Sentença de Julgado de Paz
Processo: 139-2017-JPCBR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DEVER DE VIGILÂNCIA
CULPA PRESUMIDA
PRIVAÇÃO DE USO
Data da sentença: 05/03/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

OBJETO DO LITÍGIO
O Demandante intentou contra as Demandadas a presente ação declarativa, enquadrável na alínea e) do n.º 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, adiante LJP, tendo formulado os seguintes pedidos:
- Ser a “C” declarada como única e exclusiva responsável pela ocorrência deste sinistro;
- Condenar as Demandadas ao pagamento da reparação do veículo do Demandante com a matrícula xxxxxx, que se estima ascender aos € 476,69 [quatrocentos e setenta e seis euros e sessenta e nove cêntimos).
- Condenar as Demandadas ao pagamento da privação e uso do veículo xxxxxx, na quantia de 100,00 (cem euros), referente a dois dias para reparação do veículo.
- Condenar as Demandadas ao pagamento de juros vencidos de € 50,56 (cinquenta euros e cinquenta e seis cêntimos), do período de 05/04/2015 a 1 2/06/2017 e vincendos até pagamento efetivo.
- Condenar as Demandadas ao pagamento das custas do processo, com todas as consequências legais.

As 1ª e 2ª Demandadas apresentaram contestação, conforme plasmado a fls. 42 e 23 a 27, respetivamente, tendo impugnado os factos vertidos no requerimento inicial.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.

Valor da ação: € 627,25

FACTOS PROVADOS:
A. O Demandante é proprietário do veículo ligeiro de passageiros de marca TOYOTA, modelo E12 (COROLLA), com a matrícula xxxxxx;
B. No dia 05 de Abril de 2015, o referido veículo encontrava-se estacionado na Rua I, Pedrulha, com inclinação, quando por volta das 16:50h, foi embatido por um contentor do lixo que se soltou do respetivo resguardo devido ao vento que se fazia sentir;
C. No dia do acidente, o veículo encontrava-se na posse de “D”, que ao chegar junto do veículo terá constatado que este se encontrava danificado e que no pára-brisas se encontrava um papel com o nome Victor dos Leitões e respetivo contacto telefónico, acrescentando que este tinha presenciado o embate do contentor do lixo naquela viatura;
D. O contentor do lixo com o n.º 303/04 soltou-se do seu resguardo e foi embater na traseira esquerda do veículo com a matrícula xxxxxx;
E. O veículo sofreu amolgadelas e riscos na traseira esquerda, assim como o respetivo farolim ficou danificado;
F. O contentor do lixo com o n.º 303/04 tem um travão e uma barra lateral de proteção metálica de encaixe, não tendo barra frontal;
G. O contentor do lixo n.º 303 é propriedade da “C”, sendo esta responsável pela sua acomodação;
H. Após o sinistro, o Demandante solicitou à oficina “E”, uma avaliação dos danos infligidos no seu automóvel de modo a poder apurar o valor da reparação;
I. Esta avaliação resultou na elaboração do Orçamento n.º xxxx, cujo valor apurado ascende a quantia de € 476,69;
J. À data do acidente em apreço a responsabilidade civil da “C” encontrava-se transferida para a “B”, aqui 1ª Demandada, por efeito de contrato de seguro de responsabilidade civil com a apólice n.º xxxxxxxx;
K. Estando em vigor uma franquia de 10% do valor da indemnização, com mínimo de € 500,00 e máximo de € 2.000,00;
L. A 1ª Demandada por carta datada de 14 de junho de 2015 veio declinar qualquer responsabilidade pelo acidente em apreço, designadamente por entender não estar comprovado o nexo causal entre os danos sofridos no veículo do Demandante e alguma ação/omissão culposa da própria;
M. O Demandante é titular de um outro veículo automóvel.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 6, 8 a 14, 59 a 90, e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
Os factos instrumentais insertos no item B (“com inclinação” e “devido ao vento que se fazia sentir”), item K e item M decorreram da instrução da causa, conforme o possibilita a al. a) do n.º 1 do Art.º 5º do CPC.
O depoimento prestado pela testemunha indicada pelo Demandante, “F”, foi essencial para a descoberta da verdade na medida em que assistiu ao sinistro e demonstrou estar ao corrente dos danos materiais causados no veículo do Demandante, descrevendo, com rigor e transparência, aquilo que sabia.

