Acórdãos TC
Acórdão do Tribunal Constitucional
Nº Convencional: ACTC00002075
Acordão: 89-452-P
Processo: 87-0015
Relator: RAUL MATEUS
Descritores: PROCESSO CONSTITUCIONAL
FISCALIZAÇÃO ABSTRACTA DA CONSTITUCIONALIDADE
CAUSA DE PEDIR
OBJECTO DO PEDIDO
NORMA REVOGADA
INTERESSE JURIDICO RELEVANTE
INVIOLABILIDADE DO DOMICILIO
PRINCIPIO DA IGUALDADE
DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA RAÇA
DISCRICIONARIDADE LEGISLATIVA
NOMADA
CIGANO
GUARDA NACIONAL REPUBLICANA
Nº do Documento: TSC1989062889452P
Data do Acordão: 06/28/1989
Espécie: SUCESSIVA A
Requerente: PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA
Requerido: GOVERNO
Nº do Diário da República: 167
Série do Diário da República: I
Data do Diário da República: 07/22/1989
Página do Diário da República: 2886
Votação: MAIORIA COM 2 DEC VOT E 4 VOT VENC
Privacidade: 01
Declaração de Voto: MESSIAS BENTO. CARDOSO DA COSTA.
Voto Vencido: VITAL MOREIRA. MAGALHÃES GODINHO. NUNES DE ALMEIDA. MONTEIRO DINIS.
Constituição: 1982 ART13 N2 ART26 N1 ART34 N1 ART34 N2 ART34 N3 ART281 N1 A ART282 N1.
Normas Apreciadas: RGU GERAL DO SERVIÇO DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA APROVADO PELA PORT 722/85 DE 1985/09/25 PARTE III ART81 N1 N2 N3.
Normas Declaradas Inconst.: RGU GERAL DO SERVIÇO DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA APROVADO PELA PORT 722/85 DE 1985/09/25 PARTE III ART81 N2.
Legislação Nacional: RGU GERAL DO SERVIÇO DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA APROVADO PELA PORT 722/85 DE 1985/09/25 PARTE I ART1 ART2 ART3 PARTE III ART3 N3 B ART18 N1 ART34 N2 A ART43 ART44 ART76 N3.
LTC82 ART51 N5 ART62.
CPP87 ART174 - ART177.
DL 78/87 DE 1987/02/17 ART2 N2.
L 17/87 DE 1987/06/01.
CCIV66 ART82.
RGU PARA O SERVIÇO RURAL DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA APROVADO PELO D 6950 DE 1920/09/26 ART182 ART185
Jurisprudência Constitucional:
Jurisprudência Estrangeira:
Área Temática 1: PRINCIPIOS GERAIS DOS DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS. DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS. FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE.
Área Temática 2: DIR ORDEN SOC.
Decisão: A - Declara, com força obrigatoria geral, a inconstitucionalidade da norma do n. 2 do artigo
81 da Parte III do Regulamento Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Portaria n. 722/85, de 25 de Setembro, na parte em que permite buscas nos segmentos habitacionais dos grupos e caravanas de pessoas referidas no n. 1 do mesmo artigo (em transito ou estacionadas) sem as fazer depender, na ausencia de consentimento dos interessados, de determinação da autoridade judicial competente, nem as limitar ao periodo diurno.
B - Não declara a inconstitucionalidade das normas dos ns. 1, 2 (segmento sobrante) e 3 do mesmo artigo que estabelecem uma especial vigilancia por parte da GNR em relação aos grupos e caravanas de pessoas ali referidas.
Sumário: I - Embora o Tribunal Constitucional, por diversas vezes, no dominio da fiscalização abstracta da constitucionalidade, tenha procedido a redução do ambito do pedido sempre que este va alem da causa de pedir, tal limitação não e possivel, com base no texto da petição do Procurador Geral da Republica e da sua articulação com o quadro normativo ali comtemplado, ao requerer a inconstitucionalidade do artigo 81 do Regulamento
Geral do Serviço da Guarda Nacional Republicana.
II - Com efeito, não se pode considerar o pedido confinado apenasa norma do n. 1 daquele artigo, ja que aquela entidade ora o identifica, sem limitação, a qualquer um dos seus numeros, ora o individualiza, num claro proposito abrangente e omnicompreensivo,pela respectiva epigrafe (nomadas), titulo que de facto, e materialmente, abarca aquele preceito em todos os seus numeros.
III - Por outro lado, a norma do n. 1 daquele preceito, que preve uma "especial vigilancia sobre grupos e caravanas de pessoas que habitualmente se deslocam de terra em terra fazendo comercio, participando em ferias ou desenvolvendo quaisqer outras actividades da vida itinerante", compreende fatalmente, pela sua dimensão generica, os numeros 2 e 3 do referido artigo, que preveem, em relação a situações muito particulares, especificas modalidades de acção dessa especial vigilancia.
IV - Acresce que, se na perspectiva do Procurador Geral da Republica o fundamento da inconstitucionalidade reside no tratamento discriminatorio de que são alvo os ciganos, então tal discriminação tanto se pode registar em relação ao n. 1, como em relação aos ns. 2 e 3 que, respectivamente, dispoem, em termos genericos e especificos, sobre a especial vigilancia no que respeita a determinadas categorias de nomadas.
