Acórdãos TC
Acórdão do Tribunal Constitucional
Nº Convencional: ACTC00004557
Acordão: 94-017-P
Processo: 91-0364
Relator: CARDOSO DA COSTA
Descritores: PARTIDO POLITICO
EXTINÇÃO
DISSOLUÇÃO DE PARTIDO POLITICO
IDEOLOGIA FASCISTA
ORGANIZAÇÃO FASCISTA
LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO
RESTRIÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL
Nº do Documento: TOF1994011894017P
Data do Acordão: 01/18/1994
Espécie: ORGANIZAÇÕES FASCISTAS
Requerente: PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA
Requerido: MAN
Nº do Diário da República: 76
Série do Diário da República: II
Data do Diário da República: 03/13/1994
Página do Diário da República: 2952(58)
Votação: UNANIMIDADE
Privacidade: 01
Indicações Eventuais: OUTROS ACORDÃOS 94-129-P.
Constituição: 1989 ART46 N4.
Legislação Nacional: L 64/78 DE 1978/10/06 ART1 ART2 ART3 ART5 ART8.
LTC82 ART10 ART104.
Jurisprudência Constitucional:
Área Temática 1:
Decisão: Indefere pedido de declaração de extinção da organização denominada Movimento de Acção Nacional-
-MAN, por considerar provada a sua dissolução definitiva antes mesmo de apresentado o requerimento introdutório da presente instancia.
Sumário: I - A forma e a tramitação dos processos relativos a organizações que perfilhem a ideologia fascista ha-de ser a do processo penal comum, com as adaptações exigidas, seja pela natureza do tribunal competente no caso e pelo modo da sua intervenção, seja pelo caracter específico da providencia judiciaria requerida.
II - A Lei n. 64/78, de 6 de Outubro - que foi emitida precisamente para tornar exequivel a norma constitucional que proibe as organizações que prefilhem a ideologia fascista -, separa processualmente o reconhecimento judicial de uma organização como perfilhando tal ideologia e a declaração da sua extinção, das consequencias juridico-criminais ligadas a constituição de organizações dessa natureza.
III - Apesar da necessaria relação de dependencia e complementaridade entre aquele reconhecimento e aquelas consequencias, a competencia do Tribunal Constitucional restringe-se a averiguar se a organização requerida deve qualificar-se como perfilhando a ideologia fascista e deve, consequentemente, ser declarada extinta.
IV - O Tribunal tem, antes de mais, de determinar se o Movimento de Acção Nacional constitui verdadeiramente uma "organização", pois o que na Constituição e na lei se proibe não e a adesão individual de quem quer a ideologia fascista, nem toda e qualquer forma de manifestação publica, defesa ou propaganda dessa ideologia - e, tão so, a existencia de "organizações" que se proponham tal objecto ou finalidade.
V - O legislador perfilhou uma noção muito ampla de "organização", a qual tem correspondencia, afinal, no entendimento ou conteudo puramente sociologico do conceito, isto e, no conceito de organização como "sistema social": um sistema de actuações e comportamentos que mutuamente se integram e visam combinar, e que se diferenciam, de maneira relativamente estanque, do conjunto envolvente de actuações e comportamentos não pertencentes ao sistema.
VI - E irrelevante, por conseguinte, tudo quanto respeite a configuração juridica de entidade em causa: basta - nas palavras da lei - uma "qualquer concertação de vontades ou esforços" para que se esteja perante uma organização. E mais: não sera mesmo necessario que tal concertação de vontades se traduza na mobilização de meios materiais, em ordem a prossecução do objectivo comum; nem necessario sera tão-pouco, que essa concertação tenha caracter de permanencia.
VII - O Tribunal Constitucional sufraga a opinião que ja fora da Comissão Constitucional de, dado o risco que envolve o recurso a uma noção ampla de "organizações" quando esta em causa a restrição de direitos, liberdades e garantias, operar com prudencia e cautela na aplicação dessa noção as varias situações de vida.
