Sentença de Julgado de Paz
Processo: 110/2016–JP
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO - PRESUNÇÃO LEGAL - SOLIDARIEDADE
Data da sentença: 06/22/2017
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Demandantes: A e esposa B;
Demandado: C, viúvo.

I - OBJETO DO LITÍGIO
Os Demandantes intentaram contra o Demandado a presente ação declarativa, enquadrável na alínea a) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, adiante LJP, pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 7.927,52 acrescida de juros até efetivo e integral pagamento, a título de uma conta bancária em que eram co-titulares.

Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 23 a 24, impugnando os factos vertidos no requerimento inicial.

Valor da ação: € 7.927,52

II - FACTOS PROVADOS
A. Demandantes e Demandado eram co-titulares de uma conta conjunta na D com o n.º X;
B. Em 09.12.2009, o Demandado transferiu daquela conta a quantia de € 9.790,63 (nove mil setecentos e noventa euros e sessenta e três cêntimos);
C. Nessa altura, apenas ficou como saldo nessa mesma conta o valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);
D. Em 05.04.2012, o Demandado encerrou, por sua própria iniciativa, a referida conta bancária, levantando todo o dinheiro existente, ou seja, € 250,00;
E. Os € 10.000 (dez mil euros) depositados na conta identificada no item A, aberta por Demandantes e Demandado, em 7 de Junho de 2004, no Balcão de x, da D, pertenciam exclusivamente ao Demandado e provieram de uma conta que este detinha, como único titular, naquela instituição bancária, sob o n.º x;
F. Tendo o Demandado aberto a conta em nome dos três (Demandantes e Demandado) e transferido para a mesma as poupanças que possuía, com receio de adoecer e não a poder movimentar.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos, de fls. 15, 16, 50 e 51 e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
Quanto às testemunhas indicadas pelos Demandantes - E, de 26 anos, e F, de 19 anos, não foram consideradas como relevantes para o apuramento dos factos provados porquanto, apesar de serem seus filhos, não assistiram diretamente às conversações tidas com o Demandado, revelando hesitações, dificuldades nas respostas dadas e lapsos de memória porquanto, à data da abertura da conta bancária em apreço, eram ainda menores de idade.
Quanto a G, de 49 anos, indicada pelo Demandado e seu filho, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal uma vez que conhece a situação financeira das partes e o seu contexto familiar, tendo respondido de forma sincera.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
De facto, os Demandantes não lograram demonstrar, por nenhum meio, que parte do dinheiro depositado na conta bancária fosse da sua titularidade.
Por outro lado, também não foi atribuído peso probatório ao documento de fls. 27 a 44, junto com a contestação, por se tratar de uma mera cópia de uma sentença judicial, desconhecendo-se se já transitou em julgado.

III - ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Nos presentes autos, está em causa a apreciação do pedido formulado pelos Demandantes, contra o Demandado, com o intuito de que este devolva parte do dinheiro que se encontrava depositado numa conta bancária titulada por ambas as partes.
O contrato de depósito vem definido no Art.º 1185º do Código Civil (CC) como sendo o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e restitua quando for exigida. O depósito bancário em sentido próprio é um depósito em dinheiro, constituído junto de um banqueiro. Trata-se duma operação que surge sempre associada a uma abertura de conta, como foi o caso ora em litígio.
A conta bancária conjunta fica submetida ao regime da solidariedade sempre que a conta, sendo titulada por mais do que uma pessoa, possa ser movimentada livremente por qualquer uma delas, tanto a débito como a crédito.
Para este conspecto, é aplicável o disposto das obrigações solidárias, no Art. 516º do CC, segundo o qual se presume que os titulares da conta comparticipam, em partes iguais, das quantias depositadas. Tal presunção legal pode ser afastada mediante prova em contrário, conforme estatui o n.º 2 do Art. 350º do CC. De tal possibilidade decorre que poderá ser demonstrado que as quantias depositadas pertencem exclusivamente a um dos titulares ou em partes desiguais de entre os vários titulares.
O que está na base de uma conta bancária solidária é a relação de confiança existente entre os titulares, de tal forma que a qualquer um deles é conferida a possibilidade de movimentação dos fundos depositados. No entanto, essa liberdade de atuação não pode ser confundida com a propriedade do capital depositado, visto que quem movimenta a conta poderá não ser necessariamente o titular exclusivo do capital. Daí que, para ultrapassar eventuais diferendos, a lei civil tenha estabelecido aquela presunção legal, de molde a que, salvo prova em contrário, a comparticipação no crédito é em partes iguais.
Assim, no caso concreto, segundo a versão dos Demandantes, cada um dos titulares teria direito a um terço da quantia depositada na conta em análise. Logo, é com base na presunção legal prevista no Art. 516º do CC, que fundamentam o seu alegado direito de crédito. Todavia, em sede de contestação, o Demandado arroga-se como o titular, único e exclusivo, da quantia depositada na conta conjunta, com o intuito de, assim, ilidir aquela presunção de participação solidária. Será, pois, este o cerne da questão: apurar se o Demandado é, ou não, proprietário da totalidade do capital que levantou.
Da matéria dada por provada, resulta que os € 10.000 (dez mil euros) depositados na conta conjunta, em 7 de Junho de 2004, no Balcão de x, da D, pertenciam exclusivamente ao Demandado e que provieram de uma conta que este detinha, como único titular, naquela instituição bancária, sob o n.º X. A força probatória de tal facto foi obtida pela guia de transferência bancária da quantia de uma conta, unicamente por si titulada, para a atual conta conjunta em disputa, e da informação bancária de conta do Demandado, respetivamente, documentos bancários de fls. 50 e 51.
Igualmente ficou provado que o Demandado havia aberto a conta em nome dos três (Demandantes e Demandado) e transferido para a mesma as poupanças que possuía, com receio de adoecer e não a poder movimentar.
Disto decorre que o Demandado logrou afastar a presunção legal do Art. 516º do CC, demonstrando, como o fez, que é o exclusivo dono do fundo depositado, reservando-se, desta forma, ao exercício do direito de movimentar a conta até ao seu esgotamento, sem ser obrigado a restituir aos restantes titulares, ora Demandantes, dois terços do capital, tal como estes haviam peticionado.
Deve, nesta medida, improceder na totalidade a pretensão dos Demandantes.

IV – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo totalmente improcedente a presente ação e, por consequência, absolvo o Demandado do pedido.

Custas pela parte vencida – os ora Demandantes, em conformidade com o disposto nos Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro, a serem pagas no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento.

Registe e notifique.
Tarouca, 22 de Junho de 2017
A Juíza de Paz,
Daniela Santos Costa

Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Tarouca