Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
884/22.1T8CSC.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: CRÉDITOS LABORAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2023
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: O início da contagem do prazo de prescrição dos créditos laborais causados por danos morais decorrentes da violação pelo empregador de regras de higiene e segurança no trabalho é o da ruptura de facto dessa relação, independentemente da causa que lhe deu origem, momento que não tem que coincidir, necessariamente, com a cessação efectiva do vínculo jurídico.
 (Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório.
AAA intentou acção administrativa contra Águas de Cascais, S.A. e Município de Cascais, pedindo que estes fossem solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de €15.000,00, acrescida de juros, desde a citação, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Citados, além do mais os réus invocaram a excepção dilatória da incompetência material do Tribunal para conhecer da causa e a competência dos da jurisdição comum, o que foi decidido com trânsito em julgado (Comarca de Lisboa Oeste, Juízos do Trabalho de Cascais); e após deferiu o requerimento do autor para que os autos fossem para ali remetidos, o que foi feito e a competência aceita.

Aí chegados os autos, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificados, os réus contestaram, por excepção e por impugnação, naquela parte invocando o erro na forma de processo, a sua ilegitimidade e a prescrição do direito contra ambos ajuizado, concluindo pela sua absolvição da instância ou, quando não, do pedido.

Proferido despacho pré-saneador, foi o autor convidado a responder às excepções, o que fez, pugnando pela improcedência das as excepções invocadas pelos réus.

De seguida, a Mm.ª Juiz a quo proferiu despacho no qual julgou que não existia erro na forma de processo, que os réus eram parte legítima na acção e procedente a excepção de prescrição e absolveu os réus do pedido contra si deduzido pelo autor.

Inconformado, o autor interpôs recurso, pedindo que a sentença proferida seja revogada, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
(…)

Contra-alegaram os réus, pedindo a improcedência do recurso e a manutenção do despacho recorrido.

Admitido o recurso na 1.ª Instância e remetido a esta Relação, foram os autos com vista ao Ministério Público,[1] tendo o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto sido de parecer que O Ministério Público é, assim, de parecer que o recurso do autor merece provimento, devendo a decisão do Tribunal a quo ser revogada e determinado o prosseguimento dos autos, para o que convocou a seguinte ordem de considerações:
"O autor apelante vem requerer a condenação das rés ao pagamento de uma indemnização com fundamento na 'falta de condições adequadas de trabalho e na violação das regras sobre segurança e saúde no trabalho por omissão da atribuição de Equipamento de Protecção Individual e por falta de vigilância médica e avaliação da exposição ao factor de risco, que, tanto quanto alega, foi causa da existência de doença profissional que lhe foi reconhecida', como se enuncia no relatório da decisão recorrida.
O tribunal a quo considerou que o pedido do autor se fundamenta em responsabilidade civil por facto ilícitos, pelo que quanto à prescrição do direito aos créditos reclamados não se aplica a norma do n.º 1 do art.º 337.º do Código do Trabalho, mas sim a do n.º 1 do art.º 498.º do Código Civil.
E considerando que esse prazo decorreu, declarou verificada a excepção de prescrição do direito do autor.
Escreveu-se, na decisão, para além, do mais, o seguinte:
'Importa aqui frisar que não está em causa o prazo de prescrição previsto no art.º 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho já que nesta acção não está em discussão a existência de créditos do trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação já que, como se disse e aliás o próprio autor o refere expressamente (cfr. art.ºs 14.º e 20.º da petição inicial), nestes autos está em causa uma acção de responsabilidade civil por factos ilícitos nos termos dos art.ºs 483.º e 486.º do Código Civil estando pois sujeito o direito ao prazo de prescrição constante do art.º 498.º, n.º 1, do Código Civil (cfr. argumentação constante da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/06/2006, processo n.º 05S3917, publicado em www.dgsi.pt a propósito da questão ainda que por referência ao art.º 38.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovado pelo DL 49 408, de 24 de Novembro de 1969, normativo com conteúdo idêntico ao art.º 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, considerando que este deve ser interpretado restritivamente, no sentido de apenas contemplar créditos típicos da relação laboral, desse âmbito se excluindo os emergentes de uma relação jurídica delitual de responsabilidade civil).'
Ora, como tem sido bastamente explicitado pela jurisprudência e pela doutrina, o fundamento material para a previsão legal da parte final do n.º 1 do art.º 337.º do CT, segundo a qual o prazo de prescrição dos créditos só se inicia aquando da cessação da relação laboral, encontra-se na situação de dependência do trabalhador face ao empregador que o inibe de recorrer à via judicial durante a constância da relação de trabalho. Assim, '(…) a lei entendeu não ser exigível ao trabalhador-credor que promova a efectivação do seu direito na vigência do contrato, demandando judicialmente o empregador' – João Leal Amado, Direito do Trabalho, AA. VV. Almedina, Coimbra, 2019, p. 807.
Ora, a norma do referido n.º 1 do art.º 337.º do CT refere-se ao crédito do trabalhador emergente do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, não estabelecendo qualquer distinção quanto ao tipo ou à natureza do crédito.
Como é sabido aquela norma tem como antecedente legislativo o n.º 1 do art.º 38.º da LCT. E sendo proferido ao abrigo daquela norma legal, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2002 (p. 02S3383) o seguinte:
'Há que ter em conta que o art.º 38.º, do LCT, constitui norma especial posterior à lei geral, o C. Civil, pelo que só no que aí não regulado se pode (e deve) recorrer à lei geral. E, por outro lado, o art.º 38.º não faz qualquer distinção entre créditos do trabalhador ou do empregador, antes pelo contrário, nem distingue relativamente aos créditos de ambos, ou pelo menos só quanto aos do empregador, a sua aplicabilidade apenas a parte deles, seja qual for o critério de distinção dos créditos. O art.º 9.º do C. Civil não o permite.'
Com efeito, o fundamento da fixação de uma regra específica para a contagem do prazo de prescrição previsto para os créditos laborais é, naturalmente, o mesmo para todo e qualquer crédito resultante do contrato de trabalho, não se vislumbrando justificação convincente para aquela norma laboral deixar de ser aplicada, passando a sê-lo a norma do direito civil, segundo a qual o prazo de prescrição começa a contar a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito (n.º 1 do art.º 498.º do CC), mesmo que a relação laboral não tenha cessado.
Afigura-se, por isso, que quer a ratio legis quer a letra da lei determinam que a norma laboral sobre a prescrição de créditos do trabalhador se aplica a todos os créditos emergentes da relação de trabalho, da sua violação e da sua cessação.
Ora, conforme o fundamento acima expresso para o pedido de indemnização formulado pelo trabalhador autor nestes autos, estando em causa o alegado incumprimento de normas sobre prevenção de riscos profissionais, no âmbito das obrigações legais que não terão sido cumpridas em matéria de segurança e saúde no trabalho, não se pode deixar de entender que o direito invocado pelo trabalhador emerge da execução do contrato de trabalho.
Acompanhando aqui de perto a fundamentação expressa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006 (p. 06S2448) relativamente à responsabilidade civil por factos ilícitos e à responsabilidade emergente da violação de deveres contratuais, afigura-se que, independentemente da alegação do autor de que o pedido tem como fundamento a responsabilidade delitual, o que, como é sabido, não vincula o Tribunal, o que sustenta o pedido é a alegada violação de obrigações legais imposta ao empregador no âmbito da relação contratual laboral.
Assim, como se escreveu neste acórdão, 'Seguimos a corrente doutrinal e jurisprudencial que defende que, estando em causa a violação duma obrigação e em particular dum contrato, a responsabilidade contratual daí decorrente também abrange o ressarcimento de danos não patrimoniais (desde que suficientemente graves para merecerem a tutela do direito).
Entendemos também que a classificação da responsabilidade há-de fazer-se em função da natureza do facto ilícito que o lesado invoca como causa dos danos, sejam eles de natureza patrimonial ou não patrimonial, e que a responsabilidade extracontratual tem natureza residual.'
Considerando, também, estar-se na presença de responsabilidade contratual que assenta na violação de deveres decorrentes do contrato de trabalho, pode ver-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31-01-2011 (p. 92/10.4TTVLG.P1).
Pelo exposto, afigura-se que não é aplicável ao caso dos autos o disposto no n.º 1 do art.º 498.º do CC, sendo, antes, a norma a ter em consideração a do n.º 1 do art.º 337.º do CT, pelo que a apreciação da invocada prescrição do crédito do autor exige que se apure se ocorreu a cessação do contrato de trabalho, o que não resulta dos autos".

Apenas o apelado Município de Cascais respondeu ao parecer do Ministério Público, enfatizando que não merece qualquer censura a decisão recorrida, reiterando na íntegra a posição por si defendida.

Colhidos os vistos,[2] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo embora de se dever atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[3] Assim, importa apreciar:
• se o direito do trabalhador a ser compensado pelo empregador por danos decorrentes de doença profissional por este ter violado normas de segurança no trabalho prescreve nos termos da lei civil da laboral.
***
II - Fundamentos.
1. Factos julgados provados (no despacho recorrido):
"1.º O autor integrou o quadro de pessoal dos SMAS de Cascais em Fevereiro de 1998, tomando posse como Auxiliar Administrativo de 2.º Classe, passando depois, em Agosto de 1989, para o exercício de funções de Operador de Estações Elevatórias de Tratamento e Depuradoras de 2.ª Classe, a que seguiu a requalificação profissional em Julho de 1999 para Operador de Central. (assente por acordo)
2.º Em 2000, o autor, por força do Contrato de Concessão de Exploração do Sistema Municipal de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais de Cascais, passou, através da figura de requisição e posteriormente de Acordo de cedência de interesse público, a exercer as suas funções profissionais nas Águas de Cascais, situação que se mantém actualmente. (assente por acordo)
3.º Já integrado na Concessão nas Águas de Cascais, o autor é novamente requalificado profissionalmente, passando em Dezembro de 2006 para a categoria de Operário Altamente Qualificado. (assente por acordo)
4.º Através de processo concluído em 14 de Julho de 2016, o autor viu reconhecida pelo Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais, do Instituto da Segurança Social, I.P. a existência de doença profissional, com início em 11 de Junho de 2012, o que lhe foi notificado por comunicação escrita datada de 23 de Agosto de 2016. (documento junto a fls. 10, 11 e 194v e 195 – comunicação de doença profissional)
5.º O autor instaurou a presente acção em 4 de Outubro de 2019. (comprovativo de entrega de documentos de fls. 2)
6.º A 1.ª ré foi citada em 11 de Outubro de 2019. (aviso de recepção de fls. 24)
7.º A 2.ª ré foi citada em 11 de Outubro de 2019. (aviso de recepção de fls. 30)".

2. O direito.
Vejamos então se o direito que o apelante pretende fazer valer na acção já prescreveu.

Como se referiu atrás, o apelante pediu na acção foi que os apelados fossem solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros, desde a citação, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

O apelante alegou na acção, em síntese muito resumida, que:
"(…)
4.º
…no exercício das suas funções profissionais para os SMAS de Cascais, desde 1989, e posteriormente nas Águas de Cascais, aqui até cerca do ano de 2004, esteve em permanência afecto às Estações Elevatórias, local onde permanecia a totalidade do seu horário de trabalho.
5.º
 Através de processo concluído em Julho de 2016, o A. viu reconhecida, pelo Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais, do Instituto da Segurança Social, I.P., a existência de doença profissional, com início em Junho de 2012, sendo o Diagnóstico Perturbações de Audição e a Doença reconhecida Surdez, conforme Cópia que se junta como DOC. l.
(…)
7.º
No caso sub judice, as RR. tinham, enquanto o A. prestou as suas funções nas estações elevatórias, o dever de cumprir as regras de segurança previstas nos artigos 281.º e 282.º do Código do Trabalho e proporcionar ao A. boas condições de trabalho e, termos de segurança, higiene e saúde, algo que não sucedeu.
8.º
Efectivamente, o A. em todo esse período foi exposto a ruído, não tendo sido distribuído e proporcionado pelas RR. o Equipamento de Protecção Individual (EPI) devido para essa situação.
(…)
11.º
O incumprimento em causa é reconhecido de forma expressa pela Águas de Cascais em documento enviado ao Instituto da Segurança Social - Centro Distrital de Lisboa, Departamento de Protecção contra Riscos Profissionais, conforme DOC. 2 que se junta cópia.
(…)
13.º
Esta violação de regras de segurança esteve directamente ligada com a verificação de doença profissional do A., integrando tal realidade uma omissão ilícita e negligente das RR., como já se referiu, causal da doença decorrente da execução de trabalho naquelas condições.
14.º
Justificando tal realidade as RR. ressarcirem o A. dos danos não patrimoniais na responsabilidade civil extracontratual.
15.º
Como consequência directa e necessária da violação de regra de segurança resultou para o A. uma doença profissional, devidamente certificada.
(…)
24.º
Assim, pelos sofrimentos suportados e desvalor resultante da surdez diagnosticada, na sequência da omissão praticadas pelas RR., o A. reclama destas uma quantia não inferior a € 15.000.00.
(…)".
           
O saneador -sentença motivou assim o decidido:
"Como supra referido o autor configura a acção como uma acção de responsabilidade civil por factos ilícitos nos termos dos art.ºs 483.º e 486.º do Código Civil, consubstanciada na falta de condições adequadas de trabalho e na violação das regras sobre segurança e saúde no trabalho por omissão da atribuição de Equipamento de Protecção Individual e por falta de vigilância médica e avaliação da exposição ao factor de risco, que, tanto quanto alega, foi causa da existência de doença profissional que lhe foi reconhecida, no processo próprio, que correu no Departamento de Protecção contra Riscos Profissionais do Instituto da Segurança Social I.P., doença essa e suas consequências na vida e saúde do autor que são causa dos danos não patrimoniais ('sofrimento moral e desgosto' e limitações diárias') que alega sofrer e cujo ressarcimento procura com a presente acção peticionando uma indemnização 'pelos sofrimentos suportados e desvalor da surdez diagnosticada'.
Estabelece o art.º 498.º, n.º 1, do Código Civil que 'o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso'.
(…)
Importa aqui frisar que não está em causa o prazo de prescrição previsto no art.º 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho já que nesta acção não está em discussão a existência de créditos do trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação já que, como se disse e aliás o próprio autor o refere expressamente (cfr. artigos 14.º e 20.º da petição inicial), nestes autos está em causa uma acção de responsabilidade civil por factos ilícitos nos termos dos art.os 483.º e 486.º do Código Civil estando pois sujeito o direito ao prazo de prescrição constante do art.º 498.º, n.º1, do Código Civil (cfr. argumentação constante da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/06/2006, processo n.º 05S3917, publicado em www.dgsi.pt a propósito da questão ainda que por referência ao art.º 38.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovado pelo DL 49 408, de 24 de Novembro de 1969, normativo com conteúdo idêntico ao art.º 337.º, n.º1 do Código do Trabalho, considerando que este deve ser interpretado restritivamente, no sentido de apenas contemplar créditos típicos da relação laboral, desse âmbito se excluindo os emergentes de uma relação jurídica delitual de responsabilidade civil).
Assim e em qualquer caso, quando ocorreu a instauração da acção, e bem assim a citação das rés e também quando ocorreu a que seria uma causa interruptiva da prescrição, a prescrição já se havia verificado às 24H00 do dia 24 de Agosto de 2019".

Na perspectiva do apelante, que também é a do Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, os danos morais que o apelante pretende ajuizar têm a sua causa de pedir na violação pelos apelados das normas protectoras da higiene e segurança do trabalho e nessa medida constituem uma violação de direito daquele derivado do contrato de trabalho, devendo, por conseguinte, o regime prescricional seguir a norma do n.º 1 do art.º 371.º do Código do Trabalho ‒ e nessa medida ter-se como ainda não prescrito o direito controvertido.

É sabido que o n.º 1 do art.º 337.º do Código do Trabalho estatui que "o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho".

Partindo daqui e, de resto, como no aresto citado pelo Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 20-06-2012, no processo n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, que "no contrato de trabalho a prescrição verifica-se não apenas quanto à retribuição, mas também quanto a qualquer crédito dos contraentes emergente quer do contrato de trabalho quer da sua violação ou cessação, que prescrevem um ano e dia depois da extinção do contrato".

Porém, é sabido que desde sempre a jurisprudência tem discutido e ressalvado que a norma do n.º 1 do art.º 337.º do Código do Trabalho[4] demanda uma interpretação restritiva de modo a que dela se devam excluir os créditos que embora titulados por qualquer um dos sujeitos da relação laboral contra o outro não resultem directamente dela, como sejam os casos de "crédito reclamado pela entidade patronal, deduzido em acção emergente de contrato de trabalho, que provenha de pretensa prática de ilícito criminal por parte do trabalhador, consistente na elaboração de facturas falsas tendo em vista a apropriação da diferença de preço que resultava das diferentes condições negociais que a ré praticava em relação a clientes com diferentes características, está sujeito ao regime prescricional geral previsto no artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil";[5] ou relativos "à reintegração fundada na nulidade de um contrato de cessão da posição contratual";[6] ou tendo em vista "a situação invocada de erro-vício na celebração do acordo revogatório do contrato de trabalho, susceptível de conduzir à anulabilidade desse acordo;[7] ou ainda "o direito a uma indemnização e a quantias decorrentes de um plano individual de reforma";[8] ou, enfim, "a outras relações jurídicas, ainda que conexas com o contrato de trabalho, como é o caso das matérias relativas à reforma e previdência, nomeadamente as respeitantes ao subsídio de desemprego".[9]

Todavia, no caso sub iudicio convém reter que o apelante funda a responsabilidade civil dos empregadores[10] na violação por estes das normas previstas nos artigos 281.º e 282.º do Código do Trabalho relativas ao dever de lhe proporcionar boas condições de trabalho em termos de segurança, higiene e saúde, algo que não sucedeu porquanto, alega, em todo o período prestacional do trabalho foi exposto a ruído e aqueles não lhe distribuíram e proporcionaram equipamento de protecção individual devido.

Ora, como se vê do parecer do Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, a jurisprudência tende a considerar que "o momento relevante para o início da contagem do prazo de prescrição dos créditos laborais é o da ruptura de facto da relação de dependência, independentemente da causa que lhe deu origem, momento que não tem que coincidir, necessariamente, com a cessação efectiva do vínculo jurídico".[11]
 
Assim, uma vez que, como concordam as partes, o contrato de trabalho ainda se mantém em execução, é apodíctico afirmar que o prazo de prescrição não se iniciou, restando concluir, com o apelante e o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, que o direito que o primeiro pretende fazer valer em juízo ainda não prescreveu; pelo que e em consequência se deve conceder a apelação, julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição desse direito invocada pelos apelados e nessa parte revogar o saneador-sentença, devendo a Mm.ª Juiz a quo determinar o prosseguimento da acção até final, a não ser que algo diverso do ora apreciado o impeça.
***
III - Decisão.
Termos em que se acorda conceder provimento à apelação e, por conseguinte, julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição do direito do apelante e nessa parte revogar o saneador-sentença, devendo a Mm.ª Juiz a quo determinar o prosseguimento da acção até final, a não ser que algo diverso do ora apreciado o impeça.
Custas pelos apelados (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
*
Lisboa, 17-05-2023
António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho (Voto a decisão. Porém, porque entendo que o crédito reclamado tem como fonte específica a violação de regras de segurança com resultado em doença profissional (Art.º 18.º/1 e 1.º/2 da Lei 98/2009 de 4/09), o enquadramento legal terá que encontrar-se no quadro da LAT, de onde não resulta prescrito o direito.)

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[1] Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[2] Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[3] Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[4] Como nas equivalentes anteriores dos art.ºs 38.º, n.º 1 da LCT e 381.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003.
[5] Acórdão da Relação de Guimarães, de 19-04-2018, no processo n.º 2857/17.7T8VCT.G1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[6] Acórdão da Relação de Lisboa, de 29-05-2019, no processo n.º 25940/17.4T8LSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt.
[7] Acórdão da Relação de Lisboa, de 12-09-2018, no processo n.º 25940/17.4T8LSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt.
[8] Acórdão da Relação de Lisboa, de 05-07-2018, no processo n.º 27945/17.6T8LSB-A.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt.
[9] Acórdão da Relação do Porto, de 23-04-2007, no processo n.º 25940/17.4T8LSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt.
[10] Venha essa responsabilidade a final a ser atribuída a um só dos apelados ou a ambos (ou a nenhum deles, naturalmente), pouco importa agora.
[11] Além dos arestos citados pelo Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, no mesmo sentido podem ainda ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-03-2009, no processo n.º 1689/08, publicado em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=29331&stringbusca=&exacta=, do Supremo Tribunal Administrativo, de           23-05-2013, no processo n.º 0774/12, da Relação de Lisboa, de 21-03-2012, no processo n.º 1015/10.6TTALM.L1-4 e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24-03-2017, no processo n.º 02376/14.3BEPRT, estes publicados em http://www.dgsi.pt.
Decisão Texto Integral: