Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1648//2007-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA
DIREITO À IMAGEM
RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITO DE PERSONALIDADE
OFENSAS À HONRA
DEVER DE INFORMAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- A notoriedade pública de uma actriz não justifica a utilização abusiva da sua imagem nem justifica que, a pretexto de uma notícia que poderia ser o esclarecimento de um equívoco, se ofenda a honra e consideração devidas ( ver artigos 37.º/4 da Constituição da República 70.º, 79.º, 483.º do Código Civil e 29.º e 79.º/3 da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro).
II- É o sucede com a publicação não consentida de várias fotografias da referida actriz semi-nua e é o que sucede também quando, a propósito do equívoco gerado pela parecença entre a actriz e uma participante em vídeo pornográfico, a capa da revista faz inserir duas fotos e duas setas, sendo uma das setas precedida da expressão “ Esta não é F. […]” e sendo a outra, precedida da expressão “ […] mas esta é, apontando para uma foto da actriz, semi-nua, sem qualquer referência ou explicação, foto extraída de telenovela há muito exibida.
III- O dever de informar não se cinge apenas à obrigação de divulgar informações cujo conteúdo corresponda à verdade dos factos como também a obrigação de que tal transmissão se realize sem equívocos, mensagens subliminares ou imbuídas de quaisquer outros tipos de viciação da interpretação que possa ser realizada por qualquer leitor médio.
IV- Ora, com a publicação em estilo jocoso e galhofeiro dos indicados texto e imagens, não há o propósito de contribuir para desfazer o equívoco ou o mero objectivo de informação, mas antes o de, a pretexto do equívoco, que é aproveitado e divulgado, criar maliciosamente a ideia de que a conduta da actriz não é igualmente isenta de reparos.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

MARIA […], actriz, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra CARLA […] e "ADMINISTRAÇÃO DA T. […] LDA,"  pedindo a condenação solidária destas a pagarem-lhe, a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 50.000,00 acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou que no dia 23 de Maio de 2003 tomou conhecimento do conteúdo da capa publicada pela 2a Ré na revista […], assim como tomou conhecimento do teor do artigo publicado pela 2ª Ré sobre a sua pessoa, na página 116 dessa mesma revista e do teor da reportagem elaborada pela 1ª Ré e publicada pela 2ª Ré, a págs. 22 a 24, dessa mesma revista […].

Esta reportagem e artigo foram publicados na sequência de um vídeo que circulava na internet, via e-mail, intitulado " […]", e do qual a Autora teve conhecimento em 13 de Maio de 2003.  O vídeo tem a duração aproximada de 17 segundos, mostra cenas de sexo explícito, de cariz pornográfico, entre um homem e uma mulher, sendo certo que não protagonizou nem participou no vídeo.

A utilização do referido vídeo, protagonizado por uma actriz com semelhanças físicas com a Autora, induziu e continua a induzir em erro muitos dos utilizadores da internet tendo a Autora conseguido, com o auxílio da TVI e de um cibernauta, esclarecer a situação.

A 1a Ré utilizou na reportagem constante de págs. 22 a 24 da revista mencionada expressões proferidas pela Autora sobre o referido vídeo, aquando de uma entrevista concedida pela mesma à estação de televisão TVI, sem que para tal estivesse devidamente autorizada, bem como foram utilizadas pela 1ª e 2ª RR., sem a devida autorização por parte da Autora, várias fotografias desta semi-nua.

Acrescentou ainda que intitularam a reportagem referida de fls. 22 a 24 “Olh’ó Vídeo”, de forma satírica e irónica.

A 2ª Ré publicou numa página da revista intitulada "[…]" um artigo de forma não séria e mesmo irónica relativamente à situação de que a Autora foi vítima.

Esta situação é agravada pelo facto da capa da revista supra mencionada se intitular: "Quem quer tramá-la. Esta não é F.[…] , mas esta é!".

Com este título, as 1ª e 2ª RR. sugerem que a Autora, apesar de não ter protagonizado o vídeo, teve um comportamento eticamente reprovável e susceptível de censura, uma vez que o título aparece na capa entre duas fotografias e duas setas, sendo uma delas precedida da expressão "esta não é"  e aponta para uma fotografia extraída de uma cena do vídeo e a outra seta é antecedida da expressão "mas esta é" e aponta para uma fotografia extraída da telenovela "A Grande Aposta".

A fotografia, extraída de uma cena da telenovela “A Grande Aposta", foi utilizada pelas RR., sem autorização e fora do contexto em que se insere, sem qualquer legenda.

A publicação numa revista de grande divulgação de uma fotografia da Autora semi-nua, utilizada fora do contexto e associada deliberadamente à fotografia extraída do vídeo, bem como a escolha quer do título quer da reportagem, quer da capa, ofendeu a honra e reputação da Autora.

A publicação pela 2ª Ré na revista […] da reportagem, do artigo e da capa da revista supra mencionados, colocou profissionalmente a Autora em causa, quer no que concerne ao risco de rescisão dos contratos em vigor, quer no que concerne a contratações futuras e poderia ter agravado seriamente o risco de rescisão do contrato celebrado entre a Autora e o "Banco […], SA".

A Autora foi vexada como pessoa e como profissional, numa altura em que a sua carreira profissional está em ascensão.

A divulgação das fotografias, a publicação da reportagem e dos artigos mencionados, agravou o estado psicológico da Autora, fomentou a curiosidade acerca do vídeo e originou comentários do público em geral sobre a Autora.

Com a sua conduta, as RR. bem sabiam que estavam a prejudicar o bom nome e imagem da Autora. Tiveram como objectivo tornar a revista apelativa de forma a levar os consumidores a comprá-la.

As RR. apresentaram contestação comum em que alegaram, em súmula, que a Autora já participou em diversas novelas, filmes, anúncios, etc., quer na sua profissão de actriz, quer na de manequim, tendo já feito nus ou semi-nus.

Enquanto actriz/modelo, faz parte da sua profissão, se necessário, exibir o seu corpo e, já por mais de uma vez, em determinados contextos, a Autora exibiu o seu corpo e fez a fixação do mesmo, no intuito da sua reprodução e visionamento por terceiros. O acto de a Autora aparecer em poses de nus ou semi-nus para exibição ao público não lhe é estranho.

