Sentença de Julgado de Paz
Processo: 23/2017-JP
Relator: MARTA MESQUITA GUIMARÃES
Descritores: USUCAPIÃO
Data da sentença: 08/28/2017
Julgado de Paz de : TERRAS DE BOURO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc. n.º 23/2017 – JP

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandantes: A, titular do NIF --------- e esposa, B, titular do NIF ---------, residentes no Lugar ------------, Terras de Bouro

Demandada: Junta de freguesia de ---------, com sede no --------, Terras de Bouro


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OBJECTO DO LITÍGIO

Os Demandantes propuseram contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, peticionando que fosse declarado a seu favor o direito de propriedade sobre o prédio enunciado no requerimento inicial e inscrito na matriz urbana sob o número xxx da Freguesia de ---------, concelho de Terras de Bouro, com fundamento na usucapião, nos termos do artigo 1287.º do Código Civil (CC) e com os efeitos previstos no artigo 1288.º do mesmo diploma legal, por se encontrarem preenchidos os necessários requisitos.
Alegaram, em suma, que a Demandada lhes doou, verbalmente, no ano de 1988, uma parcela de terreno, sita em ------, freguesia de --------, concelho de Terras de Bouro, na qual vieram a edificar uma casa de habitação. Mais alegaram que desde essa data se comportam como únicos e verdadeiros proprietários de tal prédio, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

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Regularmente citada, a Demandada não apresentou contestação – cfr. artigo 46.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho e artigo 246.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta da acta.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território (artigo 11.º, nº 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor que se fixa em € 3.000,00 (artigo 296.º, n.º 1 e 306.º, n.º 2, ambos do CPC).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias – no que se reporta à Demandada, cfr. artigos 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 2, 19.º, alínea d) e 18.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro – e são legítimas.

