nenhuma destas situações se verifica, pelo que o primeiro direito da Demandante e a primeira obrigação dos Demandados é o da reparação dos danos ilicitamente causados na propriedade da Demandante.
Tal direito só se devolveria à Demandante se, tendo sido pedida a fixação de prazo para o efeito, os Demandados não o fizessem, caso em que o direito a efetuar a reparação se devolveria à Demandante, suportando os Demandados o custo em que tal reparação importasse.
Mas, no caso, apesar do convite ao aperfeiçoamento do douto RI e do efetivo aperfeiçoamento do mesmo, tais pedidos não foram formulados, pelo que o tribunal tem de se ater ao pedido formulado, sob pena de violação do princípio do limite à condenação (n.º 1, do art.º 609.º, do CPC).
Pelo que, atenta a prova produzida, o pedido não pode deixar de proceder nos termos em que foi formulado.
Relativamente ao pedido de condenação dos Demandados a indemnizar a Demandante pelos prejuízos sofridos, devendo tal valor ser liquidado a final, atenta a natureza continuada do dano e ser fixado para momento posterior o seu montante, verifica-se que a Demandante inclui neste pedido o valor orçamentado para reparação dos danos causados, já decidido no segundo pedido porque a Demandante não pode pedir a condenação dos Demandados na reparação dos danos e no pagamento do seu valor, a não ser como pedido alternativo, o que, conforme se viu, não foi formulado.
Inclui também os honorários pagos e, presumimos, a pagar à sua Ilustre mandatária.
Relativamente à quantia de 275,00 €, pelos honorários pagos à sua Ilustre mandatária, não pode este pedido deixar de improceder uma vez que estes danos não são atendíveis como danos cíveis indemnizáveis já que existe uma norma especial quanto à possibilidade de reembolso dos mesmos (cfr. al. a) do Art.º 543.º, do Código Processo Civil), mas apenas quando está em causa a litigância de má-fé que não é, manifestamente, o caso dos autos. Cita-se a propósito, e por todos, o douto Acórdão da Relação do Porto de 26/01/2000, in Colectânea de Jurisprudência, 2000, 1.º-236: “O que sob pena de se concluir pela inutilidade e/ou excrescência destes preceitos (art.º 456.º e 457.º do C.P.C.), claramente significa que, em termos gerais, isto é, fora das situações de litigância de má-fé, não há lugar a indemnização por tal despesa.”.
Ademais, acompanha-se o douto entendimento do Supremo Tribunal de Justiça de que a supracitada norma é uma norma especial, cujo âmbito de aplicação se circunscreve à indemnização por litigância de má-fé e, como tal, insuscetível de aplicação analógica e não a emanação de um princípio geral (cfr. Ac. STJ, de 15.6.1993:BMJ,428.º-530).
A Demandante pede também, a título de danos morais a quantia de 200,61 €, alegando que a Demandante por causa dos danos, não pode convidar amigos e familiares para estarem em sua casa, pois sente profunda vergonha pelos danos existentes no seu imóvel e que não tem podido usufruir em pleno o seu direito de propriedade, desde julho de 2015. Vejamos:
Em primeiro lugar, existem documentos nos autos elaborados e juntos pela Demandante, dos quais resulta que esta não reside na fração autónoma, desde que casou, muito antes dos danos que lhe foram causados, pelo que se algum dano não patrimonial foi causado, quem os sofreu foram os seus pais, sendo certo que tendo o seu pai já falecido, os danos não patrimoniais, a partir daí, estariam apenas a ser sofridos pela sua mãe (cfr. Doc. n.º 2).
Não tem, assim, a Demandante legitimidade para formular o referido pedido, uma vez que quem sofreu diminuição na fruição do imóvel e quem não pôde convidar amigos e familiares foi a sua mãe.
Mas, ainda que tivesse legitimidade para formular tal pedido, sempre se dirá que, reconhecendo-se os incómodos da situação, a verdade é que não foram alegados – nem, minimamente, provados - factos que levassem o tribunal a concluir que tais danos mereciam a tutela do direito.
Improcede, assim, o pedido nesta parte.
Finalmente pede a Demandante a condenação dos Demandados no pagamento das custas judiciais, bem como nas custas de parte nos termos da lei.
Quanto às custas é questão a decidir no momento próprio da presente decisão, condenando-se ou absolvendo-se do pagamento das custas em razão do decaímento.
No que às custas de parte concerne, os processos cuja tramitação decorra nos Julgados de Paz estão sujeitos – quanto a custas – ao regime da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, não se lhe aplicando o Regulamento das Custas Judiciais.
A referida Portaria não prevê o pagamento de custas de parte.
Face ao que antecede e sem maiores indagações, porque desnecessárias, o pedido improcede.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, e em consequência, decido condenar os Demandados a proceder à reparação dos danos causados nos tetos da casa de banho e da sala da fração autónoma, propriedade da Demandante.
Mais decido absolver os Demandados dos restantes pedidos contra si formulados pela Demandante.
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Custas a suportar pela Demandante e pelos Demandados, em razão do decaimento e na proporção respetiva de 60% e 40% (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
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Registe e notifique o Ministério Público, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Seção de Competência Especializada Cível e Criminal do Seixal (art.º 60.º, n.º 3, da LJP).
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Seixal, 20 de abril de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)

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(Fernanda Carretas)