Alegaram ainda que se limitaram a reproduzir uma fotografia que faz parte de uma cena de uma telenovela, vista anteriormente por centenas de milhares de pessoas e que, aliás, se encontra acessível ao grande público na internet. Todas as imagens e declarações eram já do domínio público quando as RR. as inseriram na revista.

A notícia em causa tem um claro relevo social, conforme resulta do subtítulo "F.[…] ficou em Maus lençóis com a divulgação de um vídeo pornográfico. Desfeito o equívoco (…) ", noticia não é que a Autora fosse a pessoa que constava do trailer, mas o problema de, via internet, sem as pessoas conhecerem o autor ou proprietário do suporte físico, se poderem levantar suspeitas e lesar o nome de terceiros.

Também sob o prisma da internet, e da eventual violação da privacidade das pessoas, que as RR. alertam para a existência de sites sobre a nudez dos artistas.  As RR. podiam reproduzir essas imagens para os efeitos que o fizeram. Admitindo-se que se tratará de uma telenovela, é o detentor do direito de autor que se poderia opor à utilização das imagens que, no caso, não é a actriz […], mas sim a RTP.

A tutela da Autora, na parte do seu desempenho como actriz, teria de ser alcançada em sede de direitos conexos, nos termos dos artigos 176°/ss do CDADC sendo certo que, nos termos do artigo 189°/1/b do mencionado diploma, a protecção concedida neste título não abrange estes casos.

As RR. utilizaram imagens disponíveis e conhecidas do grande público, reproduziram declarações públicas e agiram no correcto exercício de um direito.

A circulação do trailer na net, referindo-se que as imagens eram da Autora, quando na realidade não o eram, é susceptível de causar elevados danos à Autora.

Todos sabem que não é a Autora a pessoa que aparece no vídeo.

Na sua actividade como actriz, os nus ou semi-nus são por todos aceites.

A curiosidade quanto ao vídeo sempre seria despoletada para quem ainda não o tivesse visto - pela notícia da TVI, sendo que as RR. apenas podem ser consideradas como um mero ruído de fundo, à semelhança de outros órgãos de comunicação social.

Não foram as RR. que fizeram circular o vídeo, e até terão contribuído para diminuir os danos da Autora, ao veicularem que não se trata da F.[…] mas sim de outra actriz que identificaram.

Concluem pedindo a sua absolvição do pedido.

Após a realização do julgamento, foi proferida sentença que condenou solidariamente as RR. a pagarem à A. a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, montante este acrescido de juros de mora desde a data da prolação daquela sentença e até integral pagamento, absolvendo as RR. do demais peticionado.

Inconformadas, as RR. interpuseram recurso desta decisão no âmbito do qual formularam as seguintes conclusões:

1. Para apurar da existência ou não de um teor ofensivo nas frases constantes da reportagem e da capa da revista […], e, por isso, da susceptibilidade de as mesmas causarem danos à então Autora, o Tribunal "a quo" levou em consideração o modo como “..as testemunhas da autora interpretaram os textos e fotografias..." , não alcançando as requerentes, que valor pode ter essa interpretação, quando as pessoas em causa – pela sua qualidade de testemunhas, diferente, por exemplo, da dos peritos - depuseram para relatar os factos de que tiveram conhecimento através dos próprios sentidos, e não para expressar as suas opiniões.

2. Assim, e no que toca à prova dos quesitos 4 e 5, não há quaisquer factos de que as testemunhas da Autora tenham tido conhecimento directo, de modo a transmitir tal conhecimento ao Tribunal. Estando já assente qual o conteúdo dos textos e imagens, incluídos na revista […], não há qualquer razão para que se atenda à opinião de testemunhas para interpretar os mesmos, e que se fundamente em tais interpretações a prova de um tratamento irónico e satírico à Autora. Não há qualquer razão para ser levado em conta, pelo Tribunal, o modo como as testemunhas da Autora entendem que devem ser interpretados os escritos e as imagens constantes  da revista, pois tal entendimento corresponde a opiniões e juízos de valor, que não são legalmente admissíveis como elementos de prova.

3. De qualquer modo, e no que respeita, em especial, aos quesitos 4 e 5, as declarações de testemunhas em que o Tribunal se poderia ter baseado para prova dos mesmos seriam sempre manifestamente insuficientes para que se pudesse delas concluir que "a 1a e a 2a Rés usaram, de forma satírica e irónica, o título "Olh'ó Vídeo", de um programa que foi apresentado pela Autora" e "na página 116 (a.), a 2a Ré trata mais uma vez de forma irónica a situação da Autora" (sublinhado nosso).

4. Quanto a ter sido a Autora "vexada como pessoa e como profissional, numa altura em que a sua carreira profissional está em ascensão" (quesito 13), a prova testemunhal produzida reduziu-se, essencialmente, aos depoimentos das testemunhas E.[…] (gravado na cassete n° 2, lado A, rotações 1197 a final) e M.[…] (cassete n° 2, lado B, rotações 843 a final), cujos depoimentos foram absolutamente vagos, nada concretizando, e através dos quais não se pode tirar qualquer conclusão acerca das consequências concretas da publicação em análise para a Autora.

5. No que respeita à prova de que "a publicação da reportagem, do artigo e da capa da revista fomentou a curiosidade acerca do vídeo que circulou na Internet e originou em consequência comentários do público em geral sobre a Autora" (quesito 15), e mais uma vez, os depoimentos das testemunhas quase não abordam a questão, e, quando o fazem, limitam-se a emitir as suas opiniões pessoais, demonstrando ainda uma enorme dificuldade em distinguir o impacto causado pela revista do decorrente das diversas notícias sobre a existência do vídeo que circulava na Internet.

6. Nos termos do art. 483° do CC, "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação". Estabelecem depois os artigos seguintes – incluindo o art. 484°, que se refere a ofensas ao crédito ou ao bom nome – situações especiais de ilicitude.

7. Ora, da prova produzida, facilmente se conclui pela não verificação do pressuposto da ilicitude, no caso dos autos. Com efeito, as imagens da Autora publicadas na revista […] constam de um "site" da Internet que, conforme consta da matéria assente, se encontra acessível a uma infinidade de pessoas. Além do que, tais imagens foram inicialmente retiradas de cenas de uma novela da RTP, não sendo por isso a Autora titular dos respectivos direitos.

8. Já no que toca aos textos publicados, estes, usando de uma linguagem apelativa, própria deste tipo de publicação, limitam-se a informar o público de uma notícia, absolutamente verdadeira, e que ia ao encontro do interesse público suscitado pelos acontecimentos recentes, relativos ao envolvimento do nome da Autora num "clip" pornográfico com o qual esta não tinha qualquer relação. E a notícia era a de que, para além do "clip" pornográfico, de cuja existência o grande público tinha já conhecimento, havia também, na Internet, um "site" organizado por alguém que se dedicava a reunir imagens de várias actrizes, em que estas apareciam nuas ou seminuas, retiradas de trabalhos de televisão ou cinema, e totalmente descontextualizadas.

9. Mais não fizeram assim as Recorrentes, com a publicação da referida notícia, do que alertar o público, chamando a atenção para o uso indevido que se apurou ser feito, por mais de uma entidade, do nome de pessoas conhecidas, em "sites" da Internet.

10. A conduta das Recorrentes correspondeu, assim, a um exercício legitimo da sua função enquanto órgão de comunicação social, dando conhecimento de um facto de interesse público e que tinha elevada relevância, atenta a polémica levantada em torno da circulação de um "clip" pornográfico com imagens erradamente associadas à Recorrida.

11. Nem se diga que tais notícias eram aptas a chamar ainda mais a atenção para a existência do "clip" pornográfico erradamente associado à Recorrida. Não o seriam mais, certamente, do que a ida da própria Autora ao noticiário da TV1, para esclarecer publicamente a situação do referido "clip", e no âmbito da qual tal "clip" foi parcialmente exibido na televisão.

12. No que toca ao pressuposto da imputação do facto ao agente, nos termos do art. 483° do CC, para que alguém seja civilmente responsável por factos ilícitos, é necessário que o mesmo tenha agido "com dolo ou mera culpa". Não é, certamente, o caso dos autos, em que as Rés agiram com total respeito pelos princípios que regem a respectiva actividade, não visando nunca atingir o bom nome ou reputação da então Autora, mas antes esclarecer uma situação desagradável de que esta, e outras actrizes, vinham sendo alvo. Esta é, aliás, a única interpretação a dar, de uma leitura minimamente atenta dos textos em causa.

13. É igualmente manifesta a falta de verificação de um dano indemnizável. Com efeito, de toda a prova produzida se conclui claramente não ter sido a imagem profissional da Recorrida minimamente afectada, o que explica, aliás, o facto de a sua carreira profissional ter continuado uma considerável e manifesta evolução desde então.

14. Quanto ao bom nome da Recorrida, em termos pessoais, não pode considerar se, do pouco que foi referido pelas testemunhas a tal respeito, que aquele tenha sido sequer minimamente afectado, enquanto, no que respeita aos incómodos e aborrecimentos que a Autora terá sofrido com a situação, a prova relativa aos mesmos é extremamente vaga e imprecisa, resumindo-se a depoimentos de amigos daquela, que apenas referem saber que a mesma terá ficado "aborrecida", que foi "negativo para ela" — cfr. o depoimento da testemunha E.[…], gravado na cassete n° 2, lado A, rotações 1197 a final. Tal é manifestamente insuficiente para se considerar como provado um dano relevante, para efeitos de indemnização.

15. No caso dos autos, ainda que se aceitasse como correcta a matéria de facto dada corno provada, face à prova produzida, esta sempre seria insuficiente para se concluir pela existência de danos relevantes, para efeitos de direito à indemnização, nos termos do art. 496° do C. Civil, e conforme explicado, entre outros, pelos Professores Antunes Varela (in Obrigações, 1, p 606) e R. Capelo de Sousa (in O Direito Geral de Personalidade, p 555).

16. Não havendo danos a ressarcir, a indemnização atribuída pelo Tribunal "a quo" apenas poderia ser entendida quando associada exclusivamente a uma função punitiva da conduta das Rés, que aquele Tribunal considerou ser censurável. Ora, na nossa Ordem Jurídica, cabe às sanções de natureza penal e contra-ordenacional, com as suas garantias próprias, assegurar a punição dos agentes de actos ilícitos. A indemnização civil visa, antes, repor a situação anterior a um dano, e verificados determinados pressupostos.

17. Assim, e ainda que se aceite – como alguma doutrina o faz – que a indemnização civil possa, também, punir o lesante, tal função será sempre acessória, e por isso condicionada aos limites decorrentes da sua primordial função, que é a ressarcitória.

18. Carece, pois, de qualquer fundamento, quer de facto quer de direito, a condenação das Recorrentes no pagamento da indemnização estipulada pelo Tribunal de primeira instância.

Conclui, assim, pela revogação da sentença com a consequente absolvição do pedido.

Em sede de contra alegações a Apelada defende a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



II. FACTOS PROVADOS

         1. A Autora é actriz, tendo participado em diversas novelas, filmes e anúncios e foi uma das protagonistas da telenovela "Amanhecer" (alínea A) dos Factos Assentes).

2. A Autora também é modelo, bem como é a imagem publicitária dos produtos e serviços comercializados pelo "Banco […] SA", quer no mercado nacional, quer no mercado internacional (alínea B) dos Factos Assentes).

3. A 1ª Ré exerce a actividade de jornalista e presta serviços (alínea C) dos Factos Assentes).

4. A 2a Ré é uma sociedade que se dedica, entre outras actividades, à Edição de Publicações, designadamente à edição da revista […], revista de grande divulgação e que se dedica a assuntos ligados à televisão e tudo o que gira em torno desta actividade (alínea D) dos Factos Assentes).

        5. Na internet, circulou um vídeo, via e-mail, não divulgado pelas Rés, intitulado "[…]", com duração aproximada de 17 segundos, mostrando cenas de sexo explícito, de cariz pornográfico entre um homem e uma mulher, o qual circulou por milhares de pessoas e acabou por explodir, em termos de exposição pública, na TVI (alínea E) dos Factos Assentes).

6. A TVI, na semana anterior à publicação da revista, ou seja, na 5ª feira anterior, havia promovido a passagem do trailer e colocado no ar uma entrevista à Autora (alínea F) dos Factos Assentes).

7. A Revista […] […], teve como capa o que consta de fls. 19 dos autos, tendo como título "Quem quer tramá-la? Esta não é F.[…] ... mas esta é" (alínea G) dos Factos Assentes).

8. O título referido na alínea anterior aparece entre duas fotos e duas setas, sendo uma das setas precedidas da expressão "esta não é" e aponta para uma fotografia extraída de uma cena do vídeo supra referido e a outra seta é antecedida da expressão "mas esta é" e aponta para uma fotografia extraída da telenovela "A Grande Aposta" e sem qualquer legenda (alínea H) dos Factos Assentes).

9. A fls. 22 e 24 dessa revista foi publicado o artigo elaborado pela 1ª Ré com o título "Olh'ó Vídeo" (alínea I) dos Factos Assentes).

10. Nas páginas 116 e 117 da mesma revista, a 2a Ré publicou um artigo sobre o vídeo, referido na alínea E), com o título "Festa da semana, escândalo do ano", cujo teor era o seguinte:

"Já falei hoje do vídeo escaldante que punha em causa o bom nome da minha querida […]. E volto ao assunto para vos perguntar o seguinte: imagina, quantas «celebridades" me telefonaram a pedir para lhes enviar o famoso vídeo? Nem fazem ideia da quantidade de abutres que por aí andam (...)" (alínea J) dos Factos Assentes).

11. A reportagem e o artigo referidos nas alíneas I) e J) foram publicados na revista "[…]", já referida, na sequência a que alude a alínea E) (alínea L) dos Factos Assentes).

12. A Autora teve conhecimento do vídeo referido na alínea E) em 13 de Maio de 2003 (alínea M) dos Factos Assentes).

13. A Autora não protagonizou, nem participou, directa ou indirectamente, no vídeo supra referido (alínea N) dos Factos Assentes).

14. A actriz, que protagoniza o filme supra mencionado, apresenta bastantes parecenças físicas com a Autora, sendo facilmente confundível com a mesma (alínea 0) dos Factos Assentes).

15. A utilização de um vídeo pornográfico intitulado "[…]", protagonizado por uma actriz com inúmeras semelhanças físicas com a Autora, induziu e continua a induzir em erro, muitos dos utilizadores da internet, que receberam e continuam a receber e a visualizar o e-mail supra referido (alínea P) dos Factos Assentes).

16. No entanto, a Autora, com o auxílio da TVI e de um "cibernauta", conseguiu esclarecer a situação, uma vez que descobriu quem é a actriz que protagonizou o mencionado vídeo (alínea Q) dos Factos Assentes) .

17. A 1ª Ré utilizou, na reportagem, constante de páginas 22 a 24 da revista supra mencionada, expressões proferidas pela Autora, sobre o vídeo supra referido, aquando de uma entrevista concedida pela mesma à estação de televisão TVI, sem que para tal estivesse autorizada pela Autora: "Quero descobrir quem colocou estas imagens na Net" (alínea R) dos Factos Assentes).

18. Nessa revista foram utilizadas pela 1ª Ré e pela 2ª Ré, sem a autorização por parte da Autora, várias fotografias desta semi-nua (alínea S) dos Factos Assentes).

19. A Autora apresentou na TVI um programa intitulado "Olh'ó Vídeo", no qual eram exibidas cenas caricatas do quotidiano das pessoas (alínea T) dos Factos Assentes).

20. A telenovela "A Grande Aposta" já havia sido exibida há pelo menos oito anos na RTP (alínea U) dos Factos Assentes).

21. O "Banco […], SA" é uma instituição financeira credível e consolidada no mercado português, não podendo ter a sua imagem associada a uma pessoa em relação à qual foram criadas suspeitas de não adoptar uma conduta social e eticamente correcta (alínea V) dos Factos Assentes).

22. A Autora é tida como uma mulher bem parecida e, de entre outros predicados que terá, tem usado a sua imagem em prole da sua carreira, que tem seguido em fase ascendente (alínea X) dos Factos Assentes).

23. O vídeo referido na alínea E) circulava na internet há cerca de três meses após a publicação da revista (alínea Z) dos Factos Assentes).

24. A fls. 23 da revista mencionada na alínea G) consta "F.[…] está incluída numa longa lista de actrizes e apresentadoras que têm imagens num site português, […]. Os responsáveis, anónimos, recolhem as cenas de nus que as actrizes terão feito em sérias, novelas ou filmes" (alínea AA) dos Factos Assentes).

25. No dia 23 de Maio de 2003, a Autora teve conhecimento do conteúdo da capa publicado pela 2ª Ré na revista […] (resposta ao quesito 1°).

26. Teve conhecimento do teor do artigo publicado pela 2a Ré, sobre si, na página 116 da revista mencionada na alínea G) (resposta ao quesito 2°).

27. A Autora teve conhecimento do teor da reportagem elaborada pela 1a Ré e publicada pela 2a Ré, de páginas 22 a 24, na revista […] (resposta ao quesito 3°).

28. A 1a Ré e a 2a Ré utilizaram de forma satírica e irónica o título "Olh'ó Vídeo", de um programa que foi apresentado pela Autora (resposta ao quesito 4°).

29. No artigo de fls. 116 da revista "[…]" (documento n° 3 da p.i.), a 2a Ré trata mais uma vez de forma irónica a situação da Autora (resposta ao quesito 5°).

30. Com o título "Quem quer tramá-la? Esta não é F.[…] …mas esta é", a 1a Ré e a 2a Ré sugerem que a Autora, apesar de não ter protagonizado o vídeo supra referido, protagonizou a cena que consta da 2a fotografia mencionada na alínea H) (resposta ao quesito 6°).

31. A foto extraída de uma cena da telenovela "A Grande Aposta" e que consta da capa da mencionada revista foi utilizada pela 1a Ré e pela 2a Ré, sem autorização (resposta ao quesito 7°).

