Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4785/21.2T8ALM.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
DIMINUIÇÃO DE RISCO EMPRESARIAL
POLÍTICA DE EMPREGO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Os fundamentos para a contratação a termo previstos no n.º 4 do artigo 140.º do CT, assentam em razões de diminuição de risco empresarial e de política de emprego e, por isso, não têm de corresponder à satisfação de necessidades temporárias do empregador, nem carecem de uma correlação entre o fundamento e o prazo.
(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório

AAAs  portador do Cartão de Cidadão …, com o NIF …, residente na Rua . intentou contra BBB, sociedade comercial com o número de identificação fiscal …, com sede na …, acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento pedindo que julgando-se procedente a acção, o Réu seja condenado:
i. ao pagamento da compensação do despedimento ilícito, nos termos do artigo 391º do CT, no valor mínimo de 1.772,00€ (mil setecentos e setenta e dois euros)
ii. ao pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do artigo 390º nº 1.
iii. ao pagamento ao Autor dos créditos emergentes do contrato de trabalho, ou seja,
a. subsídio de férias referente ao ano de 2020 no valor de 1.300,00€ (mil e trezentos euros),
b. férias não gozadas referente ao ano de 2020 no valor de 1.300,00€ (mil e trezentos euros),
c. proporcionais de férias referente ao ano de 2021, no valor de 709,90€ (setecentos e nove euros e nove cêntimos)
d. subsídio de férias referente ao ano de 2021, no valor de 709,90€ (setecentos e nove euros e nove cêntimos)
e. e subsídio de Natal ao ano de 2021 no valor de 650.00€ (seiscentos e cinquenta euros)
iv. Os juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias em divida, desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento, que ascendem no presente momento a 29,65€ (vinte e nove euros e sessenta e cinco cêntimos).
Invocou para tanto, em síntese, o seguinte:
- A 01.09.2020, o Autor e a Ré celebraram um contrato de trabalho sendo atribuída ao Autor a categoria de Pintor e Bate-chapa;
- A 12.03.2021, a Ré notificou o Autor da denúncia do contrato de trabalho com efeitos a 31 de Março de 2021;
- Contudo, o Autor manteve-se a laborar, agora sob a falsa denominação de trabalhador independente, continuando a utilizar os equipamentos da Ré, a cumprir um horário por ele determinado e a auferir semanalmente o valor de €300,00;
- No dia 22 de Junho de 2021, foi comunicado ao Autor que estava dispensado;
- A actuação da Ré configura um despedimento que é ilícito por destituído de justa causa e por não ter sido precedido de processo disciplinar;
- A Ré não pagou ao Autor as últimas três semanas de trabalho, a compensação pela cessação do contrato de trabalho, nem os demais créditos laborais que reclama.
Foi proferido despacho que considerou verificada a existência de erro na forma de processo, vício que foi suprido uma vez que o Autor apresentou petição inicial, determinando-se que os autos seguissem a forma de processo comum.
Realizou-se a audiência de partes não sendo conseguida a sua conciliação.
A Ré contestou negando a existência de um contrato de trabalho com o Autor e que o contrato de trabalho junto aos autos foi elaborado  a pedido do Autor apenas com o fim de este poder solicitar um empréstimo e que em finais de Janeiro, início de Fevereiro de 2021,  como o Autor conseguiu um espaço seu para laborar e já se encontrava instalado nesse espaço, foi acordado entre o Autor e a Ré o fim do contrato de trabalho, porquanto o mesmo já não era, segundo o Autor, necessário.
Conclui invocando que cessou a sua actividade no dia 4 de Junho de 2021 e pedindo a sua absolvição do pedido.
Dispensada a convocação da audiência prévia e fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador, identificando-se o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova. 
Procedeu-se a julgamento.
Após foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
 “Por tudo quanto se deixa exposto o Tribunal decide:
a) Declarar ilícito o despedimento que o Autor foi alvo;
b) Condenar o Ré a pagar ao Autor a quantia de €1.905,00 a título de indemnização por antiguidade em substituição da reintegração quantia calculada desde o despedimento até à presente data, mas à qual acrescem valores devidos até ao trânsito em julgado da presente decisão;
c) Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença a título de compensação pelo despedimento ilícito, no valor da retribuição mensal de €635,00, quantia calculada desde 30 dias antes da entrada da ação –  3/07/2021 acrescida das quantias que se vencerem a este título até ao trânsito em julgado da presente sentença, às quais acrescem os juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, e descontadas as quantias auferidas a título de subsídio de desemprego ou a outro título legalmente estabelecidas no art.º 390º nº 2 do CT.
d) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €788,94 a título de créditos laborais, sendo €288,64 a título de proporcionais de férias; €182,80a título de proporcionais de subsídio de férias; €317,50a título de proporcionais de subsídio de natal;
e) Juros de mora vencidos desde da data do vencimento de cada prestação e os vincendos até integral pagamento;
f) Absolver a Ré do mais peticionado
Custas a cargo do Autor e Ré na proporção do decaimento (sendo Autor responsável por 59% e a Ré por 41%).
Registe e notifique.”
Inconformada com a sentença, a Ré recorreu e formulou as seguintes conclusões:
(…)
Não consta que o Autor tenha apresentado contra-alegações.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso.
Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
O Autor respondeu ao parecer acompanhando o mesmo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.º 608.º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar as seguintes questões:
1.ª- Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
2.ª- Se o termo aposto no contrato de trabalho é válido e é verdadeiro o motivo que nele foi invocado e, consequentemente, se é válida a cessação do contrato operada pela Ré.
Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. Autor e o Réu celebram um escrito denominado “Contracto de Trabalho a Termo Resolutivo” a 01 de setembro de 2020, com a categoria de Pintor e Bate-chapa, conforme documento de fls7, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Do referido escrito consta, na sua cláusula 3.ª “O presente contrato a termo resolutivo é celebrado nos termos do art.º 140.º, n.º 4, al. a) do CT, e funda-se no início de estabelecimento e da actividade da empresa”
3. O Autor auferia de vencimento base 635,00€, auferindo o subsídio de férias e de natal em duodécimos.
4. O Autor exercia a sua atividade no local de trabalho pertença do Réu.
5. Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados (pistola de pintar, lixadeira, espátulas, blocos de lixar, tintas, martelos etc) pertenciam ao Réu.
6. O Autor observava um horário de início e de termo da sua prestação determinado pelo Réu, das 9h às 13h e das 14h às 18h.
7. Com data de 12 de março de 2021 o Réu comunicou ao Autor a caducidade do contrato de trabalho conforme comunicação junta a fls.8v, e que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
8. O Autor recebeu os valores processados nos recibos de vencimento de fls. 9 e 10, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
***
Foram considerados não provados os seguintes factos:
1. Na verdade, o Réu pagava 1.300,00€ por conta da venda da sua força de trabalho, no âmbito da organização e sob autoridade, ou seja, ainda que declaração para efeitos dos descontos legais 635.00€.
2. Pagava por cada dia de trabalho 60,00€ (sessenta euros) o que perfazia 300,00€ (trezentos euros) semanais.
3. O Autor manteve-se a laborar após março de 2021 no local de trabalho pertença ao Réu.
4. Após março de 2021 era pago ao Autor 300,00€ (trezentos euros) semanais, i.é, a periodicidade e a quantia eram certas como contrapartida da prestação de trabalho.
5. No dia 22 de junho de 2021, o Autor foi chamado ao gabinete para lhe ser comunicado que estava dispensado, realizando um telefonema para o contabilista a solicitar o pagamento.
6. Autor e Réu conhecem-se desde o ano de 2018, sendo que o Réu tinha uma ligação de amizade bastante estreita com o Senhor (…), tio do Autor, tendo o Senhor … falecido no dia 1 de junho de 2020.
7. Face a essa estreita amizade havida entre o Réu e o tio do autor e como este, face ao falecimento do tio, pessoa com quem sempre laborou, desconhece-se a que titulo, ficou sem local para exercer a sua atividade de pintura e preparação de veículos automóveis com a morte do tio.
8. Tal como supra se referiu, o Réu BBB, atendendo à longa amizade existente com o tio do autor, e uma vez que este ficou sem local para exercer a sua atividade, não o quis deixar desamparado e ofereceu-se para ajuda-lo, de modo que o mesmo pudesse continuar a exercer a sua actividade nas instalações do réu, até que o autor conseguisse ter condições para possuir o seu próprio negócio, tendo cedido ao mesmo, acesso às suas instalações e a algumas ferramentas.
