Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27124/19.8T8LSB.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: EMPREITADA
MORA DO EMPREITEIRO
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A omissão de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial prevista no art.º 615°/1/d, do CPCivil, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar.

II – Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.

III – No recurso de apelação para ser impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados. 

IV – Consistindo o cumprimento na realização pelo devedor da prestação a que está vinculado, este atuará ilicitamente sempre que se verifique qualquer situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo do programa obrigacional.

V – No contrato de empreitada, havendo mora do empreiteiro, o dono da obra tem a possibilidade, nos termos gerais (art.º 808º/1, do CCivil) de fixar um novo prazo para o cumprimento da obrigação, mas já não de fixar a data do começo desse cumprimento.

VI – Em princípio, não é permitido ao dono da obra intimar o empreiteiro, nomeadamente quando este estiver em mora, para iniciar ou reiniciar os trabalhos em determinada data ou dentro de certo prazo.

VII – O que o dono da obra pode e deve fazer, para sair do impasse criado pela mora do empreiteiro, é fixar-lhe um novo prazo para a conclusão da obra, sob a cominação de o contrato ser por si resolvido, caso a obra se não mostre concluída dentro desse prazo suplementar.

VIII – A declaração infundada de resolução da empreitada pelo dono da obra, equivale à desistência do dono da obra.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO[1]

Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO

 “CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA …, N.º …, LISBOA”, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra JS; ISOLFREI – ESTUDOS E EMPREITADAS DE ISOLAMENTOS E REVESTIMENTOS, LDA. e, CASA H, LDA., pedindo que:
a) Seja declarado que o contrato de empreitada foi validamente resolvido pelo Autor, por incumprimento definitivo por facto exclusivamente imputável à “Casa dos Asfaltos”;
b) Seja a 1ª Ré, JS, condenada a pagar ao Autor a quantia de 4735,42€ (quatro mil setecentos e trinta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos), relativa ao pagamento da primeira tranche com a adjudicação da execução das obras, acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal contabilizados desde 24-07-2018, no valor global de 276,11€, e vincendos, até efetivo e integral pagamento;
c) Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, nos termos do disposto no artigo 39º do C.P.C., deverão as três Rés, serem solidariamente condenadas a pagar ao Autor a quantia de 4735,42 € (quatro mil setecentos e trinta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos), relativa ao pagamento da primeira tranche com a adjudicação da execução das obras, acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal contabilizados desde 24-07-2018, no valor global de 276,11 €, e vincendos, até efetivo e integral pagamento.

Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, consequentemente, condenou a 1.ª ré a pagar ao autor a quantia de 4735,42€, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a instauração da ação até integral pagamento e, julgou totalmente improcedente a reconvenção e, consequentemente, absolveu o autor reconvindo do pedido reconvencional deduzido pela 3.ª ré reconvinte.

Inconformadas, vieram as rés, JS e, CASA H, LDA., apelar da sentença, tendo extraído das alegações[2],[3] que apresentaram as seguintes

CONCLUSÕES[4]:

a. Vem a Recorrente recorrer da sentença proferida pelo Tribunal a quo quando esta determinou a condenação da 1ª Recorrente.

b. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, a mesma não se pronuncia sobre o pedido subsidiário constante da alínea c) do pedido da Petição Inicial.

c. Uma das questões da matéria convertida, constante do ponto 1 dos temas da prova é saber com qual das Recorrentes o Recorrido celebrou o contrato de empreitada.

d. A sentença proferida pelo Tribunal a quo não se pronuncia quanto ao pedido subsidiário, ou quanto à condenação ou absolvição da 2ª e 3ª Recorrente, determinando assim a nulidade da sentença por omissão de pronuncia.

e. Também na fundamentação da sentença proferida nada é dito quanto à legitimidade ou ilegitimidade da 2.º e 3.º Recorrente, ou seja, não esclarece o Tribunal a quo qual a razão pela qual condena a 1ª Recorrente e não as restantes Recorrentes, nem tão pouco fundamenta, para além do facto de a 1ª Recorrente ser titular da marca, com quem celebrou o recorrido o contrato de empreitada

f. Assim, não só a sentença proferida é nula por omissão de pronuncia, mas também o será por falta de fundamentação.

g. Vem o Recorrido alegar que instaurou a presente ação contra três pessoas distintas, uma singular e duas coletivas, por desconhecer com certeza a entidade contratada.

h. Ora, apesar da confusão do Recorrido, verdade é que quando negociou os termos do contrato de empreitada, vem referido no orçamento que todos os materiais são propriedade da Casa H, Lda, até ao pagamento da adjudicação.

i. O Recorrido sabia com quem estava a contratar, afinal de contas, tal informação não só constava da proposta de orçamento, como na menção da entidade à qual o pagamento da adjudicação deveria ser efetuado.

j. Pagamento este que é o elemento essencial do pedido, uma vez que a causa de pedir funda-se na restituição do valor pago aquando a adjudicação.

k. Assim, o Recorrido conhecia o sujeito da relação controvertida, ou seja, a empresa com a qual celebrara o contrato de empreitada, a 3.ª Recorrente, Casa H, Lda.

l. Nomeadamente considera o Tribunal a quo que o termo do contrato resulta provado com a troca de diversos emails, constantes dos autos, nos quais consta a identificação da 3.ª Recorrente.

m. Não se concebe assim, qual o fundamento ou matéria probatória em que se funda o Tribunal a quo aquando a condenação da Recorrente.

n. O Tribunal a quo deveria dar como provado que ou o recorrido contratou com a 1ª Recorrente ou com a 2ª ou com a 3ª Recorrente, não o tendo feito.

o. Face ao supra exposto, não haverá lugar a qualquer incumprimento definitivo uma vez que a resolução não precedeu de qualquer interpelação admonitória.

p. O Recorrido também foi informado e estava consciente de que a empreitada só poderia ser considerada e formalmente adjudicada após o pagamento integral da adjudicação.

q. Todavia esse pagamento por parte do Recorrido nunca ocorreu.

r. A Recorrente não poderia iniciar os trabalhos sem a licença camararia, nem sem o dinheiro relativo à adjudicação, o qual era crucial para completar o aprovisionamento de materiais, bem como para fazer face aos custos de preparação inicial da empreitada.

s. Ora, vem o Tribunal a quo referir que eram as Recorrentes, quem tinham a obrigação de comunicar o início dos trabalhos, quando tal não fora estipulado, fazendo-se o Recorrido dessa argumentação para não pagar o valor total da adjudicação.

t. Mas bastará uma atenta apreciação dos factos e da prova produzida que não foi esse o alcance das negociações entre as partes.

u. Conforme consta de prova documental, a primeira proposta de orçamento previa um valor para adjudicação no valor correspondente a 40% do valor da empreitada e não apenas de 20%.

v. O pagamento da adjudicação é condição imperativa para que as Recorrentes iniciem os trabalhos.

w. Ora, as Recorrentes permitiram que o pagamento do remanescente do valor da adjudicação fosse pago nos 10 dias anteriores ao início da obra.

x. Bem, então se o Recorrido se vem fazer valer do prazo para início dos trabalhos de 60 dias, arguindo que as Recorrentes estariam em mora caso não iniciassem os trabalhos nesse prazo, então o mesmo valerá para o pagamento da segunda tranche da adjudicação.

y. Tal argumento verifica-se ainda mais obvio, quando se verifica a tabela de pagamentos submetidos, e a denominação do pagamento da segunda tranche da adjudicação, tem a denominação de adjudicação e não qualquer outra diferenciada, como as restantes parcelas.

z. Assim, não só a Recorrente não incumpriu com o contratado, como quem se encontra em incumprimento é o Recorrido.

aa. Assim, o Tribunal a quo retira dilações dos factos provados em 14, não tendo sido dado como provado que existia uma obrigação de comunicação prévia de entrada em obra, nem tão pouco que a falta dessa comunicação exonerava o Recorrido da obrigação de pagamento do remanescente 20% do valor da empreitada.

O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação das rés.

Colhidos os vistos[5], cumpre decidir.


OBJETO DO RECURSO[6],[7]

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por JS e, CASA H, LDA., ora apelantes, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:

1.) Saber se a sentença proferida pelo tribunal a quo é nula por omissão de pronúncia.
             
2.) Saber se a sentença proferida pelo tribunal a quo é nula por falta de fundamentação de direito.
    
3.) Saber se deve ser reapreciada a matéria de facto.

4.)  Saber se houve incumprimento contratual da apelante/ ré e, consequentemente, se foi lícita a resolução do contrato de empreitada efetuada pelo apelado/autor.


2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
              
1. A 1.ª ré é proprietária da marca “Casa dos Asfaltos”, cf. certidão do IMPI de fls. 22.

2. A 2.ª ré tem por objeto social atividade de estudos e empreitadas de isolamentos e revestimento, tendo a 1.ª ré como uma das sócias e como gerente, cf. certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 33.

3. A 3.ª ré tem por objeto social nomeadamente a construção civil, tendo a 1.ª ré como uma das sócias e como gerente, cf. certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 39.

4. No verão de 2018, o Autor, através da sua Administração, solicitou à “Casa dos Asfaltos” um orçamento para realização de obras no prédio.

5. A fls. 25-31 (doc.3), encontra-se “proposta de orçamento”, com carta de 11.6.2018, da Casa dos Asfaltos, para a Arquiteta MC, relativo a imóvel da Rua …, n.º …, “Gratos pela V/consulta, temos o prazer de submeter à V/consideração a nossa proposta para execução dos trabalhos em referência, segundo as condições abaixo e respetivas normas em anexo: “(…) Condições de pagamento: 40% com a adjudicação da obra; 40% a meio dos trabalhos; 20% com a conclusão da obra. (…). 10 – Será de V/conta: - (…) licenças camarárias (se necessário) (…) 11 – Após o pagamento da adjudicação, a desistência da execução dos trabalhos referentes à empreitada, é possível a todo o tempo, não podendo, contudo, exigir a devolução dos valores entretanto pagos, sem prejuízo do disposto no artigo 1229.º do Código Civil.” Especificando trabalhos de reabilitação total de cobertura, de €18.131,67; de impermeabilização de caleiras na casa das máquinas e guarda fogos, de €1.800,35; de impermeabilização da varanda, de €597,05; de isolamento térmico na área da casa da porteira, de €782,43.

6. O autor recebeu a “proposta de orçamento” da Casa dos Asfaltos em 11.06.2018, por email enviado pelo Eng. NM, cf. fls. 23-24, 91.

7. Em 20.6.2018, a administradora do condomínio autor, Arquiteta MC, enviou à “Casa dos Asfaltos” o email de fls. 95, com o seguinte teor: “Acuso a receção da vossa proposta de orçamento que está a merecer a nossa atenção. Relativamente ao item 10. Das condições gerais gostaríamos de saber quais as licenças necessárias.”

8. Em 22.6.2018, o Eng. NM enviou à administradora do condomínio, Arquiteta MC, o email de fls. 94 com o seguinte teor: “(…) Será necessário a licença de ocupação para montar a torre de andaime, bem como a aplicação do contentor (…)”.

9. Em 2.7.2018, 9.10 horas, a arquiteta enviou ao Engenheiro o email de fls. 93 verso: “A vossa proposta merece o nosso melhor interesse, contudo necessitamos de esclarecimentos adicionais:
- tempo previsto para a duração da realização de todos os trabalhos;
- disponibilidade para o início dos trabalhos;
- momentos ou etapas para a efetuação dos pagamentos;
- qual o isolamento térmico constante do ponto 4.1.1.;
- qual a possibilidade de ser a vossa empresa a tratar do pedido de licença de ocupação de via pública. (…)”

10. Em 2.7.2018, 18.53 horas, o Eng. NM enviou à administradora do condomínio, Arquiteta MC, o email de fls. 93 com o seguinte teor: “A previsão para execução dos trabalhos são 60 dias, podendo  aumentar devido à intempéries e outros; Estamos com uma previsão de entrada em obra de aproximadamente dois meses; O primeiro pagamento são de 40%, após este é considerado que foi feita a adjudicação, a meio dos trabalhos os outros 40% e no fim os restantes 20%. (…) Em relação ao licenciamento podemos tratar, mas por vezes são procedimentos morosos e o cliente não entende, remetemos sempre para o mesmo com a devida ajuda, mas poderemos tratar.”

11. Em 6.7.2018, a administradora do condomínio enviou ao Eng.º NM enviou o email de fls. 92 verso, com o seguinte teor: “Estamos interessados no vosso orçamento. Gostaríamos que as licenças necessárias fossem tratadas pela vossa empresa. Precisamos ter garantias da execução da obra até finais de outubro, na pior hipótese. Relativamente à adjudicação e ao pagamento inicial temos dúvidas:
- qual o tempo de espera para o início dos trabalhos; ou
- o pagamento é com o início dos trabalhos?”
 
12. Em 6.7.2018, o Eng.º NM enviou à administradora do condomínio o email de fls. 47, 92 verso, com o seguinte teor: “1. Podemos tratar das licenças, mas não nos responsabilizamos pela demora das mesmas; 2. Neste momento estamos com um prazo de entrada em obra de 60 dias após adjudicação; 3. A adjudicação é válida após pagamento dos 40%, a partir dessa data contamos os 60 dias, poderá ser antes ou depois; 4. A nível de prazo, precisamos de dois meses aproximadamente, no entanto a nível de impermeabilização de varandas terraço (embora pequeno) depende das intempéries. (…)

13. Em 16.7.2018, o Eng. NM enviou à administradora do condomínio autor o email de fls. 48, 92, com o seguinte teor: “1. Desde já as minhas desculpas pela demora. Após aprovação da administração foi cedido o que falamos:
1. Entrada em obra de 60 dias após adjudicação;
2. A adjudicação é válida após pagamento dos 20%, a partir dessa data contamos os 60 dias para entrar em obra, dez dias antes os restantes 20%. O prazo mantém-se nos dois meses, no entanto a nível de impermeabilização de varandas terraço (embora pequeno) depende das
intempéries. (…)”

14. A fls. 96-98, encontra-se carta de 20.7.2018, da Casa dos Asfaltos, assinada, para a Arquiteta MC, acerca do imóvel da Rua …, n.º …, “Gratos pela V/consulta, temos o prazer de submeter à V/consideração a nossa proposta para execução dos
trabalhos em referência, segundo as condições abaixo e respetivas normas em anexo: (…) Condições de pagamento: 20% com a adjudicação dos trabalhos; 20% 10 dias antes de iniciar os trabalhos; 40% a meio dos trabalhos; 20 % com a conclusão dos trabalhos. Notas: Após o pagamento da adjudicação, o prazo de entrada em obra é de 60 dias. (…) A título excecional a Casa dos Asfaltos irá tratar da Licença de OVP com a camara municipal. Não nos responsabilizamos pelo tempo de espera da Câmara Municipal de Lisboa. (…)”

15. Em 20.7.2018, 12.06 horas, a “Casa dos Asfaltos” enviou à administradora do condomínio autor o email de fls. 87 e verso, com o seguinte teor: “Vimos pelo presente enviar em anexo aditamento ao n/orçamento referente ao V/Prédio em epígrafe. (…)”, assinado por NM.

16. Em 20.7.2018, 15.23 horas, a administradora do condomínio autor enviou o email de fls. 87, com o seguinte teor: “Sr. Eng. NM. Considere a obra adjudicada a partir desta data. (…) Nas condições gerais continua presente a licença camarária, mas como na nota está referido o título excecional, nada há a opor ao atual orçamento. (…)”

17. A adjudicação pelo condomínio autor refere-se à carta de 20.7.2018, da Casa dos Asfaltos, cf. fls. 96-98 (14.).

18. Em 20.7.2018, 17.58 horas, o Eng.º NM enviou à administradora do condomínio autor o email de fls. 50-verso e 86-87, com o seguinte teor: “(…) Aproveito para agradecer a vossa escolha para a execução dos trabalhos. Infelizmente só podemos considerar adjudicada após pagamento, são normas da casa. (…) Para podermos prosseguir com os trabalhos irei solicitar o pagamento do valor referente à adjudicação dos mesmo, que pode ser consultado no seguinte quadro: (…) Assim sendo, o valor total da adjudicação é de 23.677,06€ (…) e o pagamento a ser efetuado será de 4.262,30€, c/iva incluído. (…)”

19. Em 23.07.2018, o autor pagou para o NIB referido pela ré, a quantia de €4.735,42, correspondente a 20% do valor total dos trabalhos, cf. fls. 52 e 51.

20. Em 3.10.2018, o autor enviou a carta de fls. 55 à Casa dos Asfaltos, que recebeu, cf. fls. 56-57, com o seguinte teor: “Exmo. Senhor, Nos termos do contrato de empreitada celebrado com essa empresa e adjudicado em 24.7.2018, ficou essa empresa obrigada a dar início à obra no prazo de 60 dias, ou seja, até ao passado dia 24 de setembro, o que até à presente data não sucedeu, pelo que essa empresa se encontra em mora. Deste modo, este condomínio concede a essa empresa o prazo de 15 dias para dar início aos trabalhos contratados, nos exatos termos em
que foram adjudicados em 24.7.2018, sob pena de, se tal não ocorrer, considerar o contrato resolvido por incumprimento dessa empresa. Com os nossos cumprimentos.”

21. Em 25.10.2018, o autor enviou à Casa dos Asfaltos a carta de fls. 62, que recebeu, cf. fls. 63, com o seguinte teor: “Exmo. Senhor, Encontra-se já ultrapassado o prazo de 15 dias concedido por este Condomínio a essa empresa através da carta que lhe remeteu em 03.10.2018, recebida pela Casa dos Asfaltos no dia 04.10.2018, para dar início aos trabalhos da empreitada adjudicada em 24.07.2018, cujo início deveria ter ocorrido até 24.09.2018. O aludido prazo de 15 dias terminou no passado dia 19 de outubro, sem que, mais uma vez, até essa data, ou até ao dia de hoje, essa empresa tivesse iniciado a obra. Acresce que este Condomínio teve conhecimento por escrito por parte da Câmara Municipal de Lisboa, que até esta data essa empresa não
apresentou sequer naquela entidade o pedido de licença de ocupação da via pública a que se obrigou, necessária à colocação dos andaimes com vista à realização da obra. Verifica-se assim que essa empresa incumpriu definitivamente o contrato de empreitada celebrado com este Condomínio, pelo que, em consequência, e pela presente carta, procedemos à resolução do
aludido contrato. Nessa medida, e nos termos legais, concedemos a essa empresa o prazo máximo de 5 (cinco) dias para devolver a este Condomínio a quantia paga por conta da empreitada no dia 24.07.2018, no montante de 4.735,42€ (quatro mil, setecentos e trinta e cinco euros e quarenta
e dois cêntimos), devolução que deverá efetuar para a conta deste Condomínio com o IBAN PT50 …. Com os nossos cumprimentos.”

22. Em 29.10.2018, a Casa dos Asfaltos enviou a carta de fls. 64 para a administração do autor, que a recebeu, com o seguinte teor:
 
Exma. Administração
Desde já acusamos a receção da vossa comunicação.
De facto, foi-nos adjudicada a realização da obra de reabilitação da cobertura e impermeabilização da cobertura do prédio sito na Rua …, n.º ….
Em primeiro lugar cumpre referir que estamos em condições de entrar em obra de imediato e temos o maior interesse na realização da obra com a qual nos comprometemos a fazer.
Já foram adjudicados todos os materiais e demais recursos necessários à boa execução dos trabalhos.
Informamos ainda que não será necessário o licenciamento de OVP para colocação de contentor de entulho uma vez que este será removido por outros meios.
Assim, solicitamos que nos indiquem o dia de entrada em obra, uma vez que conforme previamente acordado o Condomínio disponibilizará o acesso à cobertura.
Desde já nos comprometemos a executar de imediato a obra, no menor prazo possível e com o melhor desempenho.
Na expectativa de breves noticias      

23. Em 14.11.2018, a administração do autor enviou à Casa dos Asfaltos a carta de fls. 65, que a recebeu, cf. fls. 66, com o seguinte teor:

