Biblioteca TRG


Revistas e Cadernos - Scientia Ivridica
Monografia
4086


Universidade do Minho
SCIENTIA IVRIDICA - N.º 351- Tomo LXVIII - SETEMBRO/DEZEMBRO 2019 - Universidade do Minho
ISBN 0870-8185




As doze cartas de Clara sobre a emancipação. Mathilde Fibiger e a questão das mulheres: entre Literatura e Direito
Alessandro Serpe
Resumo: Ultrapassada pelas próprias questões que tinha colocado em campo, Mathilde Fibiger (1830-1872) foi, sem dúvida, também pela sua intensidade teórica, a voz mais significativa no processo cultural de construção da emancipação das mulheres na Dinamarca, e, não menos importante, pioneira, na área escandinava, da questão feminina. No “património genético” das suas obras, em particular no de Clara Raphael. Tolv Breve, encontram-se reflexões antropológicas, históricas e teológicas, ingredientes estes essenciais para o desenvolvimento de uma emancipação consciente, política e jurídica no contexto dos seus anos, os anos mágicos da âge d’or. Reflexões que, em algum tempo antecedentes às de escritoras em contextos vizinhos, a norueguesa Camilla Collett (1813-1895) e a sueca Fredrika Bremer (1801-1865), surpreendem pela sua singular consonância, e seguras diferenças, com aquelas do The subjection of women. Direito e Literatura no feminino
In memoriam de Toni Morrison
Carla Faralli
Resumo: O encontro entre a Teoria jurídica feminista (ou mais amplamente Teoria jurídica das diferenças, para abarcar também a Teoria da diferença racial) e o Direito e Literatura caracterizou as últimas décadas dos dois movimentos, desenvolvendo-se nos Estados Unidos nos anos setenta, o que Gary Minda coloca entre aqueles que definem as teorias pós-modernas do direito, enquanto críticas das ideias de racionalidade e objectividade e do conceito universal do indivíduo próprio do modernismo jurídico. Os dois movimentos não nasceram naqueles anos, efectivamente, mas é verdade que naqueles anos setenta abriram-se a perspectivas novas e encontraram-se: houve teóricas feministas que partilharam alguns dos temas e se valeram dos métodos e instrumentos do Direito e Literatura para as suas reflexões e para as suas lutas. Direito, Literatura e género: o “feminismo por irritação” de Saramago em Um quarto só para si, de Virginia Woolf
Joana Aguiar e Silva
Resumo: Partindo do potencial que para uma jurisprudência pensada e dinâmica encerram os estudos de Direito e Literatura, pretende-se neste ensaio explorar algumas das dimensões em que aquelas reflexões se têm vertido, numa fase que é já a de alguma maturidade do movimento. Procurar-se-á, mais especificamente, apreciar aquele mesmo potencial no desenvolvimento de uma eventual jurisprudência feminista/feminina, tendo por mote a leitura do protagonismo assumido pela mulher na obra saramaguiana, e o seu cotejo com a perspectiva legada por Virginia Woolf em A Room of One’s Own. L’Amica Geniale e o feminismo. Algumas considerações*
Maria Clara Calheiros
Resumo: Nos últimos anos, assiste-se a um renascimento das teorias feministas, com a inerente reentrada nos discursos mediático e académico de conceitos desenvolvidos, historicamente, naquele contexto. Tal é o caso do conceito de patriarcado. Como tem muitas vezes sucedido, a literatura oferece também um cenário particularmente interessante para pintar com cores impressivas o modo como são vividas, em concreto, as realidades existenciais que aqueles conceitos procuram teoricamente representar. A obra L’Amica Geniale, do(a) escritor(a) italiano(a) que assina Elena Ferrante, ao longo dos seus quatro volumes, parece permitir uma concretização histórica, ainda que ficcional, do conceito de patriarcado e de muitas das questões das mulheres, ajudando a desconstruir criticamente modelos de sexualidade e afectividade femininas, bem como as hierarquias sociais e familiares que espartilham e condicionam as vidas das mulheres. O Título XXXVIII do Livro V das Ordenações Filipinas: “Do que matou sua molher, pola achar em adultério” – Primeiras notas sobre o adultério na legislação e na doutrina nacionais do século XVII
Míriam Afonso Brigas
Resumo: O casamento, enquanto instituição jurídica, foi objecto de atenção da literatura nacional nos séculos XVI e XVII, nomeadamente da parte dos cultores da literatura de conselho. A relevância conferida ao desrespeito do dever de fidelidade está presente na legislação nacional, contribuindo para a importância do casamento como centro de direitos e deveres conjugais. A situação jurídica aplicável à mulher casada que incorria na situação de adultério é tratada, de forma particular, nas Ordenações Filipinas, permitindo identificar os quadros sociais e jurídicos aplicáveis a este sujeito na sua relação com a família patriarcal característica deste período. Os Equívocos do Direito, Género e Raça em À Espera dos Bárbaros, de J. M. Coetzee
Susan Sage Heinzelman
Resumo: Tendo por contexto a luta entre a consciência do sujeito e a exigência de lealdade absoluta por parte do soberano dramatizada no rei Lear, esta análise de Waiting for the Barbarians, de J. M. CoeTzee, recorre a uma dupla definição do termo “equívoco”: a versão maligna inextricavelmente ligada, na historiografia isabelina e na dos Stuart, aos jesuítas, enquanto dissimuladores e traidores, e o seu significado original na doutrina jesuítica do “equívoco e reserva mental”. Neste último sentido, o termo recupera o seu significado literal: equi- + latim vocāre, ou seja, ditos iguais. Esta interpretação sugere que falar com “duas vozes” não é o equivalente a mentir, podendo ser um caminho mais sutil para a verdade. os equívocos do Direito, género e raça no romance de CoeTzee, não apenas sugerem que essas construções podem ser manipuladas para gerar tanto a justiça como a injustiça, mostrando igualmente que género e raça, enquanto construções sociais, podem ser explorados para promover fins políticos, sociais e morais concorrentes. o ensaio defende também, de modo ainda mais incisivo, que a leitura do romance através do conceito de “equívoco” permite uma interpretação que vai ao encontro da própria pretensão de CoeTzee segundo a qual um autor que escreve num regime autoritário e brutal se deve “recusar a jogar o jogo [do estado]”.