Sentença de Julgado de Paz
Processo: 05/2015-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
Data da sentença: 04/17/2015
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
A, Lda., propôs contra B, a presente ação declarativa enquadrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 504,80 (quinhentos e quatro euros e oitenta cêntimos), que corresponde ao valor em divida acrescido de juros de mora vencidos, e a que deverão acrescer juros de mora vincendos até ao efetivo e integral pagamento, por fornecimento de produtos no âmbito da respetiva atividade.

Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 3 e juntou 7 documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
A demandada contestou os factos alegados pela demandante, nos termos constantes de fls. 18 a 21, referindo que nada deve e concluindo pela improcedência da ação e absolvição do pedido. Mais requereu a condenação da demandante em litigância de má-fé, em multa a indemnizar a favor da demandada em quantia não inferior a €500,00, por invocar falta de pagamento da demandada quando bem sabe não corresponder à verdade.
Juntou 59 documentos que aqui também se dão por reproduzidos.
O litígio não foi submetido a mediação.
Em Audiência de Julgamento ambas as partes apresentaram prova testemunhal.
Valor da ação: € 504,80 (quinhentos e quatro euros e oitenta cêntimos).
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- A demandante dedica-se ao comércio por grosso de perfumes, produtos de cabeleireiro, de higiene, estética e cosmética, equipamentos e acessórios para profissionais especializados e formação;
2.º- A demandada explora, diretamente e/ou através de terceiros a seu cargo, um salão de cabeleireiro e beleza;
3.º- Na sequência da atividade comercial de ambas, a demandante forneceu à demandada, e a pedido desta, diversos produtos cosméticos, inclusivamente os que se encontram discriminados nas seguintes faturas, no valor global de € 622,75 (seiscentos e vinte e dois euros e setenta e cinco cêntimos):
FAC A/xx2, emitida em 11-07-2013, no valor de € 173,06;
FAC A/xx9, emitida em 01-08-2013, no valor de €148,34;
FAC A/xx3, emitida em 22-08-2013, no valor de €301,35;
4.º- As referidas faturas e os respetivos produtos foram entregues à demandada nas indicadas datas, sem que tenham sido objeto de qualquer devolução ou reclamação;
5.º- Após a emissão de cada fatura, a demandada ficou obrigada a pagar à demandante metade do valor correspondente no prazo de 30 dias, e a restante metade após 60 dias;
6.º- Todas estas faturas foram pagas pela demandada;
7.º- Sendo que a demandante nem sempre enviou à demandada as faturas/recibos referentes aos pagamentos por ela efetuados;
8.º- E sempre emitiu recibos provisórios aquando da entrega de valores por parte da demandada;
9.º- Sendo que nem todos os registos provisórios que lhe foram emitidos e entregues constam do registo contabilístico da demandante relativos à demandada.
Motivação dos factos provados:
Os pontos 1.º a 5.º supra foram aceites pela demandada e a restante factualidade dada como provada resultou da conjugação dos documentos juntos aos autos, das declarações do representante legal da demandante e da demandada e dos depoimentos das duas testemunhas apresentadas pelas partes. Quanto a estas, ambas ex- trabalhadores da demandante, C, sua testemunha e D, testemunha da demandada, e em litígio com aquela, depuseram de modo credível e sobre factos de que tinham conhecimento direto, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil.
O depoimento desta última, que foi vendedora da demandante e que representava a empresa junto da demandada e a quem esta pagava os produtos que lhe eram fornecidos, foi, no que aos pagamentos efetuados pela demandada diz respeito, corroborados pelos recibos provisórios que a demandante emitiu (com exceção do valor de €168,69 que se encontrava, contudo, lançado no registo contabilístico da demandante junto aos autos como valor recebido).
Aliás, deste registo contabilístico e dos recibos provisórios emitidos pela demandante resultam um valor a pagar pela demandada de €7 719,00 (sete mil setecentos e dezanove euros), e um pagamento efetuado por esta no valor de €7.330,73 (sete mil trezentos e trinta euros e setenta e três cêntimos), que, acrescendo ao valor das Notas de Crédito na importância de €388,81 (trezentos e oitenta e oito euros e oitenta e um cêntimos), totaliza aquela importância.
Factos não provados e respetiva motivação:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, por falta de mobilidade probatória.
Fundamentação de direito:
Entre a demandante e demandada foram celebrados vários contratos de compra e venda, contrato previsto e regulado nos artigos 876º e seguintes do Código Civil (doravante designado simplesmente: C. Civ.), sinalagmático, pelo qual, nos termos legais,”… se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”
Tem um efeito real automático, de transmissão da propriedade dos produtos vendidos e constitui efeitos obrigacionais recíprocos: para um, a entrega dos produtos e para o outro, a obrigação de os pagar (cf. artigos 879º, 408º e 882º do C. Civ.).
Nos termos do artigo 762º do C. Civ., o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado e o contrato deverá ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes (cf. artigo 406º do mesmo Código).
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cf. artigo 341º do C. Civ).
Ora, não existindo no direito comercial norma que liberte o vendedor do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, aplica-se na situação o disposto no nº1 do artigo 342º do C. Civ., pelo que seria à demandante que incumbia o ónus da prova do fornecimento, nas quantidades e valores que alega, por serem factos constitutivos do seu direito, sendo que a demandada os admitiu na sua contestação.
A esta competia, por sua vez, o ónus da prova do pagamento integral dos valores relativos aos fornecimentos, como facto extintivo da sua obrigação, nos termos do n.º 2 do art.º 342.º do C. Civil, o que logrou fazê-lo, como resulta da factualidade dada como assente.
Assim, não tem qualquer fundamento a pretensão da demandante.
Quanto à requerida condenação desta por litigância de má-fé:
Trata-se de um instituto previsto no artigo 542º do CPC que tem subjacente a boa-fé que deverá sempre nortear a atividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos ou deduzam oposição, cuja falta de fundamento não deviam ignorar, não articulem factos contrários à verdade, ou omitam factos relevantes para a decisão da causa e/ou não requeiram diligências meramente dilatórias, tudo em violação do princípio de cooperação das partes e dos deveres que lhe são inerentes, e com o objetivo ilegal de impedir a descoberta da verdade e a ação da justiça.
Ora, resultou dos factos provados, que nem todos os registos provisórios, comprovativos dos pagamentos efetuados pela demandada e que lhe foram entregues pela testemunha D e pretensamente rubricados por E, trabalhadora da demandante e então esposa do seu representante legal, constam do registo contabilístico da empresa, sendo que a demandante foi surpreendida neste processo com a situação.
Assim, não estão reunidos os pressupostos para a referida condenação, pelo que também se indefere.
Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação improcedente, por não provada, e em consequência, absolvo ambas as partes dos pedidos formulados, respetivamente.
- Custas totais pela demandante, nos termos dos artigos, 1º, 8º e 10º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro.
- Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 9º da mesma Portaria.
Registe e notifique.
Aos dezasseis dias do mês de abril de 2015

A Juíza de Paz
(Elisa Flores)
Processado por computador (art.º 131º, nº 5 do CPC)