V - Ainda que o n. 2 do artigo 81 tenha sido parcialmente revogado, por incompatibilidade com o preceituado nos artigos 174 a 177 do Codigo de Processo Penal de
1987, tal não obsta a sua declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatoria geral, pois que, operando esta, em principio, "ex tunc", havera interesse nela sempre que seja indispensavel para eliminar os efeitos produzidos pela norma impugnada durante o tempo em que esteve em vigor.
VI - Na verdade, tem sido jurisprudencia do Tribunal Constitucional que, nesses casos, em que a decisão pode ainda ter algum efeito util sobre o caso em apreciação, eliminando esses efeitos, pelo menos quando suficientemente relevantes e significativos, deve o Tribunal conhecer do pedido.
VII - Nos termos daquele dispositivo legal, cabe a GNR, no cumprimento do dever de vigilancia referido no seu n. 1, e em circunstancias especiais, efectuar buscas e revistas nas caravanas em transito e nos locais onde essas caravanas ou grupos permaneçam.
VIII - Tal norma, ao permitir a efectuação dessas buscas, independentemente de previa determinação da autoridade judicial, nos casos não voluntariamente aceites, e mesmo durante a noite, não obedece aos condicionalismos constitucionalmente exigidos pelos ns. 2 e 3 do artigo 34 da Constituição.
IX - Este preceito, ao garantir a inviolabilidade do domicilio, consignada nos seus ns. 1, 2 e 3, apresenta-se com uma dupla dimensão: não so protege o domicilio no sentido civilistico de residencia habitual, mas tambem aquele espaço reservado e vedado a intimidade da vida privada e familiar, genericamente afirmado no artigo 26, n. 1, da Lei Fundamental.
X - Mas, ainda que se entendesse que aquele artigo apenas protegia a inviolabilidade do domicilio na sua dimensão civilistica, sempre os nomadas não poderiam deixar de beneficiar daquela garantia, dado que certas componentes materiais desses grupos constituem, pela sua vocação habitacional, nos periodos de paragem e descanso, o seu domicilio, com aquela dimensão.
XI - Assim sendo, a norma do n. 2 do artigo 81 da
Parte III do referido Regulamento, na medida em que, nessas situações de paragens e descanso, ai permitem buscas, sem respeito pelos condicionalismos constitucionalmente exigidos, viola o disposto no dito artigo 34 da Constituição.
XII - Tal violação regista-se ainda nos casos em que as buscas se efectuam em situação de viagem, pois que essas componentes habitacionais, mesmo a rodar nas estradas, sem gente dentro, constituem a habitação dos nomadas que as conduzem ou rebocam.
XIII - Não foi por considerações de raça dos vigiados, mas da sua situação errante, que, nos ns. 1, 2
(parte não inconstitucionalizada) e 3 do artigo 81, onde se determina que os nomadas, ao contrario da generalidade dos sedentarios, sejam objecto de especial vigilancia por parte da GNR, se estabeleceu esta discriminação regulamentativa.
XIV - Aquele artigo, ao sujeitar os nomadas a especial vigilancia policial, não esta a dirigir-se unicamente aos ciganos, mas tambem aos não ciganos, não so porque a referencia a "nomadas" não equivale a a "ciganos" como, dirigindo-se o preceito fundamentalmente aos nomados comerciantes
(onde predominarão os ciganos), não o faz em relação a eles exclusivamente, abrangendo tambem outras subcategorias de nomadas.
XV - Acresce que, se ao nivel da vigilancia policial, houvesse o proposito de discriminar negativamente os ciganos, então o legislador tanto disporia, nesse sentido, para os ciganos nomadas como para os sedentarios.
XVI - Embora a diferenciação estabelecida naquele preceito não integre nenhum dos titulos enunciados no n. 2 do artigo 13 da Constituição, proibitivos de tratamento diferenciado dos cidadãos, certo e que o nomadismo - como titulo alheio aquela catalogação
- so se justifica se assentar em motivações objectivas e razoaveis, com fundamento material bastante.
XVII - Ora, como resulta do referido Regulamento, designadamente dos seus artigos 3, n. 3 b), 18, n. 1,
34, n. 2, alinea a), 43, 44, 76, n. 3, 81, 82 e
105 da Parte III, existe uma "conexão comum" entre a "especial vigilancia" sobre os grupos nomadas e outras situações de vigilancia especial, justificadas, todas elas, pela necessidade de evitar procedimentos anti-sociais, designadamente na area criminal.
XVIII- E a situação de perigosidade criminal que os nomadas por onde passam quase sempre suscitam (por via da sensação da impunidade que a ausencia de residencia permanente e o desconhecimento da sua identidade lhes proporciona, particularmente propensos a "resolver" na area criminal as suas crises economicas) que impõe como boa, e em termos de adequação e proporcionalidade, a diferenciação de tratamento legislativo constante das referidas normas.
XIV - Por outro lado, atentas as especialidades do estilo de vida dos nomadas, por via do que foi referido no paragrafo anterior, sempre haveria de se reconhecer que o legislador ordinario, dentro da area da discricionaridade que naturalmente lhe ha-de ser concedida na actuação normativa do principio da igualdade, de modo algum ultrapassou desmedidamente aquilo que a desigualdade da situação justifica.
XX - Assim sendo, não se verifica por parte daquelas normas violação do referido principio da igualdade.
Texto Integral: