Sentença de Julgado de Paz
Processo: 209/2010-JP
Relator: JOÃO CHUMBINHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
Data da sentença: 07/14/2010
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA


I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A
Demandada: B
II - OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra a Demandada uma acção declarativa de condenação, enquadrada na alínea h), do n.º 1, do artigo 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, respeitante a responsabilidade civil contratual e extracontratual, pedindo que este tribunal condene as Demandada a pagar ao Demandante a quantia de €: 2350,00, a título de danos não patrimoniais.
Alegou, para tanto e em síntese, que, em 29 de Janeiro de 2010, pelas 23h30m o Demandante acompanhado por um amigo dirigiu-se ao estabelecimento comercial da Demandada de restauração e bebidas denominado “C”, sito em Lisboa, onde era cliente habitual, tendo sido apenas disponibilizada uma mesa por volta das 24 horas, tendo o Demandante apresentado reclamação o que determinou que o gerente do estabelecimento a recusar-se a servir o Demandante, tendo este contactado a polícia para participação da situação e apresentado nova reclamação, o que levou o Demandante a sentir-se descriminado.
A Demandada, regularmente citada, contestou, alegando, em síntese, que a versão do Demandante não é sustentável pela realidade, dado que o Demandante foi atendido tem presente a ordem de chegada ao estabelecimento, o que não passa de uma mera impressão do Demandante, e de eventual lapso dos empregados da Demandada, tendo presente que estavam muitos clientes no interior do estabelecimento.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, como da acta se alcança.
Cumpre apreciar e decidir quanto à segunda Demandada.
Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, não existindo questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A matéria provada resulta da documentação junta aos autos de fls. 7 a 9, verso, 30 a 35, bem como do depoimento das testemunhas.
Decorre da matéria provada que, em 29 de Janeiro de 2010, pelas 23h30, o Demandante acompanhado por um amigo dirigiu-se ao estabelecimento comercial da Demandada de restauração e bebidas denominado “C”, sito em Lisboa, onde era cliente habitual, tendo solicitado ao empregado da Demandada que os sentasse perto da entrada do Estabelecimento, manifestando a sua vontade de aguardar até que vagasse uma mesa naquele local e permitindo que os clientes que se encontravam em fila de espera fossem atendidos, se eventualmente, desejassem sentar-se noutro local, que não o escolhido pelo Demandante. Decorre ainda da matéria provada que o Demandante apresentou uma reclamação, alegando que não foi respeitada a prioridade de atendimento relativamente aos clientes que se tinham sentado nas mesas da entrada do estabelecimento (provado por doc. 4 e pelo testemunho do D).
Após a apresentação da reclamação o gerente da Demandada, com conhecimento dos seus superiores hierárquicos, recusou-se a servir o Demandante, tendo o Demandante solicitado a presença da Polícia de Segurança Pública (provado por confissão, artigo 13.º da contestação) que foi ao local (provado por doc. 6) e apresentado uma nova reclamação (provado por doc. 5)
Decorre ainda da matéria provada que se o Demandante não tivesse reclamado teria sido atendido, ou seja, foi o exercício da liberdade do Demandante em reclamar que determinou que a Demandada entendesse não servir o Demandante, o que resulta do depoimento da testemunha, E.
O Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 371/2007, de 6 de Novembro, tem como principal desiderato tornar obrigatória a existência do Livro de Reclamações a todos os fornecedores de bens e prestadores de serviços que tenham contacto com o público. Refere o preâmbulo do primeiro diploma mencionado que “A criação deste livro teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito dos direitos dos consumidores” e, acrescentamos nós, pode ser um excelente instrumento para rectificar alguns erros no sentido de prestar um serviço de melhor qualidade ao cliente, ao utente.
Ora, no caso em apreço, o Demandante apresentou a sua reclamação, exercendo a possibilidade decorrente da lei, não praticando qualquer facto ilícito.
Sendo o Demandante cliente habitual da Demandada, dirigiu-se ao estabelecimento desta, esperou durante meia hora na fila ordenada pela Demandada para ser atendido, reclamou licitamente e, posto isto, a Demandada recusou-se a servi-lo e solicitou que o Demandante abandonasse o estabelecimento.
Nos termos do artigo 483.º do Código Civil “aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” A responsabilidade civil pressupõe a verificação de pressupostos, a saber: ilicitude; culpa; dano e nexo de causalidade.
A Demandada, na pessoa do seu trabalhador e seguindo instruções da Demandada, praticou um facto ilícito, ao recusar-se a celebrar contrato ou contratos de compra e venda com o Demandante, não actuou de boa fé e violou o artigo 227.º do Código Civil, onde se refere “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tantos nos preliminares como na formação dele, proceder de boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Ora, facultando a Demandada a entrada ao Demandante, cliente habitual, no seu estabelecimento, fomentando a celebração de contratos, a apresentação de uma reclamação, que é um exercício de cidadania que a lei faculta ao Consumidor, não justifica, por si só, a ruptura injustificada de realização de contratos, o que era expectável em face do Demandante ser cliente habitual e lhe ser permitida a entrada no estabelecimento da Demandada.
Além disso, a conduta da Demandada, além de ter violado o artigo 227.º do Código Civil, violou, principalmente o artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, onde se refere que Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, bem como A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no seu artigo 1.º, onde se estipula que “A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida”. Ora, no caso em apreço, o simples facto de recusa de contratar com um cliente habitual, com o estabelecimento com inúmeros clientes (“a casa estava cheia”), pelo facto do Demandante ter apresentado uma reclamação é um acto que ofende a dignidade de qualquer ser humano, que não pode ser aceitável numa sociedade defensora dos Direitos Humanos e da dignidade do ser humano, o que, violou, também o artigo 70.º do Código Civil. E esta conduta é censurável, à luz do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, tendo presente que a recusa foi intencional e teve em vista a violação de um princípio fundamental e um valor fundamental que é a dignidade humana, independentemente da reclamação ter alguma razão de ser ou não, o ser humano numa sociedade do Século XXI, não pode tratar o outro ser humano do modo como o Demandante foi tratado, em face das exigências constitucionais e legais. O acto foi praticado por um trabalhador da Demandada, E mas, o acto mais censurável, a recusa em servir o Demandante, segundo o depoimento do empregado, foi emitido pelos responsáveis legais da Demandada.
Quanto aos danos, nos termos do n.º 1, do artigo 496.º do Código Civil “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Ora, não estamos perante simples incómodos, estamos perante a violação de um valor fundamental, assim considerado pela Constituição da República Portuguesa e pela Lei e que resultam provados pelo testemunho do D, que declarou que o Demandante se sentiu discriminado. Nos termos do artigo 496.º, n.º 3, do mesmo Código a Indemnização será fixada equitativamente tendo presente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e as demais circunstâncias do caso. Ora, no caso em apreço, o Demandante enquanto cliente sempre foi tratado como um cliente muito exigente Demandante que “punha sempre em causa o nosso produto”, tendo presente que era um cliente que sempre referia que o café tinha sido “mal tirado” e que a cerveja não estava em boas condições, e que, por vezes, estava inserido num grupo que falavam alto e que eram os membros do grupo aconselhados a reduzir o tom de voz. Todos estes circunstancialismos contribuíram para a prática do acto ilícito e culposo da Demandada e, por isso fixa-se o valor da indemnização na quantia de €: 1250,00.
O acto ilícito e culposo da Demandada, além de aumentarem o perigo de verificação dos danos foram a causa adequada, nos termos do artigo 563.º do Código Civil, para os danos que se vieram a verificar.
O Demandante é credor da Demandada na quantia de €: 1250,00.
IV- DECISÃO
A Demandada, é condenada a pagar ao Demandante a quantia de €: 1250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) e absolvida do restante pedido.
Custas a liquidar em partes iguais, nos termos dos artigos 8.º e 9.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, e já liquidadas, tendo presente que o Demandante tem apoio judiciário. Registe, notifique e arquive após trânsito em julgado.
A data da leitura da sentença foi previamente agendada.
Julgado de Paz de Lisboa, 14 de Julho de 2010
Processado por meios informáticos
Revisto pelo signatário. Verso em branco.
O Juiz de Paz
(João Chumbinho)