Exmo. Senhor,
Em resposta à carta dessa empresa datada de 29.10.2018, por nós recebida no dia 08.11.2018, reiteramos integralmente o teor da nossa carta de 02.11.2018.
De facto, por culpa imputada unicamente a essa empresa, que não cumpriu nem o prazo acordado para o início da obra (até 24 de setembro), entrando em mora, nem posteriormente o novo prazo concedido por este Condomínio para esse efeito (até 19 de outubro), incumpriu assim definitivamente o contrato de empreitada celebrado em julho passado.
Como sabem, face à natureza da obra, que consistia na substituição integral da cobertura do prédio, o prazo fixado para o seu início teve em consideração que a obra fosse realizada até final do verão/principio do outono, com tempo seco, o que para nós, conforme resulta dos emails remetidos a essa empresa antes da adjudicação da obra, era fulcral.
Face ao período de fortes chuvas que já se iniciou (como foi o forte temporal do passado dia 11 de novembro que causou inúmeras inundações em Lisboa) e atendendo à obra a realizar (substituição integral da cobertura do prédio), não podendo a obra adjudicada ser realizada com segurança para o prédio, isto é, sem risco de dano nomeadamente para os seus andares superiores, este Condomínio não tem neste momento já interesse na realização da empreitada.
Face ao exposto, e porque também perdemos a confiança nessa empresa, face aos seus sucessivos incumprimentos, confirmamos a resolução do contrato de empreitada comunicada por este Condomínio a essa empresa através da nossa carta de 25 de outubro de 2018.
Deste modo, está essa empresa legalmente obrigada a devolver a este Condomínio a quantia de 4.735,42€ que recebeu para dar início à obra, o que não fez, quantia que deverá ser transferida para a conta deste Condomínio com o IBAN PT50 …, o que deverá fazer impreterivelmente no prazo de 5 dias, sob pena de nos vermos obrigados a recorrer à via judicial contra essa empresa para o efeito.
Com os nossos cumprimentos.
       
24. A ré não procedeu à entrada em obra e não iniciou os trabalhos da empreitada.

25. Em 12.9.2018, a ré enviou email ao autor solicitando a assinatura e envio de documentos para ser pedida licença camarária, que o autor enviou à ré, cf. fls. 88 e verso, 117, 118, 119, 120, 121, 122.

26. Não foi emitida pela Câmara Municipal a licença para a realização de obras, que não foi requerida, conforme informação prestada em 25.10.2018, de fls. 59-60.


2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
             
27. Foi acordado entre as partes que a obra deveria ser realizada em tempo seco. Era imperioso para o autor que a obra se realizasse em tempo seco, até final de outubro. Essa condição essencial foi transmitida ao Eng. NM.

28. O autor aceitou em 20.7.2018, a proposta de orçamento que lhe havia sido remetida pela Casa dos Asfaltos em 11.6.2018, com as seguintes alterações: A Casa dos Asfaltos obrigou-se a iniciar os trabalhos no prazo de 60 dias após a adjudicação, sem pagamento de nova tranche de 20% (para além dos 20% iniciais devidos com a adjudicação).

29. Em Novembro de 2018, não era viável a realização da obra, por decorrer grande precipitação em Lisboa.

30. A 1.ª ré deu autorização à 2.ª e 3.ª rés para utilizarem a marca “Casa dos Asfaltos”.

31. Em 07/08/2018, o Autor reuniu com o engenheiro responsável pela direção da Obra, Eng.º NM e o Eng.º FO, na qual foi esclarecido o seguinte: a) O Eng.º FO que esteve presente ontem iria substituir o Eng.º NM na direção de obra. b) Após preparação de OVP a Ré iria pedir para assinar os documentos para dar entrada na CML; c) A proposta incluía a impermeabilização dos guarda-fogos, caixas de escadas e máquinas dos elevadores; d) Estão excluídas da empreitada todas as caleiras do prédio; e) Remoção do ladrilho da varanda, impermeabilização e reposição de ladrilho; f) Substituição integral do telhado com aplicação de subtelha bem como a substituição de algum barrote deteriorada, de salientar que a estrutura se estiver com deformações as mesmas não seriam alteradas;

32. Despesas da ré.

33. Proveito que a ré deixou de auferir.

34. Durante a preparação dos trabalhos a Ré encomendou os seguintes materiais e pagou os seguintes valores para a realização da obra, (Doc.8 a 11): Telha Marselha, no valor de €3.345,08; Ripa de Telhado, no valor de €1.301,34; Subtelha, no valor de €1.656,81; O que perfaz o total de 6303,23€;

35. Durante a preparação dos trabalhos, os Engenheiros designados para a empreitada efetuaram diversas deslocações, as quais se vieram a revelar desnecessárias, nomeadamente com a realização das reuniões de preparação com e sem o Autor, bem como para entrega e levantamento de licenças.

36. Em tais deslocações foram despendidas 10h de trabalho por parte de um engenheiro civil.

37. O valor hora de referência para um Engenheiro Civil é de €50,00€.

38. Tais deslocações importaram um custo de 500,00€ + IVA à Ré.

39. Refira-se ainda que a Ré se absteve de aceitar outras empreitadas, porquanto esta se encontrava em preparação e já tinha negociado a compra de materiais, bem como alocado meios humanos e técnicos para esta obra.

40. E sendo a Ré uma pequena empresa que não dispõe de muitos meios humanos e técnicos que lhe permitam fazer face a muitas obras em simultâneo é salientar que o incumprimento do Autor lhe provocou graves prejuízos.

41. A Ré deixou de auferir, em virtude da desistência da empreitada por conta do Autor, €3196,65.

42. É prática comercial da Ré ao elaborar todos os seus orçamentos contabilizar no valor global da obra o correspondente ao seu lucro, que se determina em 15% do custo global da obra. Assim, atendendo a que o valor global da obra é de 21.311,50€, 15% deste valor corresponde a €3196,65.

43. Juros vencidos.


2.3. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[8] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

      
1.) SABER SE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO É NULA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.

As apelantes alegaram que “a decisão proferida não se pronuncia sobre o pedido subsidiário constante da alínea c) do pedido da Petição Inicial”.

Mais alegaram que “a sentença determina a condenação da 1ª Recorrente sem absolver ou condenar as restantes Recorrentes do pedido subsidiário”.

Assim, concluíram que “a sentença proferida pelo Tribunal a quo não se pronuncia quanto ao pedido subsidiário, ou quanto à condenação ou absolvição da 2ª e 3ª Recorrente, determinando assim a nulidade da sentença por omissão de pronúncia”.
                        
Vejamos a questão.

Podem formular-se pedidos subsidiários. Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior – art.º 554º/1, do CPCivil.

O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art.º 608º/2/ do CPCivil.

É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – art.º 615º/1/d, do CPCivil.

A omissão de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial prevista no art.º 615°/1/d, do CPCivil, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar (incumprimento do dever prescrito no art.º 608°/2, do CPCivil).

A omissão de pronúncia está relacionada com o comando contido no art.º 608º/2, do CPCivil, exigindo ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, “excetuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras”.

São coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte.

No entanto, importa não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Diferente das questões a dirimir/decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que o constituem questões no sentido do art.º 608.º/2, do CPCivil.

In casu, o apelado solicitou ao tribunal a quo que “o contrato de empreitada fosse declarado validamente resolvido e, consequentemente, a 1ª Ré, condenada a pagar a quantia de 4735,42€ e, subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, serem as três Rés solidariamente condenadas a pagar-lhe tal quantia”.

Ora, quanto a tais pedidos, o tribunal a quo pronunciou-se ao entender que “o contrato de empreitada foi validamente resolvido e, condenou a 1ª ré a pagar a quantia de 4735,42€”.
 
O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cujas decisões esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art.º 608º/2 ex vi do art.º 663º/2, ambos do CPCivil.

Do princípio de que a sentença deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes excetuam-se aquelas cujas decisões esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assim, por exemplo, se o tribunal se declara incompetente para conhecer do pedido, em razão da matéria ou da hierarquia, não faria sentido que na sentença se pronunciasse ainda sobre as questões levantadas pelas partes quanto ao mérito da causa[9].
     
Ora, o pedido subsidiário só deve ser tomado em consideração no caso de não proceder um pedido anterior (art.º 554º, do CPCivil).

Assim, tendo a 1ª ré sido condenada a pagar ao apelado a quantia de 4735,42€, isto é, sendo procedente o pedido principal, mostrava-se prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário constante da alínea c).
 
Temos, pois, que o tribunal a quo ao conhecer das questões suscitadas (resolução do contrato e condenação da 1ª ré) pelo apelado (questão diversa é saber se a motivação é incompleta, deficiente ou errada), não padece a decisão recorrida da nulidade prevista no art.º 615°/1/d, 1ª parte, do CPCivil.  

Concluindo, a omissão de pronúncia, referida no art.º 615º/1/d, do CPCivil, só acontece quando o julgador deixe por resolver questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras.

Nestes termos, é manifesto que a decisão recorrida não padece da nulidade prevista no art.º 615°/1/d, 1ª parte, do CPCivil.    

Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões b) a d), do recurso de apelação.

  
2.) SABER SE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO É NULA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

As apelantes alegaram que “na fundamentação da sentença nada é dito quanto à legitimidade ou ilegitimidade da 2.º e 3.º Recorrente, ou seja, não esclarece o Tribunal a quo qual a razão pela qual condena a Recorrente e não as restantes Recorrentes, nem tão pouco fundamenta, para além do facto de a Recorrente ser a mera titular da marca”.

Assim, concluíram que “Não se provando sequer que a titular da marca tenha tido qualquer tipo de intervenção quer no processo negocial, quer no decurso do tempo que mediou a adjudicação e a resolução do contrato, a sentença proferida é nula por falta de fundamentação”.

Vejamos a questão.

As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas – art.º 154º/1, do CPCivil.

É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão artigo 615º/1/b, do CPCivil.

O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos – art.º 613º/3, do CPCivil.

Hoje, o preceito constitucional impõe o entendimento de que só o despacho de mero expediente não carece, por natureza, de ser fundamentado, outro sendo o caso de toda a decisão que, direta ou indiretamente, interfira no conflito de interesses entre as partes[10].

Só é operante a nulidade da decisão, por falta de fundamentação jurídica da decisão, quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão[11].

Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito[12].

A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afetando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso[13].

Relativamente à matéria de direito, o tribunal a quo entendeu que “O autor adjudicou à Casa dos Asfaltos obras no prédio do condomínio; O autor condomínio celebrou contrato de empreitada com a Casa dos Asfaltos, para a realização de obras no prédio, cf. artigo 1207.º do Código Civil; O autor comunicou a resolução do contrato por incumprimento, através de carta de 25.10.2018, de fls. 62, enviada à Casa dos Asfaltos, que recebeu, na qual interpela a empreiteira para proceder à devolução de €4.735,42; Existe fundamento legal para a restituição da prestação realizada pelo dono de obra, ou seja, o pagamento da quantia de €4.735,42, correspondente a 20% do valor total dos trabalhos, conforme a empreiteira foi interpelada na carta de 25.10.2018; A 1.ª ré é proprietária da marca “Casa dos Asfaltos”; Pelo exposto, deve a 1.ª ré ser condenada a pagar ao autor a quantia de €4.735,42, acrescida de juros vincendos”.

Temos, assim, que a decisão proferida pelo tribunal a quo se mostra fundamentada de direito, não se podendo, por isso, afirmar-se existir falta ou insuficiência de fundamentação.

Nestes termos, estando a decisão recorrida fundamentada de direito, é manifesto que não padece da nulidade prevista no art.º 615°/1/b, do CPCivil.    

Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões e) e f), do recurso de apelação.


3.) SABER SE DEVE SER REAPRECIADA A MATÉRIA DE FACTO.

A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – art.º 662º/1, do CPCivil.

Pretendeu a Reforma de 2013, “reforçar” os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Assim, a Relação, para além de manter os poderes cassatórios (ou de anulação) da decisão recorrida decorrente de uma fundamentação indevida, insuficiente, obscura ou contraditória, passou a ver substancialmente incrementados os poderes-deveres de reapreciação fáctica, ordenado, quer a renovação (repetição) dos meios de prova pessoal, quer a produção de novos meios de prova”. Poderes esses (de utilização oficiosa), não só de caracter inquisitório, como também de carácter instrutório, em ordem ao proclamado e aludido desideratrum do alcance da verdade material[14].

Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – art.º 640º/1/b, do CPCivil.

O recorrente tem de especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida[15].

Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do CPCivil, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do mesmo código[16],[17],[18],[19].   

Nas conclusões das suas alegações, basta que o recorrente refira, de forma sintética, os pontos de facto que considera incorretamente julgados e a resposta alternativa que, em sua opinião, se impõe, não cabendo ao recorrente voltar a cumprir nessas conclusões o ónus de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem uma diversa decisão sobre aqueles pontos[20].

Vejamos se as apelantes, cumpriram os ónus de especificação/ identificação que se referem no art.º 640º/1/2, do CPCivil.

Para tanto, as apelantes alegaram que “o Tribunal a quo deveria dar como provado que ou o recorrido contratou com a 1ª Recorrente ou com a 2ª ou com a 3ª Recorrente, não o tendo feito”.

Mais alegaram que “deveria ter sido dado como provado que o Recorrido não efetuou o pagamento dos remanescentes 20% do valor da empreitada, estando em mora quanto a este pagamento”.

Ora, pretendendo as apelantes que eventualmente se proferisse decisão sobre matéria de facto, teriam que indicar os pontos de facto que consideravam incorretamente julgados.

Assim, as apelantes não cumpriram os ónus de especificação/ identificação que se referem no art.º 640º/1/2, do CPCivil, pois ao alegarem que “o Tribunal a quo deveria dar como provado que ou o recorrido contratou com a 1ª Recorrente ou com a 2ª ou com a 3ª Recorrente, não o tendo feito ou, que o Recorrido não efetuou o pagamento do remanescentes 20% do valor da empreitada”, não indicaram os pontos de facto que consideravam incorretamente julgados.
Temos, pois, que as apelantes, nas suas alegações (e nem o fazem nas suas conclusões) de recurso, não especificam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados.

Haverá, pois, de concluir que não especificando as apelantes os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, não cumpriram os ónus de especificação/identificação que se referem no art.º 640º/1/a/b/c/2/a, do CPCivil[21],[22].
          
Assim sendo, não especificando as apelantes os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, não pode esta Relação reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada.

Concluindo, nesta parte, não se conhece do recurso, pois não constam das conclusões da apelação (nem das alegações de recurso), os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, nos termos estatuídos no art.º 640º, do CPCivil[23].

Deste modo, não importa, pois, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto e que ficou consagrada no julgamento efetuado em 1ª instância, pois não se mostra verificado o condicionalismo previsto no art.º 662º/1, do CPCivil.  

Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões g) a n), do recurso de apelação.

4.)  SABER SE HOUVE INCUMPRIMENTO CONTRATUAL DA APELANTE/ RÉ E, CONSEQUENTEMENTE, SE FOI LÍCITA A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA EFETUADA PELO APELADO/AUTOR.   
 
As apelantes alegaram que “na comunicação não consta qualquer prazo admonitório para conclusão do contrato de empreitada, sendo apenas fixado um prazo para o começo dos trabalhos e não para a sua conclusão”.

Assim, concluíram que “não haverá lugar a qualquer incumprimento definitivo uma vez que a resolução não precedeu de qualquer interpelação admonitória”.

Vejamos a questão.

É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção – art.º 432º/1, do CCivil.

A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor – art.º 790º/1, do CCivil.

Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro – art.º 801º/2, do CCivil.

O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido – art.º 804º/1, do CCivil.

Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo; provier de facto ilícito ou, se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido
art.º 805º/2/a/b/c, do CCivil.

Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação art.º 8087º/1, do CCivil.             

Empreitada, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preçoart.º 1207º, do CCivil.             

O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra – art.º 1229º, do CCivil.

A empreitada, conquanto seja uma modalidade do contrato de prestação de serviço (art.º 1155º do Cód. Civil), distingue-se dos contratos de prestação de serviços não regulados especialmente na lei (os quais se regem pelas disposições sobre o mandato, nos termos do art.º 1156º do mesmo diploma) pelo seu objeto: a realização de certa obra.

Por realização de uma obra deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa[24].

A obra suscetível de constituir objeto de uma empreitada pode ser da mais diversa natureza: construção, reparação ou demolição de um edifício; construção ou reparação de uma coisa móvel; abertura ou enchimento de uma vala ou de um poço; surriba ou terraplanagem de um terreno; construção o reparação de uma estrada; dragagem de um porto; elaboração de um projeto de engenharia ou de arquitetura; tradução de uma obra literária ou científica; decoração do átrio de um edifício com painéis artísticos, etc..
Nos autos, como resulta da matéria de facto, foi celebrado um contrato de empreitada, o qual teve por objeto a realização de obras no prédio do autor, no caso, a reabilitação total de cobertura, impermeabilização de caleiras na casa das máquinas e guarda fogos e varanda e, isolamento térmico na área da casa da porteira.

Ora, o apelado, como dono da obra, fundamentou o pedido indemnizatório por ter resolvido o contrato de empreitada, por incumprimento definitivo, por facto exclusivamente imputável à “Casa dos Asfaltos”.

Assim, vejamos se o apelado/autor podia resolver o contrato de empreitada por haver incumprimento definitivo por parte da “Casa dos Asfaltos”, ou, se ainda era necessário que fosse fixado um prazo suplementar (admonitório) para o seu cumprimento.

A violação dos deveres emergentes do contrato de empreitada faz incorrer o empreiteiro em responsabilidade contratual (art.º 798º do Cód. Civil)[25],[26],[27],[28].

Efetivamente, como o empreiteiro, por virtude do contrato que o liga ao dono da obra, está obrigado a realizar uma obra, deixando de efetuar a sua prestação em termos adequados, dá-se o inadimplemento da obrigação, com a consequente responsabilidade[29].

O não cumprimento da prestação do empreiteiro será definitivo se a obra, não tendo sido realizada, já o não puder ser, por o comitente ter nela perdido o interesse (art.º 808º/1, 1ª parte), ou, por não ter sido realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo dono da obra (art.º 808º/ 1, 2ª parte).

Se a obra não foi atempadamente realizada e já não puder vir a sê-lo, na medida em que, entretanto, se tornou impossível a sua execução por causa não imputável ao empreiteiro, a situação é legalmente equiparada ao incumprimento definitivo (art.º 801º/2)).

Perante o incumprimento definitivo imputável ao empreiteiro, cabe ao dono da obra resolver o contrato e exigir uma indemnização (art.º 801º/2, do CCivil)[30].


Se a obra não foi entregue na data acordada, mas ainda pode vir a sê-lo e o dono da obra mantiver o interesse nessa prestação, há um simples retardamento ou mora[31].

Mesmo assim, o empreiteiro só entra automaticamente em mora se foi estabelecido um termo certo para a entrega da obra, pois caso contrário, a situação de mora apenas surge após a interpelação que o comitente faça, tendo em conta o prazo razoável para a execução da obra[32].

Uma vez constituído em mora, o empreiteiro ainda pode efetuar um cumprimento retardado, desde que indemnize o dono da obra dos danos causados pelo atraso (purgação da mora) [33].

Temos, pois, que a simples mora do empreiteiro na execução da obra (isto é, a não conclusão atempada da obra) não concede ao dono da obra o direito de resolver imediatamente o contrato, salvo se este já tiver perdido o interesse na realização da obra[34].

Para além dos casos em que a mora se transforma em incumprimento definitivo por perda de interesse do credor, objetivamente considerada, na efetivação da prestação, a mora do devedor apenas gerará incumprimento definitivo se a prestação não for realizada em prazo razoavelmente fixado pelo credor, nos termos do art.º 808º/1, 2ª parte do CCivil[35].

Em princípio, o dono da obra só pode resolver o contrato e exigir uma indemnização (art.º 801º/2, do CCivil) se o empreiteiro não ultimar a obra dentro daqueloutro prazo que, razoavelmente, lhe for fixado pelo dono da obra (art.º 808º/1/2ª parte, do mesmo diploma)[36].

O incumprimento definitivo ou o cumprimento defeituoso da prestação por uma das partes, em determinadas circunstâncias, permite que a contraparte, querendo, possa resolver o contrato.

Não existindo cláusula resolutiva expressa, só o incumprimento definitivo e não a simples mora faculta ao credor a resolução do contrato.

Assim, existindo incumprimento definitivo por parte do empreiteiro no que respeita à execução da obra, cabe ao dono da obra resolver o contrato.

Temos, pois, que a simples mora do empreiteiro na execução da obra não concede ao dono da obra o direito de resolver o contrato, a menos que tenha perdido o interesse no cumprimento, objetivamente considerado[37].

Concluindo, o contrato de empreitada, por razões legais, só pode ser licitamente resolvido na verificação de um dos seguintes pressupostos: nos termos gerais, desde que ocorra incumprimento definitivo do contrato ou perda de interesse, objetivamente considerado, na conclusão da obra, ou, no caso de a obra ser executada com defeito que a torne inadequada ao fim a que se destina[38].

Está provado que:

– Em 6.7.2018, o Eng.º NM enviou à administradora do condomínio um email com o seguinte teor: “2. Neste momento estamos com um prazo de entrada em obra de 60 dias após adjudicação; 3. A adjudicação é válida após pagamento dos 40%, a partir dessa data contamos os 60 dias, poderá ser antes ou depois” – facto provado 12.

– O autor enviou a carta de fls. 55 à Casa dos Asfaltos, que recebeu, concedendo-lhe um prazo de 15 dias para dar início aos trabalhos contratados, sob pena de, se tal não ocorrer, considerar o contrato resolvido por incumprimento dessa empresa – facto provado 20.

– O autor enviou à Casa dos Asfaltos a carta de fls. 62, que recebeu, comunicando-lhe que a empresa incumpriu definitivamente o contrato de empreitada, pelo que, em consequência, procede à resolução do contrato – facto provado 21.

Assim, não havendo defeitos da obra que a tornassem inadequada para o fim a que se destinava ou, perda objetiva de interesse, o apelado/autor não interpelou admonitoriamente a “Casa dos Asfaltos”, marcando-lhe um prazo razoável para suprimir a mora (caso estivesse)[39], apenas lhe concedeu um prazo para dar início aos trabalhos contratados[40],[41].

Ora, no contrato de empreitada, a lei não permite que o dono da obra intime o empreiteiro em mora para a reiniciar dentro de certo prazo. Facultou-se ao credor a designação do prazo para o cumprimento da obrigação e não para o mero começo do cumprimento[42],[43].

Temos, pois, que não é permitido ao dono da obra intimar o empreiteiro, nomeadamente quando este estiver em mora, para iniciar ou reiniciar os trabalhos em determinada data ou dentro de certo prazo[44].

O que o dono da obra pode e deve fazer, para sair do impasse criado pela mora do empreiteiro, é fixar-lhe um novo prazo para a conclusão da obra, sob a cominação de o contrato ser por si resolvido caso a obra se não mostre concluída dentro desse prazo suplementar[45].

E, no caso dos autos, haveria mora do empreiteiro, no caso, “Casa dos Asfaltos”, na conclusão da obra?

Pensamos que não.

A mora do devedor é o atraso (demora ou dilação) culposo no cumprimento da obrigação. O devedor incorre em mora, quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível[46].

Para que haja mora, além da culpa do devedor (e, consequentemente, da ilicitude do retardamento da prestação), é necessário que a prestação seja, ou se tenha tornado, certa, exigível e líquida[47].

A mora tem dois efeitos fundamentais: por um lado obriga o devedor a reparar os danos que causa ao credor o atraso culposo no cumprimento (art.º 804º, do CCivil); por outro, lança sobre o devedor o risco da impossibilidade da prestação[48].

Ora, não está provado que tenha sido estabelecido qualquer prazo para a conclusão das obras, mas tão só, a fixação de um prazo para o seu começo, isto é, o prazo de 60 dias após a adjudicação.

Assim, quando o apelado/autor concedeu à “Casa dos Asfaltos” um prazo de 15 dias para esta dar início aos trabalhos, não havia mora no cumprimento da obrigação, por não ter sido fixado prazo para a conclusão da obra[49].

Temos, pois, que não estando o empreiteiro em mora quanto à conclusão da obra, não lhe poderia ter sido marcado um prazo razoável para a suprimir, pelo simples facto de não ter sido acordado um prazo para a sua conclusão.

Por outro lado, mesmo entendendo que o empreiteiro se encontrava em mora quanto à conclusão da obra, mesmo neste caso, não podia o dono da obra, isto é, o apelado/autor, intimar o empreiteiro para iniciar os trabalhos dentro de certo prazo, no caso, em 15 dias.

Isto, porque, o que se faculta ao dono da obra é a designação de um prazo para o cumprimento da obrigação por parte do empreiteiro e não, para o começo do cumprimento.

Ora, o que o apelado/autor fez, foi intimar o empreiteiro para iniciar os trabalhos dentro do prazo de 15 dias, o que não é legalmente permitido, pois o que se faculta ao dono da obra é a designação de um prazo para o cumprimento da obrigação e não, para o começo desse cumprimento.

Concluindo, além de não haver mora do empreiteiro no cumprimento da obrigação, por não ter sido fixado prazo para a conclusão da obra, mas mesmo no caso de haver, também o apelado /autor não podia intimar o empreiteiro para iniciar os trabalhos dentro de certo prazo, pois o que se faculta ao dono da obra é a designação de um prazo para o cumprimento e não, para o começo desse cumprimento.
    
A resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato[50],[51].

A resolução caracteriza-se ainda por ser normalmente de exercício vinculado (e não discricionário), no sentido de que só pode ocorrer se se verificar um fundamento legal ou convencional que autorize o seu exercício (art.º 432º, n.º 1). Assim, se ocorrer esse fundamento, o contrato pode ser resolvido. Se não ocorrer, a sua resolução não é permitida (art.º 406º/1)[52],[53].

A inexistência ou a mera aparência de motivo válido para resolver o contrato, por um dos contraentes, determina a ilegitimidade da própria resolução efetuada[54].

Nestes termos, não ocorrendo fundamento válido para resolver o contrato de empreitada, por inexistir incumprimento definitivo do empreiteiro, foi ilegítima a resolução efetuada pelo apelado/autor.

Assim sendo, não havendo qualquer incumprimento definitivo e culposo imputável à “Casa dos Asfaltos”, não assistia ao apelado/autor a faculdade de resolver o contrato, como o fez.

Concluindo, por falta de fundamento resolutivo, foi ilegítima a resolução efetuada pelo apelado/autor[55].

Uma resolução infundada pode entender-se como conformando uma desistência[56],[57].

A desistência por parte do dono da obra corresponde a uma faculdade discricionária que não carece de fundamento nem de forma especial; o dono da obra tem a possibilidade de não prosseguir com a empreitada interrompendo a sua execução para o futuro; uma resolução infundada pode entender-se como conformando uma desistência[58],[59].

A desistência da obra é lícita, mas conduz, todavia, a uma obrigação de indemnizar. O empreiteiro é, pois, indemnizado pelo interesse contratual positivo,[60].

Destarte, procedendo o recurso de apelação, há que revogar a decisão proferida pelo tribunal a quo, no segmento decisório que condenou a 1.ª ré a pagar ao autor a quantia de 4735,42€, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a instauração da ação até integral pagamento, mantendo-se a mesma, quanto ao mais decidido. 
     

3. DISPOSITIVO
          
3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar-se a decisão recorrida no segmento decisório que condenou a 1.ª ré a pagar ao autor a quantia de 4735,42€, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a instauração da ação até integral pagamento, mantendo-se a mesma, quanto ao mais decidido.       


3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pelo apelado (na vertente de custas de parte, por outras não haver[61]), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido[62].
                    

Lisboa, 2023-05-11
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins

_______________________________________________________
[1] O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art.º 663º/2, do CPCivil.
[2] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art.º 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[3] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art.º 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.
[4] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art.º 639º/1/2, do CPCivil.
[5] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art.º 657º/2, do CPCivil.
[6] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[7] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[8] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art.º 3º/3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[9] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5º, p. 58.
[10] LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 302.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1992-01-08, BMJ, 413/360.
[12] ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 1985, p. 687.
[13] AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 48.
[14] FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 535/36.
[15] LEBRE DE FREITAS – ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Artigos 676º a 943º, volume 3º, Coimbra Editora, 2003, p. 53.
[16] A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso – AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 157, nota (333).
[17] Como resulta claro do art.º 640º, nº 1, do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. O que denega, de todo em todo, a ideia da possibilidade de prolação de um despacho de aperfeiçoamento. Manifestamente que a lei não quis impasses e tergiversações em matéria de impugnação do julgamento dos factos, impondo neste domínio rigor e autorresponsabilidade à parte recorrente. Aliás, só pode ser aperfeiçoado o ato processual da parte que, tendo sido praticado, se apresente como deficiente, obscuro ou complexo. Não o ato processual que pura e simplesmente não foi praticado – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2016-10-27, Relator: JOSÉ RAÍNHO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[18] A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c), do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art.º 640.º do CPCivil (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2015-05-26, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.
[19] Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art.º 640.º (de delimitação do objeto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes) – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[20] TEIXEIRA DE SOUSA, Blogue do IPPC, “Recurso de apelação; alegações de recurso; conclusões das alegações”.
[21] É que expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão - FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., abril de 2003, pp. 154/5.
[22] Deverá rejeitar-se o recurso em que se impugna a decisão da matéria de facto quando o recorrente, invocando embora como fundamento do erro na apreciação das provas depoimentos gravados cujas passagens relevantes transcreveu no corpo da minuta, não levar às conclusões, não apenas a indicação precisa e concreta dos factos que considera incorretamente julgados pelo tribunal recorrido, mas também daqueles que, de harmonia com os fundamentos apontados, reputa demonstrados - Ac. Rel. Coimbra de 25-05-99, proc. JTRC61/2, Relator: NUNO CAMEIRA, http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/.
[23] O recorrente não aduziu argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilidade dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente -
ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 797.
[24] PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume II, 4.ª edição, p. 865.
[25] O desrespeito pelo empreiteiro, no exercício da sua atividade, dos direitos de outrem (p. ex., direitos dos proprietários de prédios vizinhos daquele onde se executa a obra, ou direitos absolutos do dono da obra, designadamente a sua integridade física), ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios (p. ex., normas sobre a emissão de ruídos ou fumos) dá origem à responsabilidade extracontratual – PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contrato de Empreitada, p. 179.
[26] O empreiteiro, mesmo não sendo responsável perante o dono da obra, por ter apenas obedecido a qualquer ordem dele, pode responder perante terceiros lesados em consequência do defeito da obra, se não devesse ter obedecido àquela ordem – PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume II, 4.ª edição, p. 865.
[27] A mera invocação da celebração de um contrato de empreitada, eventualmente mal cumprido, não exclui, por si mesma, a possibilidade de invocação de responsabilidade civil de tipo delitual relativamente a prejuízos resultantes da má execução da obra – Ac. do STJ de 22/10/1987, BMJ 370/529.
[28]  Mesmo não havendo violação do contrato de empreitada, a inobservância pelo construtor das boas regras de construção civil, impostas por lei e conhecidas pelos construtores civis, acarreta para aquele responsabilidade civil extracontratual», e isto «mesmo que tenha sido o dono da obra a solicitar a prática dos atos em infração daquelas regras e que este tenha aceitado a obra sem reservas – Ac. do STJ de 4/2/1992, BMJ 414/442.
[29]  PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contrato de Empreitada, p. 184.
[30]  PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contrato de Empreitada, p. 185.
[31]  PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contrato de Empreitada, p. 185.
[32]  PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contrato de Empreitada., p. 185.
[33]  PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contrato de Empreitada., p. 185.
[34] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2007-09-18, Relator: TORRES VOUGA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[35] BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, II, pp. 302/405.
[36] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2007-09-18, Relator: TORRES VOUGA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[37] PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessação do Contrato, p. 569, e nota 1144.
[38] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2012-10-16, Relator: TORRES VOUGA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[39] O empreiteiro só entra automaticamente em mora se foi estabelecido um termo certo para a entrega da obra; caso contrário, a situação de mora surge após a interpelação que o comitente faça (art.º 777º/1), tendo em conta o prazo razoável para a execução da obra (art.º 777º/2) – PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações, (Parte Especial), Contratos, p. 434.
[40] O dono da obra pode resolver o contrato em caso de incumprimento definitivo do empreiteiro, motivado pelo não cumprimento no prazo fixado - Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2011-06-30, Relator: CARVALHO GUERRA, http://www.dgsi.pt/jtrc.
[41] O contrato só pode ser resolvido se o empreiteiro não ultimar a obra em prazo razoável fixado para o efeito ou se declarar expressamente que não vai realizar a obra ou se tiver conduta reveladora de uma intenção firme e definitiva no sentido de não cumprir a obrigação contratual de concluir a mesma - Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2008-01-28, Relatora: ISOLETA COSTA, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[42] PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume II, 2.ª edição, p. 61, nota (4).
[43]  No contrato de empreitada, havendo mora do empreiteiro, o dono da obra tem a possibilidade, nos termos gerais, de fixar um novo prazo para o cumprimento da obrigação, mas já não de fixar a data do começo desse cumprimento – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2012-10-16, Relator: TORRES VOUGA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[44] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2012-10-16, Relator: TORRES VOUGA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[45] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2012-10-16, Relator: TORRES VOUGA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[46] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pp. 113/4.
[47] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, p. 115.
[48] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, Almedina, p. 121.
[49] O empreiteiro só entra automaticamente em mora se foi estabelecido um termo certo para a entrega da obra; caso contrário, a situação de mora apenas surge após a interpelação que o comitente faça (art.º 777º, nº 1), tendo em conta o prazo razoável para a execução da obra (art.º 777º, nº 2) – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2007-09-18, Relator: TORRES VOUGA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[50] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., p. 275.
[51] É uma faculdade de pôr termo a contrato por justa causa, que é potestativa, mas não discricionária – OLIVEIRA ASCENSÃO, Teoria Geral do Direito Civil, vol. IV, p. 319.
[52] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., p. 99.
[53] Quanto aos fundamentos contratuais é livre a sua estipulação, através das denominadas cláusulas resolutivas expressas, pelas quais se indicam circunstâncias cuja verificação eventual permite o recurso à resolução do contrato - MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, vol. II, 3ª ed., p. 99.
[54] GRAVATO MORAIS, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, p. 164.
[55] A relevância da resolução exonera o dono da obra da obrigação de pagamento do preço - Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2007-11-06, Relator: TELES PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrc.
[56] PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessação do Contrato, nota 1132.
[57] Configura desistência da empreitada a hipótese do dono da obra, infundadamente, declarar resolvido o respetivo contrato, proibindo o empreiteiro de continuar com os trabalhos e entregando a outro a conclusão da obra – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2000-07-05, Relator: SALAZAR CASANOVA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[58] Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2019-07-11, Relatora: MARIA JOSÉ MOURO, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[59] A desistência por parte do dono da obra é uma faculdade discricionária, não carece de fundamento, é insuscetível de apreciação judicial e não carece de pré-aviso nem de forma especial. A desistência tem eficácia ex nunc – PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações, (Parte Especial), Contratos, p. 422.
[60] PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações, (Parte Especial), Contratos, pp. 423/425.
[61] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[62] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art.º 527º/1, do CPCivil.