Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1420/2017-LSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS DECORRENTES DE RUTURA DE CANALIZAÇÃO.
Data da sentença: 06/21/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:

SENTENÇA

Processo nº 1420/2017

Objeto: Responsabilidade civil - danos decorrentes de rutura de canalização.

Demandante: A.
Mandatária: Srª. Drª. B.

Demandado: C.
Mandatária: Srª. Drª. D.

RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra o demandado, também devidamente identificado nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este seja condenado a indemniza-la no montante de € 681 (seiscentos e oitenta e um euros), acrescida de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que é proprietária da fração autónoma correspondente ao 4.º andar esquerdo do prédio sito na Rua ---------------, n.º 10, freguesia da Penha de França, concelho de Lisboa, e o demandado proprietário do 5.º andar esquerdo desse mesmo prédio, e que, em 20 de maio de 2017, começou a cair água no tecto da sua cozinham água proveniente de uma rotura na canalização da fração do demandado. Mais alega que apesar das várias comunicações escritas trocadas com o demandado, este nunca reparou os danos causados, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia orçada para a reparação, bem como em indemnização no montante de € 100 (cem euros), para custear a limpeza da cozinha e privação de uso da mesma. Juntou 31 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e, posteriormente (fls. 49) procuração forense.
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Devidamente citado, o demandado apresentou contestação (de fls. 41 a 43 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), alegando que a demandante litiga de má fé por alegar realidade inexistente e alterar a verdade dos factos, e que pretende resolver à custa do demandado problema que já existia antes de dezembro de 2016, data em que o demandado adquiriu a fração. Impugna que o demandado tenha assumido qualquer responsabilidade no evento e que sugeriu à demandante que enviasse um perito da sua companhia de seguros à sua fração, o que a demandante recusou. Juntou procuração forense.
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Foi marcada data para realização da audiência de julgamento, da qual as partes e mandatárias foram devidamente notificadas.
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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, na presença das partes e mandatárias, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem sucedida.
Foi ouvidas as partes, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas pela demandante.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor
de € 681 (seiscentos e oitenta e um euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 - A demandante é, desde 9 de abril de 2002, proprietária da fração autónoma designada pela letra (M), correspondente ao 4.º andar esquerdo do prédio sito na Rua ---------------, n.º 10, freguesia da Penha de França, concelho de Lisboa.
2 - O demandado é, desde 6 de dezembro de 2016, proprietário da fração autónoma designada pela letra (O), correspondente ao 5.º andar esquerdo do prédio identificado no número anterior.
3 - Em dia não apurado de maio de 2017 começou a pingar água no teto da cozinha da fração identificada no número 1 supra.
4 - Momento em que estavam a ser executadas obras na fração do demandado, obras que também consistiram na substituição da canalização da fração.
5 - Água proveniente de rotura na canalização do 5.º andar esquerdo.
6 - Em 21 de maio de 2017 a demandante remeteu ao demandado o e-mail a fls. 24 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a comunicar que no dia 20 de maio de 2017 caía água no tecto da sua cozinha e a solicitar a resolução da situação.
7 - Em 22 de maio de 2017 o demandado remeteu à demandante o e-mail a fls. 26 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a comunicar que já tinha avisado o Sr. E para ir verificar e que (Caso o problema venha do 5.º, prometo que o problema será resolvido, pois vamos verificar todas as canalizações atuais). -----
8 - Em 22 de maio de 2017 a demandante remeteu ao demandado o e-mail a fls. 27 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a comunicar que não era a primeira vez que tal ocorria, (penso que já passei por isto 7 vezes) e que "(... disseram que na última vez era da pequena casa de banho/sanita perto da cozinha".
9 - Em 1 de junho de 2017 o demandado remeteu à demandante o e-mail a fls. 31 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, na sequência do email da demandante a fls. 30, a referir que o problema seria recorrente e existente há vários anos, e propunha aguardar-se pelo termo dos trabalhos em casa dele e após feitos novos testes pedia (ao Sr. E para avaliar o custo para refazer o seu teto nessa área e dividimos os custos entre nós) ou, a outra opção é ativar os seguros.
10 - Em 4 de junho de 2017 a demandante remeteu ao demandado o e-mail a fls. 32 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
11 - Em 5 de junho de 2017 o demandado remeteu à demandante o e-mail a fls. 33 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, sugerindo ativar os seguros.
12 - Em 13 de junho de 2017 o demandado remeteu à demandante o e-mail a fls. 34 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, reiterando que acabada a obra e realizados testes, (peço à minha seguradora para vir avaliar os danos ...).------
13 - Em 26 de junho de 2017 o demandado remeteu à demandante o e-mail a fls. 28 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a comunicar que "os trabalhos (....) não estão finalizados"- e que irá accionar o seguro após 7 de julho.
14 - Em 29 de junho de 2017 a Companhia de seguro da demandante, F, peritou os danos, tendo constatados existirem "manchas e marcas de água no tecto falso da cozinha da fração seguro", e orçando a sua reparação em € 581 (quinhentos e oitenta e um euros).
15 - Em 23 de setembro de 2017 a demandante remeteu ao demandado o e-mail a fls. 36 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a remeter o orçamento de reparação referido no número anterior.
16 - Em 25 de setembro de 2017 o demandado remeteu à demandante o e-mail a fls. 37 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a dizer que não se esqueceu do assunto e que ia ligar para a companhia de seguros dele.
17 - O teto falso da cozinha da fracção da demandante tem as manchas e marcas visíveis nas fotografias de fls. 7 a 19 dos autos.
18 - O demandado não participou o sinistro à sua seguradora.
19 - Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os emails de fls. 63 a 66 dos autos, pelo qual o demandado denuncia à administração do condomínio infiltrações na sua fração, as das fotografias de fls. 59 a 62 dos autos.
20 - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o relatório de fls. 50 a 54 dos autos, e a ata da assembleia de condóminos a fls. 55 e 56 dos autos.

Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1 - A limpeza da cozinha da demandante vai custar montante não inferior a € 100 (cem euros).
2 - A demandante vai estar privada de fazer as suas refeições na cozinha durante os vários dias de reparação da mesma.
Motivação da matéria fática:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os documentos juntos aos autos, o depoimento do demandado e o depoimento das testemunhas apresentadas pela demandante.
Quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas pela demandante, as mesmas foram unânimes nos seus depoimentos ( prestados de modo seguro e convincente, demonstrando terem conhecimento directo dos factos sobre os quais depunham ) , dizendo que não era a primeira vez que existiam infiltrações na cozinha da casa da demandante, que já existiram várias vezes no passado, e cuja origem foi sempre ruturas nas canalizações do 5.º andar esquerdo. As segunda e terceira testemunhas foram peremptórias a afirmar que, desta vez, quando ocorreu a rotura, estavam a ser feitas obras no 5.º andar esquerdo, obras que incluíram a substituição da canalização desse andar. Disseram que o incidente de meados de maio 2017 parou, sendo que actualmente começam a ver-se manchas em divisão contígua à cozinha.
A terceira testemunha apresentada foi essencial para a formação da nossa convicção quanto à origem da infiltração. A testemunha, actual administrador, e residente no prédio há anos, disse que é verdade que o telhado do prédio há anos que precisa de obras e que foram realizadas umas obras no telhado, que não ficaram bem feitas e que originaram infiltrações nos 4. º e 5.º andares. Mas essa infiltrações, que no caso da fração da demandante se situam num quarto, nada têm a haver com a infiltração existente no tecto da cozinha da demandante. Esta infiltração no tecto da cozinha da demandante, que não é a primeira vez que ocorre (tendo sido sempre reparada pela anterior proprietária do 5.º esquerdo), tem a sua causa em rutura da canalização do 5.º andar que, até à obra agora realizada pelo demandado, nunca tinha sido alvo de manutenção ou conservação. A testemunha disse ainda que quando ocorreu esta infiltração, em meados do ano passado, estavam a ser realizadas obras no 5.º esquerdo a nível da canalização. E assim, analisandos os documentos juntos aos autos pelo demandado de fls. 50 a 58, concluímos que os mesmos se referem a esta obra realizada pelo condomínio no telhado do edifício e que a infiltração discutida nos presentes autos não é a que se refere nesse relatório como existente na fração da demandante: tratam-se de infiltrações diferentes com origem diferente.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos, a da audição da parte e das testemunhas apresentada pela demandante.
Esclareça-se que nenhuma testemunha depôs sobre os factos acima dados como não provados.
Esclareça-se também que este tribunal, ao abrigo do prescrito no n.º 3, do art.º 466.º, do Código de Processo Civil, não considerou suficiente as declarações de parte prestadas pelo demandado para, por si só, dar por provado a versão fáctica por si defendida, ou seja, que a infiltração teve origem em parte comum do edifício. Refira-se também que não podemos avalizar a conduta do demandado de reiteradamente declarar em audiência que participou o sinistro á sua Companhia de seguros, quando efectivamente o que fez foi contactar telefonicamente o seu gerente bancário.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a conciliação teria sido o meio ideal, útil, e único de, no caso em apreço, se conseguir solucionar o litígio. Contudo, uma vez que os demandantes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade.
Debruçando-nos, assim, nesse prisma, e somente nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Com a presente ação a demandante pretende ser indemnizada dos danos que uma infiltração, alegadamente com origem na fração do demandado, lhe causou, fundamentando, assim, a sua pretensão indemnizatória no instituto da responsabilidade civil extracontratual.
A responsabilidade civil por facto ilícito depende da verificação simultânea, ou seja cumulativa, de vários pressupostos, previstos no art.º 483.º do Código Civil. É necessário existir um facto voluntário ilícito imputável ao lesante; que daí sobrevenha um dano; que entre o facto e o dano se verifique nexo de causalidade, de modo a poder afirmar-se que o dano resulta do facto ilícito.
A ilicitude consiste na infração de um dever jurídico e para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é necessário que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído. Actua com culpa, por ação ou omissão, quem omite o dever de diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, as vertentes consciente e inconsciente. No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; na segunda vertente, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não previu a realização do facto ilícito como possível, podendo prevê-la se nisso concentrasse a sua inteligência e vontade. Para que o facto ilícito e culposo seja gerador de responsabilidade civil é ainda necessário que exista um nexo causal entre o facto culposo praticado pelo agente e o dano.
Na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão, nos termos dos artigos 487.º, n.º 1 e 342.º, n.º 1, ambos do Código Civil, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei, como prescreve o n.º 2 do artigo 483.º do Código Civil. São exemplos desses casos as disposições dos artigos 492.º e 493.º, ambos do Código Civil; ambos contemplam presunções de culpa - não responsabilidade objectiva - quer de quem tendo a seu cargo edifício ou obra e ela vier a originar danos, causados por defeito de construção ou de conservação, quer de quem exerce actividade perigosa (quanto a esta última afirmação, veja-se Antunes Varela, em Código Civil Anotado, I.º Vol., 3.ª ed., 468-469).
É jurisprudência maioritária que a manutenção em bom estado de funcionamento das canalizações de água de um imóvel, dos esgotos, torneiras e todos os demais componentes do respectivo sistema, constitui uma obrigação que decorre da qualidade de proprietário do mesmo (Acórdão R.L. de 18-05-2006; Acórdão R.P. de 07-02-2006; Acórdão S.T.J. de 07-12-2006). O cumprimento dessa obrigação exige vigilância adequada, de modo a poder providenciar eventuais obras de conservação, de forma atempada, isto é, antes que a deterioração provoque danos a terceiros. Tal obrigação decorre, do disposto no artigo 493º, do Código Civil, que prescreve " Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua". E como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (de 07-02-2006, in www.dgsi.pt),) "a utilização de água no interior de uma habitação não constitui por si mesmo um perigo, contudo no seu transporte são utilizados meios que não garantem a impossibilidade de produção de perigos e efetivos danos: há sempre a possibilidade de os vedantes se corromperem, as ligações colapsarem, os tubos ou as torneiras se furarem, os rotores e pressurizadores se avariarem, e de, em consequência de alguma dessas causas, se virem a registar inundações, que por sua vez são meios adequados para produzir desabamento de materiais, estragos em paredes e objectos, e ainda outros danos". Deste modo, o transporte de água e/ou esgotos através de canalizações no interior das habitações, embora não perigoso, tem a potencialidade de produzir graves danos, o que faz com que tenha de ser encarado como uma coisa ou actividade perigosa. Ora, o art. 493.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece uma presunção legal de responsabilidade sobre quem tenha o poder sobre imóvel ou o dever de o vigiar, presunção essa que só é afastada se, porventura, essa pessoa provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Assim, provada a existência de danos "manchas e marcas de água no tecto falso da cozinha " e a sua origem na falta de conservação e/ou manutenção da canalização de uma fração, o proprietário da mesma, ou quem tiver o dever de a vigiar e conservar, é responsável pela reparação dos danos.
Prescreve o art.º 562.º do Código Civil ("quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação"). Alega o demandante que a reparação desses danos foi orçada em € 581 (quinhentos e oitenta e um euros), e comprovou-o (cfr. doc. da fls. 21 dos autos), sendo, consequentemente, o demandado responsável pelo seu pagamento.
A demandante pede também que o demandado seja condenado a pagar-lhe indemnização no montante de € 100 (cem euros), para custear a limpeza da cozinha e privação de uso da mesma, designadamente para fazer refeições durante o período da reparação. Competia-lhe, nos termos o n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", provar os factos constitutivos do direito que alega ter; no caso concreto, da quantia que teria de despender na limpeza da cozinha, bem como que iria ficar privada do uso na mesma, para fazer refeições, durante o período da reparação. Não o provou, pelo que o peticionado a este título terá de improceder.
Quanto aos juros peticionados, verificando-se um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, a ora demandante (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar a partir do dia de constituição de mora (artigo 806º do Código Civil). Atento o prescrito no nº 3, do 805º, do Código Civil, são devidos juros de mora à taxa legal de 4% (artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 8 de Março), desde a data de citação (28 de dezembro de 2017 – cfr. Doc.s. a fls. 35 e 36 dos autos) até integral pagamento.
Por último, uma referência à alegada conduta da demandante de litigar de má fé, sem qualquer pedido de condenação, o que, só por si, seria suficiente para, sem mais, nada mais pronunciar. Porém, entendemos que os julgados de paz têm uma função pedagógica, da qual não se devem demitir, pelo que faremos uma breve referência à questão. O instituto da litigância de má fé radica na boa fé que deverá sempre nortear a atividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos injustos, não articulem factos contrários à verdade e não requeiram diligências meramente dilatórias. Não agindo segundo tais ditames, ficam as partes sujeitas às sanções do artigo 542.º do Código de Processo Civil. Nos termos do n.º 2 daquele artigo, deverá ser considerado litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, o que tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes, o que tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer ou protelar, sem fundamento sério, a ação da justiça. Há porém que ter presente que a interpretação a dar ao artigo 542.º não poderá ser restritiva, de forma a inviabilizar o amplo direito de acesso dos cidadãos aos tribunais e a permitir o pleno exercício do contraditório. Na realidade, a apresentação de uma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual.
No caso vertente, nada há a censurar na conduta da demandante.
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DECISÃO
Em face do exposto, a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno o demandado a pagar à demandante a quantia de € 581 (quinhentos e oitenta e um euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde 28 de dezembro de 2017 até integral pagamento, indo no demais absolvido.
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CUSTAS
Custas na proporção do decaimento, que se fixam em 85% para o demandado e 15% para a demandante, devendo o demandado proceder ao pagamento da quota parte em falta, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro, em relação à demandante.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da LJP) foi proferida e notificada à demandante, e sua mandatária e mandatária do demandado, nos termos do artigo 60.º, da LJP, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Remeta-se cópia ao demandado.
Registe.
Julgado de Paz de Lisboa, 21 de junho de 2018
A Juíza de Paz,

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(Sofia Campos Coelho)