9. Tal ocorreu após o falecimento do tio do autor, tendo sido transportados vários veículos que se encontravam nas instalações do tio do autor para as instalações do réu, para que o autor pudesse terminar o trabalho, nas viaturas, uma vez que já havia recebido o dinheiro dos clientes, tendo o autor reparado e entregue as viaturas aos seus clientes, nunca tendo entregue qualquer quantitativo monetário ao ora Réu.
10. Desde o dia 1 de Junho até ao final do mês de Agosto de 2020, o autor sempre utilizou o espaço e as ferramentas cedidas pelo réu para trabalhar para os seus próprios clientes.
11. Sendo, certo que quando o BBB, ora réu, tinha carros de clientes seus para pintar era combinado um preço entre ambos, preço este inferior ao preço que o autor efetuava para os
demais clientes, tendo sempre em atenção que o BBB o havia ajudado quando necessitou e continuava ajuda-lo, uma vez que nunca lhe cobrou qualquer renda pela utilização dos materiais e do espaço, cumpre também referir que grande parte do tempo, pelo menos até finais de Janeiro do presente ano, o autor trabalhou com as suas pistolas de pintar e não com as do Réu.
12. Tanto mais que, bem sabe a Senhora … que, todos os veículos que se encontravam para pintar na oficina do Senhor …, seu falecido marido, foram levados para a oficina do BBB, o qual nunca cobrou qualquer quantia, nem pelo reboque, nem pelo depósito das viaturas.
13. Em meados do mês de Agosto de 2020 o autor solicitou ao réu que elaborasse um contrato de trabalho para poder solicitar um empréstimo, uma vez que só com um contrato de trabalho a entidade financeira lhe concederia um crédito.
14. Mais uma vez, o réu acreditando no autor e tendo em atenção a amizade que tinha pelo seu falecido tio, cedeu e efectuou, tal como lhe foi solicitado o referido contrato de trabalho.
15. Em finais de janeiro, início de fevereiro de 2021, o autor finalmente conseguiu um espaço seu para laborar, sito na Rua …, tendo então começado a levar para tal local diversos materiais, adquiridos aos fornecedores do Réu, tais como rolos de papel, Kits de verniz, aparelho, fitas isoladoras de papel, etc, tendo nessa data levado também as suas pistolas para poder exercer a actividade naquele local.
16. Como já se encontrava instalado no seu espaço, foi acordado entre Autor e Réu, o fim do contrato de trabalho, porquanto o mesmo já não era, segundo o Autor, necessário.
Fundamentação de direito
Comecemos por apreciar se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto
Em suma, improcede a impugnação da matéria de facto.
Apreciemos, agora, se o termo aposto no contrato de trabalho é válido e é verdadeiro o motivo que nele foi invocado e, consequentemente, se é válida a cessação do contrato operada pela Ré.
Depois de concluir que entre o Autor e a Ré vigorou um contrato de trabalho e debruçar-se sobre a contratação a termo, escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“Nos presentes autos cumpre verificar, à luz dos preceitos legais supra mencionados, a validade dos contratos a termo celebrados e as vicissitudes ocorridas.
O primeiro contrato de trabalho a termo certo foi celebrado por forma escrita, com a duração de seis meses, e com o expresso fundamento constante da factualidade provada.
O fundamento em causa, embora não expressamente referido, poderia inserir-se na al. a), do n.º 4, do art.º 140.º, do Código do Trabalho:
“a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos;”
No que se refere ao aspeto formal – a indicação concreta do termo – a cláusula 1.ª do contrato refere apenas “início de estabelecimento e de atividade de empresa”.
Na apreciação da fundamentação do termo dir-se-á que a única omissão será uma concreta correlação com o período pelo qual o termo é aposto – 6 meses. De facto, a cláusula não faz qualquer referência a data de início ou fim do projeto. Ainda que sendo uma nova atividade e a título experimental não prevê prazo para avaliação da viabilidade da mesma.
Mas, para além da sua enunciação formal, cabia à Ré provar a efetiva verificação das condições que justificaram a aposição dos termos (art.º 140.º, n.º 5).
Ora, no caso em apreço a Ré não logrou demonstrar que a atividade correspondia a algo novo, que o Autor tenha sido contratado para efetivamente ser afeto a essa nova atividade, nem se verificou, uma efetiva nova empresa.
Assim, terá de se considerar que não logrou a Ré demonstrar o fundamento fatual para aposição do termo.
Concluindo-se pela nulidade da estipulação do termo, cfr art.º 147.º, do CT o contrato passará, então, a não ter termo, perdurando ilimitadamente.
Veio a R. pôr fim à relação contratual por via da caducidade que a seu ver operou.
Ora, do que acabamos de deixar expresso, o contrato era a tempo indeterminado pelo que a atitude da R., ao agir como agiu consubstancia um despedimento ilícito, cfr. art.º 381.º, al. c), do CT.”
Sustenta a Recorrente, em resumo, que o Tribunal a quo apenas atendeu ao disposto na cláusula 3.ª olvidando o que refere a cláusula 4.ª do contrato de trabalho, que a Ré era apenas uma empresa de reboques e posteriormente veio a adicionar um novo CAE que permitia as reparações de veículos e pintura dos mesmos, o que era do conhecimento do Autor, que concordou com os termos do contrato e que só por tal motivo é que em toda a sua PI nunca se refere a qualquer nulidade da cláusula e do termo do contrato.
Contudo, sem invocar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (vício que não é de conhecimento oficioso), invocou ainda a Recorrente que tanto o trabalhador como o país e todo o universo, sabiam das circunstâncias excepcionais que atravessava o país e a Ré em início de actividade e com um novo estabelecimento, sendo certo que o facto de ter vertido no contrato de trabalho os factos constantes das cláusulas 3.ª e 4.ª, tal invocação é suficiente para que se reconheça da validade da estipulação do termo, bem como é verdadeiro o motivo justificativo indicado no contrato, pelo que é válida a cessação do contrato de trabalho por caducidade.
 Termina invocando que cumpriu todas as obrigações e justificou suficientemente o termo aposto no contrato, pelo que apenas são devidas ao Autor as verbas constantes das alíneas d) e c) do dispositivo, mas não as demais verbas em que foi condenada.
Vejamos:
Antes de mais, importa referir que, pondo a Recorrente em causa a existência do despedimento do Autor, certamente por lapso aceita que é devida aos Autor a verba da al. c) do dispositivo, na medida em que esta respeita à compensação devida pelo despedimento.
Autor e Ré celebraram um contrato de trabalho a 01 de Setembro de 2020 e, mediante comunicação de 12.03.2021, a Ré comunicou ao Autor a cessação do contrato por caducidade com efeitos a 31.03.2021.
Da cláusula 3.ª do referido contrato de trabalho fizeram as partes constar o seguinte:
“1. O presente contrato de trabalho a termo resolutivo tem início a 01.09.2020 e termo em 31.03.2021, se não for renovado nos termos da lei.
2.O presente contrato a termo resolutivo é celebrado nos termos do artigo 140.º n.º 4 a) do CT, e funda-se no início de estabelecimento e da actividade da empresa.”
E nos termos da cláusula 4.ª, “O 2.º outorgante declara ter conhecimento e aceitar as circunstâncias excepcionais e temporárias que justificam a respectiva aposição de termo certo.”
O artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, inserido no Capítulo III (Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores), sob a epígrafe “Segurança no emprego” dispõe:
“É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.”
Como corolário desta garantia, a celebração de contratos a termo tem carácter excepcional, sendo admitida apenas nos estritos termos previstos na lei laboral, obrigando à justificação do termo e à observância de prazos de duração mínima e máxima para a sua execução.
E quanto à justificação do termo, estatui o artigo 141.º n.º 1 al. e) do CT que o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo.
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.”
Como escreve João Leal Amado, na obra “Contrato de Trabalho”, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 100 “Note-se ainda que, segundo o nº 3 do artigo 141º, «a indicação do motivo justificativo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado» A lei impõe, portanto, que o documento contratual seja revelador, que não seja vago ou opaco, que permita um controlo externo da situação – e este especial ónus de transparência e de veracidade recai sobre o empregador, como decorre do nº 1 al. c) do artigo 147º”
Com efeito, como se afirma no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2008, relatado pelo Exmo. Conselheiro Pinto Hespanhol, in www.dgsi.pt
“1- A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, donde resulta que o contrato se considera celebrado sem termo, ainda que depois se venha a provar que na sua génese estava uma daquelas situações em que a lei admite a celebração de contratos de trabalho a termo.
