Sentença de Julgado de Paz
Processo: 253/2017-JPMMV
Relator: ISABEL BELÉM
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA / SUBEMPREITADA / RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO / PRESCRIÇÃO
Data da sentença: 05/24/2018
Julgado de Paz de : MONTEMOR-O-VELHO
Decisão Texto Integral:

SENTENÇA
Proc. N.º 253/2017-JP

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A Lda, com sede em Rua X, s/n, Monte Arcado, Covões.
Demandada: B, residente em Rua X n.º XX, Carvalheira, Camarneira.
Chamado: C, declarado ausente no âmbito dos presentes autos, e citado na pessoa da Ilustre Defensora Oficiosa nomeada para o efeito.

II - OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante intentou, em 24.10.2017, contra a Demandada, ação declarativa pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €2.610,00, relativa aos trabalhos executados na sua casa de habitação, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal.
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 2, cujo teor se dá por reproduzido e juntou um documento (fatura de fls. 4).
Citada a Demandada, esta apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. Por exceção invoca a sua ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário. Exercido o contraditório, o Demandante requereu intervenção do ex-marido da Demandada. Por despacho de fls. 41 foi decidido estar-se perante um caso de litisconsórcio necessário passivo e consequentemente admitido o chamamento. Frustradas todas as tentativas de citação do Chamado procedeu-se à nomeação de defensor oficioso ao ausente que, citado em sua representação, não apresentou contestação.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com obediência às formalidades legais como da ata se infere, tendo a Demandante juntado um documento.
Valor da ação: €2.610,00.

A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, (LJP) estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar uma “sucinta fundamentação”, o que se procurará fazer de seguida.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A - Factos provados:
1) A Demandante exerce a sua atividade na área de trabalhos de Instalação Elétrica, Canalização, Aquecimento Central e Solar;
2) No âmbito da sua atividade a Demandante procedeu à realização de trabalhos e fornecimento de matéria-prima na moradia da Demandada e do Chamado, designadamente execução de instalação elétrica, canalização de águas, esgotos e gás, os quais decorreram entre 2007 e 2008;
3) A Demandante emitiu a fatura 2017/42, em 28.09.2017, no montante de € 2.610,00, em nome da Demandada e remeteu-a a esta por correio;
4) Em data não concretamente apurada, em meados do ano de 2007, a Demandada e Chamado contrataram com o Sr. IO a realização de obras de construção de um anexo para habitação daqueles, com sala, cozinha dois quartos e casa de banho;
5) O referido Sr. IO exercia a sua atividade na área da construção civil;
6) E foi este (Sr. IO) quem contratou com a Demandante a realização dos trabalhos referidos em 2);
7) A Demandante teve, durante largos anos, uma relação profissional com o Sr. IO que por este frequentemente era contratada para a realização de obras da sua especialidade.

B - Factos não provados:
Com interesse para a causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente que: a) a Demandada tenha solicitado, encomendado ou adjudicado à Demandante os trabalhos e fornecimento de matéria-prima por esta executados na moradia daquela; b) O valor dos trabalhos executados e a matéria-prima incorporada em obra ascendeu a um total de € 2.610,00, IVA Incluído, c) Que a Demandada tenha sido interpelada pelo legal representante da Demandante para a necessidade dos trabalhos realizados serem pagos, tendo esta remetido tal responsabilidade para a sua então entidade patronal (Sr. IO), o qual, todavia, foi declinando tal responsabilidade alegando que nada tinha contratado com a Demandante; d) Que por diversas vezes a Demandante apresentava as contas ao Sr, IO e este cobrava à Demandada que, em ato contínuo liquidava; e) Cabendo ao Sr. IO entregar tais valores à Demandante.

C- Convicção:
A convicção do Tribunal para a factualidade dada como provada foi adquirida através da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, do teor dos documentos juntos aos autos, do acordo das partes, plasmada nos articulados, da inspeção ao local, bem como das declarações de parte do legal representante da Demandante e da prova testemunhal ouvida em audiência.
Assim, os factos descritos em 1, 2 e 5 foram dados como provados com base na admissão dos mesmos pelas partes, nos articulados.
O facto em 3 resulta do teor da fatura e do depoimento das testemunhas MRM e de CP e CS. A Testemunha MR , funcionária da demandante que afirmou ter emitido a fatura e remetido a mesma por correio para a morada da Demandada, o que foi corroborado pelas outras duas testemunhas referidas, filha da Demandada e o namorado daquela, confirmando a receção da fatura em finais de setembro. Facto que também foi confirmado pelo legal representante da Demandante.
O facto descrito em 4 resulta do depoimento da testemunha CP que explicou, de forma convincente as circunstâncias em que foi contratada a obra pelos seus pais ao Sr. IO, construtor civil (na altura a entidade patronal dos mesmos).
Quanto aos factos descritos em 6 e 7 foram dados como provados, no essencial, com base no depoimento da testemunha MRM empregada administrativa da Demandante, desde abril de 2008, que disse que a obra em questão levada a cabo pela Demandante já estaria concluída nessa altura , afirmando de forma clara e objetiva que o Sr. A (legal representante da Demandante), sempre lhe disse que esses trabalhos foram encomendados e solicitados pelo Sr. IO e que era com este que as contas teriam de ser feitas. E tanto assim é que foi emitida uma fatura em nome do Sr. IO e tentada a cobrança da mesma, mas não tendo este pago acabou por ser lançada a nota de crédito junta a fls. 82. Afirmação esta confirmada pelo legal representante da Demandante em declarações de parte, dizendo que tentou cobrar a dívida do Sr. IO pois este sempre a assumiu. Mais referiu a testemunha que até ser emitida a fatura de fls. 4 em nome da Demandada, não se recorda de algum vez o Demandante ter dito para cobrar da Demandada ou que os trabalhos tenham sido encomendados por esta, bem pelo contrário. Confirmou ainda a relação profissional mantida entre a Demandante e o Sr. IO durante anos que por este era contratada em regime de subempreitada para diversas obras, para execução dos trabalhos da sua especialidade, o que aconteceu com obra aqui em causa nos autos.
Esta testemunha pela espontaneidade, seriedade e coerência mostrou-se bastante credível para o tribunal
Em declarações de parte o legal representante da Demandante afirmou não obstante ter tentado cobrar a dívida do Sr. IO, a adjudicação dos trabalhos foi feita diretamente pela Demandada, porém tal factualidade não ficou demonstrada, antes se tendo produzido prova do contrário.
Quanto aos factos dados como não provados resultam da ausência de prova credível que atestasse a veracidade dos mesmos ou da prova em contrário.

IV - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
As questões a decidir consistem em saber se o direito que a Demandante aqui pretende fazer valer já se encontra prescrito e, em caso negativo, se pode da mesma exigir o pagamento do preço que reclama pelas obras que alega ter realizado na casa de habitação da Demandada.
Da invocada prescrição:
Importa antes de mais decidir qual a natureza do direito que a Demandante aqui pretende fazer valer e o correspondente prazo para o respetivo exercício.
Como se constata da requerimento inicial a Demandante funda o seu direito no facto de entre si e a Demandada ter sido celebrado um contrato para a realização de trabalhos e fornecimento de matéria-prima na moradia desta, designadamente execução de instalação elétrica, canalização de águas, esgotos e gás, que decorreram entre 2007 e 2009, sendo que esta não procedeu ao pagamento do preço de €2.610,00, o que nos remete para a temática do contrato de prestação de serviços na modalidade de empreitada, previsto no artº 1207º do Código Civil (doravante CC).
No Código Civil o contrato de empreitada surge como uma espécie autónoma dos contratos de prestação de serviço, os quais se caracterizam pela circunstância de uma das partes (o prestador de serviço) proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição – art.º 1154º.
O que individualiza os contratos de empreitada do âmbito da figura mais vasta dos contratos de prestação de serviço é o de que o resultado a que se obriga o empreiteiro é o de realização de uma obra – art.º 1207º do CC, devendo esta traduzir-se por uma alteração física de coisa corpórea.
Dos factos provados resultou assente a execução de uma empreitada por parte da Demandante, embora não tivesse resultado demonstrado que a mesma tivesse sido encomendada (pedida/solicitada) pela Demandada ou pelo Chamado, mas essa é questão que mais abaixo apreciaremos.
A demandada na sua contestação invoca a prescrição do crédito reclamado pelo demandante a que alude o art.317 al. b) do CC.
Dispõe este dispositivo legal que prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesa correspondentes.
Trata-se de uma prescrição presuntiva, como resulta do disposto no art. 312º do CC, fundando-se a mesma na presunção de cumprimento.
Para que a presunção de cumprimento produza os seus efeitos não basta porém o decurso do prazo prescricional fixado nos art.ºs 316.º e 317.º, sendo necessário ainda a invocação da prescrição pela pessoa a quem ela aproveita e a inexistência de factos que, por força do disposto nos art.ºs 313.º e 314.º, ilidem a presunção de cumprimento
Temos pois que o efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova, que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento, o que só por confissão do devedor, expressa ou tácita, poderá ocorrer, como consta claramente no art.º 313.º e 314º do CC.
Um dos casos de confissão tácita ocorre quando o devedor “praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento” (art. 314º CC).
Ora, no caso dos autos, se por um lado a Demandada alega já ter pago, por outro lado não alegou o pagamento do valor que lhe é concretamente pedido pela Demandante, antes alegou que nem sequer celebrou com esta qualquer contrato, mas sim com um terceiro que identifica (Sr. IO) e que os pagamentos foram todos feitos a este, e só teve conhecimento da fatura quando foi citada para a presente ação, factos incompatíveis com a presunção do pagamento.

De todo o modo, ainda que assim não fosse, como é dito no Ac. da Relação de Lisboa, no processo 1485/07.0TJLSB.L1-2 (SOUSA PINTO) e cujo entendimento, cremos, é maioritário. “ As empreitadas realizadas em imóveis, não são passíveis de se enquadrar na previsão da prescrição presuntiva constante do art.º 317.º, al. b) do Código Civil, dada a sua especial natureza”

É que a execução de trabalhos num contrato de empreitada de obras de construção civil de imóveis, demoram largos meses e até anos e, tendo um prazo de garantia de cinco anos para reparação de eventuais defeitos, se não compreende que tenham um prazo de prescrição tão curto de dois anos.

Pelo que também por este motivo a prescrição não pode operar.

Do mérito:

Como acima já ficou dito, os trabalhos realizados pela Demandante na moradia da Demandada, consubstanciam a execução de uma empreitada.

Da relação jurídica emergente de uma empreitada, derivam obrigações recíprocas e interdependentes: Do lado do empreiteiro a principal obrigação é a de obter um certo resultado material, que se traduz na execução da obra nas condições convencionadas, e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (artº 1208º do CC). Do lado do dono da obra em contrapartida, impende o dever principal de, caso aceite a obra, pagar o preço ajustado o que, na ausência de convenção ou uso em contrário, deve ser efetuado no ato daquela aceitação (artº 1211º nº 2 do CC).
E segundo o mesmo código, a subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou a uma parte dela (art. 1213 do CC).
A subempreitada é um contrato subordinado a outro que lhe é prévio, um subcontrato, em que o subempreiteiro se apresenta como empreiteiro de outro empreiteiro, e este como se fosse dono da obra, em qualquer caso em tema de obrigação de resultado.
Descendo ao caso dos autos, o que resultou provada foi que a Demandada contratou com o Sr. IO a realização das obras de construção da sua habitação, na qual se incluíam os trabalhos de instalação elétrica, canalização de águas, esgotos e gás. E foi este (Sr. IO) quem, por sua vez, contratou com a Demandante a realização destes serviços.
Do que se conclui que entre a Demandada e dito Sr. IO foi celebrado um contrato de empreitada, e este celebrou com a Demandante um contrato de subempreitada.

Como refere Pedro Martinez - in O Subcontrato, pág. 188, “A empreitada e a subempreitada apesar de visarem a realização do interesse do dono da obra, não se fundam num único negócio jurídico, sendo negócios distintos e individualizáveis. O subcontrato, que a nossa lei admite, embora apresente certas particularidades, está sujeito à disciplina geral dos contratos. Trata-se de um negócio jurídico bilateral pelo qual um dos sujeitos, parte em outro contrato "sem deste se desvincular e com base na posição jurídica que daí lhe advém, estipula com terceiro quer a utilização total ou parcial de vantagens de que é titular, quer a execução total ou parcial das prestações a que está adstrito" .

Assim, na subempreitada, que entra na categoria geral de subcontrato, não existe qualquer vínculo direto entre o dono da obra e o subempreiteiro.

Não obstante ter resultado provado a execução de uma empreitada por parte da Demandante não resultou demonstrado que a mesma tivesse sido encomendada (pedida/solicitada) pela Demandada nos presentes autos ou pelo Chamado.

Sendo certo que era à Demandante que competia provar a celebração de um contrato de empreitada com a Demandada (cfr. artº 342º CC), o que, como vimos, não logrou demonstrar.

Nenhuma responsabilidade civil contratual pode ser imputada à Demandada por um contrato que a Demandante possa ter celebrado com um terceiro. A Demandada e Chamado não são sujeitos passivos de qualquer relação jurídica de que a Demandante seja sujeito ativo. Demandada e Chamado são, assim, estranhos a qualquer vinculo obrigacional face à Demandante.

Pelo que, considerando o supra exposto, afigura-se evidente não recair sobre a Demandada ou Chamado qualquer obrigação para com a Demandante, nomeadamente de pagamento, pelo que a ação deverá improceder.

V – DECISÃO

Em face do exposto, julgo improcedente a exceção da prescrição, e totalmente improcedente a ação, por não provada e, em consequência absolvo a Demandada e o Chamado do pedido.
Custas a inteiro cargo da Demandante, no valor de €70,00 (setenta euros), devendo proceder ao pagamento de € 35,00, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso, devolvendo-se à Demandada o valor de €35,00 (trinta e cinco euros), nos termos do disposto nos art.º 8º, 9º e 10º da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12, com a redação dada pela Portaria n.º 209/2005, de 24-02).

Registe e notifique.
Cantanhede, 24 de maio de 2018
A Juíza de Paz Coordenadora

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(Isabel Belém)
(Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária.
(Artigo 18º LJP)