Quanto a “D”, também indicado pelo Demandante e seu filho, era o condutor habitual do veículo, à data dos factos em análise, tendo explicado ao Julgado de Paz o que fez após o embate do contentor do lixo na viatura.
Quanto às testemunhas indicadas pela 2ª Demandada, “G” e “H” trata-se dos seus colaboradores, os quais responderam de forma exaustiva e com conhecimento direto das características físicas dos contentores existentes na rua onde ocorreu o sinistro.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
Não foi concedido relevo probatório à fatura de fls. 95, emitida a 13.04.2013, porquanto não venho acompanhada por nenhum recibo que atestasse que o Demandante pagou o valor da reparação.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Nos presentes autos, está em causa a apreciação do pedido de indemnização formulado pelo Demandante, contra as Demandadas, com o fim de estas serem responsabilizadas pelos danos patrimoniais advenientes do alegado embate de um contentor do lixo, da titularidade da 2ª Demandada, contra o seu veículo automóvel.
Importa, pois, determinar se as Demandadas são responsáveis pela ocorrência de tal incidente e se, por conseguinte, ficam as mesmas constituídas na obrigação de ressarcir o Demandante pelos prejuízos sofridos.
Desde já, seja qual for a fonte de que provenha este dever de indemnizar -responsabilidade por factos ilícitos – Art.ºs 483.º e ss. do Código Civil (CC); responsabilidade pelo risco - Artº.s 499.º e ss.; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - Art.ºs. 798.º e ss. - radica sempre num dano, isto é, “na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico” - cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, 1986 – reimpressão, AAFDL, pág. 283).
Por outro lado, sob a ótica da responsabilidade civil extracontratual, são requisitos cumulativos: um facto, que se pode traduzir numa ação ou numa omissão; a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjetivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados; a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
Porém, a prova de tal juízo de censurabilidade impende sobre aquele que sofreu a lesão, isto é, sobre o lesado, conforme o que dita o n.º 1 do Art.º 487º do CC: é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção de culpa.
O n.º 1 do Art.º 493º do CC que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. Tal preceito estabelece uma presunção de culpa do detentor de coisa ou normal, sendo da responsabilidade deste provar o contrário, ou seja, que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Atentos os factos dados como provados, devido ao vento que naquele dia se fazia sentir, o contentor do lixo soltou-se do seu resguardo e foi embater na traseira esquerda do veículo do Demandante.
Mais ficou provado que a rua era inclinada e que o contentor apenas tinha um travão e uma barra lateral de proteção, inexistindo qualquer barra frontal, o que entendemos ter contribuído, a par do vento que assolava aquela rua naquele dia, para o evento ora em análise.
Com efeito, conjugando todos esses fatores, o sinistro em causa teria elevada probabilidade de se verificar, o que na realidade sucedeu e com prejuízos efetivos para a esfera jurídica do Demandante.
Em face das circunstâncias específicas daquela rua e do eventual clima adverso que se pudesse vir a sentir, a 2ª Demandada devia e podia ter agido de outro modo, assegurando que o contentor não se destravaria por força do vento e que, face à inclinação da rua, se deslocaria com risco para as pessoas e bens. Atuou, pois, imponderada e negligentemente, sem o cuidado ou a atenção que se lhe impunha na tarefa de vigilância daquele contentor.
Logo, estão preenchidos os requisitos que a lei impõe, cumulativamente, para haver lugar a responsabilidade delitual por parte da 2ª Demandada: ocorreu o facto, traduzido no supra referido embate; tendo a mesma atuado, negligentemente, na tarefa de vigilância, tendo causado, nesse âmbito, danos patrimoniais ao Demandante, recaindo sobre si, também, a obrigação de indemnizar, além de que existe um nexo de causalidade entre a sua falta de vigilância e os danos ocorridos, pois se não fosse a sua omissão aqueles danos não teriam ocorrido.
Por conseguinte, deve a 2ª Demandada ressarcir, a título de danos patrimoniais, a Demandante, mediante o pagamento do custo estimado para a reparação do veículo, isto é, € 476,69.
No que concerne à privação do uso da sua viatura automóvel, constitui entendimento jurisprudencial, embora não unânime, que a impossibilidade de uso do veículo, em virtude de um sinistro, constitui, em si, um dano reparável, na medida em que ilicitamente, por ação do lesante, ficou o titular do veículo privado da possibilidade de o usar, de o desfrutar, de retirar dele as utilidades que pode propiciar como coisa sua (quer na vida profissional quer nos momentos de lazer).
Portanto, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária. Neste sentido, Ac. STJ de 09.05.02, págs. 125 a 129 do I volume de António Santos Abrantes Geraldes – Indemnização do Dano de Privação do Uso, 2ª Ed. Almedina, e, também, o Ac. RP de 19.03.2009, Proc. n.º 3986/06.8TBVFR.P1 in www.dgsi.pt : “A paralisação forçada da viatura é só por si um prejuízo indemnizável, não sendo pressuposto necessário de tal indemnização a alegação e prova de todas as despesas suportadas com transportes alternativos e/ou com veículos de substituição durante o período da paralisação, o que apenas contende com o “quantum” da indemnização, com a possibilidade de aceder a despesas acrescidas, mas não com o acesso à compensação devida pela privação do uso.”
No caso em concreto, não ficou demonstrado que o veículo ligeiro tivesse ficado imobilizado desde a data do acidente até à sua reparação, nem quantos dias foram necessários para ser reparado. Além disso, atenta a factualidade apurada e dada por provada, ressalta que o Demandante era proprietário de um outro veículo automóvel, logo, mesmo que não tivesse podido usar o veículo dos autos para a circulação rodoviária, poderia colmatar tal lacuna com a utilização de um outro veículo da sua titularidade.
Face a tal realidade, entendemos que não há fundamento legal que sustente a sua pretensão de indemnização pela privação de uso, devendo decair nesta parte.

Por fim, quanto aos juros de mora peticionados pelo Demandante, nos termos do Art.º 804º e Art.º 559º do CC, sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. A ser assim e tendo em conta o regime descrito no n.º 3 do Art.º 805º do citado Código, serão devidos juros de mora, no caso em apreço, à taxa legal de 4%, sobre a indemnização, desde a data da citação até integral pagamento (Portaria n.º 291/2003, de 08.04), que ocorreu a 14.06.2017.
Por conseguinte, dado o valor indemnizatório ser de € 476,69, está excluída qualquer responsabilidade da 1ª Demandada em virtude da franquia convencionada ser de 10% da indemnização, com o limite mínimo de € 500,00, o que justifica a sua desoneração.

DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação parcialmente procedente, condenando a 2ª Demandada a pagar à Demandantes € 476,69 (quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais, e, ainda, juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 14.06.2017, até integral pagamento.

Custas na proporção do decaimento que se fixam em 75% para a 2ª Demandada e 25% para o Demandante, o que equivale a que 2ª Demandada efetue o pagamento de € 18,00, no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Quanto à Demandante, proceda-se ao reembolso de €18,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
A presente sentença foi proferida e notificada nos termos do n.º 2 do Art. 60º da LJP.
Registe e notifique.

Coimbra, 3 de Maio de 2018

A Juíza de Paz,
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Daniela Santos Costa