2- Isto significa que só podem ser considerados como motivo justificativo da estipulação do termo os factos constantes na pertinente cláusula contratual.
(…)”.
Este entendimento é reafirmado no Acórdão do mesmo Tribunal de 02.12.2013, relatado pelo Exmo. Conselheiro Gonçalves Rocha, igual pesquisa e em cujo sumário se escreve: “I- Devendo o contrato a termo constar de documento escrito, a indicação do motivo justificativo da sua celebração constitui uma formalidade “ad substantiam”, pelo que a sua insuficiência não pode ser suprida por outros meios de prova.
II- Ocorre a invalidade do termo se o documento escrito transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, que têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme prescreve o artigo 147º, nº 1, alínea c) do Código do Trabalho /2009.
(…)”.
E se forem omitidas ou se forem insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo, a consequência é que considera-se sem termo o contrato de trabalho (art.º 147.º n.º 1 al. c) do CT.
Ora, o contrato de trabalho a termo a que se reportam os autos iniciou-se em 01.09.2020 com termo em 31.03.2021 tendo sido celebrado pelo prazo de 6 meses, renováveis.
O contrato foi celebrado ao abrigo do artigo 140.º n.º 4 al. a) e como fundamento indicou-se: “funda-se no início de estabelecimento e da actividade da empresa”
À data do início do contrato de trabalho, estatuía o artigo 140.º do CT, na versão introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 04 de Setembro:
“- O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.
2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:
a) Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar;
b) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento;
c) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição;
d) Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado;
e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;
f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;
g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;
h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, só pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação referida em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h) do número anterior.
4 - Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para:
a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos;
b) Contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração.
5 - Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto em qualquer dos n.ºs 1 a 4.”
Em anotação a esta norma (embora na redacção da Lei n.º 7/2009, de 12.02., mas cujo entendimento mantém actualidade), escrevem Luís Miguel Monteiro e Pedro Madeira de Brito, no “Código do Trabalho Anotado” de Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves Silva, 8.ª Edição, 2009, Revisto pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, Almedina pág. 382: “ V. Para além da necessidade temporária da empresa, o legislador considerou fundamentarem o recurso ao contrato a termo razões empresariais relacionadas com a diminuição do risco de determinadas actividades e motivos de política de emprego (n.º 4 do artigo em anotação). A dicotomia entre necessidades temporárias e outros fundamentos para a contratação a termo é claramente evidenciada com a separação entre os n.ºs 2 e 3 e o n.º 4 do artigo em anotação. A ela corresponde, por outro lado, diferente relação entre motivo justificativo e duração do contrato.
Na situação enunciada no corpo do n.º 1 e exemplificada nas diversas alíneas do n.º 2, exige-se a adequação da duração do contrato à subsistência da necessidade que o justifica; ou seja, o contrato não pode exceder a duração da necessidade. Este comando só pode aplicar-se, pela natureza das coisas e como reconhece a lei, aos motivos de contratação que permitam estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
Nos casos do n.º 4, os motivos que justificam a contratação a termo não fornecem prazo para esta. Com efeito, subjacentes a estas possibilidades de contratação a termo estão os referidos motivos de diminuição do risco empresarial e de política de emprego, pelo que a limitação temporal da contratação decorre não da natureza dos motivos justificativos, mas de juízo do legislador quanto à duração máxima de um vínculo precário, no caso, dezoito meses ou dois anos, respectivamente decorrentes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 148.º.
Mesmo no caso do lançamento de nova actividade, está em causa não a necessidade transitória de trabalho correspondente ao período em que é incerta a viabilidade da nova iniciativa empresarial, mas um critério temporal genérico, abstracto, aplicável a toda a vida económica, o qual apenas exige que ao lançamento de nova actividade corresponda risco empresarial. Sendo este uma das características da economia de mercado, conclui-se que o lançamento de qualquer actividade económica permite a contratação a termo, por período não superior a dois anos, agora limitada às empresas com menos de 750 trabalhadores.” 
Ainda sobre esta norma escreve-se no Acórdão deste Tribunal e Secção de 9 de Março de 2022, proferido no Processo n.º 20361/20.4T8LSB.L1, relatado pelo Exmo. Desembargador Sérgio Almeida, em que a ora relatora interveio como 2.ª adjunta:
“Estas razões não são todas equiparáveis entre si.
Com efeito, as do n.º 4 não carecem de corresponder à satisfação de necessidades temporárias do empregador, e nem de outra justificação concreta: bastam-se com a sua veracidade concreta, por corresponderem a razão de política do emprego, que o legislador entendeu suficientemente pertinentes para poderem usar esta forma de contratação.”
E como também se refere no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.05.2013, relatado pelo Exmo. Desembargador Azevedo Mendes, in www.dgsi.pt “(…) III - O fundamento de início de laboração de novo estabelecimento assenta em razões de diminuição do risco empresarial e de política de emprego e não com a satisfação de necessidades temporárias do empregador.”
E de acordo com o mesmo aresto, “Na formulação do artigo 140.° n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 (que estabelece que o “contrato a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”), mas também do n.º 1 da cláusula convencional acima transcrita que reproduz aquela, está presente a admissibilidade do contrato a termo para satisfazer as necessidades de trabalho objectivamente temporárias.
Porém no n.º 4 do referido art.º 140.º (bem como o n.º 3 da mesma cláusula transcrita) estão presentes outros interesses atendíveis: a satisfação de necessidades de trabalho de duração incerta ou de política de emprego.
Nesta medida, a justificação fundada em início de laboração de estabelecimento deve ser suficiente quando se invoque em concreto o início de laboração desse estabelecimento pertencente ao empregador, na medida em que estão em causa os interesses de diminuição do risco empresarial e de criação de emprego, já não a satisfação de necessidades temporárias ou transitórias do empregador (neste sentido, v. Ac. do STJ de 09-09-2009, proc. 09S0225, in www.dgsi.pt).”
Assim, à luz da mencionada jurisprudência, atento o teor da cláusula 3.ª n.º 2 do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré podemos afirmar que o fundamento “funda-se no início de estabelecimento e da actividade da empresa”, embora não seja perfeito, mesmo assim, é perceptível sendo, pois, suficiente para justificar a aposição do termo. Por conseguinte, não se verifica a sua invalidade. Aliás, da sentença recorrida não cremos que decorra que a invalidade do termo resultou de falta ou insuficiência de motivação. O que concluiu a sentença foi que a Ré não provou o fundamento factual para a aposição do termo, ou seja, a veracidade do termo.
Resta, então, apurar se, como invoca, a Ré provou a veracidade do motivo justificativo do termo conforme lhe é exigido pelo n.º 5 do artigo 140.º do CT.
Ora, percorrendo a factualidade provada, não se consegue extrair que estabelecimento e actividade empresarial foram iniciados pela Ré à data da contratação do Autor. Apenas sabemos que o Autor foi contratado para exercer as funções de pintor e bate chapas, o que não é suficiente para afirmarmos que a actividade iniciada foi a de pintura de automóveis.
E das cláusulas do contrato de trabalho também não se retira se a Ré já exercia as actividades de pintura e bate chapas de veículos automóveis ou se passou a exercer essa actvidade; apenas se extrai que o Autor iria exercer essas actividades e quaisquer outras que lhe fossem confiadas (cfr. cláusula 1.ª) e que a Ré tinha uma oficina.
E a afirmação da Ré de que era apenas uma empresa de reboques e posteriormente veio a adicionar um novo CAE que permitia as reparações de veículos e pintura dos mesmos não foi alegada nem ficou provada.
Por isso, acompanhamos o Tribunal a quo quando refere que “no caso em apreço a Ré não logrou demonstrar que a atividade correspondia a algo novo, que o Autor tenha sido contratado para efetivamente ser afeto a essa nova atividade, nem se verificou, uma efetiva nova empresa.
Assim, terá de se considerar que não logrou a Ré demonstrar o fundamento fatual para aposição do termo.”
E não o tendo feito, a consequência é a que resulta do disposto no artigo 147.º n.º 1 al. b) do CT e que está descrita na sentença recorrida.
Improcede, pois, a apelação, devendo a sentença recorrida ser confirmada.
Atento o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas são da responsabilidade da Recorrente.
Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em:
- Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto nos termos supra referidos.
- Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 17 de Maio de 2023
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Albertina Pereira
Decisão Texto Integral: