Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3442/21.4T8CSC.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PROVOCADA
MEMBROS ELEITOS DE COMISSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1.–Nos termos do disposto no art.º 629, n.º 1, do Código de Processo Civil, a admissibilidade de um recurso depende do valor da ação e do valor da sucumbência, a menos que se verifique alguma excepção prevista nos art.º 79 do Código de Processo do Trabalho e 629, n.º 2 e 3 do CPC.

2.–Não é esse o caso quando está em discussão a admissibilidade de um incidente de intervenção provocada num processo em que é ré a BBB, a qual não está compreendida em qualquer dessas exceções e nomeadamente na do art.º 79, alínea c), do Código de Processo do Trabalho.

3.–Com efeito, esta refere-se aos processos especiais de contencioso previstos no cap. IV do CPT e não a processos comuns em que a Comissão seja demandada.


(Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I.–RELATÓRIO


Autor (A.) e recorrente: AAA 
Ré (R.).: BBB.

O autor demanda a ré pedindo a condenação desta a pagar-lhe 3762,66 € a título de gratificações pelo trabalho desempenhado de pagador de banca no período compreendido entre 29/10/2019 e 1/02/2021.

A ré contestou, invocando designadamente a sua falta de legitimidade passiva e a incompetência do tribunal em razão da matéria.

O autor respondeu às exceções.

Mais adiante o autor, sempre patrocinado pelo Ministério Público, deduziu incidente de intervenção principal provocada dos membros eleitos da BBB (…), (…), (…), (…), (…) e (…).

Ouvida a contraparte do Tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:
“Intervenção principal provocada:
Indefiro a requerida intervenção provocada, já que o autor não o fez no momento próprio, que seria até ao termo da fase dos articulados, nos termos dos art.º 316 e 318 do Código de Processo Civil.
Efetivamente, o autor apresentou resposta à contestação e pronunciou-se sobre a exceção da legitimidade e não requereu a intervenção principal dos membros da ré, só o tendo feito quando, já finda a fase dos articulados e antes da prolação do despacho saneador e em observância do princípio do contraditório, foi chamado a pronunciar-se sobre a falta de personalidade judiciária da ré.
Mas, como decidido no acórdão do Tribunal da relação de Coimbra de 24/01/2013 processo n.º 3610.3TTLRA-A.C1, publicado em www.dgse.pt, “resulta do art.º 27, n.º 1, do CPC que a intervenção de terceiros ou a prática dos atos nele previstos só podem ter lugar com vista ao suprimento de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, o que não é o caso da falta de personalidade judiciária”.
Assim e pelo exposto não admito a intervenção principal provocada requerida pelo autor.”
O Tribunal a quo, prosseguindo, proferiu decisão que julgou procedente a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária da ré comissão e a absolveu da instância.
Fixou a ação o valor de 3762,66  €.
*

Inconformado o A., invocando os art.º 79-A, n.º 1, al. a, 80, n.º 2 do CPT e 644 do CPC apelou, concluindo desta sorte:
I –Por decisão proferida em 1 de julho de 2022, a Mma. Juiz não admitiu a intervenção principal provocada requerida pelo A., invocando o disposto no artº. 316 e 318º do Código de Processo Civil, designadamente, por entender que já se mostrava finda a fase dos articulados e como tal não era tempestiva.
II–Em 05-04-2022, quando não havia ainda sido proferido despacho saneador nos autos, o A. deduziu incidente de intervenção principal provocada dos membros eleitos da BBB.
III–Pois, os membros da BBB são solidariamente responsáveis pelo pagamento das gratificações devidas ao A., e peticionadas nos presentes autos, ou seja, os Réus pessoas singulares eram, ou são, membros da Ré BBB, pelo que são solidariamente responsáveis pela distribuição e movimentação das gratificações.
IV–Assim, caso procedesse a ilegitimidade da Ré BBB, os seus membros sempre seriam partes legítimas por força da sua responsabilidade solidária.
V–No entanto, a Mma. Juiz, não admitiu o deduzido incidente, tendo apenas por base a intempestividade do mesmo.
VI–Contudo, (…) se é possível deduzir o incidente de intervenção principal provocada por preterição de litisconsórcio necessário, mesmo depois de ter sido proferido despacho saneador que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa e mesmo depois do trânsito em julgado do despacho que julgue ilegítima alguma das partes e ponha termo ao processo (artº 325º nº 2 do CPC), este artigo tem de ser interpretado no sentido de possibilitar o chamamento após a fase dos articulados e antes ainda da decisão quanto à legitimidade, quando o incidente é deduzido pelo autor [1] como é o caso) ou pelo reconvinte. A ressalva, no artº 318º, nº 1º, a) do CPC permite esta interpretação que o princípio de economia processual pressupõe (conforme defendem José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil anotado, 1º volume, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artº 269º do CPC, na redacção do DL 180/96, de 25/09, que mantém plena actualidade, pois que o actual artº 261º do CPC reproduz o texto anterior com a mera actualização da remissão). Efectivamente, não faz qualquer sentido que, tendo terminado a fase dos articulados e não tendo ainda sido proferido despacho saneador, a A. tenha que ficar a aguardar que os RR. sejam declarados parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, para deduzir o incidente de intervenção principal provocada do actual dono do veículo(no mesmo sentido se entendeu no acórdão do STJ, de 05.12.2002, proferido no proc.02A2479,acessível em www.dgsi.pt...(...)[2]
VII–Ao proferir a decisão de que se recorre a Mma. Juiz violou o disposto nos artº.s 261º, nº1 do Código de Processo Civil e 316º e seguintes do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 1º, n.º 2, al. c) do Código de Processo do Trabalho.
VIII– Assim, apenas se poderá entender que o incidente deduzido foi apresentado tempestivamente e, como tal a decisão recorrida deverá ser substituída por outra que admita a intervenção principal dos Réus, prosseguindo os autos nesses termos até ser proferida decisão final.
*

Contra-alegou a BBB, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
1.º-Estando a falta de personalidade judiciária do R. transitada em julgado, por não recurso desse segmento decisório por parte do A, urge verificar se era passível de ser suprimido por via do instituto de intervenção principal provocada, trazendo, por esta via, a juízo a pessoa contra quem o A. devida ter deduzido inicialmente o seu pedido.
2.º-O n.º 1 do artigo 11.º do CPC, define a personalidade judiciária como a suscetibilidade de ser parte. Trata-se de um pressuposto processual respeitante a um atributo próprio que, em abstrato, é necessário para que uma entidade possa ser parte em qualquer processo. Faltando a personalidade judiciária a uma das partes, a jurisprudência maioritária entende que a sanação desta excepção dilatória, à luz das normas do processo civil não é possível mesmo com o recurso à intervenção principal passiva, com excepção das situações tipificadas no art.º 13º do Código Processo Civil [sucursais, agências, filiais, delegações ou representações].
3.º-Não sendo a R. uma sociedade comercial não estamos na presença da única possibilidade legal de ser sanada a falta de personalidade judiciária, por via do art.º 14 do CPC.
4.º-Essencialmente porque, e em resumo, a personalidade judiciária constitui o pressuposto dos restantes pressupostos processuais relativos às partes, pois que faltando personalidade judiciária simplesmente não há parte e, bem assim, não há instância, mas apenas uma aparência de instância.
5.º-Em face supra, nem chega o Tribunal a entrar na apreciação da falta de legitimidade da R.
6.º-Esta só se colocaria se o A. tivesse instaurado a ação não apenas contra a R, mas também contra os membros que integram a …. enquanto tal. Se assim fosse, a instância mantinha-se e prosseguiria, apenas relativamente aos membros que integram a …. excluindo-se da ação a R. propriamente dita, por falta de personalidade judiciária.
7.º-A situação passaria depois a ser eventual ilegitimidade para estarem sozinhos na acção, o que implicaria no nosso entender, discutir-se, então, se na fase processual em que o A. deduziu o incidente de intervenção principal provocada seria ainda possível, nos termos do disposto no art.º 318 do CPC.
8.º-Repare-se que, no nosso caso, afastada a R., ficamos sem qualquer parte no processo. E se os membros que integram a … viessem a ser chamados à acção como intervenientes principais passivos, como pretende o recorrente, ficaríamos perante uma acção destituída dos originais sujeitos processuais passivos indicados e demandados inicialmente, e seriam todos, apenas, intervenientes principais.
9.º-Os chamados pela intervenção do A. associar-se-iam a quem? Eles teriam de encontrar pelo menos uma parte primitiva no processo com quem se iriam associar. Assim, não sendo sanável também não pode esta excepção dilatória ser objecto de suprimento nos termos do disposto nos art.º 316° e segs. do CPC.
10.º- Temos para nós que este entendimento é o único acertado.
11.º-Assim está votado ao insucesso o recurso do A. interposto, devendo ser negado.

