Sentença de Julgado de Paz
Processo: 376/2015-JP
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
RESOLUÇÃO
Data da sentença: 10/30/2017
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: ATA DE LEITURA DE SENTENÇA

Aos 30 de Outubro de 2017, pelas 14.30 h, realizou-se, no Julgado de Paz de Coimbra, a continuação da Audiência de Julgamento do Proc. n.º 376/2015 - JP em que são partes:
Demandante: A
Demandada: B
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Realizada a chamada, encontravam-se presentes a Demandante e a Ilustre Mandatária da Demandada.
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Reaberta a Audiência, foi pela Meritíssima Juíza de Paz proferida a seguinte:
SENTENÇA
A Demandante intentou contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea h) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, pedindo a condenação desta nos seguintes termos:
a) Resolver o contrato e devolver os valores pagos pelo computador e respetiva extensão da garantia, tudo no valor de 898,90 € (oitocentos e noventa e oito euros e noventa cêntimos);
b) Em alternativa, a substituir o computador por outro e a devolver o valor pago pela extensão da garantia, no montante de 99,90 € (noventa e nove euros e noventa cêntimos).
A Demandada apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 12 a 16, tendo impugnado os factos vertidos no requerimento inicial.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.
Valor da ação: € 898,90

FACTOS PROVADOS:
A. No dia 23 de Novembro de 2013, a Demandante adquiriu, para uso pessoal e da sua família, um computador portátil da marca XXX, modelo XXX, pelo valor de 799,00 €, e ainda, uma extensão da garantia, por 3 anos pelo preço de 99,90 €, tudo na loja da B no Centro Comercial XXX, em Coimbra;
B. No dia 29 de julho de 2015, o marido da Demandante - C, dirigiu-se à loja da Demandada para reportar uma avaria no equipamento, ou seja, uma das dobradiças do monitor tinha-se partido, e como consequência dessa quebra, a função de ligar/desligar do computador também se danificou;
C. A colaboradora da loja Demandada informou a Demandante que só poderia providenciar a reparação do equipamento caso a Demandante aceitasse o orçamento, ainda a apresentar;
D. O que foi de imediato rejeitado pelo marido da Demandante por o equipamento estar a coberto de uma garantia e da sua extensão;
E. O marido da Demandante preencheu o livro de reclamações, cuja queixa ficou registada sob o nº XXXXXX;
F. A Demandada declinou a responsabilidade em assumir a substituição da dobradiça do computador, e demais funções afectadas, ao abrigo da já referida garantia, com fundamento de que a quebra de uma das dobradiças constitui um dano provocado pelo manuseamento feito ao computador;
G. A demandante contactou a XXX - Associação de XXXX para intermediar o diferendo, mas sem sucesso;
H. Após a primeira sessão de audiência de julgamento, realizada no passado dia 12.12.2016, a Demandada emitiu um relatório técnico, constante a fls. 34, do qual resultam as conclusões de que o equipamento tem “LCD BX X" (tampa traseira do visor), "LCD X” (tampa frontal do visor) e “LCD XX" (dobradiça) danificados por força excessiva aplicada na abertura do ecrã e que "motherboard" (placa principal) do equipamento também se encontra danificada, tendo a avaria sido provocada por curto circuito que teve origem no circuito de alimentação; I. Comunicado o Relatório Técnico e o orçamento emitido à Demandante, na pessoa do seu marido, os mesmos foram prontamente recusados.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que a quebra de dobradiça do computador seja um defeito de fabrico.
Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos de fls. 4 a 7, 34, 38 a 40, 50 a 59 e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
Foi ouvido o depoimento da testemunha C, indicada pela Demandante e seu marido, tendo sido valorado, em termos probatórios, porque conhece o computador dos autos e fez uso do mesmo, pese embora tenha aderido à tese defendida no requerimento inicial sem demonstrar o necessário distanciamento crítico.
No que concerne às declarações prestadas pelas testemunhas indicadas pela Demandada, foi ouvido, em primeiro lugar, D, responsável pela vistoria técnica do computador, as quais foram atendíveis pelo Tribunal na medida explicou o estado do computador e os aspetos técnicos do mesmo.
Quanto a E, foi o colaborador da Demandada que deu ordem de reparação de fls. 39, explicando, de forma objetiva, o estado do computador e as razões para não estar a coberto da garantia, razão pela qual foi valorado o seu depoimento.
Por último, testemunhou F, cujo depoimento mereceu acolhimento probatório porquanto atendeu a Demandante aquando da avaria do computador e explicou, de forma detalhada, a solução possível para a sua reparação e a quem recaía o pagamento da respetiva despesa.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Visa a Demandante, com a presente ação, a condenação da Demandada a resolver o contrato de compra e venda de um computador, alegadamente com defeito, ou a substituir o computador por outro e a devolver o valor pago pela extensão da garantia.