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FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. Em 1988, a Demandada doou, verbalmente, aos Demandantes, uma parcela de terreno, com a área de 175 m2, sita em ----------, freguesia de --------, concelho de Terras de Bouro, prédio, este, que confronta do Norte com Estrada, do sul, do nascente e do poente com proprietário.
B. O prédio supra identificado encontra-se inscrito na matriz urbana sob o número xxx da Freguesia de --------, concelho de Terras de Bouro, e não descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro.
C. Desde o ano de 1988 que os Demandantes ocupam o referido prédio e se assumem como seus legítimos proprietários, tendo-o destinado à construção de uma habitação, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém.
D. Desde esse ano que os Demandantes gozam das vantagens do aludido prédio e suportam os inerentes encargos fiscais.
E. Desde esse ano que os Demandantes vêm utilizando, cuidando, explorando e fruindo o aludido prédio, sem qualquer interrupção no tempo.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos juntos pelos Demandantes com o requerimento inicial (cfr. documentos juntos a fls. 3 a 6 dos autos), com a prova testemunhal apresentada em audiência de julgamento pelos Demandantes, especificamente A e B, cujos depoimentos se revelaram seguros, isentos e credíveis.
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DIREITO
Os presentes autos respeitam à usucapião, que constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma forma de aquisição originária do direito de propriedade e, bem assim, de outros direitos reais de gozo – cfr. artigo 1287.º do CC.
O direito adquirido por usucapião surge ex novo na esfera jurídica do sujeito, pois não depende geneticamente de um direito anterior; depende, tão-só, do facto aquisitivo em que o processo de usucapião se analisa – cfr. Abílio Vassalo Abreu, “Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliária vs Usucapião”, Coimbra, pág. 19.
Pelo que, a usucapião abstrai, assim, de anteriores vicissitudes ou incidências físicas ou jurídicas sobre o prédio usucapido.
O instituto da usucapião assenta na existência da posse, legalmente definida como o poder que se manifesta quando alguém actua (denominado “corpus”) por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (chamado “animus”) – cfr. artigos 1251.º e 1287.º do CC.
Para ocorrer a usucapião, além da verificação dos actos de posse, é necessário a duração destes durante prazo mais ou menos longo e devendo a prática daqueles actos ser ininterrupta, pública e pacífica, só relevando a boa ou má-fé e a existência ou inexistência de título ou de registo deste apenas para efeito de fixação do prazo necessário para a usucapião operar (cfr. artigo 1296.º do CC).
Ora, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, resultam preenchidos, a favor dos Demandantes, os pressupostos do instituto da usucapião, nos termos que a lei o disciplina. Com efeito, atendendo ao modo de aquisição da posse, esta foi adquirida por tradição da coisa, nos termos do disposto no artigo 1263.º, alínea b) do CC. A posse é não titulada, de acordo com o estatuído no artigo 1259.º, n.º 1, do CC. Por ser não titulada, a posse presume-se de má-fé, nos termos do disposto no artigo 1260.º, n.º 2, do CC, presunção, esta, que, no caso, foi ilidida pelos Demandantes, pois estes ignoravam, ao adquiri-la, que lesavam o direito de outrem. Com efeito, e conforme é entendimento da nossa Jurisprudência, “pela própria natureza das coisas, não pode falar-se em má-fé na aquisição da posse quando precisamente (como é o caso) é o próprio proprietário e possuidor legítimo que, traditando voluntariamente a coisa (v. a alínea b) do art. 1263º do CCivil), confere a posse ao novo possuidor. Por natureza, estamos neste caso perante uma posse de boa-fé, por isso que nunca se pode aqui colocar a hipótese de lesão do direito do terceiro.” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2017, proferido no processo n.º 724/09.7TBAMT.P2.S1 e Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 11.12.2008, proferido no processo n.º 08B3743. A posse é pacífica de acordo com o disposto no artigo 1261.º do CC, pois provou-se que foi adquirida sem violência. A posse é, também, pública, ao abrigo do disposto no artigo 1262.º do CC, pois provou-se, igualmente, que foi adquirida e se exerce de forma a poder ser conhecida pelos interessados. Quanto ao lapso temporal necessário para a usucapião poder ocorrer no caso, importa ter presente o disposto no artigo 1296.º do CC e, atenta a natureza jurídica da Demandada, o disposto no artigo 1.º da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913, nos termos do qual “As prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, além dos prazos actualmente em vigor, tenha decorrido mais metade dos mesmos prazos.” Pelo que, não havendo registo do título, nem da mera posse, e sendo a posse em causa de boa-fé, a usucapião só poderá ocorrer no termo de 22 anos e meio (portanto, o prazo de 15 anos acrescido de metade), de acordo com o disposto no aludido artigo 1296.º do CC, conjugado com o disposto no artigo 1.º da Lei n.º 54 de 16 de Julho de 1913, prazo este, que, no caso, se verifica.
Por consequência e em conformidade com o exposto, os Demandantes adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio em apreço nos autos, por usucapião.

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DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente acção totalmente procedente, por provada, e em consequência, declara-se adquirido por usucapião, com os efeitos previstos no artigo 1288.º do CC, a favor dos Demandantes, o direito de propriedade, nos termos em que a posse exercida o definiu e demonstrou, para todos os efeitos legais, sobre o prédio com a área de 175 m2, sito em ---------, freguesia de -------, concelho de Terras de Bouro, que confronta do Norte com Estrada, do sul, do nascente e do poente com proprietário, que se encontra inscrito na matriz urbana sob o número xxx da Freguesia de ------, concelho de Terras de Bouro e que não está descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro.
Custas a cargo dos Demandantes – cfr. artigo 535.º, nºs 1 e 2, alínea a) do CPC.
Registe.
Terras de Bouro, 28 de Agosto de 2017
A Juíza de Paz,

(Marta M. G. Mesquita Guimarães)
Processado por computador (Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)
Revisto pela signatária.Julgado de Paz de Terras de Bouro