Biblioteca TCA


PP 48
Analítico de Periódico



NEVES, Paulo Dias
Erro judiciário ou erros na atividade jurisdicional de administração da justiça? : Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de junho de 2017, proferida no processo n.º 3346/14.7TBALM.L1.S2 / Paulo Dias Neves
Revista de Direito Administrativo, Lisboa, n.º especial #1 (Setembro 2020), p. 111-117


DIREITO ADMINISTRATIVO / Portugal, RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO / Portugal, ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA / Portugal, ERRO / Portugal, IDENTIFICAÇÃO / Portugal, INDEMNIZAÇÃO / Portugal, PRISÃO / Portugal

ACÓRDÃO : I - A não se entender que o âmbito do art. 22.º, se não confina aos limites da responsabilidade do Estado por atos ilícitos, de natureza legislativa ou jurisdicional, então, este preceito constitucional consagraria, genericamente, o dever de indemnização, por lesão de direitos, liberdades e garantias, ao passo que o art. 27.º, n.º 5, configuraria, expressamente, o princípio da indemnização pelos danos, nos casos de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade, o que representa o alargamento da responsabilidade civil do Estado, estabelecida pelo art. 22.º, a factos ligados ao exercício da função jurisdicional, mas não se restringindo esta responsabilidade ao clássico erro judiciário, a que alude o art. 29.º, n.º 6, todos da CRP. II - Não é de afastar a imputação ao Estado, a que alude o art. 22.º da CRP, de uma responsabilidade objetiva geral, por atos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, em termos de abranger, para além do clássico erro judiciário, a legítima administração da justiça, no âmbito do regime geral ou comum da responsabilidade civil extra-contratual, prevista nos arts. 483.º e 562.º, ambos do CC. III - Devendo a conduta do juiz que decreta a condenação em prisão observar os pressupostos de facto e de direito de que depende, mostra-se viciada por erro grosseiro na sua apreciação que engloba, também, o erro grave na atividade investigatória do Estado, gerador de uma hipótese de responsabilidade por ato lícito, quando se comprova que o arguido não só não foi agente do crime ou não assumiu qualquer forma de participação no mesmo, vindo pelo mesmo a ser condenado e, posteriormente, preso, tendo sido alvo de um erro de identidade, dolosa e ilicitamente, criado pelo verdadeiro autor material do crime, que usurpou da sua real identificação. IV - Encontrando-se o autor ilegalmente preso durante dois meses e sete dias, tendo passado o primeiro mês, sem ser notificado sobre a razão da prisão, e o mês seguinte, desde a data desta notificação até ao momento da sua libertação, que aconteceu no próprio dia da interposição do recurso, tendo contactado o seu defensor oficioso dois dias após a sobredita notificação, o qual consumiu esse mês com consultas ao autor e a elaboração das alegações do recurso que interpôs, sendo o autor um cidadão de condição humilde, trabalhador de obras públicas, semi-analfabeto, que nunca tinha estado preso, não é de censurar-lhe a omissão de quaisquer atos que tivessem evitado a verificação ou o protelamento da prisão ilegal que sofreu, a qual e, em exclusivo, imputável ao Estado, quer ao órgão de soberania Tribunais, quer aos órgãos judiciários da administração da justiça que conduzem as notificações aos cidadãos presos, quer, finalmente, as entidades que supervisionam o sistema do apoio judiciário, no âmbito do acesso ao direito e aos tribunais, a quem cabe a nomeação e pagamento dos honorários aos defensores oficiosos escolhidos.