Os autos foram aos vistos.

II.– FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e excetuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras -, se é admissível a pretendida intervenção de terceiros.
Previamente, porém, ponderar-se-á a recorribilidade do despacho.
De recorribilidade do despacho.
O valor dos autos, como vimos, é de 3762,66 €.
Dispõe o art.º 629, n.º 1, do CPC que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre (o que não é o caso). No entanto, é sempre admissível recurso das decisões respeitantes ao valor da causa dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do Tribunal de que se recorre (art.º 629/2/b). Mas também não é esse o caso e nem é o que acontece com os demais casos previstos nos números 2 e 3 do mesmo artigo.
É certo que o art.º 79 do Código de Processo do Trabalho admite a possibilidade de recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência para a Relação
a)-nas ações em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador por iniciativa do empregador, independentemente da sua modalidade, a reintegração do trabalhador na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho;
b)-nos processos emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional;
c)-nos processos de contencioso das instituições de previdência e de abono de família, das associações sindicais das associações de empregadores e das comissões de trabalhadores.
Do exposto resulta claramente que não é admissível recurso com fundamento nos preceitos invocados, nem o mesmo encontra arrimo nas exceções previstas na lei processual civil nem no art.º 79, a) e b), do Código de Processo do Trabalho.

Será tal admissível ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 79?
Repare-se que o que está em causa são processos do contencioso das instituições, associações e comissões aí referidas; não são todos e quaisquer processos em que sejam parte. Se assim não fosse a lei não empregaria o termo “contencioso”, ficando se a lei por uma locução do tipo “processos das instituições…”, como é de presumir do disposto no art.º 9º do código civil.

Ora, os processos de contencioso dessas entidades estão expressamente previstas no capítulo IV do Código de Processo do Trabalho, art.º 162 e ss., e respeitam designadamente à impugnação de estatutos e deliberações ou atos eleitorais, à impugnação judicial de decisão disciplinar de associados dessas entidades (e não de trabalhadores, que litigam nos termos do processo comum, cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6ª edição, 1209), liquidação e partilha de bens de comissões de trabalhadores.

Ou seja, são ações que respeitam à própria entidade e à sua esfera de atividade, e não a interesses atomísticos de um ou outro trabalhador.

E é isto exatamente que permite compreender porque é que nestes casos é sempre admissível recurso, coisa que não se entenderia se um trabalhador pudesse demandar uma entidade por interesses comuns (no caso dos autos gratificações), por serem requeridos ante a comissão, e outro trabalhador com os mesmos interesses não o pudesse fazer apenas por demandar outra entidade, mormente o empregador. Convém não esquecer que antes da reforma de 1999, contida no DL n.º 480/99, de 9 de novembro, o art.º 74, n.º 5, declarava expressamente que “não há alçada nos processos emergentes de doenças profissionais e nos processos do contencioso das instituições de previdência, abono de família e organismos sindicais”, remetendo depois para o capítulo III, exatamente com essa epígrafe.

Assim, é indubitável que a demanda da Comissão por gratificações não está abrangida pelo disposto neste preceito (e de facto o próprio requerente não invoca a al. c) do art.º 79).

Face ao exposto, e uma vez que quanto ao resto o valor da ação não permite o recurso, inexistindo qualquer outra exceção não pode o mesmo ser admitido.

O que impede se conheça de fundo.

Termos em que este Tribunal não admite o recurso.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 15 de março de 2023


Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega



[1]Sublinhado do recorrente.
[2]Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15-04-2021, relator Judite Pires, disponível em www.dgsi.pt (nota do recorrente)