Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
73/20.0PCAMD.L1-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: PENA DE MULTA
PAGAMENTO COERCIVO
PEDIDO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA MULTA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O cumprimento de uma pena de multa comporta essencialmente duas fases – uma primeira voluntária (em que o cumprimento pode ser realizado por diversas formas) e uma segunda, de natureza coerciva, também ela de passível cumprimento por meios alternativos/sucessivos.
II.  No caso dos autos, estamos já na fase de pagamento coercivo. Sucede, todavia, que ainda nesta fase é possível poder haver lugar a meios alternativos de cumprimento da pena de multa, que não forçosamente a sua conversão em prisão.
III. Nessa fase, pode ser formulado pedido em que, ainda que implicitamente, se peça a suspensão, mediante o cumprimento de um dever (pagamento da multa, num determinado prazo temporal definido), fundado em circunstâncias que possam justificar que a razão do não pagamento não é imputável ao arguido.
IV. O nosso sistema legal dá sempre preferência, até mesmo na fase coerciva, ao cumprimento da pena de multa por meios não privativos da liberdade, pretendendo acautelar o maior número possível de situações de carácter económico que possam suceder na vida do condenado, após trânsito da decisão condenatória, permitindo-lhe, querendo, cumprir.
V. Assim, o despacho ora em questão, mostra-se nulo, por não se ter pronunciado sobre matéria que lhe cabia apreciar (omissão de pronúncia), ao abrigo do disposto nos art.ºs 97 nºs 4 e 5 e 379 al. c) do C.P.Penal, vício este de conhecimento oficioso.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – relatório
1. Por decisão transitada em julgado, foi o arguido EM condenado pela prática, em 10 de Fevereiro de 2020, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143° n.°1 do Código Penal na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €5 (cinco euros) no total de €375 (trezentos e setenta e cinco euros), a que correspondem 50 (cinquenta) dias de prisão subsidiária.
2. Posteriormente, em 20 de Fevereiro de 2023, foi considerado extemporâneo o pedido de pagamento da multa em prestações e a pena de multa imposta foi convertida em dias de prisão subsidiária.
3. Inconformado, veio o condenado interpor o presente recurso, pedindo a revogação de tal despacho e a sua substituição por outro que determine a audição presencial do arguido.
4. O recurso foi admitido.
5. O Mº Pº respondeu ao recurso, pronunciando-se pela sua parcial procedência, pedindo a sua revogação e substituição por outro que determine a notificação ao arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal.
6. Neste tribunal, o Exº PGA emitiu parecer, remetendo para a resposta do seu Exº Colega de 1ª instância.
II – questão a decidir.
Processamento da conversão de pena de multa em dias de prisão.
 III – fundamentação.
1. O despacho ora em apreciação tem o seguinte teor:
Uma vez que o arguido não requereu o pagamento da pena de multa em prestações no prazo de 15 dias após a notificação para o pagamento da mesma, indefere-se o requerido a por extemporâneo, nos termos do artigo 489° do CPP.
*
O arguido foi condenado nestes autos por sentença já transitada em julgado na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €5.
Até hoje, porém, o arguido não efectuou o pagamento da multa, não obstante ter sido notificado para o fazer.
Como bem afirma o MP, não se descortina possível a cobrança da multa aplicada ao arguido, pelo que tem aplicação o disposto no n° 1 do art.º 49° do Código Penal, convertendo-se a multa não paga em prisão subsidiária pelo tempo correspondente, reduzido a dois terços.
Pelo exposto, determino a conversão da multa aplicada ao arguido em 50 dias de prisão.
Notifique o arguido e o seu defensor.
Após trânsito, passe mandado de detenção, o qual deverá ser cumprido até 17.06.2026, no qual se deve fazer expressa referência ao disposto no art.º 49°, n° 2 do Código Penal, devendo a detenção ser de imediato comunicada a este tribunal.
Nos termos do artigo 491°A do CPP consigna-se que cada período ou fracção em que o arguido esteja detido corresponde a €7,5.
 2. O recorrente aduz as seguintes conclusões, em discórdia quanto ao decidido:
1.O Arguido não foi ouvido, nem contactado directa e pessoalmente.
2. Assim, e porque as oportunidades são diferentes em cada ser humano de acordo com a sua experiência de vida, e estado de saúde, deve ser dada a oportunidade ao Arguido de ser trazido a Tribunal para que possa esclarecer o seu alheamento e/ou desinteresse, ou se pelo contrário, existe motivos muito fortes e atendíveis para o sucedido.
3. Não existiu um contacto directo com o Arguido que assegure a compreensão do mesmo para o cumprimento da pena de prisão e o exercício do contraditório do próprio Arguido.
4. Devem ser emitidos mandados de detenção para assegurar e conhecer o seu paradeiro, e a sua audição para efeitos de contraditório. E não a emissão de mandados para assegurar o cumprimento da pena, sem antes conhecer os verdadeiros motivos de não cumprimento dos deveres e regras de conduta impostos.
5. Os princípios do contraditório e da audição prévia devem ser assegurados na decisão que aprecie os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, de modo a que o mesmo não constitua surpresa contra o arguido, a quem assiste o direito de impugnar não só os factos iniciais já conhecidos, mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração.
6. Bem como requerer a produção de meios de prova, sob pena de se quebrar a reciprocidade dialéctica entre o Tribunal e o condenado e de se postergar as garantias de defesa deste, na dimensão dos aludidos princípios, acolhidos no art.º 32° da Constituição e art.º 61°, n° 1, b), do CPP.
7.O condenado tem de ser presencialmente ouvido em todos os casos que possa estar em causa a conversão da multa aplicada ao Arguido, mesmo quando essa causa se circunscreve ao condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, constituindo a sua preterição uma nulidade insanável, prevista no artigo 119.°, al. c) do Código de Processo Penal.
8.A conversão da multa aplicada ao Arguido, nunca é consequência automática da conduta do condenado, representa uma real modificação do conteúdo decisório do despacho, devendo por isso ser posta ao mesmo nível desta no que respeita ao exercício do contraditório no seu grau máximo, que passa pela audição presencial do arguido (a não ser nos casos em que a audição não seja possível por motivo que lhe é imputável).
9. Só dessa forma se efetiva o direito de defesa consagrado no artigo 32.°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, já que também no caso em concreto, o artigo 56.°, n.º 1, al. b) do Código Penal impõe que se indague se as finalidades que estavam na base da suspensão ficaram irremediavelmente comprometidas pelo cometimento do Arguido.
3. O MºPº apresenta as seguintes conclusões, na sua resposta:
1) Veio o Arguido recorrer do Douto Despacho que procedeu à conversão da multa em que aquele foi condenado em prisão subsidiário, alegando que aquele não foi ouvido, nem contactado directa e pessoalmente.
2) Mais alega que o condenado tem de ser presencialmente ouvido em todos os casos que possa estar em causa a conversão da multa aplicada ao Arguido, mesmo quando essa causa se circunscreve ao condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, constituindo a sua preterição uma nulidade insanável, prevista no artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal.
3) Nesta matéria não assiste razão ao arguido.
4) Efectivamente, aquele não solicitou o pagamento a prestações da multa, o cumprimento da pena através da realização de trabalho a favor da comunidade ou invocou a impossibilidade de pagar a multa.
5) Nunca aquele veio invocar quaisquer condições socioeconómicas que o impedissem, sem culpa sua, de proceder ao pagamento da multa, o que podia e deveria ter feito, pois tinha pleno conhecimento da pena de multa por pagar e da conversão que iria ocorrer caso não realizasse o pagamento, sendo certo que de tal tomou conhecimento, e avertido nesse sentido, em sede de audiência de discussão e julgamento, na qual esteve presente, como resulta da Acta ref.ª 137616816, de 18/05/2022.
6) Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/11/2020 – Processo n.º 781/17.2S6LSB.L1-5 in www.dgsi.pt que refere que “ Não é necessária a audição presencial do arguido, antes de convertida a multa em prisão subsidiária e quanto à realização de relatório social, nada na lei o impõe e no caso não se justificava quando a arguida esteve presente na audiência de discussão e julgamento e aí foram discutidos os factos relativos às suas condições pessoais, como consta da sentença.(...).”
7) Contudo, somos do entendimento que antes da prolação do Despacho que determinou a conversão da multa não paga em prisão subsidiária, deveria o arguido ter sido notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.°, n.º 3 do Código Penal o qual estipula que “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se subsidiária; se o forem a pena é declarada extinta.”, facto que não se verificou tendo a pena de multa sido convertida em prisão subsidiária, apenas tendo sido notificado o arguido do teor do Despacho ora recorrido.
8) O arguido não foi notificado para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da pena de multa em que havia condenado ou alegar os motivos do incumprimento, dizendo ou requerendo o que tivesse por conveniente, com a advertência de que a pena de multa poderia ser convertida em prisão subsidiária (juntando-se guia para pagamento), como deveria ter sido.
9) Assim, e pelo exposto, deverá o Despacho recorrido ser substituído por outro que determine a notificação ao arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal.
4. Impõe-se fazer uma breve resenha da tramitação dos autos, de forma a ser possível enquadrar a questão proposta, em termos sequenciais.
i. O arguido foi condenado numa pena de multa.
ii. O arguido foi notificado para pagamento da multa e não procedeu ao mesmo, no prazo legal.
iii. Nessa sequência, foram ordenadas diligências no sentido de apuramento da existência de bens.
iv.  No dia 10 de Janeiro de 2023, o MºPº apresenta a seguinte promoção:
Por sentença transitada em julgado no dia 17/06/2022, foi o arguido EM condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143 n.º1 do Código Penal:
- na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €5 (cinco euros) no total de €375 (trezentos e setenta e cinco euros), a que correspondem 50 (cinquenta) dias de prisão subsidiária.
- no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo reduzida a metade.
Foram emitidas guias para pagamento da pena de multa e das custas do processo, tendo o arguido notificado no dia 05/07/2022, para proceder ao pagamento das mesmas, sob pena de conversão da pena de multa em prisão subsidiária e da cobrança coerciva das custas do processo.
Decorrido o prazo, e até à data, o arguido nada requereu, nem procedeu a qualquer pagamento.
Da conversão da pena de multa em prisão subsidiária
Efectuadas pesquisas de bens penhoráveis (ref.ª 22310314), constata-se não ser possível proceder à cobrança coerciva prevista no artigo 491, nº 2 do Código de Processo Penal em virtude do facto de o único bem conhecido da arguida ser o seu salário e o mesmo já se encontrar penhorado, pelo que a execução não se afigura viável.
Deste modo, resta aplicar o disposto no artigo 49. do Código Penal, cujo n.º 1 estabelece que quando a multa não for paga (voluntária ou coercivamente) nem tenha sido substituída por dias de trabalho, “é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão.”
Assim, não se tendo verificado qualquer pagamento relativo ao valor da pena de multa a que foi condenado, e não resultando dos autos que o arguido tenha cumprido dias de detenção, promovo que o arguido cumpra 50 dias de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49, nº1 do Código Penal.
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Mais promovo que, após transito em julgado, sejam emitidos os respectivos mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão que vier a resultar da conversão devendo, no entanto, constar dos referidos mandados que o arguido poderá evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando no todo ou em parte a multa em que fora condenado inicialmente.
Da cobrança coerciva das custas
Verificando-se o incumprimento no pagamento das custas do processo, promovo que se se extraia certidão da conta/liquidação e guia, certificando o seu não pagamento, e remetendo tais elementos à Autoridade Tributária, para efeitos da respectiva promoção de execução fiscal, nos termos e para os efeitos do artigo 35." do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
v.  Em 19 de Janeiro de 2023 foi ordenada a notificação do arguido para se pronunciar sobre tal promoção. A notificação foi realizada quer ao arguido – por carta remetida para a morada constante no TIR – quer para o seu Exº Defensor.
vi.  Em 23 de Janeiro de 2023, é apresentado pela defensora do arguido, o seguinte requerimento:
EM, Arguido, nos Autos à margem referenciados onde se encontra devidamente identificado, tendo sido notificada a sua Defensora Oficiosa, e não tendo logrado chegar ao contacto com este, vem requerer, a emissão de mandatos de detenção do Arguido, para se apresentar no tribunal e a consulta em todos os hospitais do País, a fim de verificar se o Arguido se encontra internado, dado a situação de pandemia em que o pais se encontra, porquanto não deve ser revogada a aludida pena aplicada em substituição da pena de prisão, por ora, uma vez que se desconhece se os motivos pelos quais ainda não realizou o pagamento, ou se o mesmo estará impedido por motivos de saúde, ou outro qualquer justificável, sendo que até à presente tem colaborado processualmente.
A culpa não se presume, pelo que, salvo o devido respeito que é muito, deve tentar-se obter o contacto directo com o Arguido.
vii. No dia 31 de Janeiro de 2023, o arguido apresenta um requerimento, por si manuscrito, em que requer o pagamento da multa em prestações, por só agora se encontrar a trabalhar e não poder pagar a mesma de uma única vez.
viii. Em 9 de Fevereiro de 2023, o MºPº apresenta a seguinte promoção:
Ref.ª 22658920, de 31-01-2023:
O Ministério Público promoveu a conversão da multa não paga em prisão subsidiária (Ref.ª 141285720, de 10-01-2023), tendo sido dado o contraditório ao arguido.
De seguida, o arguido veio requerer o pagamento da pena de multa, no valor de € 375,00, em prestações mensais e sucessivas, alegando já ter arranjado trabalho, mas refere não possuir condições económicas que lhe permitam proceder ao pagamento da multa de uma só vez.
Dispõe o artigo 47.º, n.º 3 do Código Penal que “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.
Foi dado como provado na sentença condenatória que o arguido é solteiro, tem uma filha, mora sozinho e paga € 320,00 de renda. Não consta do requerimento quanto aufere mensalmente com o novo emprego.
Ainda assim, é verosímil que as condições económico-financeiras do arguido se mostrem adequadas à possibilidade do pagamento da multa em prestações.
Por outro lado, há que considerar o facto de esse pagamento constituir uma pena criminal que visa satisfazer necessidades de prevenção geral e especial. Como tal, o montante de cada prestação deverá transparecer o equilíbrio entre a capacidade económica do arguido e as finalidades das penas, tanto mais que o quantitativo diário da multa teve já em consideração a sua situação económica.
Pelo exposto, atentos os motivos alegados pelo condenado, dou sem efeito a promoção de 10-01-2023 e, como última e derradeira oportunidade, promovo que seja autorizado o pagamento da multa em 5 (cinco) prestações mensais e sucessivas, cada uma no montante de € 75,00, advertindo-se o arguido de que a falta do pagamento de uma delas importa o vencimento de todas, ao abrigo do artigo 47.º, n.ºs 3 e 5 do Código Penal.
ix. De seguida, foi proferido o despacho ora alvo de recurso.
5. Apreciando.
Caberá desde já adiantar que o recurso merece deferimento, embora por razões ligeiramente diversas do que as apontadas pelo recorrente e pelo MºPº.
Vejamos então.
6. O cumprimento de uma pena de multa comporta essencialmente duas fases – uma primeira voluntária (em que o cumprimento pode ser realizado por diversas formas) e uma segunda, de natureza coerciva, também ela de passível cumprimento por meios alternativos/sucessivos.
Assim, em termos de lógica legislativa, estas duas fases desenvolvem-se nos seguintes termos (sumariamente):
a. Cumprimento voluntário:
Realiza-se, em primeiro lugar, através da entrega da quantia pecuniária correspondente (art.º 47 nºs 1 e 2 do C.Penal e art.º 489.º nºs 1 e 2 do C.P.Penal).
No caso de tal não se mostrar possível, por razões relacionadas com a situação económica e financeira do condenado, que tornem incomportável o cumprimento através de uma única entrega, pode ser autorizado o pagamento dentro de um determinado prazo ou em prestações (art.º 47 nº 3 do C.Penal e art.º 489 nº 3 do C.P.Penal).
Dentro desse mesmo circunstancialismo, mostra-se ainda possível a possibilidade de, a solicitação do condenado, se proceder à substituição da entrega da quantia devida, por dias de trabalho (art.º 48 do C.Penal e 490 do C.P.Penal).
Decorrido o prazo de pagamento, caso nada seja requerido pelo condenado (ou a sua pretensão seja indeferida) e não se verifique o cumprimento da pena imposta (quer na sua totalidade, quer em parte), entra-se então na fase de cumprimento coercivo.
b. Cumprimento coercivo:
Existindo bens, deve proceder-se à execução patrimonial (art.º 491 do C.P.Penal).
Não se mostrando a mesma possível, poderá haver então lugar à conversão da multa não paga em prisão subsidiária (art.º 49 do C.Penal) que, ainda assim, pode vir a ser suspensa, dependendo das circunstâncias, sendo sempre sujeita à imposição de regras de conduta ou ao cumprimento de deveres.
Finalmente, mostrando-se inelutável o cumprimento da prisão subsidiária, ainda assim o condenado pode evitar, na totalidade ou parcialmente, o seu cumprimento, consoante pague na íntegra ou apenas uma parte da multa devida (art.º 49 nº2 do C. Penal).
Em ultima ratio, o condenado cumprirá prisão subsidiária
7.  No caso dos autos, atenta a síntese acima exposta, estamos já na fase de pagamento coercivo.
Sucede, todavia, que ainda nesta fase é possível poder haver lugar a meios alternativos de cumprimento da pena de multa, que não forçosamente a sua conversão em prisão.
De facto, estipula o nº3 do art.º 49 do C.Penal que se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
8. Ora, no caso, embora de um modo muito deficiente, compreensível pelo facto de o arguido, ao invés de procurar a sua defensora, se ter dirigido ao tribunal e de aí lhe terem dado um formulário pré-impresso genérico, onde pede o pagamento em prestações, a verdade é que nesse mesmo requerimento o condenado refere ter estado até então desempregado e, embora agora tenha emprego, não consegue pagar a multa de uma única vez.

9. Salvo o devido respeito – como aliás, e bem, entendeu o MºPº - tal requerimento tem de ser entendido como integrando a situação prevista no nº3 do art.º 49 do C.Penal; isto é, não é extemporâneo.
Parece-nos não resultar, da mera leitura da lei e da própria lógica do sistema, que haja impedimento legal a que, dentro desse prazo de pagamento já coercivo, se possa formular pedido em que, ainda que implicitamente, se peça a suspensão, mediante o cumprimento de um dever (pagamento da multa, num determinado prazo temporal definido), fundado em circunstâncias que possam justificar que a razão do não pagamento não é imputável ao arguido.
De facto, o nosso sistema legal dá sempre preferência, até mesmo na fase coerciva, ao cumprimento da pena de multa por meios não privativos da liberdade, permitindo ainda que esse cumprimento seja realizado através de modalidades de diversas características que pretendem, precisamente, acautelar o maior número possível de situações de carácter económico que possam suceder na vida do condenado, após trânsito da decisão condenatória, permitindo-lhe, querendo, cumprir.
10. Assim, o despacho ora em questão, mostra-se nulo, por não se ter pronunciado sobre matéria que lhe cabia apreciar (omissão de pronúncia), o que ora se declara, ao abrigo do disposto nos art.ºs 97 nºs 4 e 5 e 379 al. c) do C.P.Penal, vício este de conhecimento oficioso. Desta declaração decorre a necessária revogação do despacho, que terá de ser substituído por outro, que se pronuncie sobre a questão, ao abrigo do disposto no nº3 do art.º 49 do C.Penal.
10. Acresce que, antes de ser prolatado tal despacho (e aqui cabe dar razão, em parte, ao recurso que o arguido interpôs e na totalidade, ao que o MºPº alega na sua resposta), deve ser dado ao arguido conhecimento da promoção do MºPº, de 9 de Fevereiro de 2023, bem como o mesmo deve ser advertido de que, havendo lugar ao indeferimento da sua pretensão e não procedendo de imediato ao pagamento da pena de multa, poderá a mesma ser convertida em prisão subsidiária.
11. Tal notificação deve ser feita quer ao arguido, quer ao seu Exº Defensor, sendo que, no que concerne à notificação do primeiro, a mesma deve ser realizada na morada constante do seu TIR, já que a lei não impõe a obrigatoriedade da presença física do arguido, para audição pelo tribunal, excepto nos casos em que o juiz entender a mesma como estritamente necessária.

12. Efectivamente, neste ponto, não cabe razão ao recorrente, na pretensão da necessidade de contacto físico com o tribunal, para efeitos de audição.
Desde logo e em primeiro lugar, o recorrente mostra-se incapaz de avançar uma única norma processual penal que imponha tal presença física. Efectivamente, o que a lei impõe é a sua audição, mas esta só será obrigatoriamente realizada, com a sua presença física em tribunal, nos casos em que a lei expressamente o impõe (vide art.º 61 do C.P.Penal e a distinção que ocorre entre a al. a) e a al. b) do seu nº1 - a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito; b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte). É o caso, por exemplo, do previsto no art.º 495 nº 2 do C.P.Penal.
Não é esse o caso dos autos, pois nenhuma norma determina que a sua audição tem de ser presencial. Tem de ser, de facto, ouvido (como acima já se referiu, ao abrigo do disposto na al. b) do nº1 do art.º 61 do C.P.Penal), de modo a poder exercer o contraditório, mas nada na lei impõe que essa audição tenha de ser realizada de outro modo que não através de requerimento dirigido ao tribunal. Obviamente que poderá ser pedida essa audição presencial, que caberá ao julgador deferir ou indeferir, consoante entender que, face às circunstâncias do caso, a mesma se justifica. Mas não há qualquer obrigatoriedade da mesma ocorrer.
 Assim, a notificação ao arguido, por imposição legal, deverá ser realizada por via postal simples, dirigida à residência que consta do seu TIR (art.º 196 nº 2 e nº 3 al. e), do C.P.Penal).
iv – decisão.
Face ao exposto, declara-se nulo o despacho proferido, procedendo-se à sua revogação, devendo ser substituído por outro que - após notificação ao arguido do teor da promoção do MºPº, de 9 de Fevereiro de 2023, notificação esta onde deve constar a advertência de que, havendo lugar ao indeferimento da sua pretensão e não procedendo de imediato ao pagamento da pena de multa, poderá a multa ser convertida em prisão subsidiária - se pronuncie sobre a pretensão formulada pelo arguido, ao abrigo do disposto no nº 3 do art.º 49 do C.Penal.
Sem tributação.

Lisboa, 24 de Maio de 2023
Maria Margarida Almeida
Ana Paramés
Maria Leonor Canedo Silveira Botelho