VIII - Seja como for, mesmo operando com a prudencia que acaba de referir-se e o teor da lei exige, não sofre duvida que o Movimento de Acção Nacional-MAN constituira uma "organização", tal como esta realidade e concebida no preceito legal em causa, pois que constituia um agrupamento de pessoas, o qual se foi alargando ao longo do tempo, que visou prosseguir, em conjunto e com permanencia, um certo objectivo comum; que dispunha de um nucleo dirigente ou estrutura directiva composta, de facto, por um presidente, uma comissão politica e o conselho nacional; que a actividade dos membros ou militantes do Movimento se desenvolvia - e efectivamente se desenvolveu - em ligação, se bem que não formalmente definida, com os orgãos centrais dessa estrutura directiva; que o Movimento reuniu e pos ao serviço da prossecução dos seus objectivos, meios de varia natureza, nomeadamente meios financeiros, provenientes, em particular, de quotizações dos respectivos membros; que o Movimento se empenhava na formação dos seus militantes, utilizou diferentes publicações para difundir a sua doutrina e dispos, inclusivamente, de um "orgão de expressão", que foi o jornal
Acção.
IX - A complexidade do que seja uma organização que perfilha a ideologia fascista situa-se logo ao nivel da sua propria razão de ser e justificação constitucional que, alias, tem tambem de fazer-se em termos actuais, e não meramente historicos.
X - Todavia, mesmo prescindindo de um tal nivel de analise da questão, sempre subsiste a dificuldade de determinar com precisão o conceito de "ideologia fascista" -, para o efeito da proibição constitucional e legal das correspondentes organizações e da catalogação, nessa categoria, de uma concreta organização.
XI - Apesar de o legislador ter procurado precisar e concretizar a noção de "organização que perfilha a ideologia fascista", não ficaram eliminadas todas as dificuladades - seja ainda da propria clarificação conceitual da categoria, seja, muito especialmente, da sua aplicação em concreto.
XII - Atentos os factos que o Tribunal considerou provados, dir-se-a que no Movimento de Acção Nacional - MAN ocorrem, de todo o modo, algumas caracteristicas que se aproximam, ou mesmo correspondem, a notas ou indices a que se faz apelo no artigo 3 da lei n. 64/78 para caracterizar uma "organização de ideologia fascista".
XIII - Não se exclui todavia, que se possa questionar que tais caracteristicas, cada uma delas e todas no seu conjunto, e tendo em conta que se não provou o caracter violento da organizanização, se revistam de consistencia bastante para qualificar o
MAN como "organização que perfilhe a ideologia fascista", para os efeitos da Lei n. 64/78.
XIV - O Tribunal não necessita de dar resposta a esta questão - e isso porque considerou provado um facto que, em seu entender, retira a extinção do Movimento de Acção Nacional, como "organização de ideologia fascista", toda a justificação. Tal facto e o da dissolução definitiva do Movimento, antes mesmo de apresentado o requerimento introdutorio da presente instancia, e o da cessação efectiva de toda a sua actividade.
XV - Com efeito, provado esse facto, e provado que ele ocorreu antes de instaurada a presente acção, segue-se que, em boa verdade, esta carece de objecto- ja que a providencia judiciaria que com ela sevisava essencialmente obter (o decretamento da extinção de determinada organização) deixa de ter sentido. Donde que tambem perca sentido o passo intermedio dessa providencia, que e o da qualificação da organização em causa, em termos de subsumi-la no ambito do artigo 3 da Lei n. 64/78.
XVI - Apesar de declaração de extinção poder ser considerada "condição objectiva de punibilidade" dos crimes tipificados nos ns. 1 e 2 do artigo 5 da Lei n. 64/78 e pressuposto, por outro lado, da efectivação do tipo criminal definido no n. 3 do mesmo artigo, trata-se, sempre, de mero "efeito complementar" da providencia judiciaria requerida, que não devera considerar-se suficiente, so por si, para a emissão de tal providencia, quando a razão de ser nuclear desta ja não subsista.
Texto Integral: