Acórdãos TC
Acórdão do Tribunal Constitucional
Nº Convencional: ACTC00007468
Acordão: 97-227-1
Processo: 95-0675
Relator: RIBEIRO MENDES
Descritores: TERRITORIO DE MACAU
ESTATUTO DE MACAU
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
IMPARCIALIDADE DOS JUIZES
SUSPEIÇÃO
GARANTIAS DE DEFESA
PRINCIPIO DO JUIZ NATURAL
LITIGANCIA DE MA FE
PROCESSO CRIMINAL
GARANTIAS DE DEFESA
PRINCIPIO DE IGUALDADE DE ARMAS
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: TCB19970312972271
Data do Acordão: 03/12/1997
Espécie: CONCRETA B
Requerente: PARTICULAR
Requerido: TSJ MACAU
Nº do Diário da República: 146
Série do Diário da República: II
Data do Diário da República: 06/27/1997
Página do Diário da República: 7380
Votação: UNANIMIDADE
Privacidade: 01
Constituição: 1989 ART206.
ART266 ART32 N1 N3.
Normas Apreciadas: CPP29 ART12 N7.
Normas Julgadas Inconst.: CPP29 ART112 N7.
Legislação Nacional: LTC82 ART70 N1 B.
Jurisprudência Constitucional:
Área Temática 1: DIREITOSD LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS. PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS. TERRITORIO. TRIBUNAIS. FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE.
Área Temática 2: DIR PROC PENAL.
Decisão: Julga inconstitucional a norma do n. 7 do artigo
112 do Codigo de Processo Penal, de 1929 quando interpretada de forma restritiva ou taxativa, de modo a considerar, apenas para efeito de condenação do arguido como litigante de má fé e de exercício pelo tribunal da faculdade prevista no artigo
459 do Codigo de Processo Civil, irrelevante como fundamento de recusa do juiz por suspeição a invocada existência de grave inimizade entre este e o mandatario forense do arguido.
Sumário: I - O Codigo de Processo Penal de 1929, ainda vigente no territorio de Macau, regula, nos artigos 104 a 117, os "impedimentos e suspeições" dos juízes e ainda de outros sujeitos processuais ou de intervenientes no processo (jurados, escrivães, e interpretes), alem de incompatibilidades de juizes e advogados.
Quando ocorre um impediemnto, o juiz não pode "funcionar em proceso penal" (artigo 104). Igualmente a verificação de incompatibilidades impede os magistrados afectados de "fazer parte de qualquer tribunal colectivo de comarca" ou de intervir em qualquer decisão a proferir pelos tribunais superiores (artigo 108).
Diferentemente, no caso de suspeição, o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas o Ministerio Publico, a parte acusadora ou o arguido, logo que seja admitido a intervir pode recusa-lo como suspeito, invocando algum dos fundamentos previstos na lei (artigo 112).
II - Nas contra-alegações do Ministerio Publico juntas aos autos analisa-se o papel do advogado defensor no regime processual penal que ainda vigora em Macau, chamando a atenção para a sua qualificação como "orgão de administração de justiça que actua exclusivamente em favor do arguido" (Figueiredo
Dias) ou como "orgão de justiça" (Cavaleiro de Ferreira). Contrapondo o papel do advogado de defesa ao Ministerio Publico, a doutrina portuguesa afirma que este ultimo tem o dever de contribuir para o esclarecimento integral da verdade material, ao passo que o primeiro, estando embora vinculado aos ditames das exigencias de justiça, so deve agir em favor, e não em desfavor, do arguido, sujeito processual que deve ser ouvido antes de proferida qualquer decisão que afecte os seus direitos, de modo a influenciar o processo e o seu resultado. Esta concepção e, de um modo geral, aceite nos paises do nosso circulo cultural.
III - O advogado de defesa e, assim, o jurista que pode argumentar contra o jurista que tem a seu cargo a tarefa de acusar o arguido, o representante do Ministério Publico, cabendo-lhe zelar por que durante o processo seja assegurada, em todas as circunstancias, a dignidade pessoal do arguido. Pode, assim, considerar-se que o defensor e ainda um sujeito processual.
IV - Na consideração do presente recurso importa inclusivamente perguntar-se se a consagração, como causa de suspeição, da inimizade grave entre o juiz e o arguido, sob pena de inconstitucionalidade se não ocorrer tal consagração, pode por em causa o principio do juiz natural ou juiz legal.
V - De facto, a par do direito de o arguido escolher o seu defensor (n. 3 do artigo 32 da Constituição), constitui importante garantia para qualquer arguido a regra de "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competencia esteja fixada em lei anterior" (n. 7 do mesmo artigo), na medida em que fica proibida a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição de competencia a um tribunal diferente daquele que detinha competencia ex lege para julgar o acusado de qualquer crime a data da pratica do mesmo.
VI - Poderia, assim, admitir-se que a aceitação de uma causa de suspeição decorrente da inimizade grave entre o juiz e o advogado possa facilitar uma actuação do arguido, atraves da escolha do advogado, tendente a levar ao afastamento do juiz que deveria julgar a causa, com o que se estaria, de algum modo, a por em causa o principio do juiz legal.
VII - Dado o objecto do litigio que atras se fixou, não se impõe dilucidar definitivamente as complexas questões de concordância pratica entre o disposto nos ns 3 e 7 do artigo 32 da Constituição para determinar, em todos os casos, se a norma a que se refere o objecto do recurso e ou não inconstitucional.
VIII - Uma vez que esta apenas em causa, no presente recurso, o entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido do n. 7 do artigo 112 do Codigo de Processo Penal, para efeitos de responsabilizar por litigancia de ma fe do arguido e, eventualmente, do seu defensor - artigos 117 do Codico de Processo Penal e 456 e 459 do Codigo de Processo Civil -, pode concluir-se que, na medida em que se pretendeu responsabilizar pessoalmente o mandatario defensor do arguido pela circunstancia de este ter, alegadamente, agido com dolo substancial ao interpretar aquela primeira norma supostamente contra legem, o tribunal recorrido interpretou o n. 7 do mesmo artigo 112 de forma inconstitucional.
IX - De facto, a responsabilização pessoal do advogado defensor pela invocação da inimizade grave entre ele e o juiz recusado implica que se desconsidera, na decisão recorrida, a sua qualidade de verdadeira parte ou de arguido neste incidente, dadas as consequencias pessoais que para ele podem resultar do decaimento no mesmo.
O defensor aparece aqui como verdadeira voz do arguido e, mais do que isso, como sujeito processual que pode incorrer em responsabilidade pecuniaria pelo decaimento no incidente, ex vi do artigo 459 do Codigo de Processo Civil.
Texto Integral: