Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29823/11.3T2SNT-L.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
MAJORAÇÃO
GRAU DE SATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS RECLAMADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A majoração a que alude o nº.7 do art.23º do EAJ, com a redação dada pela Lei nº 9/2022 de 11-01, processa-se nos seguintes moldes:
1.º Ao valor correspondente ao resultado da liquidação é deduzido o montante correspondente à remuneração fixa e ainda o montante correspondente à remuneração variável encontrado por aplicação dos números 4.º, alínea b) e número 6; o resultado assim alcançado corresponde ao montante dos créditos satisfeitos.
 2.º O grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é encontrado dividindo o montante correspondente aos créditos satisfeitos pelo valor correspondente aos créditos admitidos e, a seguir, multiplica-se o grau/percentagem assim obtido pelo montante correspondente ao valor dos créditos satisfeitos.
Ao resultado alcançado aplica-se a percentagem de 5% correspondente à majoração prevista no referido número 7 do art.º 23.º.

2. A remuneração variável do administrador corresponde à soma dos valores encontrados por aplicação (i) da alínea b) do número 4 e do número 6 do art.º 23.º com (ii) o valor alcançado por aplicação do número 7 do art.º 23.º, acrescida de IVA.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  
I.RELATÓRIO
Ação
Processo de Insolvência da sociedade M. Lda.

Administrador da insolvência/apelante
O administrador da insolvência apresentou requerimento, em 15-06-2022, solicitando “a aprovação do cálculo da remuneração” variável, calculando esta por valor correspondente a 31.643.23€ acrescida de IVA, no total de 38.921,17€.
Na mesma data apresenta proposta de distribuição e rateio final.

Decisão recorrida
Em 15-10-2022 foi proferida a seguinte decisão:
“Vi a informação que antecede constante do termo de conclusão.
*
Requerimento de 15-06-2022:
Não estando a proposta de remuneração variável apresentada em conformidade com o estabelecido no art.º 23.º, n.º 7, do Estatuto do Administrador Judicial (doravante EAJ), aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26-02, com as alterações da Lei n.º 17/2017, de 16-05, do DL n.º 52/2019, de 17-04 e da Lei n.º 9/2022, de 11-01, proceder-se-á ao seu cálculo.
Dispõe, no que ora releva, o art.º 23.º, n.º 4, do EAJ que Os administradores judiciais (…) auferem (…) uma remuneração variável em função do resultado (…) da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos seguintes termos:
(…)
b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
Decorre, por sua vez, do n.º 6 do mesmo normativo que Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração fixa e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração de insolvência (sublinhado nosso).
O valor alcançado é ainda majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respectivo valor pago previamente à satisfação daqueles (art.º 23.º, n.º 7, do EAJ).
No caso vertente, a remuneração variável, a que alude o art.º 23.º, n.ºs 4, al. b), e 6, do EAJ, encontra-se correctamente calculada, ascendendo a € 16.387,02, perfazendo o montante total de € 20.156,03, já com IVA incluído.
O mesmo não sucede, porém, com a majoração.
Com efeito, o valor alcançado nos termos supra expostos é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, nos termos do art.º 23.º, n.º 7, do EAJ, sendo que a proposta do Sr. administrador da insolvência não atende a esse critério, mas antes tão só e apenas ao valor de 5% sobre o resultado da liquidação deduzido da remuneração variável.
Ora, se fosse esse o propósito do legislador, bastaria que tivesse ficado a constar da norma que a majoração corresponderia a 5% do montante dos créditos satisfeitos, o que não sucede, antes constando da lei que a majoração é feita em função do grau de satisfação dos créditos.
Assim sendo, para calcular o grau de satisfação dos créditos, há que considerar o valor efetivamente disponível para pagamento aos credores que, no caso, é de € 305.124,30, correspondente ao valor das receitas (€400.000,00) deduzido das despesas que integram as dívidas da massa (€72.259,67), bem como da remuneração fixa (€2.460,00) e da remuneração variável (€20.156,03), já com impostos incluídos, e antes da majoração.
Pelo que, estando reconhecidos, nos autos, créditos no valor global de €2.629.017,91, é de concluir que o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é de 11,61% (€305.124,30 x 100 : €2.629.017,91), pelo que, a majoração, a que alude o art.º 23.º, n.º 7, do EAJ, é de €1.771,25 (€305.124,30 x 5% x 11,61%), perfazendo o montante total de €2.178,64 com IVA incluído.
Nesta conformidade, fixo a remuneração variável, já com a majoração, devida ao Sr. administrador da insolvência em €22.334,67, com IVA incluído (€20.156,03 + €2.178,64).
Notifique.
***
Face ao teor da antecedente decisão, deverá o Sr. administrador da insolvência:
- Pagar-se da remuneração variável acima fixada através da conta da massa, juntando o respectivo recibo;
- Apresentar proposta de rateio rectificada nos termos do art.º 182.º, n.º 3, do CIRE. Prazo: dez dias.
Notifique.
*
Junta que seja a proposta, deverá ser observado o disposto no art.º 182.º, n.º 4, do CIRE”.

Recurso
Não se conformando, o administrador da insolvência apelou, formulando as seguintes conclusões:
“1. No douto despacho em crise decidiu-se que o artigo 23.º, n.º 7, do EAJ indica que a majoração da remuneração variável devida ao Administrador da Insolvência deve ser calculada em função da percentagem dos créditos satisfeitos.
2. A lei não impõe a materialização de duas operações matemáticas, mas, e apenas, uma: o texto legal indica que a remuneração sofrerá um incremento atenta a satisfação dos créditos reclamados e admitidos, sendo que essa majoração é de 5% do montante dos créditos satisfeitos.
3. Aliás, é a própria construção gramatical que inculca esta interpretação: note-se que a locução «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» aparece entre vírgulas, pelo que o linear discursivo reporta-se inequivocamente a uma majoração de 5% do montante dos créditos satisfeitos.
4. Em nenhuma parte do normativo em discussão, se refere o legislador a um percentual, mas e apenas a um valor absoluto de 5% do montante dos créditos satisfeitos, o que igualmente autoriza a interpretação agora propugnada.
5. O atual texto legal nunca aborda a questão percentual, ao invés da anterior tabela remuneratória que fixava uma taxa base e uma taxa marginal, sempre com base em percentagens sendo que o legislador impunha um método de cálculo radicalmente diferente: «O resultado da liquidação da massa insolvente, tal como definido no n.º 3 do artigo 20.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência, quando superior a €15.000, é dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele couber, à qual se aplica a taxa marginal correspondente a esse escalão, outra, igual ao excedente, à qual se aplica a taxa base respeitante ao escalão imediatamente superior».
6. Atualmente, impõe-se a aplicação de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos, inexistindo qualquer taxa marginal e, inclusivamente, a lei não impõe “patamares” aos quais caberão diferentes taxas, mas, e singelamente, se refere a 5% do montante dos créditos satisfeitos.
7. Na atividade hermenêutica a desenvolver, necessariamente se deverá atender ao elemento literal da lei, no sentido dos respetivos termos e devida correlação, excluindo desse modo a interpretação que não tenha na letra da norma um mínimo de correspondência.
8. No artigo 9.º do CC estão vertidos os princípios gerais sobre o método de interpretação das leis, visando o legislador, desse modo, conciliar, o interesse da retidão e do progresso da ordem jurídica, mediante a presunção que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, assim como a certeza do direito, com a decorrente segurança do comércio jurídico, assentes na presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
9. Sob pena de violação do artigo 9.º do CC e 23.º, n.º 7, do EAJ (Lei 22/2013 de 26.02) deve o presente proceder e, em consequência, ser revogado o douto despacho em crise e ordenado que a remuneração variável do recorrente seja majorada em 5% por reporte ao montante dos créditos satisfeitos, fixando-se em 38.921,17€ (trinta e oito mil novecentos e vinte e um euros e dezassete cêntimos), por ser de inteira JUSTIÇA!”

O Ministério Público apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
“1º - Não foi violada qualquer disposição legal.
2º - A norma do n.º 23.º n.º 7 do EAJ, na nova redacção dada pela Lei 9/22, de 11.01, refere que a majoração é feita em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos.
3º Para calcular o grau de satisfação dos créditos, há que considerar o valor efetivamente disponível para pagamento aos credores, e depois atentamos nos créditos reconhecidos nos autos, apurando a percentagem de créditos satisfeitos. 4º A proposta de cálculo da majoração apresentada pelo Senhor Administrador da insolvência não atende a esse critério, mas antes tão só e apenas ao valor de 5% sobre o resultado da liquidação deduzido da remuneração variável.
5º Tal contraria frontalmente a redacção do art.º 23.º n.º 7 do EAJ, porquanto, se fosse esse o propósito do legislador, bastaria que tivesse ficado a constar da norma que a majoração corresponderia a 5% do montante dos créditos satisfeitos, o que não sucede, antes constando da lei que a majoração é feita em função do grau de créditos reclamados e admitidos, em 5% dos créditos satisfeitos.
6º Assim sendo, o cálculo da majoração efectuado no douto despacho recorrido encontra-se correcto e feito em obediência ao disposto no art.º 23.º n.º 7 do EAJ, pelo que o referido despacho não merece reparo.
Face a todo o exposto, o despacho recorrido deverá ser mantido, nos seus precisos termos, devendo o recurso ora interposto ser julgado improcedente. Porém, V. Exas. Farão, como sempre, a acostumada JUSTIÇA!

Reclamação para a conferência
Proferida decisão singular em 17-03-2023, julgando improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida, vem o apelante apresentar reclamação para a conferência, em 25-03-2023, com o teor reproduzido no despacho proferido em 18-04-2023, que admitiu a reclamação.
Cumpre apreciar, mantendo-se, nos seus precisos termos, a fundamentação já constante da decisão recorrida, uma vez que o apelante não aduziu qualquer outro acrescido fundamento incidindo sobre o objeto do recurso, para além da argumentação que havia exposto nas alegações de recurso.
Assim.

II. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.ºs 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar apenas da regularidade do cômputo feito na decisão recorrida tendo em vista a fixação da remuneração variável do administrador da insolvência, ora apelante.

2. Convocam-se, para apreciação da questão enunciada, os seguintes normativos:
O art.º 60.º do CIRE – diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem – que, sob a epígrafe “[r]emuneração”, dispõe:
1 - O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.
2 - Quando eleito pela assembleia de credores, a remuneração do administrador da insolvência é a que for prevista na deliberação respectiva.
3 - O administrador da insolvência que não tenha dado previamente o seu acordo à remuneração fixada pela assembleia de credores pela actividade de elaboração de um plano de insolvência, de gestão da empresa após a assembleia de apreciação do relatório ou de fiscalização do plano de insolvência aprovado, pode renunciar ao exercício do cargo, desde que o faça na própria assembleia em que a deliberação seja tomada.
A Lei n.º 22/2013, de 26-02, que aprovou o Estatuto do Administrador Judicial, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2017, de 16-05 e pelo DL n.º 52/2019, de 17-04., no capítulo VI, alusivo à “[r]emuneração e pagamento do administrador judicial”, estabelecia, nos art.ºs 22.º e 23.º, como segue:
Artigo 22.º
Remuneração do administrador judicial
O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas.
Artigo 23.º
Remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz
1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.
2 - Os administradores judiciais referidos no número anterior auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na portaria referida no número anterior.
3 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme o regime previsto na portaria referida no n.º 1.
4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
5 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 3 e 4 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.
6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.
7 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10 000 por cada um dos devedores do mesmo grupo.
Daqui resulta que a composição da remuneração do administrador da insolvência foi fixada pelo legislador tendo por base uma componente fixa, que é devida pelos atos praticados no processo e corresponde à atividade normal que o administrador desempenha, de acordo com as funções que lhe incumbem (cfr. o art.º 55.º) e uma componente variável, verificado o condicionalismo descrito no referido preceito (art.º 23.º, nºs 2 e 4 do Estatuto aludido) [  [1] ].  
A Portaria n.º 51/2005 de 20-01, com a declaração de retificação nº 25/2005 de 22-03, que “[a]prova o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função dos resultados obtidos”, dispõe no art.º 2.º, alusivo às “[t]abelas de remuneração variável”, que “[s]ão aprovadas, em anexo à presente portaria, as tabelas que estabelecem a remuneração variável do administrador da insolvência, nos termos dos nºs 2 a 4 do artigo 20.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência”. Salienta-se que a Lei 32/2004 foi revogada pela Lei n.º 22/2013, de 26-02 a que já se aludiu, sendo que o referido art.º 20.º se reportava exatamente à remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz [ [2] ].
A Lei nº 9/2022 de 11-01, que entrou em vigor em 11-04-2022 (art.º 12.º da Lei) –  cuja aplicabilidade aos autos é indiscutível e não foi sequer questionada [ [3] ] –, introduziu alterações ao Estatuto do Administrador Judicial (art.º 5.º da Lei), mormente, no que ao caso interessa, ao referido art.º 23.º, que passou a ter a seguinte redação:
Artigo 23.º
Remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz
1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro).
2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto.
3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º
4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções.
9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10.000 por cada um dos devedores do mesmo grupo.
10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro).
11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data.
É, pois, com base na redação dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, ao art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial, no tocante à forma de cálculo da remuneração na sua componente variável, que cumpre apreciar, sendo que a questão que tem vindo a ser recorrentemente colocada à apreciação dos tribunais da Relação prende-se com a interpretação do número 7 do referido art.º 23.º, tendo por objeto o cômputo da majoração aí prevista.

3. Em processo de insolvência em que se procedeu à liquidação da massa insolvente cumpre, em primeiro lugar, fixar o resultado da liquidação da massa insolvente, apurado segundo a seguinte fórmula:
 A = B - C, em que:
“A” é o resultado da liquidação;
“B” corresponde ao montante apurado para a massa insolvente [ [4] ];
“C” corresponde aos montantes necessários ao pagamento das dívidas da massa [ [5] ], não se incluindo aí o valor da remuneração fixa do administrador [ [6] ], nem os valores das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
Sendo o valor da remuneração variável – nesta equação inicial – correspondente a 5% do resultado da liquidação - alínea b) do número 4 e número 6 do art.º 23.º. 
*
Alcançado o valor indicado, o passo seguinte é aplicar a majoração prevista no número 7 do art.º 23.º, divergindo a jurisprudência sobre o critério de cálculo a seguir.
Para uns, a majoração de 5% aí prevista incide diretamente sobre o valor correspondente ao “montante dos créditos satisfeitos”; é a posição que foi seguida nos acórdãos do TRL de 20-12-2022, proferidos nos processos  nº 22770/19.2T8LSB-F.L1-1 e nº 415/13.4TYLSB-E.L1 (Relator: Fátima Reis Silva) [ [7] ], em que se concluiu que “[a] majoração de 5% prevista no nº7 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante” e do TRP de 10-01-2023 (processo nº 3454/20.5T8STS-K.P1, relator: Alexandra Pelayo), todos acessíveis in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se fizer referência sem outra menção.
Para outros, no cálculo da majoração (de 5%) deve atender-se ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos – terminologia legal –  e, assim, “o valor da majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas por aplicação directa dos 5% sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos”, como se entendeu no acórdão do TRL de 24-01-2023, processo nº 2051/12.3TYLSB-G.L1-1, (Relator: Manuela Espadaneira Lopes); foi também esta a orientação seguida nos seguintes arestos:
- Do TRL de 20-12-2022, processo: 7269/14.1T2SNT-F.L1-1 (Relator: Manuela Espadaneira Lopes) e de 07-02-2023, processo: 4841/20.4T8SNT-E.L1-1 (relator: Renata Linhares de Castro);
- Do TRC de 28-09-2022, processo nº 2495/20.7T8ACB.C1 (relator: Maria Catarina Gonçalves), de 11-10-2022, processo nº 3947/08.2TJCBR-AY.C1 (relator: Arlindo Oliveira) e de 25-10-2022, processo nº 318/12.0TBCNT-V.C1 (relator: Emídio Francisco Santos);
- Do TRE de 29-09-2022, processo nº 260/14.0TBTVR.E1(relator: Tomé de Carvalho), de 15-12-2022, processo nº 1157/17.7T8OLH-M. E1 (relator: Maria Domingas) [ [8] ] e de 03-02-2023, processo: 2/11.1TBALR-G. E1 (Relator: Maria Domingas);
- Do RP de 10-11-2022, processo: 2631/20.3T8OAZ-E.P1 (relator: João Diogo Rodrigues).
Propende-se para esta última orientação que, crê-se, corresponde ao entendimento que maioritariamente os tribunais da Relação têm adotado, porquanto nos parece a mais adequada à letra e teleologia da norma, não olvidando que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º do Cód. Civil).
Assim, onde o legislador determina que:
“7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles” (sublinhado nosso).
Afigura-se-nos que não pode o intérprete ler a norma reconduzindo-a ao seguinte conteúdo:
O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
Interpretação esta que implica, em rigor, a ablação de um segmento do texto da norma (“em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”), com significativos resultados práticos [ [9] ]: tomando o caso em apreço como exemplo, a primeira interpretação, propugnada pelo apelante, implicaria a fixação da remuneração variável que indica, de 38.921,17€, ao invés do valor a que chegou o tribunal recorrido, de 22.334,67€ (valores com IVA), por via da aplicação da orientação que aqui também se segue. Como se referiu no acórdão do TRE de 29-09-2022, a que se aludiu “não é inócua a expressão nem a mesma pode ser tratada como um mero elemento decorativo da norma colocada em crise. E, assim, para que a mesma tenha algum efeito prático e consequências jurídicas, importa estabelecer alguma correlação entre o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e o montante dos créditos satisfeitos” ou, ainda, como no acórdão do TRC de 28-09-2022, que o grau de satisfação de créditos deve surgir “como variável relevante na fixação da remuneração”.
É certo que, assim sendo, o comando do legislador (“em 5/prct. do montante dos créditos satisfeitos”) não é assumido na sua literalidade e em toda a sua amplitude/dimensão, mas esse é o custo de uma leitura integrada da norma, na tentativa de encontrar por via interpretativa um sentido que não descarte nenhum dos segmentos de texto que a compõem, antes os harmoniza. Como refere Baptista Machado:
“O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei.
Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, nos seguintes termos. (…) Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais do que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento” [ [10] ]
Noutra ordem de considerações, dir-se-á que não temos por seguro que tenha sido intenção do legislador de 2022 adotar soluções disruptivas quanto a esta matéria, relativamente ao regime anteriormente fixado; se é certo que se aboliu o sistema escalonado por fatores previsto na Portaria 51/20-01 (Anexo II), estatuindo-se agora um valor único aplicável (5%) – essa é, verdadeiramente, quanto a este ponto, a diferença a assinalar –, no mais, continua a fazer-se apelo ao nível de satisfação dos créditos admitidos [ [11] ], seja aludindo ao “grau” de satisfação (“em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, enunciação do atual diploma, em repetição do que já se mostrava consagrado), seja por referência a “percentagem” (“[p]ercentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita”, terminologia do Anexo II à Portaria nº 51/2005) [ [12] ]. Ainda que seja muito impressiva a fundamentação exposta nos acórdãos do TRL de 15-12-2022 a que supra se aludiu [ [13] ], afigura-se que as expressões “grau” [ [14] ] e “percentagem” [ [15] ], tendo significados diferentes são, ainda assim, conteúdos que convocam uma mensura.
Em suma, o legislador manteve, com a Lei nº 9/2022 de 11-01, nos seus traços essenciais, em sede de regime remuneratório do administrador da insolvência, o modelo consagrado anteriormente, continuando a pautar-se pela fixação de uma remuneração variável fundada em elementos de ponderação objetivos [ [16] ] mas permitindo uma aferição adequada ao caso como resulta do disposto nos números 8 e 10 do art.º 23.º, ainda que elevando, de forma significativa, os montantes remuneratórios, sendo que não compete aos tribunais tecer juízos valorativos sobre o acerto ou razoabilidade dessa opção, que compete exclusivamente ao legislador.
 Concorda-se, pois, com o acórdão do TRC de 25-10-2022 quando aí se refere:
“Comparando as redacções dos preceitos relativos à majoração da remuneração variável, vemos que a nova redacção manteve a afirmação de que majoração é feita em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e satisfeitos. A alteração residiu apenas no semento final do preceito: onde antes se dizia, “pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1” diz-se agora “em 5% do montante dos créditos satisfeitos”. O sentido da alteração é apenas o seguinte: na versão actual, em vez de se aplicarem os factores referidos na Portaria (Anexo II), aplica-se a taxa de 5%. E, assim, qualquer que seja o grau de satisfação dos créditos aplica-se sempre a mesma taxa (5%).
A ilação a tirar desta evolução legislativa é a de que o grau (percentagem) de satisfação dos créditos reclamados e admitidos mantém-se como um dos factores determinantes da majoração da remuneração variável.
Se assim não fosse, seria de esperar que a proposta de Lei que esteve na origem da alteração do artigo 23.º do actual estatuto do administrador da insolvência fizesse menção a tal alteração, o que não sucedeu. Na verdade, a proposta de lei em questão, que foi apresentada pelo Partido Socialista e pelo Partido Social Democrata, como proposta de alteração à proposta de Lei n.º 115/XIV/3.ª que deu origem ao processo legislativo que culminou com a aprovação a Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, é completamente omissa quanto às razões da alteração do artigo 23.º do estatuto.
Por último cabe dizer que não vale contra a decisão a alegação de que a interpretação da decisão não era compatível com o elemento teleológico. Vejamos.
Socorrendo-nos mais uma vez das palavras de Manuel Andrade, “na indagação do sentido mais justo deve tomar-se em conta a razão da lei (ratio legis – a valoração dos interesses que lhe está subjacente a finalidade que a inspirou …” (obra supracitada página 27).
Sabe-se qual é o objectivo da remuneração variável. Eles foram expostos na exposição de motivos da proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 32/2004 [Proposta de lei n.º 112/IX/2] nos seguintes termos: “No que respeita à remuneração, estabeleceu-se um regime misto constituído por uma parte fixa e outra variável. Assim, a par de um montante fixo suportado pela massa insolvente, cria-se um sistema de prémios cujo montante varia em função da efectiva satisfação dos créditos. Este sistema garante, quer uma maior certeza no que respeita ao montante da remuneração, em virtude da existência de critérios objectivos, quer um incentivo que premeia o bom exercício da actividade”.
A interpretação da decisão recorrida, ao relacionar a majoração da remuneração variável com o grau de satisfação dos créditos, está em inteira conformidade com o propósito de a remuneração variar “em função da efectiva satisfação dos créditos”.
Concluindo, a majoração a que alude o nº 7 do art.º 23.º processa-se nos seguintes moldes:
1.º Ao valor correspondente ao resultado da liquidação, a que supra se aludiu, é deduzido o montante correspondente à remuneração fixa e ainda o montante correspondente à remuneração variável encontrado por aplicação dos números 4.º, alínea b) e número 6; o resultado assim alcançado corresponde ao montante dos créditos satisfeitos.
 2.º O grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é encontrado dividindo o montante correspondente aos créditos satisfeitos pelo valor correspondente aos créditos admitidos e, a seguir, multiplica-se o grau/percentagem assim obtido pelo montante correspondente ao valor dos créditos satisfeitos.
Ao resultado alcançado aplica-se a percentagem de 5% correspondente à majoração prevista no número 7 do art.º 23.º.
A remuneração variável do administrador corresponde à soma dos valores encontrados por aplicação (i) da alínea b) do número 4 e do número 6 do art.º 23.º com (ii) o valor alcançado por aplicação do número 7 do art.º 23.º, acrescida de IVA
Sendo que, no caso, não se coloca qualquer questão alusiva à aplicação dos números 8 e 10 do citado art.º 23.º
Confirma-se, pois, o critério seguido pela primeira instância com vista à fixação da remuneração variável do administrador da insolvência pelo que, não questionando o apelante os valores a que a decisão se ateve e que foram considerados relevantes para essa aferição – não deduzindo o apelante, a esse propósito, qualquer questão quanto à correção desses valores –, mais não resta senão manter a decisão recorrida.
*                                                 
Podemos, agora, acrescentar ainda que, a esta data, o STJ já se pronunciou quanto à questão em análise, no acórdão de 18-04-2023, proferido no processo nº 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1 (Relator: Maria Olinda Garcia), concluindo como segue:
“I- No cálculo da majoração da remuneração do administrador de insolvência, o valor de 5% referido no n.7 do art.23º do EAJ, com a redação dada pela Lei n.9/2022, não tem como objeto o montante total apurado para satisfação dos créditos (ou seja, o apurado depois de extraída a parcela correspondente à percentagem da remuneração variável prevista nos números 4 e 6 do art.23º).
II- Essa percentagem de 5% incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada a apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”.
*
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar improcedente a reclamação, mantendo a decisão reclamada.
Notifique.
Lisboa, 02-05-2023
Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva (com declaração de voto)
Amélia Sofia Rebelo (que subscreve a declaração de voto)
Declaração de voto: consigno que concordo com a decisão e respetivos fundamentos, tendo alterado a posição assumida nos acórdãos relatados nos processos nº 9849/14.6T8LSB-E.L1, de 20/09/2022, 415/13.4TYLSB-E.L1 e 22770/19.2T8LSB-F.L1, ambos de 20/12/2022, na sequência da pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 18-04-2023, proferido no processo nº 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, referenciado no texto da decisão, no qual foram apreciados todos os argumentos a considerar para a solução a dar à questão controvertida.
_______________________________________________________
[1] Nos termos do art.º 26.º, nº3 a remuneração variável é paga a final, vencendo-se na data de encerramento do processo.

[2] Artigo 20.º
Remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz
1 - O administrador da insolvência, nomeado pelo juiz, tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
2 - O administrador da insolvência nomeado pelo juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na tabela constante da portaria prevista no número anterior.
3 - Para efeitos do número anterior, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com excepção da remuneração referida no número anterior e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
4 - O valor alcançado por aplicação da tabela referida no n.º 2 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1.
5 - Se, por aplicação do disposto nos nºs 1 a 4, a remuneração exceder o montante de (euro) 50000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.

[3] Na aferição da aplicação da lei no tempo releva, desde logo, o regime transitório enunciado no art.º 10.º da LN, que estabelece a sua aplicabilidade imediata aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (nº1), com a exceção referida no nº2, irrelevante para o caso e as especialidades reportadas nos números 3 e 4, também irrelevantes para a matéria aqui em discussão; donde, nos termos fixados pelo próprio legislador, é indiscutível a aplicação da nova redação do citado art.º 23.º ao presente processo, que se encontrava pendente à data em que a LN entrou em vigor, continuando o administrador da insolvência em exercício de funções e ponderando que a decisão recorrida, que fixou a remuneração variável devida ao administrador da insolvência, foi proferida já em pleno domínio de aplicação da LN que operou uma revogação substitutiva, fixando um novo regime jurídico para o computo da remuneração variável.

[4] Aí se incluindo valores apreendidos em processos que tenham sido apensados à insolvência e que revertem para a massa insolvente.

[5] Relevando os elementos constantes da sentença proferida no incidente de prestação de contas. 

[6] No valor de 2.000,00€ a que acresce o IVA, ou seja, 2.460,00€. 

[7] Com uma declaração de voto no processo nº 22770/19.2T8LSB-F.L1-1 e um voto de vencido no processo nº 415/13.4TYLSB-E.L1.

[8] Assim sumariado:
“I. Ao cálculo da remuneração do Sr. AJ que vier a ser fixada depois da entrada em vigor da Lei 9/2022, de 11 de Janeiro, são aplicáveis os critérios da lei nova, ainda que o encerramento da liquidação tenha ocorrido em data anterior, entendimento que não viola os princípios fundamentais constitucionalmente tutelados da segurança jurídica e da confiança, enquanto princípios densificadores do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da CRP.
II. Mantendo o legislador a parte variável da remuneração como incentivo à diligência do Sr. AJ e prémio pelos resultados obtidos com a gestão e venda do património do insolvente, o n.º 7 do artigo 23.º do EAJ deve ser interpretado no sentido de que um dos factores a considerar no cálculo é a percentagem de créditos satisfeitos para efeitos de apuramento do montante sobre o qual irá depois incidir a percentagem de 5% relativa à majoração.
III. O cálculo da majoração implica assim duas operações sucessivas: a primeira, tendo em vista apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, obtém-se dividindo o valor da liquidação disponível para distribuição, calculado nos termos prescritos no n.º 6, pelo montante dos créditos reconhecidos; de seguida, a percentagem obtida, correspondente ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, é aplicada ao mesmo valor da liquidação, sendo sobre o resultado desta segunda operação que vai incidir a percentagem de 5%.
IV. A norma correctiva do n.º 8 permite limitar eventual desproporção entre a actividade desenvolvida, o resultado obtido e o montante da remuneração que se atinja pela aplicação das regras de cálculo expostas nas precedentes disposições, podendo / devendo ser actuada pelo juiz sempre que a remuneração variável, incluindo portanto a majoração, exceda o montante de € 50.000,00.
V. O n.º 10 do preceito contém também uma norma “travão”, fixando para a remuneração variável de AJ no caso de liquidação – sentido em que deve ser interpretada a remissão para a alínea b) do n.º 4 – um limite de € 100.000,00.
VI. Verificando-se que foram apreendidos para a massa 36 bens imóveis, constituindo os móveis apreendidos o recheio das fracções e sendo o resultado da liquidação produto essencialmente da venda destas últimas – das quais 23 foram adjudicadas à credora hipotecária –, atendendo ainda a que a lista de créditos reconhecidos não foi objecto de impugnação, não tendo ocorrido incidentes com complexidade a demandar a intervenção do Sr. AJ, justifica-se a redução da remuneração para € 80.000,00 ao abrigo do n.º 8 do artigo 23.º se os €6.738.370,96 obtidos com a liquidação, deduzidas as despesas, satisfazem 51% dos créditos reconhecidos”.

[9] Só assim não será se o resultado da liquidação abarcar o pagamento de todos os créditos admitidos, o que, convenhamos, configura uma hipótese meramente académica.
[10] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2011, Coimbra Almedina, p. 182.

[11] Abrangendo, com referência à sentença de verificação e graduação de créditos, todos aqueles que (reclamados ou não), tenham sido reconhecidos (cfr. o art. 173.º do CIRE).
  
[12] Para posteriormente se poder determinar qual o concreto fator aplicável, entre 1 a 1,60. Assim:
“ANEXO II
Tabela a que se refere o n.º 4 do artigo 20.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência.
Percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita ……Factor aplicável
Até 5......................................................................................  1
De mais de 5 até 10 ............................................................  1,05
De mais de 10 até 20 ..........................................................  1,10
De mais de 20 até 30 .............................. ............................ 1,20
De mais de 30 até 50 .............................. ............................ 1,30
De mais de 50 até 70 .............................. ............................ 1,40
Superior a 70 .................................... .................................. 1,60”.

[13] Assim:
“Como se assinala no douto Acórdão TRC de 25/10/2022 (Emídio Francisco Santos), a letra do preceito não exclui qualquer dos sentidos em confronto, não se acompanhando, porém, a conclusão ali atingida de que aponta no sentido da aplicação dos 5% à percentagem de satisfação dos créditos, pelos motivos que se passam a expor.
Foi sendo considerado como demonstrando que o legislador não quis alterar significativamente o modelo anterior o facto de a lei ter continuado a usar a exata expressão “grau de satisfação dos créditos” tal como fazia na redação vigente até esta alteração[18].
O aresto TRC que vimos citando[19] entende grau com o exato sentido de percentagem[20].
A redação anterior remetia a determinação da quantia achada com base no grau de satisfação dos créditos para uma portaria – que se continuou a entender ser a forma de cálculo da Portaria 51/2005, dada a ausência de Portaria aprovada na vigência da Lei nº 22/2013 – na qual se estabelecia, no artigo 2º, que a remuneração variável era estabelecida pelas tabelas anexas à portaria.
À majoração respeitava o Anexo II, onde se previam fatores, de 1, a 1,6, atribuídos à “Percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita”, em escalões crescentes desde 5 a superior a 70.
Esta disposição regulamentar implicava, assim, a realização de duas operações distintas: primeiro o cálculo da percentagem de créditos satisfeitos e depois a aplicação do fator crescente.
A lei usava então já a expressão grau de satisfação de créditos, mas a sua correspondência com a percentagem de créditos satisfeitos era efetuada pelo Anexo II da portaria.
Assim, a correspondência entre grau e percentagem resultava apenas da conjugação da letra da lei com a Portaria e não da lei por si só.
Na verdade, grau não equivale a percentagem.
Grau é uma “…medida, passo, ordem, classe. (…). Falando das coisas físicas ou morais, diz-se de tudo o que implica aumento ou diminuição, grandeza relativa, tamanho, progresso ou regresso, intensidade maior ou menor, estado, ponto.”[21]
Percentagem é uma “parte proporcional calculada sobre uma grandeza de cem unidades, a proporção em relação a uma centena ou o número de partes por cada cem”.[22]
Ou seja, a percentagem implica sempre uma relação, uma proporção entre dois números, expressa com base 100 (no caso a relação entre os créditos admitidos e satisfeitos) o que indica um grau de satisfação de créditos mas não é o único grau possível de satisfação de créditos.
O grau não implica necessariamente uma relação entre dois valores: nesse sentido quanto mais liquidez houver para distribuir pelos credores, maior será a respetiva satisfação, independentemente dos valores reclamados e verificados. Assim, se houver 100 mil euros para distribuir pelos credores, eles receberão mais do que se só existirem dez mil euros para distribuir, independentemente do que tenham reclamado.
Neste sentido o montante dos créditos satisfeitos – correspondente ao montante a distribuir – é um grau de satisfação dos créditos que se relaciona, exclusivamente, com o ativo da massa insolvente, alheando-se do passivo do insolvente.
O nº 1 do art.º 23º deixou de remeter para qualquer Portaria, passando a regular, ele próprio o modo de cálculo. No que aqui nos releva, foi completamente eliminada qualquer referência à percentagem de créditos satisfeitos que nos permita continuar a entender que o grau de satisfação dos créditos referido ainda no nº 7 do art.º 23º é a percentagem de satisfação dos créditos e não apenas um maior grau de satisfação de créditos não relacional.
A esta leitura acresce uma questão, para nós essencial: eliminada a portaria, o passo material dos cálculos que acha a percentagem dos créditos satisfeitos e faz incidir sobre o valor desta os 5% da remuneração, não está, rigorosamente, previsto.
O que a lei prevê é, apenas que se aplique 5% ao montante dos créditos satisfeitos – sendo este montante, como já vimos, um grau de satisfação de créditos.
Entendemos, assim, que a letra da lei não é mais favorável à interpretação que implica o achamento da percentagem de créditos satisfeitos, nem indica que não se pretendeu alterar o modo de cálculo anteriormente previsto”.

[14] Grau: “fig. situação, estado, considerado em relação a uma série de outros progressivamente superiores ou inferiores; classe, categoria; nível, ponto” (Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, Tomo X, Instituto António Houaiss de Lexicologia, Portugal, 2005, Lisboa, Temas e Debates, p. 4248, 2ª entrada).  

[15] Percentagem: “proporção de uma quantidade ou grandeza em relação a uma outra avaliada sobre a centena; percentual” (Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, obr. citada, Tomo XIV, p. 6247, 1ª entrada).  

[16] Afastando-se do modelo anterior, preconizado pelo CPEREF que, no seu art.º 34.º, aplicável à remuneração do liquidatário judicial ex vi do disposto no art.º 5.º, nº1 do Dec. Lei nº 254/93 de 15-07, determinava que o juiz fixasse a remuneração atendendo “ao parecer dos credores, à prática de remunerações seguida na empresa e às dificuldades das funções compreendidas na gestão”, gerando entropias resultantes de alguma imprevisibilidade na fixação da remuneração, nos vários processos.