Nos termos do previsto nos Artigos 3º, al. a), e 4º da Lei do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho, atualizada pelo DL n.º 67/2003, de 8 de abril), o consumidor tem direito à qualidade dos bens, que devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem.
Assim como, de acordo com o Art. 2º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, de 8 de abril, alterado pelo DL n.º 84/2008 de 21 de maio, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens conformes com o contrato de compra e venda.
Nos termos da lei civil, designadamente do Art. 913º do Código Civil, haverá uma venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.
E, dispõe o Art. 3º, nº 1, do DL n.º 67/2003, que o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, dispondo o Art. 4º, nº 1, do mesmo diploma, que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (vejam-se também os Artigos 908º, 915º e 905º por força do Art. 913º, todos do Código Civil).
Conclui-se que o vendedor de bens móveis não consumíveis, como é o caso, está obrigado a garantir o seu bom estado e o seu bom funcionamento, de tal modo que o prazo que a lei imperativamente estabelece, para esse efeito, é de 2 anos, salvo se o comprador e o vendedor acordarem por escrito o prazo mínimo de 1 ano, conforme dispõe o n.º 1 e n.º 2 do Art. 5º do DL n.º 67/2003.
No entanto, apesar da proteção que este diploma confere aos consumidores, os respetivos direitos terão de ser exercidos em harmonia com o ali plasmado, ou seja, dando a oportunidade ao vendedor de efetuar a reparação do sofá.
No entanto, o n.º 2 do Artº 4.º do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21de Maio, impõe, no que respeita aos bens móveis, como é o caso do computador em análise, um prazo máximo de 30 dias para o cumprimento da obrigação de reparação.
Estatui o n.º 5 do Art. 4º do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21de Maio, que o consumidor pode exercer o direito de resolução do contrato, salvo se tal constituir abuso de direito, nos termos gerais.
De acordo com o n.º 2 do Art. 2º do mesmo diploma, presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
Vejamos, então, se o computador sofre de um defeito de fabrico, o que investe a Demandante no direito de resolução do contrato ou na substituição do mesmo por outro.
Desde já, ficou demonstrado que Demandante e Demandada celebraram um contrato de compra e venda, que teve como objeto um computador e que o mesmo foi adquirido para uso pessoal e familiar da Demandante, motivo pelo qual esta é tida como consumidora que beneficia da tutela jurídica promovida pelo DL n.º 67/2003, de 8 de abril.
Segundo a matéria dada como provada, a Demandante reclamou, junto da Demandada, a quebra da dobradiça do computador e que, por causa disso, a função de ligar/desligar do computador também se danificou.
Atendendo à prova produzida e ao teor do relatório técnico de fls. 34, além das regras da experiência comum, a quebra da dobradiça não corresponde a um defeito de fabrico, mas sim a uma consequência resultante do uso continuado do equipamento e que provocou o curto circuito no ligar e desligar do computador.
Logo, não é considerada uma desconformidade à luz da proteção jurídica dada pelos diplomas legais atrás mencionados.
De facto, a quebra da dobradiça não constitui uma falta de conformidade suscetível de despoletar o procedimento de reparação e de substituição do computador ou a resolução do respetivo contrato.
O uso que é dado ao computador portátil, e o modo como o levantamento da sua tampa é feito, constitui um fator decisivo para a eventual quebra das dobradiças visto que, quanto maior for a força imprimida nesse movimento e a sua prática prolongada no tempo, maior é a possibilidade de o mesmo vir a padecer da quebra ora em análise ao nível das dobradiças.
Diferente teria sido se o computador viesse a sofrer, desde o início da sua aquisição, com a existência da dobradiça quebrada porquanto tal seria manifestamente um caso de desconformidade. No entanto, como se provou, o bem foi adquirido em 23 de Novembro de 2013 e só em 29 de Julho de 2015 é que a Demandante reclamou daquela anomalia, o que nos leva a concluir que não se tratava de um defeito de “fábrica” mas, sim, de uma consequência resultante do uso prolongado no tempo do abrir e fechar da tampa do monitor e da força que ao mesmo foi empregue.
Disto decorre que, com a prova produzida, a Demandada logrou afastar a presunção de desconformidade que recaía sobre ela, quanto às anomalias que foram denunciadas pela Demandante, presunção essa consignada no Art. 2º, n.º 2 al. b) do DL n.º 67/2003, e que tem como consequência o afastamento de qualquer responsabilidade da Demandada pela eliminação dos supra mencionados defeitos.
Por conseguinte, decai na totalidade o pedido da Demandante.

DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Demandada do pedido.


Custas pela parte vencida – a ora Demandante, devendo proceder ao pagamento da 2ª parcela (€35,00), no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Quanto à Demandada, proceda-se ao reembolso de €35,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
Notifique.
Desta sentença consideram-se todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
Coimbra, 30 de Outubro de 2017

Dr.ª Daniela dos Santos Costa Afonso Nunes
Juíza de Paz Técnico de Apoio Administrativo