Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1149/22.4T8PDL.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: INVENTÁRIO PARA PARTILHA DE BENS COMUNS
CASAMENTO NO ESTRANGEIRO ENTRE PORTUGUESES
REGISTO EM LIVRO DO CONSULADO
CONTEÚDO DA INSCRIÇÃO
REGIME DE BENS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O casamento contraído no estrangeiro entre dois portugueses podia ser celebrado perante os agentes consulares, devendo ser precedido do processo de publicações organizado, por aqueles ou pela Conservatória dos Registos Centrais, a menos que fosse dele dispensado pela lei civil, nos termos dos art.ºs 195º e 196º do CRCivil, aprovado pelo DL. nº 51/78, de 30.03, alterado pelo DL nº 379/82, de 14.09, e 51º, nº 2 do CC, na redação anterior à introduzida pela Lei nº 16/2001, de 22.06.
2. O casamento celebrado no estrangeiro entre dois portugueses é registado no livro próprio do consulado competente, por inscrição se celebrado perante agente consular, e deve conter as menções exigidas no art.º 217º, nº 1, al. f), do CRCivil, aprovado pelo DL. nº 51/78, de 30.03, alterado pelo DL nº 379/82, de 14.09.
3. Nos termos do artigo referido em 2., o assento de casamento deve conter a indicação do regime de bens, se for imperativo, com menção desta circunstância.
4. Depois de assinados, os assentos não podem ser alterados, mas podem ser retificados, se contiverem alguma irregularidade, deficiência ou inexatidão, oficiosamente, ou a requerimento de algum interessado, podendo a retificação averbada ao assento ser, a todo o tempo, integrada no assento, a requerimento dos interessados, mediante a feitura de novo registo e cancelamento do anterior.
5. Nos termos do art.º 4º, nº 2 do CRCivil, os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo, sem que seja pedido o cancelamento ou a retificação dos assentos e averbamentos que lhes correspondem.
6. Só podendo a prova dos factos sujeitos a registo obrigatório ser feita por meio de certidão, no caso, extraída  do ato de registo do agente consular, da qual não consta que o casamento foi celebrado no regime imperativo de bens, da sua análise resulta que o regime de bens que vigorou entre os cônjuges foi o da comunhão de adquiridos, em consonância, aliás, com o assumido pelos cônjuges nas suas relações contratuais com terceiros, ao longo do matrimónio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 11.5.2022, AF intentou inventário para partilha de bens em casos especiais contra MM, falecido em 10.3.2017, representado pelo herdeiro testamentário AM.
Foi proferido despacho a admitir liminarmente o presente processo de inventário para partilha dos bens comuns, subsequente ao divórcio, e a nomear a Requerente, ex-cônjuge sobrevivo, cabeça de casal.
Depois de vário processado, em 16.11.2022, foi proferido o seguinte despacho: “Considerando que a imperatividade do regime de separação de bens previsto no art.º 1720º, nº 1, al. a), do Código Civil, não se limita aos casos de urgência, abarcando ainda, designadamente, os casamentos de cidadãos nacionais celebrados no estrangeiro, perante autoridade estrangeira, que não tenham sido antecedidos da tramitação do processo preliminar de publicações perante os serviços do registo civil nacionais, como alega o requerido ter sucedido no caso dos autos e demonstrou através do documento junto a 27-10-2022 com a referência 4866374, notifique-se a cabeça de casal para se pronunciar, querendo, sobre esta matéria e suas consequências no desfecho da presente ação. Prazo: 10 dias.”.
Pronunciou-se a Requerente no sentido do regime vigorante ser o da comunhão de adquiridos.
Em 30.11.2022, foi proferido o seguinte despacho: “Nos termos do disposto no artigo 1720º/1/a) do Código Civil “consideram-se sempre contraídos sob o regime da separação de bens o casamento celebrado sem precedência do processo de publicações”, como sucedeu no caso presente (cf. documento junto a 27-10-2022 com a referência 4866374). Ora, vigorando o regime imperativo da separação de bens durante a pendência do casamento celebrado entre a Requerente do inventário e o falecido, seu ex-marido, não existe património comum do casal que importe partilhar no presente processo, o que importa a manifesta improcedência do pedido de partilha, que se declara, e a consequente absolvição do requerido do pedido. Custas pela Requerente. Notifique e registe.”.
Não se conformando com a decisão, apelou a Requerente, formulando, no final das respetivas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1 - O regime de bens querido e escolhido pelo então casal formado pela cabeça de casal e o falecido MM foi o da comunhão de adquiridos sempre agindo de boa fé patrimonialmente de acordo com esse ao longo dos 27 anos de casamento.
2 – Nunca suspeitaram em momento algum de que o casamento não fora precedido do processo de publicações e que o casamento afinal estava sujeito ao regime imperativo da separação de bens.
3 – A ter acontecido tratou-se de mera irregularidade formal que em nada afetou as relações patrimoniais do casal, tendo adquirido e vendido ao longo do casamento diversos bens móveis e imóveis sempre em conjunto, totalmente convencidos de que o faziam para o património comum do casal.
4 – Nunca em momento algum o falecido ex-marido da cabeça de casal colocou em causa que o regime de bens adotado e querido pelas partes fosse outro que não o da comunhão de adquiridos (como, aliás, consta da certidão – sem convenção antenupcial).
5 - Não o tendo em vida feito carece o irmão, agora instituído seu único e universal herdeiro, de legitimidade para o fazer visto ser um direito pessoal e intransmissível daquele, até por em vida não se falarem.
6 - Se o processo de casamento não foi precedido da tramitação do processo preliminar de publicações não foi por culpa dos nubentes devendo-se certamente a lapso ou esquecimento do falecido MM, ou de algum funcionário consular a menos que estivesse consciente da sua falta e das consequências que daí resultavam para o regime de bens com a imperatividade da separação de bens com o intuito de enganar a cônjuge, (o que esta não acredita) convencendo-a que o regime escolhido, querido e adotado era o da comunhão de adquiridos, facto que esta desconhecia de todo, face à vivência do casal,
7 - O que, a suceder, sempre integraria a figura da reserva mental, com o MM a declarar e a fazer crer à cabeça de casal, então nubente, que o regime era o da comunhão de adquiridos, quando na realidade o que sabia e queria era o da separação de bens, (n.º 1 do art.º 244.º do Código Civil),
8 - Tendo nesse caso a reserva mental os mesmos efeitos que a simulação (n.º 2 do art.º 244.º do Código Civil), ou seja, a declaração da sua nulidade, invocável a todo o tempo, com efeito retroativo, determinando que o casamento fosse celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos tal como querido e feito crer à cabeça de casal, então nubente (vide art.ºs 244.º 2.º, 240.º, 2.º, 286.º e 289.º n.º 1 todos do Código Civil), sempre sem prescindir de que tal questão transitou em julgado no supra referido Processo Comum n.º …/20.4 T8 PDL.
9 – Assim não o tendo entendido, a sentença proferida violou entre outros o disposto nos art.ºs 1720.º n.º 1. a) do Código Civil, 1082.º e 1133.º n.º 1 do CPC e 244.º, 286 e 289º/1 todos do Código Civil.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente por provado e por via dele ordenar-se a prossecução dos ulteriores termos do processo.
O apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida, e formulou, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
a) O falecido marido da recorrente nunca agiu de má fé ou com reserva mental nem teve lapsos ou esquecimentos.
b) A recorrente litiga com má fé, pois quer ser casada sob regime de comunhão de bens em Portugal, para comungar do apartamento, pago com a herança do ex-marido mas quer ser casada sob o regime de separação de bens na América, onde ambos têm uma casa inteiramente paga pelo irmão do recorrido mas que ela colocou apenas no seu nome e reivindica só para si, alegando a legislação americana que supostamente a protege.
c) Mas o seu casamento, por força da lei, foi efetuado sob o regime imperativo de separação absoluta de bens, como bem decidiu a douta decisão recorrida em obediência ao artigo 1720.1, alínea a) do Código Civil.
d) A invocação de caso julgado é aqui, salvo o devido respeito, impertinente, pois refere-se a outro processo, em que se ignorava o regime imperativo da separação de bens e tinha diferente causa de pedir.
e) A ausência de publicações nunca é uma irregularidade formal e o irmão do recorrido, como cônsul de Portugal sabia perfeitamente disso e certamente o disse à recorrente pois era uma pessoa estruturalmente séria e nunca suspeitou que ela se quisesse apropriar dos dois imóveis que de má fé e às escondidas do ex-marido colocou, o da América em seu nome, mas não se esqueceu de pôr a dívida hipotecária em nome dele!
f) Insiste-se, não há aqui caso julgado, pois as questões em causa nos dois processos são diversas: num, a propriedade do imóvel por ter ou não sido adquirido com bens da exclusiva propriedade do irmão da recorrida (originários da herança dos pais, no pressuposto então pacífico de que o casamento fora celebrado em regime supletivo de comunhão de adquiridos) e outra, é a partilha de bens comuns, sendo que aquele, por imperativo legal, é celebrado em regime de separação de bens (artigo 1720.1, alínea a) do Código Civil), sem direito a exceções para precaver interesses materiais importantes, só assim salvaguardáveis. Outra solução ludibriaria a intenção do legislador e a da lei (mens legislatoris e mens legis!).
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), as questões a decidir são:
a) da falta de processo preliminar de publicações – consequências, regime de bens;
b) da verificação de reserva mental;
c) da verificação de caso julgado.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante é a constante do relatório, bem como a seguinte que resulta dos autos:
1- Do assento de casamento nº x de 1991, lavrado no Consulado de Portugal em Durban, República da África do Sul, junto a fls. 31vº/32, consta que MM, de 48 anos, solteiro, natural da freguesia de São Sebastião, concelho de Ponta Delgada, e residente em Durban, República da África do Sul, e AF, de 40 anos, divorciada, natural da freguesia de São José, concelho de Ponta Delgada, residente em Durban, República da África do Sul, declararam celebrar de livre vontade o seu casamento às 14h30 do dia 31.10.1991, no Consulado de Portugal em Durban, tendo realizado “Casamento civil ------ (d) convenção antenupcial com observância do nº 2 do art.º 1699 do Código de Registo Civil”.
2- No referido assento de casamento constam, a final, as seguintes “Observações: … (d) Com ou sem convenção, identificando o respetivo documento, havendo-o; se o regime de bens for imperativo, far-se-á menção com a indicação da disposição legal que o impõe. …”.
3- Por sentença proferida em 25.8.2018, no P. nº …/16.5T8PDL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada, Juiz 2, transitada em julgado, foi declarado dissolvido o casamento entre MM e AF, com efeitos à data da propositura da ação (28.11.2016).
5- Em 10.3.2017 faleceu MM, na freguesia e concelho de Ponta Delgada.
6- A fls. 31 dos autos mostra-se junto “Certificado” emitido pelo Consulado Honorário de Portugal em Durban, do qual consta:



7- Na CRP de Ponta Delgada mostra-se descrita sob o nº 1798/20020725 a fração autónoma correspondente ao 1º andar direito do prédio sito na Rua…, a qual se mostra inscrita, pela Ap. 18 de 2003/04/16, a favor de MM, “casado com AF no regime de comunhão de adquiridos”, por compra.
8- A fls. 55 dos autos mostra-se junta cópia da escritura de compra e venda celebrada no dia 21.10.2002, no Segundo Cartório da Secretaria Notarial de Ponta Delgada, na qual consta que a Sociedade Técnica Açoreana, Limitada vendeu a MM, “casado com AF no regime de comunhão de adquiridos”, a fração a que se alude em 7.
9- A fls. 59 dos autos mostra-se junto “Título de compra e venda e mútuo com hipoteca”, outorgado em 26.8.2013, no qual MM, “casado no regime de comunhão de adquiridos com AF”, “por si e ainda na qualidade de procurador em nome e representação da sua referida mulher AF”, venderam a M, a fração autónoma correspondente ao 1º andar direito sita na Rua …, freguesia de São Pedro.
10- AM intentou contra AF ação declarativa sob a forma comum, que correu termos sob o nº …/20.4T8PDL, no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, Juiz 1, pedindo a condenação da R., nos termos do disposto no art.º 1722º, nº 1, als. b) e c), do CC, a reconhecer que o imóvel referido em 7 pertence exclusivamente ao seu ex-marido e por sucessão e morte deste ao A., ordenando-se o cancelamento do que no registo possa constar em contrário.
11- Na ação referida em 10, veio a ser proferida sentença datada de 16.6.2021, que julgou a ação improcedente, e absolveu a R. do pedido, porquanto “nos termos do disposto no artigo 1726º, nº 1, do Código Civil, impõe-se concluir que o imóvel reveste natureza de bem comum – naturalmente, sem prejuízo da compensação devida pelo património comum ao património próprio de MM”.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO       
O tribunal recorrido julgou improcedente o pedido de partilha efetuado nos presentes autos de inventário, absolvendo o Requerido do pedido, por não existir património comum do casal a partilhar, atento o regime imperativo de separação de bens que vigora, nos termos do art.º 1720º, nº 1, al. a), do CC, em virtude do casamento ter sido celebrado sem precedência do processo de publicações.
Insurge-se a apelante contra o decidido, sustentando que a Requerente e o ex-marido quiseram casar sob o regime de comunhão de adquiridos, sempre atuaram de boa fé nessa conformidade ao longo da vida de casados, sendo alheios à falta dos procedimentos formais verificados.
Caso o seu ex-marido estivesse consciente da falta referida e das consequências daí resultantes, convencendo-a de que o regime era o da comunhão de adquiridos com o intuito de a enganar, então estaria em causa a figura da reserva mental, sendo os efeitos os mesmos da simulação, podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo, com efeito retroativo, determinando que o casamento fosse celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos.
Sem prescindir, transitou em julgado a sentença proferida no P. …/20.4T8PDL, que declarou o imóvel bem comum.
Apreciemos.
A Requerente intentou o presente processo ao abrigo do disposto nos art.ºs 1082º, al. d), e 1133º, nº 1, do CPC.
Dispõe o nº 1 do art.º 1133º do CPC, que decretado o divórcio, no que ora importa, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha de bens comuns.
Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa [1], no CPC Anotado, Vol. II, pág. 628, “O inventário aqui previsto tem como pressupostos: a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges por um dos fundamentos referidos; um regime de bens diverso do da separação (já que neste regime não existe acervo comum do casal); a inexistência de acordo quanto à forma de efetuar a partilha, incluindo as situações de ausência do ex-cônjuge em parte incerta ou da sua incapacidade de facto para outorgar a partilha. Nos termos do art.º 1689º, nº 1, do CC, cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património. O inventário visa pôr termo à comunhão de bens do casal, devendo o cabeça de casal relacionar os bens comuns existentes à data em que se consideram cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, sendo previamente separados os bens próprios de cada um (…).”.
Também o art.º 1082º, al. d), do CPC, estatui que o processo de inventário cumpre, entre outras, a função de partilhar bens comuns do casal.
Conforme resulta dos preceitos mencionados, só há lugar a inventário se existirem bens comuns do casal, tendo em conta o regime de bens que vigorou no casamento, mais concretamente se entre os cônjuges vigorou o regime de comunhão de bens ou o regime de comunhão de adquiridos – art.ºs 1724º e 1732º do CC.
Tendo vigorado o regime de separação de bens, inexistem bens comuns do casal (art.º 1735º do CC), sem prejuízo de existirem bens comuns (em compropriedade), caso em que, pretendendo um dos membros do casal pôr termo à comunhão, deve lançar mão da ação de divisão de coisa comum (art.ºs 1403º e 1412º do CC, e 925º e ss. do CPC), mas não do processo de inventário (neste sentido, cfr. o Ac. da RL de 26.1.2017, P. 169/13.4TMFUN.L1-2 (Maria José Mouro), em www.dgsi.pt).
Nesta conformidade, estamos em fase liminar para aquilatar da admissibilidade do presente processo de inventário.
Dispunha o art.º 1610º do CC na redação em vigor à data da celebração do casamento entre a Requerente e MM (1991) [2] que “A celebração do casamento é precedida de um processo de publicações, regulado nas leis do registo civil e destinado à verificação da inexistência de impedimentos[3], que, não sendo efetuado, conduzia à aplicação do regime imperativo da separação de bens, nos termos do art.º 1720, nº 1, al. a), do CC [4].
À data, o processo (preliminar) de publicações encontrava-se regulado no art.º 164º e ss. do CRCivil aprovado pelo DL. nº 51/78, de 30.03, alterado pelo DL nº 379/82, de 14.09 [5], e (tal como hoje) compreendia várias fases: iniciava-se com a “declaração para casamento” em documento assinado pelos nubentes (art.ºs 165º e 166º), instruída com a documentação exigida (art.º 167º), eram afixados editais a publicitar a pretensão dos nubentes (art.º 171º), o conservador efetuava diligências para averiguar a identidade e capacidade matrimonial dos nubentes (art.º 175º), o conservador proferia despacho final (art.º 176º), e, caso fosse favorável, o casamento devia celebrar-se nos 90 dias seguintes (art.º 177º).
Nos termos do disposto no art.º 1615º do CC (na redação em vigor à data da celebração do casamento) [6], “A celebração do casamento é pública e está sujeita às solenidades fixadas na lei de registo”, ou seja, e no que ora importa, as fixadas no art.º 187º e ss.
Sendo o casamento um ato objeto de registo (art.º 1º, al. d)), é lavrado por meio de assento (art.º 62º, nº 1), contendo os elementos mencionados no art.º 217º, entre os quais o previsto na al. f) do nº 1 - “A indicação de o casamento se ter celebrado com ou sem convenção antenupcial e a referência à respetiva escritura ou a indicação do regime de bens, se for imperativo, com menção desta circunstância” -, o qual é lavrado e assinado logo após o ato solene de celebração (art.º 216º), e é lido, em voz alta, pelo funcionário do registo civil, imediatamente após ser lavrado, perante os intervenientes no ato da celebração do casamento (art.º 218º).
Depois de assinados, os assentos não podem ser alterados (art.º 77º), podendo, porém, ser retificados nos termos do art.º 115º, podendo a retificação averbada ao assento ser, a todo o tempo, integrada no assento, a requerimento dos interessados, mediante a feitura de novo registo e cancelamento do anterior (art.º 116º).
Nos termos do art.º 12º, nº 1, al. a), excecionalmente, os agentes diplomáticos e consulares portugueses em país estrangeiro podem desempenhar funções de registo civil, estatuindo o nº 2 que “Os atos praticados no uso de competência de que gozam os órgãos especiais do registo civil devem obedecer ao preceituado neste Código, na parte aplicável.”.
Estatuía o art.º 195º que o casamento contraído no estrangeiro entre dois portugueses podia ser celebrado, pela forma estabelecida no código, perante os agentes diplomáticos ou consulares, em consonância com o disposto no art.º 51º, nº 2 do CC.
E o art.º 196º dispunha que “O casamento previsto no artigo anterior deve ser precedido do processo de publicações organizado, nos termos dos artigos 164º e seguintes, pelos agentes diplomáticos ou consulares portugueses, ou pela Conservatória dos Registos Centrais, a menos que seja dele dispensado pela lei civil”, também em consonância com o disposto no art.º 51º, nº 2, do CC, na redação vigente à data [7].
O casamento celebrado no estrangeiro entre dois portugueses é registado no livro próprio do consulado competente, por inscrição se celebrado perante agente diplomático ou consular (art.ºs 222º, nºs 1 e 2, e 64º, al. d)), como foi o caso, nos termos dos art.ºs 216º e ss., ou seja, contendo os elementos mencionados no art.º 217º, entre os quais o previsto na al. f) do nº 1 (“A indicação de o casamento se ter celebrado com ou sem convenção antenupcial e a referência à respetiva escritura ou a indicação do regime de bens, se for imperativo, com menção desta circunstância.”), o qual é lavrado e assinado logo após o ato solene de celebração (art.º 216º), e é lido, em voz alta, pelo funcionário do registo civil, imediatamente após ser lavrado, perante os intervenientes no ato da celebração do casamento (art.º 218º).
Nos termos dos art.ºs 1º, als. d) e e), e 2º, nº 1, o casamento, “as alterações do regime de bens convencionado ou legalmente fixado”, “e, bem assim, os [factos] que determinem a modificação ou extinção de qualquer deles, constarão obrigatoriamente do registo civil, desde que respeitem a cidadãos portugueses”.
E salvo disposição em contrário, os factos cujo registo é obrigatório, não podem ser invocados [8], quer pelas pessoas a quem respeitem, ou seus herdeiros, quer por terceiros, enquanto não for lavrado o respetivo registo (art.º 3º).
Seabra Lopes, em Direito dos registos e do notariado, 5ª ed., pág. 39, escreve que “…, o registo goza da presunção legal da veracidade e de autenticidade e, consequentemente, da presunção legal da verdade da situação jurídica resultante dos factos inscritos.”.
Estabelecia o art.º 4º que “1. A prova resultante do registo civil quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas ações de estado e nas ações de registo. 2. Os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo, sem que seja pedido o cancelamento ou a retificação dos assentos e averbamentos que lhes correpondem.”.
Por seu turno, estabelecia o art.º 5º que a prova dos factos sujeitos a registo obrigatório só pode ser feita pelos meios previstos no Código, isto é, pelos previstos no art.º 261º, no caso por meio de certidão que obedeça aos requisitos enunciados no art.º 262º e ss.
Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 6º, os atos de registo dos agentes diplomáticos e consulares podem provar-se mediante certidão extraída desses atos.
Analisando a certidão do assento de casamento lavrada no Consulado de Portugal em Durban, República da África do Sul, celebrado entre a Requerente e MM em 31.10.1991 (a fls. 31vº/32), verifica-se que no local onde constam os dizeres “Casamento civil ------ (d) convenção antenupcial com observância do nº 2 do art.º 1699 do Código de Registo Civil”, não foi feita a menção [9] de que o casamento se celebrava sob o regime imperativo de separação de bens ao abrigo do art.º 1720º, nº 1, al. a), do CC, antes se tendo feito referência ao nº 2 do art.º 1699º do CC (que por lapso se referiu como sendo do CRC) que apenas proíbe a estipulação do regime de comunhão geral nos casamentos celebrados por quem tenha filhos, ainda que maiores ou emancipados, como seria, possivelmente, o caso, tendo em vista que a Requerente era divorciada.
E não obstante na certidão emitida em 14.9.2021 (ponto 6 da fundamentação de facto) o consulado de Durban ateste que o casamento entre a Requerente e MM não foi precedido do processo preliminar de publicações, o que é um facto é que não foi efetuada por aquele consulado a retificação do assento de casamento, com o averbamento do regime imperativo de bens por força do disposto no art.º 1720º, nº 1, al. a), do CC, como devia ter sido feito, atento o disposto no art.º 115º, nº 6 [10].
Nem consta dos autos que tenha sido requerida tal retificação, pelo que é ao constante do registo, certificado pela certidão do assento de casamento, que se tem de atender.
Ora, o que resulta da análise do assento de nascimento é que o regime de bens que vigorou entre os cônjuges foi o da comunhão de adquiridos, em consonância, aliás, com o declarado pelos cônjuges (mais precisamente, pelo cônjuge falecido) nas suas relações contratuais (pontos 8 e 9 da fundamentação de facto) com terceiros.
Em conclusão, merece procedência a apelação (embora não pelos fundamentos invocados), devendo revogar-se a decisão recorrida, prosseguindo seus termos o processo.
As custas da apelação são a cargo do apelado, por ter ficado vencido – art.º 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, devendo prosseguir seus termos o processo.
Custas pelo apelado.
*
Lisboa, 2023.05.02
Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
_______________________________________________________
[1] Este último subscreve o presente acórdão como 2º adjunto.
[2] Antes das alterações introduzidas pelo DL nº 324/2007, de 28.09.
[3] Apenas sendo dispensado em caso de casamento católico in articulo mortis (art.º 1599º do CC), ou casamento civil urgente (art.º 1622º do CC).
[4] Como escrevem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, no Curso de direito da família, Vol. I, Introdução, Direito Matrimonial, 4ª ed., págs. 476/477, “A regra do art.º 1720º, nº 1, al. a), que já vinha da legislação anterior, aplica-se a todos os casamentos que se tenham celebrado sem precedência do processo preliminar de casamento, quer aos que assim se tenham celebrado legalmente, trata-se de casamentos católicos (art.º 1599º) ou civis (art.º 1622º), quer aos que deviam ter sido precedidos do processo preliminar de casamento mas foram celebrados, de facto, sem precedência desse processo. A solução parecerá menos justificada relativamente a estes últimos; mas o legislador terá entendido que as circunstâncias em que se celebraram legitimam, na generalidade dos casos, a suspeita de que algum dos nubentes tenha sido determinado a contrair matrimónio por interesse económico.”.
[5] Diploma a que se referirão todas as disposições legais citadas sem menção especial a outro diploma legal.
[6] Anterior à introduzida pela Lei nº 16/2001, de 22.06.
[7] Antes das alterações introduzidas pelo DL nº 324/2007, de 28.09.
[8] Como refere José Manuel Vialonga, em Eficácia e natureza jurídica do registo do casamento, na revista O Direito, ano 132, 2000, I-II (janeiro-junho), pág. 70, nota 59,“… ininvocáveis são todos os atos não registados, desde que legalmente o devam ser.”.
[9] Obrigatória à luz do disposto no art.º 217º, nº 1, al. f), e em observância à “observação” que constava na parte final do referido assento de casamento - “Observações: … (d) Com ou sem convenção, identificando o respetivo documento, havendo-o; se o regime de bens for imperativo, far-se-á menção com a indicação da disposição legal que o impõe. …”.
[10] Que dispõe que “É obrigatória a promoção oficiosa do processo de retificação de registo sempre que a irregularidade, deficiência ou inexatidão a sanar seja da responsabilidade dos serviços”.