Biblioteca PGR


PP944
Analítico de Periódico



FERRAZ, Leonardo de Araújo
Apontamentos para os Tribunais de Contas do Brasil em perspectiva comparada : por uma nova forma de composição à luz dos modelos português, angolano / Leonardo de Araújo Ferraz
Revista do Direito de Língua Portuguesa, Lisboa, a.6 n.11 (Jan.-Jun. 2018), p.135-215


ORGANIZAÇÃO JUDICIARIA / Brasil / Portugal / Angola, TRIBUNAL DE CONTAS / Brasil / Portugal / Angola, CONTROLO EXTERNO / Brasil / Portugal / Angola, ENTIDADE FISCALIZADORA / Brasil / Portugal / Angola, REFORMA CONSTITUCIONAL / Brasil / Portugal / Angola, DIREITO COMPARADO / Brasil / Portugal / Angola

A turbulência do momento histórico brasileiro, neste período de pós-impeachment, e replicada de modo especial na quadra jurídico-política e descortina um ponto de inflexão ainda de consequências imprevisíveis. A voz que reverbera das ruas, a postura salvacionista e quase messiânica de parcela do ministério público, polícia federal e do judiciário, ainda nos ecos dos jatos da operação Lava Jato, escancara uma obrigatória revisitação dos pressupostos constitutivos das instituições republicanas e democráticas, bem como das relações entre os poderes constituídos, para que se possa estabelecer um necessário (re) equilíbrio de forças entre eles. Nesse cenário de certa perplexidade e inquietude, o recado está dado: as instituições, e aqui mais especificamente os Tribunais de Contas, precisam mudar, adaptar-se aos novos tempos, para não soçobrar à avalanche que não poupa sequer o Presidente da República. Nesse contexto desafiador, o controle externo institucionalizado e pilar estrutural de qualquer país que professa ideais democráticos, pois, dentre suas diversas competências, estatuídas explicitamente ou não nas cartas constitucionais, destaca-se a assunção do papel de uma longa manus da sociedade no controle das finanças públicas. Nesse processo, ombreando ações estatais, as entidades fiscalizadoras superiores servem de intermediadoras do accountability democrático, o que, nos países latino-americanos, de democratização tardia, exige uma maior reflexão sobre o papel dessas instituições. Nesse contexto, uma análise do caso brasileiro mostra-se sobremaneira peculiar as relações entre Executivo e Legislativo são marcadas por arranjos nem sempre republicanos e por lidas de natureza política de difícil trato, como o presidencialismo de coalizão tupiniquim. Tais características impactam diretamente na forma de escolha dos membros dos tribunais de contas brasileiros, porquanto boa parte das indicações descura-se de mínimos requisitos técnicos, ao superlativizar os políticos, de sorte que não raro, restam não satisfeitas as exigências constitucionais para provimento do cargo. Para alem, e com alarde que a imprensa escancara o fato de que parcela dos atuais integrantes das cortes de contas já foram condenados pela justiça ou respondem processo por ilícitos contra a administração pública. Num Estado republicano democrático e inconcebível que a fiscalização das finanças públicas seja dissociada da necessária expertise técnica, ou em um cenário ainda pior, de qualidades éticas indispensáveis. Dessarte, tomando como base uma análise comparativa da forma de escolha dos membros dos tribunais de contas em países lusófonos como Portugal, Angola e Timor-Leste, buscar-se-á construir uma alternativa ao modelo atual que introduza a necessária ampliação dos canais democráticos na forma de escolha dos ministros e conselheiros das Cortes de Contas no Brasil, complementado por uma radicalização do princípio republicano da alternância, como vetor de oxigenação da composição das cortes. Como coroamento, apresenta-se uma proposta de alteração na Constituição Brasileira, que leve em consideração, na seleção dos membros, tanto a valorização do conhecimento técnico quanto a ampliação dos canais democráticos e também a temporariedade dos mandatos, apartando o sistema de controle externo brasileiro das nem sempre republicanas ingerências políticas.