32. Foi publicada na capa sem a indicação que foi extraída de uma cena da telenovela portuguesa denominada "A Grande Aposta", na qual a Autora contracena com Virgílio Castelo (resposta ao quesito 8°).

33. A 2a Ré utilizou as fotos extraídas da telenovela "A Grande Aposta" (resposta ao quesito 9°).

34. A Autora foi vexada como pessoa e como profissional, numa altura em que a sua carreira profissional esta em ascensão (resposta ao quesito 13°).

35. A divulgação das fotografias, a publicação da reportagem e dos artigos mencionados, agravou o estado psicológico da Autora, nomeadamente ficou angustiada, deprimida, ansiosa e inclusive com receio de ser vexada em público (resposta ao quesito 14º).

36. A publicação da reportagem, do artigo e da capa da revista supra mencionadas, fomentou a curiosidade acerca do vídeo supra referido e originou, em consequência, comentários do público em geral sobre a Autora (resposta ao quesito 15º).

37. A 1ª Ré e a 2ª Ré, com a sua conduta, tiveram como objectivo tornar a revista em causa apelativa de forma a levar os consumidores a comprá-la, mesmo admitindo a possibilidade de a Autora se sentir enxovalhada e humilhada (resposta aos quesitos 16º, 17º e18°).

38. Quer na sua profissão de actriz, quer na de manequim, a Autora já fez nus ou semi-nus (resposta ao quesito 19º).

39. A Autora, no exercício da sua profissão de actriz, assinou pelo menos um contrato de prestação de serviços relativo à novela "Grande Aposta", constante de fls. 207 a 214, do qual consta, na cláusula 7a, o seguinte:

“(…) 3. Desde já se consigna que, se tal for considerado pelos responsáveis técnicos e artísticos da 1ª Outorgante como indispensável à obtenção de um melhor resultado final, poderá o/a 2° Outorgante ser chamado a representar no âmbito do presente contrato, cenas de Nú Artístico, ou seja, cenas não chocantes ou não pornográficas" (resposta ao quesito 20°).

40. Por mais de uma vez, em determinados contextos, o corpo da Autora foi fixado através de fotografia ou videograma, com vista à sua reprodução e visionamento por terceiros (resposta ao quesito 21°).

41. A foto da Autora constante da capa e extraída da telenovela "A Grande Aposta" encontra-se acessível na Internet, podendo ser vista por milhares de pessoas (resposta ao quesito 24°).

42. As fotos extraídas da telenovela "A Grande Aposta" encontram-se acessíveis ao público na Internet e que a referida novela foi vista por milhares de pessoas (resposta ao quesito 25°).

43. A Autora da telenovela é a RTP (resposta ao quesito 27°).

44. O eco gerado pela circulação do trailer na net implicou que diversos órgãos de informação se viessem a pronunciar sobre o assunto (resposta ao quesito 28°).

45. O contrato com o "Banco […] SA" não sofreu qualquer alteração (resposta ao quesito 29°).

46. Após a instauração da presente acção, foi publicada pela 2ª Ré uma outra revista, tendo a Autora sido capa, tendo sido dada à pessoa e carreira desta um maior destaque (resposta ao quesito 30º).

47. Nesse outro título, a 2ª Ré, enquanto proprietária do mesmo, até dedica várias páginas à Autora e volta a utilizar imagens desta, como actriz, apresentadora ou manequim (resposta ao quesito 31°).

48. É do site que foi extraída a fotografia (resposta ao quesito 33°).

49. E o site extraiu-a da telenovela (resposta ao quesito 34°).

50. A Autora celebrou com a produtora da novela "N.[…] SA" um contrato de prestação de serviços relativo à novela "Grande Aposta", constante de fls. 207 a 214, do qual consta, na cláusula 10a, o seguinte:

“1. O/A 2° Outorgante desde já declara autorizar a 1° Outorgante a proceder à difusão, por qualquer meio, da sua prestação como Actor/Actriz efectuada no âmbito deste contrato, e ainda, a proceder à respectiva fixação para posterior radiodifusão sonora ou visual, reprodução, nova transmissão, ou retransmissão por outros organismos, bem assim como à comercialização por qualquer meio, das fixações efectuadas.

2. O/A 2° Outorgante desde já declara autorizar a la Outorgante a transmitir a terceiros, total ou parcialmente, as gravações, cópias ou outros suportes que contenham qualquer das suas prestações como Actor/Actriz, efectuadas no âmbito deste contrato" (resposta ao quesito 35°).




III. FUNDAMENTAÇÃO

O presente recurso cinge-se a dois pontos fundamentais: a reapreciação da matéria de facto dada como provada e a verificação dos requisitos respeitantes à ilicitude e culpa como fundamento da indemnização pelos danos morais reclamados pela Apelada.

Desde já se deixa expresso que a decisão sob apreciação encontra-se harmoniosa e profundamente fundamentada pelo que a sua confirmação, por remissão, sempre teria perfeito cabimento. Atenta, porém, as questões concretamente colocadas nas conclusões de recurso quanto às questões de direito e a forma como foi abordada a fixação da matéria de facto pela 1ª Instância, entende-se proceder a uma análise singular de cada uma dessas questões.

Assim, nos pontos 1 a 3 das conclusões apresentadas, as Apelantes questionam a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância no que se refere às respostas aos quesitos 4º e 5º da Base Instrutória uma vez que entendem que se basearam em declarações das testemunhas da A. que mais não fizeram do que emitir “opiniões e juízos de valor”, provas essas que não são admitidas por lei. Acrescentam ainda que, de qualquer forma, tais depoimentos nunca poderiam ser susceptíveis de, por si só, permitir concluir que as Apelantes utilizaram o texto escrito para, de forma irónica e satírica, retratarem a Apelada.

Questionam também nos pontos 4 e 5 das conclusões de recurso, que a matéria de facto apurada pelo Tribunal de 1ª Instância no que se refere às respostas aos quesito 13º e 15º da Base Instrutória encontra-se incorrectamente fixada, por entenderem que os depoimentos das testemunhas em que se basearam foram “absolutamente vagos” e/ou limitaram-se a emitir “opiniões pessoais”, não permitindo, assim, qualquer conclusão quanto às matérias ali perguntadas.

Os quesitos em referência têm a seguinte redacção e respectivas respostas e fundamentação:

Quesito 4º: “A 1ª Ré e a 2ª Ré, aproveitaram o facto da Autora ter apresentado o programa com o título “Olh’ó Vídeo” e, em consequência utilizaram, de forma satírica e irónica, o mesmo título para a mencionada reportagem?”

Resposta: “A 1ª Ré e a 2ª Ré utilizaram de forma satírica e irónica o título “Olh’ó Vídeo”, de um programa que foi apresentado pela Autora”.

Quesito 5º: “No artigo de fls. 117, pág., 116, a 2ª Ré trata, mais uma vez, de forma não séria e mesmo irónica, a situação da qual a Autora foi vítima?”

Resposta: “No artigo de fls. 116 da revista “[…]” (documento nº 3 da p.i.), a 2ª Ré trata mais uma vez de forma irónica a situação da Autora”.

Quesito 13º: ““A Autora foi vexada como pessoa e como profissional, numa altura em que a sua carreira profissional está em ascensão?”.

Resposta: “Provado”.

Quesito 15º: “A publicação da reportagem, do artigo e da capa da revista supra mencionadas, fomentou a curiosidade acerca do vídeo supre referido e originou, em consequência, comentários do público em geral sobre a Autora”.

Resposta: “Provado”.

A motivação apresentada para as respostas à Base Instrutória, constante de fls. 295/ss dos autos, refere que “o Tribunal formou a sua convicção sobretudo com base na análise crítica e detalhada da revista “[…]” junta aos autos, perpassada pelas regras normais e básicas da experiência comum”. Prossegue referindo que “consultou ainda todos os outros documentos juntos pelas partes, os quis foram devidamente conjugados com os depoimentos das testemunhas. A percepção que o Tribunal pôde retirar dos documentos, no que concerne à interpretação dos documentos, foi fortalecida e consolidada por todos os depoimentos das testemunhas da Autora ouvidas em audiência de julgamento, os quais depuseram com isenção e demonstraram conhecimento dos factos quanto aos referidos documentos e no que tange aos restantes factos: […]”, passando de seguida a analisar detalhadamente cada um dos depoimentos em causa.

Consta-se, assim, que, contrariamente ao afirmado pelas Apelantes, o Tribunal não baseou a sua convicção em depoimentos de testemunhas que se limitaram a emitir “opiniões e juízos de valor”, mas antes numa apreciação crítica de todos os documentos juntos ao processo, corroborados pelas testemunhas ouvidas em audiência e que demonstraram um conhecimento directo da situação vivenciada pela Autora.

Aliás, diga-se que a matéria em causa em tais quesitos podia ser perfeitamente percepcionada por qualquer cidadão médio, que tenha tido conhecimento dos factos à data e/ou que apenas os tenha conhecido através da leitura dos documentos que se encontram juntos ao processo.

O Sr. Juiz de 1ª Instância, e bem, limitou-se a fazer uso do disposto no art. 514º do CPC e 349º/ss do CC no quadro da livre apreciação das provas de que dispunha, nos termos do art. 655º do CPC pelo que, nada há a censurar quanto ao apuramento de tal matéria de facto.

A motivação das respostas dadas aos quesitos constitui um documento a que as partes têm directamente acesso, realizado em acto judicial em que estas podem exercer o respectivo direito de reclamação, nos termos do art. 653º do CPC, não se compreendendo, assim, a incorrecta interpretação sobre os fundamentos fácticos da decisão por parte das Apelantes, suscitada nas alegações de recurso.

Improcede, pois, nesta parte, a pretensão das Apelantes.

Defendem ainda as Apelantes a ausência de ilicitude no comportamento que mantiveram, e que se encontra descrito nos autos, uma vez que se limitaram, enquanto órgão de comunicação social, a dar conhecimento de um facto de interesse público e de elevada relevância, face à polémica levantada pela circulação de um “clip” pornográfico com imagens associadas à Apelada.

Entendem, assim, que as imagens da Apelada, publicadas na […], constam de um “site” da internet, acessível a uma infinidade de pessoas que, por sua vez, tinham sido retiradas de cenas de uma novela da RTP não sendo, assim, pois, a Apelada, titular dos respectivos direitos.

No que se refere aos textos publicados entende que foi utilizada uma linguagem apelativa, própria deste tipo de publicações, e que se limitou a dar uma informação verdadeira ao público: a Apelada não tinha qualquer ligação ao “clip” pornográfico e, para além do mesmo, existia também um “site” organizado por alguém que reunia imagens de várias actrizes, nuas ou seminuas, retiradas de imagens de televisão ou cinema e completamente descontextualizadas.

Esta notícias, por sua vez, não seriam mais aptas a chamar a atenção sobre a Apelada do que a própria ida da mesma ao noticiário da TVI para esclarecer a situação e no qual o mencionado “clip” foi parcialmente exibido.

No âmbito da respectiva actividade profissional, as Apelantes exercem [a primeira enquanto jornalista e a segunda enquanto sociedade que visa, entre outros, a publicação da revista […]] uma função de primordial importância: divulgam informação ao grande público.

Esta função, que é de grande relevância social deve, pela responsabilidade que envolve, ser exercida em perfeito respeito pelos direitos de terceiros, nomeadamente dos direitos de personalidade, em consonância com as disposições legais expressas, entre outras, no art. 37º da CRPortuguesa e 484º do CC.

Essa responsabilidade não se cinge apenas à obrigação de divulgar informações cujo conteúdo corresponda à verdade dos factos como também a obrigação de que tal transmissão se realize sem equívocos, mensagens subliminares ou imbuídas de quaisquer outros tipos de viciação da interpretação que possa ser realizada por qualquer leitor médio.

Esclarecido este ponto, que nos parece corresponder a uma plataforma comum, perceptível no universo da informação e no dos leitores, importa analisar a informação respeitante à Apelada, inserida na publicação […], referenciada nos autos.

Essa informação, por sua vez, tem de ser avaliada no circunstancialismo em que é publicada, e tendo por referência o público a que é dirigida, por forma a compreender-se a respectiva repercussão social.

Assim, encontra-se assente que, à data dos factos, já a Apelada era uma actriz com participação em diversas novelas, filmes e anúncios, exercendo também a profissão de modelo, sendo a imagem publicitária de produtos e serviços comercializados pelo Banco Português de Investimento, SA, quer no mercado nacional, quer no mercado internacional podendo, assim, legitimamente concluir-se que estamos perante uma figura conhecida do grande público português – Pontos 1 e 2 dos Factos Assentes.  

Esse conhecimento acarreta, por sua vez, que os acontecimentos ligados à sua pessoa, quer a nível profissional, quer pessoal, acabem, por interessar a um vasto número de leitores garantindo, pois, que qualquer publicação à mesma respeitante possa criar a expectativa de um elevado número de vendas do suporte em que tais informações sejam veiculadas, como é o caso de uma revista semanal, como a […].

É do conhecimento comum que esta revista granjeia de boa reputação no mercado nacional, destinando-se ao grande público, onde é lida por um elevado número de leitores que, não só ali procuram a programação televisiva como também, entre outras, as notícias nacionais ligadas às figuras que conhecem da televisão.

Numa altura em que circulava na Internet um vídeo pornográfico, com cenas de sexo explícitas entre um homem e uma mulher, intitulado “[…]”, e cuja actriz mostrava bastantes parecenças físicas com a Apelada, sendo facilmente confundível com a mesma, tendo circulado por milhares de pessoas, induzindo em erro muitos dos utilizadores da Internet, a TVI promoveu a passagem do trailer e colocou no ar uma entrevista à Apelada que negou qualquer participação naqueles factos e o seu desejo de encontrar o responsável - Pontos 5, 6, 14, 15, 16 e 17 dos Factos Assentes.
 
Uma semana depois desta entrevista televisiva, foi publicado como capa […], o título “quem quer tramá-la? Esta não é F.[…] … mas esta é”, título esse que aparece entre duas fotos da Apelada e duas setas, sendo uma das setas precedidas da expressão “esta não é”, apontando para uma fotografia extraída do vídeo pornográfico, sendo a outra seta antecedida da expressão “mas esta é”, apontando para uma fotografia extraída da novela “A Grande Aposta” (sem qualquer referência à origem da mesma, sendo que se trata de uma telenovela que já havia sido exibida pela RPT há pelo menos oito anos), em que esta aparece semi-nua, deixando assim antever para o leitor médio que, embora a Apelada não tenha participado no vídeo pornográfico, tinha protagonizado a cena de onde aquela fotografia foi extraída, pelo que, a sua conduta também não seria isenta de reparos - Pontos 7, 8, 20, 30 e 32 dos Factos Assentes.

No interior dessa mesma revista foram publicadas várias fotos da Apelada semi-nua. As Apelantes não tinham qualquer autorização para a publicação daquelas imagens e/ou para a transcrição de parte da entrevista concedida pela Apelada à TVI uma semana antes – Pontos 17, 18 e 31 dos Factos Assentes.

A ausência de autorização, que legalmente lhes estava imposta, importa que o comportamento que as determinou à publicação é também violador de uma norma jurídica sendo, pois, ilícito – art. 79º do CC.
 
Apenas a notoriedade ou o enquadramento público do retratado permitem que a divulgação de tal imagem seja realizada sem o prévio consentimento da pessoa retratada, circunstâncias que se entendem como não verificadas no presente caso.

De qualquer forma, o enquadramento da situação não passa, como muito bem o refere a decisão da 1ª Instancia, pelos direitos de autor, mas sim, pela violação dos direitos de personalidade, do direito à honra e ao bom nome da Apelada.

A utilização daquela fotografia, descontextualizada das circunstâncias que rodearam a sua fixação – durante a rodagem de uma telenovela portuguesa e constituindo uma das cenas ali exibidas – e sem ter sido acompanhada de qualquer legenda sobre a respectiva origem, pode dar azo, como é do mais elementar senso comum, a interpretações socialmente menos sérias em relação ao comportamento da Apelada.

Nessa publicação foi ainda feita referência ao facto de a Apelada ter apresentado um programa na TVI intitulado “Olh’ó Vídeo”, em que eram exibidas cenas caricatas do quotidiano das pessoas, tendo sido esse o título interior escolhido pelas Apelantes para noticiarem os factos respeitantes ao equívoco criado pelo vídeo pornográfico, o que não pode deixar de ser considerado como uma forma irónica e satírica de tratar a similitude entre as duas situações de “apanhados” - Pontos 19 e 28 dos Factos Assentes.

Também a transcrição de passagens da entrevista dada pela Apelada à TVI e a sua transcrição, não autorizada, realizada pelas Apelantes uma semana depois, na revista […], e que acompanhou a notícia acima referida, merece censura.

Objectivamente, e por simples recurso ao senso comum, sempre teria de se concluir que a conduta das Apelantes extravasou, em muito, qualquer intuito de informação e violou o dever de respeito pelo direito de imagem e do bom nome da Apelada, assumindo carácter ilícito e, nessa medida, objecto de desaprovação e de indemnização, verificados os demais pressupostos legais - arts. 70º, 483º e 484º do CC, 37º/4 da CRPortuguesa e arts. 29º e 79º/3 da Lei 2/99, de 13.Janeiro (Lei da Imprensa).

  Conclui-se, pois, que a actuação das Apelantes reveste-se de ilicitude, sendo censurável a forma como actuaram na publicação e publicitação das notícias referentes à Apelada, numa altura em que havia avidez pública por qualquer informação referente à veracidade dos factos àquela imputados.

Entendem ainda as Apelantes que não se verifica o pressuposto da imputação do facto ao agente uma vez que não actuaram com “dolo ou mera culpa”, elemento exigido pelo art. 483º do CC.

Com efeito, entendem que sempre actuaram com respeito pelos princípios que regem a respectiva actividade, não visando atingir o bom nome ou reputação da Apelada, mas tão só esclarecer uma situação desagradável para a mesma.

Entende-se que também nesta vertente não assiste razão às Apelantes.  

Na verdade, muito embora não tenha sido provado o dolo directo das Apelantes na execução dos actos acima mencionados, provou-se o dolo necessário uma vez que ficou demonstrado que, “com a sua conduta, tiveram como objectivo tornar a revista em causa apelativa de forma a levar os consumidores a comprá-la, mesmo admitindo a possibilidade de a Autora se sentir enxovalhada e humilhada” – Ponto 37 dos Factos Provados.

Com efeito, na apreciação da culpa tem-se em consideração os princípios gerais de imputação e efectivação da responsabilidade civil previstas no art. 483º do CC, conforme decorre linearmente do art. 29º da Lei 2/99, de 13.Janeiro (Lei de Imprensa), bastando a existência de mera culpa [verificados que sejam os demais pressupostos da responsabilidade civil e que não estão já em apreciação] para fundamentar o dever de indemnizar o lesado, relevando a graduação da culpa apenas para efeitos de medida da indemnização a fixar.

Por outro lado, ainda que se tenha em atenção que a Apelada é uma pessoa conhecida do grande público, o que sempre poderia justificar a publicação de fotografias suas sem a respectiva autorização logo que merecessem a tutela de “factos de interesse público” ou “hajam decorrido publicamente” – prevista no art. 79º/2 da citada Lei 2/99 – a verdade é que o recorte das mesmas e a sua inserção nos termos a que acima se fez referência, sempre teriam de ser considerados como constituindo um prejuízo para a honra e consideração da Apelada e, nessa medida, insusceptíveis de publicação nos termos em que o foram pelas Apelantes, situação essa que também não pode deixar de ser conhecida por aquelas uma vez que exercem uma actividade que tem por pressuposto o conhecimento das regas que regem o respectivo exercício.

Perante o poder/dever de informar de que dispunham e a forma como entenderam utilizá-lo, usando sem autorização e desnecessariamente imagens, títulos e informações dúbias e sarcásticas acerca da situação pela qual a Apelada estava a passar, e que aquelas sabiam ter por base factos não verdadeiros e, assim, mais dolorosos para esta [sendo certo que os mesmos seriam susceptíveis de ofender qualquer cidadão comum, e com mais gravidade um cidadão conhecido publicamente, pelas consequências que poderiam acarretar para a respectiva vida pública e carreira, facto que é do conhecimento comum], sempre teria de se imputar às Apelantes a responsabilidade decorrente de tais actos como o fez, e bem, a sentença de 1ª Instância.

Por outro lado, entendem ainda as Apelantes que resulta da prova a ausência de qualquer dano indemnizável uma vez que a imagem da Apelada não ficou minimamente afectada continuando, desde então, em “considerável e manifesta evolução”.

Mais uma vez discorda-se da posição defendida pelas Apelantes.

Com efeito, é também do senso comum [como a maior parte das questões colocadas neste recurso], que as situações que foram vividas pela Apelada, e que se encontram descritas nos autos, são dolorosas e compreensíveis para o cidadão médio, não havendo qualquer exagero de sensibilidade por parte da Apelada no agravamento do estado psicológico que vivia, nomeadamente, angústia, depressão e ansiedade, como decorrência da publicação das fotografias e reportagem das Apelantes – Ponto 35 dos Factos Provados.  

Com efeito, tratou-se de um “reabrir de uma ferida” que tinha, necessariamente, de magoar, não sendo necessária a intervenção de qualquer profissional da área da psicologia e/ou da medicina para se chegar a essa conclusão, como as Apelantes não poderiam deixar de saber devendo, nessa medida, conformar o seu dever de informar sem o extravasar necessariamente, como acima já se deixou expresso, comportamento esse que entendeu não acatar face a um outro objectivo, a obtenção de maiores vendas da revista.

As Apelantes sabiam que a publicação, nos termos em que foi realizada iria, como efectivamente veio a acontecer, fomentar uma maior curiosidade pública pelo visionamento do vídeo e que de tal facto  sempre decorreriam comentários públicos sobre a actuação da Apelada, que nem sempre seriam os mais sensatos, ainda que tivesse ocorrido o desmentido da notícia, uma vez que estas situações são invariavelmente acompanhadas por comentários jocosos e mordazes, por parte do grande público, o que também é do conhecimento público e, nessa medida, as Apelantes, até pela profissão que exercem, também não podiam ignorar – Ponto 36 dos Factos Provados.

Ora, deste comportamento sempre teriam de resultar prejuízos morais para a Apelada tanto mais que, naquela altura, a sua carreira profissional estava em ascensão, o que tornou que toda a situação fosse vivida de forma mais dolorosa - Pontos 22 e 34 dos Factos Provados.

Trata-se, pois, de danos não patrimoniais sofridos pela Apelada e que merecem a tutela do direito.

Tendo as Apelantes realizada uma opção, que se revela lúcida e objectiva, com o intuito de tornarem a revista mais apelativa, nada mais lhes resta que suportar as respectivas consequências da sua actuação – Ponto 37 dos Factos Provados.

Por fim, cautelarmente, referem que ainda que se considerasse existirem danos estes sempre teriam de ser qualificados como não relevantes para efeitos de atribuição de indemnização, conforme decorre do disposto no art. 496º do CC.

Além de que, tal indemnização nunca poderia ser considerada como ressarcitória, mas sim, punitiva, cuja apreciação teria de ser realizada no âmbito de uma acção penal ou contra-ordenacional, não podendo, assim, ser fixada em acção cível.

Analisando as questões colocadas, cumpre desde já esclarecer que não se antevê na sentença em apreciação que o intuito da indemnização fixada tenha sido punitiva, no sentido que penalmente lhe foi atribuído pelas Apelantes, mas sim ressarcitório, como decorre da forma minuciosa e cuidadosa como foram analisados os factos em apreciação, sendo certo que também não é por aquelas referido de onde retiram essa conclusão!

Em relação à ausência de relevância dos danos para efeito de fixação de uma indemnização entende-se que essa questão já foi por diversas vezes tratada ao longo desta decisão, concluindo-se pela gravidade de tais danos, limitando-se a sentença em apreciação a fixar uma indemnização à Apelada, mais que modesta face às circunstâncias do caso.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

Custas pelas Apelantes.

Lisboa, 17 de Abril de 2007

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
Isabel Salgado