Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
76/13.0TBTVD.L2-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANO DE NATUREZA PATRIMONIAL E NÃO PATRIMONIAL
LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A circunstância da sentença não ter elencado nos factos provados todos os factos com interesse para a decisão da causa que aí deveriam constar, deve ser avaliada no âmbito da apreciação da matéria de facto e da sua suficiência ou insuficiência, não sendo uma “questão” que ao tribunal caiba apreciar conforme dispõe o art.º 608.º n.º 2 do CPC, não determinando a nulidade da sentença por omissão de pronuncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
2. Na sequência da revogação da primeira sentença proferida e em obediência ao acórdão proferido, o juiz estava obrigado a fixar na nova sentença um valor indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pela lesada, o que é feito com recurso à equidade, já que a quantificação do dano que foi remetido para posterior liquidação foi tão só o dano patrimonial resultante para a A. da perda de capacidade de ganho pela impossibilidade de ascender na carreira.
3. Não tendo a A. liquidado qualquer pedido indemnizatório relativamente ao pedido genérico que formulou por referência ao prejuízo patrimonial que tem e terá no futuro por força da repercussão que o défice funcional de que ficou a padecer tem na sua atividade profissional, decorrente da impossibilidade de ascensão na carreira, o tribunal não tem sequer um limite no pedido relativamente ao qual tem de se ater, estando por isso, também por essa razão, “obrigado” a relegar para posterior liquidação o quantitativo desta indemnização a atribuir.
4. A incapacidade funcional que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a atividade profissional do lesado com incidência ou repercussão na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não, ou porque é menos significativa ou até porque o lesado não exerce sequer atividade profissional. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização de danos futuros de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos. Isto significa, que da mesma lesão corporal que constitui o dano biológico representado por um determinando défice funcional, podem resultar como consequência para o lesado, simultaneamente, danos patrimoniais e não patrimoniais ou morais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Vem SP intentar a presente ação declarativa de condenação contra Zurich Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €150.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescido do que vier a ser liquidado em execução de sentença, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que sofreu danos em virtude de acidente de viação que descreve, no qual o veículo ligeiro de passageiros seguro na R. embateu com a sua frente na traseira do carro conduzido pela A. que aguardava que o trânsito em sentido contrário lhe permitisse realizar a manobra de mudança de direção para a esquerda que havia sinalizado. Refere que em virtude do acidente sofreu traumatismo cervical, dorsal, dos ombros e joelho esquerdo, tendo ficado incapacitada para o trabalho até dezembro de 2010, saindo de casa apenas para consultas, juntas médicas e realização de fisioterapia, mantendo-se incapacitada nos primeiros meses de 2011, com o mesmo tipo de medicação. Em novembro de 2011 a Junta médica da Marinha conclui que a mesma estava insuficientemente apta, não podendo exercer funções operacionais, mas podendo desempenhar tarefas administrativas, sendo que voltou ao trabalho em 15 de novembro de 2011 tendo piorado o seu estado de saúde por força das viagens de carro que fazia diariamente. Durante os últimos anos sofreu cefaleias intensas, toracalgias anterolaterais, lombalgias e cervicalgias e ainda dores provocadas pelas deslocações de ambulância para as sessões de fisioterapia, sendo que a forte medicação a que esteve e está sujeita e o seu estado depressivo a têm impedido de ter vida social, convivendo e saindo com amigos, ir ao cinema etc. Teve que renunciar ao seu projeto de ser mãe, tendo o seu projeto profissional e pessoal sido drasticamente alterado.
A R. contestou, aceitando a transferência da responsabilidade civil em causa e reconhecendo o seu dever de indemnizar pelos danos sofridos, mas impugnando os danos alegadamente sofridos pela A.
Citada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1.º do DL 59/89 de 22-02, veio a ADM – Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas, integrada no Instituto de Ação Social das Forças Armadas IP. deduzir pedido de reembolso contra a R., por ter custeado despesas referentes a atos médicos praticados em regime convencionado no valor de €1.511,45, farmácia no valor de €202,46, atos médicos praticados em regime livre no valor de €353,70, tudo num total de €2067,61.
A fls. 245 dos autos veio a A. apresentar requerimento de ampliação do pedido, relativamente a consultas de psicologia, medicina e enfermagem, ortopedia, neurocirurgia e meios complementares de diagnóstico no valor de €983,00 assim como uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €3.293,00.
Foi realizada audiência prévia, na qual: se admitiu a ampliação do pedido e causa de pedir formulada pela A.; foi proferido despacho saneador, conhecendo-se parcialmente do mérito da ação no que respeita ao pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Ação Social das Forças Armadas, condenando-se a R. no pagamento da quantia peticionada de €2.067,61; foi fixado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, os quais não foram objeto de reclamação.
Realizou-se a audiência final, com observância do legal formalismo e foi proferida sentença que:
a) condenou a Ré Zurich a pagar à autora a quantia de €1.778,00 (mil setecentos e setenta e oito euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde a notificação da ampliação do pedido e vincendos até integral pagamento, contabilizados às taxas legais;
b) Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 25.000 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos até integral pagamento.
c) Condenou a Ré a pagar à autora o montante que vier a ser liquidado em incidente a deduzir nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, correspondente à perda da capacidade de ganho da Autora em virtude do défice funcional de que ficou a padecer.
d) absolveu a Ré do mais peticionado.
Por não se conformar com a decisão proferida, a A. veio dela interpor recurso na sequência do que proferido Acórdão por este Tribunal da Relação que decidiu a final:
“- Altera-se a matéria de facto nos termos atrás expostos;
- Altera-se a condenação constante da alínea a) da “decisão” passando aí a figurar a quantia de € 3.278,00 (três mil duzentos e setenta e oito euros) em vez de € 1.778,00;
- Anula-se parcialmente a sentença, para que proceda ao apuramento referido no ponto anterior, fixando-se, em seguida, a indemnização que se tiver por ajustada.
Devolvidos os autos à 1ª instância, foi a 09.11.2020 proferido o seguinte despacho:
“Tomei conhecimento do acórdão antecedente o qual anulou parcialmente a sentença por forma a apurar-se dos factos referentes à invocada privação de progressão na carreira por parte da Autora, com vista à fixação de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Por forma a reabrir a audiência de julgamento com o objectivo único de apurar a matéria supra referida, notifique as partes para esclarecerem nos autos qual da prova apresentada pretendem ouvir a tal matéria.”.
Notificada deste despacho veio a A. apresentar requerimento aos autos, com vista a que o tribunal esclareça se pode apresentar outras provas, ali referindo que tendo vindo a formular nos autos pedido indemnizatório a liquidar em execução de sentença relativamente a danos futuros e tendo a sentença proferida condenado a R. a pagar à A. o montante que viesse a ser liquidado em execução de sentença relativamente à perda da capacidade de ganho, “entendeu agora o Venerando Tribunal da Relação que tais danos não devem ser avaliados em execução de sentença (alargando até o seu âmbito), mas através de matéria de facto a averiguar em 1ª instância.”.
Após fazer observar o contraditório quanto a tal requerimento, foi a 05.05.2021 proferido despacho onde se conclui a final:
“Ou seja, afigura-se-nos que o Tribunal terá de reabrir o julgamento e fazer prova sobre a aludida matéria que está alegada nos artigos 31, 40 e 41 da petição inicial.
Nunca poderá o Tribunal a este respeito quantificar esta indemnização – tendo sempre de a relegar para liquidação ulterior – na medida em que o diferencial da perda da capacidade de ganho não foi alegado, o pedido não foi liquidado nem quantificado e o Tribunal da Relação também não ordenou a ampliação da matéria de facto a este respeito, o que implicaria sempre um convite ao aperfeiçoamento e subsequente contraditório.
Afigura-se-nos por isso que o intuito do Tribunal da Relação foi apenas, e tão só o apuramento concreto da existência deste dano de privação de progressão na carreira com reflexos quer patrimoniais e não patrimoniais, não descartando a hipótese de os patrimoniais – a este respeito – serem liquidados ulteriormente (atente-se na frase “…, fixando, em seguida, vista toda a factualidade, a adequada indemnização, não patrimonial e patrimonial (na medida em que os autos o permitam).”
Em face do exposto, notifique a Autora e Ré para virem, querendo, indicar prova/contra-prova relativamente aos factos 31, 40 e 41 da petição inicial.
Prazo: 10 dias.”.
A A. veio apresentar prova documental e testemunhal.
O tribunal diligenciou pela obtenção de informação junto do Comandante Geral da Polícia Marítima, que veio a 27.09.2021 através de email, juntar aos autos a declaração que se encontra junta a fls. 635.
Sobre este documento veio a A. pronunciar-se a 11.10.2021, juntando 11 novos documentos, alegando novos factos e tecendo diversas considerações, ali referindo, designadamente o seguinte:
“Quanto ao conteúdo da Declaração emitida pelo Comando-geral da Polícia Marítima: Neste momento processual importa provar que a A. ficou privada de ascender na sua carreira profissional e trazer aos autos elementos que permitam ao Tribunal ter uma noção dos danos patrimoniais resultantes desse facto, parte dos quais constam deste documento.
(…)
EM CONCLUSÃO:
Neste momento, dos elementos do processo pode concluir-se o seguinte:
a) Por ter deixado as suas habituais funções operacionais e passado a exercer funções administrativas, entre maio de 2010 e dezembro de 2020, a A. teve um prejuízo directo de €44.255,99 (emolumentos pessoais e compensações AMN) – pontos 3 e 4 da Declaração da Polícia Marítima (PM).
b) De janeiro de 2010 a dezembro de 2020 também deixou de receber €5.703,72, a título de abono para lavagem de viaturas – nº 14 supra e docs. nºs 6 e 7.
c) Tendo presentes os valores dos pontos 5 e 6 da Declaração emitida pela Polícia Marítima, conclui-se que em 2020, a diferença de valores mensais genericamente auferido por um Agente de 1ª Classe da Polícia Marítima colocado no Comando-Geral relativamente a um Agente colocado num Comando Local foi, em média, de menos €416,70/mês (€480,81 - €64,11) correspondente a €5.000,40/ano.
d) Face a estes números (embora reportados a 2020, já que os de 2021 só podem ser calculados depois de 31.12.2021), mantendo a categoria de Agente de 1ª classe, no ano de 2021 a A. terá deixado de receber a quantia aproximada de €5.000,40.
e) De janeiro a março deixou de receber €1.250,10 (€ 416, 70 x 3).
f) De 2022 a 2032 (11 anos), a A. poderá, em tese, deixar de receber uma quantia na ordem dos € 55.004.40 (€ 5.000,40 x 11) – nº 30 deste articulado.
g) Se tivesse concorrido aos concursos para o curso de promoção a subchefe da PM e de acesso à categoria de subchefe da PM a A. poderia ter sido promovida à categoria de subchefe em abril de 2021 (nºs. 15 a 28 deste articulado).
h) Nesse caso passaria a receber, a partir daquela data, um aumento de € 51,65 no vencimento-base mensal (€ 1.566,61 - 1.514,96 – cfr. nº 25 supra e docs. nºs 4 e 5), isto é, € 619,80/ano e o valor médio mensal de € 560,94, a título de verbas de compensação (€ 6.731.28/ano), totalizando o valor anual de €7.351,08 – vd. Declaração ponto 1.
i) De abril a dezembro de 2021 (9 meses) receberia mais €5.513,31 (€ 51,65 + € 560, 94 x 9).
j) Se promovida a subchefe da PM, a A. teria de permanecer nesta categoria durante cinco anos (até abril de 2026), podendo ou não ascender à categoria de chefe, uma vez que, em 2028 passaria à situação de pré-aposentação, por completar 56 anos de idade – nº 29 supra.
l) Neste caso e não sendo promovida a chefe, de 2022 a 2028 (7 anos), trabalharia menos 4 anos do que como agente de 1ª classe e poderia, em tese, receber, mais € 51.457,56.
Nota: As importâncias a que aludem as alíneas f) e l) supra reflectem valores de 2020 vigorando durante vários anos, sendo, por isso, necessariamente inexactas. Além dos danos decorrentes de verbas que deixou de auferir, qualquer indemnização a arbitrar à A., neste ou em momento posterior, terá também de ter em conta prejuízos que não são passíveis de quantificação:
- Impossibilidade da A. integrar as equipas da Operação FRONTEX – JO POSEIDON (Grécia) de 2014 a 2022, uma ou mais vezes, no âmbito da qual receberia, por cada missão de 2 meses, a quantia de € 5.240,00 – nºs 33 a 36 supra.
- Ter que trabalhar mais 4 anos como agente de 1ª classe do que na categoria de subchefe, para conseguir o melhor valor possível de reforma.
- Ser necessariamente prejudicada no valor da pensão de aposentação por ter um vencimento menor na categoria de Agente de 1ª Classe do que teria como subchefe (ou, eventualmente chefe), em montante que não é calculável neste momento.”.
A R. vem impugnar os documentos apresentados e referir que dos mesmos não podem retirar-se as conclusões que a A. retira.
Reabriu-se a audiência de discussão e julgamento, que se realizou, tendo sido proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, para além do já decidido por decisão transitada em julgado:
a) Condeno a Ré a pagar à autora o montante que vier a ser liquidado em incidente a deduzir nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, correspondente à perda da capacidade de ganho da Autora.”.
É com esta decisão que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a anulação da sentença e substituição por outra que, na sequência da anterior decisão desse Venerando Tribunal e tendo em atenção os elementos probatórios ora juntos aos autos e o princípio da equidade, fixe a indemnização não patrimonial e patrimonial adequada aos graves danos sofridos pela apelante em consequência do acidente dos autos, nos termos do disposto no artigo 663.º n.º1 do CPC, apresentando, para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. Julgando o recurso interposto da 1ª Sentença proferida nos autos, o Tribunal da Relação de Lisboa anulou-a parcialmente e decidiu que o Tribunal a quo deveria proferir nova decisão da qual deveriam constar: (i) os factos atinentes à invocada privação de progressão na carreira, por parte da A., em consequência do acidente sofrido, (ii) com a necessária fundamentação, (iii) podendo, mesmo oficiosamente, para o efeito, recolher os elementos probatórios que considerar pertinentes, (iv) fixando, em seguida, vista toda a factualidade, a adequada indemnização, não patrimonial e patrimonial (na medida em que os autos o permitissem) – condições que, do ponto de vista da apelante, a sentença recorrida não cumpre.
2. Resulta da simples leitura da parte da sentença que consigna os factos provados que a Mª Juiz do Tribunal de Sintra não considerou as alterações introduzidas na matéria de facto pelo Tribunal Superior, limitando-se a aditar, a fls. 679, sob alínea an), que “Por força do acidente e das sequelas de que ficou a padecer a Autora ficou impedida de concorrer às categorias de subchefe e chefe de forma permanente, por as sequelas de que ficou a padecer não o permitirem”.
3. A prova deste facto assenta no depoimento de duas testemunhas apresentadas pela apelante (fls. 679-vº), mas a motivação não refere a legislação junta aos autos que confirma e complementa aquelas declarações quanto às condições de acesso às indicadas categorias de subchefe e chefe, através de concurso: Decreto Regulamentar nº 53/97, de 09.12, junto com a p.i. sob doc. nº 39, a fls. 158 e seguintes - artigos 28º a 33º e 39º, nº 1, alínea a) e nº 2 “in fine” (fls. 160-vº e 161).
4. Como se disse, o Tribunal da Relação determinou que a decisão a proferir na 1ª Instância considerasse toda a factualidade dos autos, constando as alterações introduzidas no âmbito da apreciação do recurso interposto pela Apelante da anterior sentença proferida nos autos, de fls. 48 a 51 do Acórdão. Tendo presentes tais alterações:
5. O facto sob alínea n) deveria começar por “Durante o ano de 2010…” e não “DA Autora que durante o ano de 2012” (fls. 48).
6. A alínea an) agora aditada pela 1ª Instância sobrepõe-se à alínea an) redigida a fls. 49 do Acórdão, que é omitida (“O valor de € 27,50 para cada uma das deslocações da Autora a sessões de fisioterapia foi fixado por acordo entre a Autora e um funcionário da Ré no dia 14 de Setembro de 2011, tendo a A. realizado 84 deslocações para aquele fim nos anos de 2012 e 2013).
7. Acresce que o facto aditado sob alínea an) por esse Venerando Tribunal tinha sido considerado não provado na 1ª sentença do Tribunal de Sintra e foi expressamente eliminado a fls. 49 do Acórdão – o que a Mª juiz ignorou.
8. Os medicamentos indicados na alínea m) só correspondem parcialmente aos descritos a fls. 48 do Acórdão, valendo o mesmo para o facto sob alínea ae), que também não corresponde ao consignado a fls. 49 do Acórdão (“A Autora deixou de poder praticar os desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta, sendo fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, a repercussão permanente das actividades desportivas e de lazer).
9. Mas o mais extraordinário e inequivocamente revelador de que a Mª Juiz recorrida preteriu a decisão desse Venerando Tribunal no sentido da ponderação de toda a factualidade dos autos, é a total supressão dos factos aditados a fls. 50 e 51 do Acórdão sob alíneas ao), ap) e v.1).
10. Tais factos, transcritos de fls. 5 a 7 desta motivação e que aqui se dão por reproduzidos, relativos a questões essenciais para o cálculo da indemnização a fixar nos autos (particularidades e períodos da incapacidade da Apelante) são incontornáveis em qualquer decisão nesta matéria.
11. No que se reporta à fixação de uma indemnização pelos danos sofridos pela apelante em consequência o acidente dos autos, entende o Tribunal da Relação estar em causa o chamado “dano biológico, uma diminuição de capacidades, bem como o aumento da penosidade na execução de tarefas/trabalhos, não só relativamente à perda ou redução da capacidade para o exercício profissional habitual, como também à execução de tarefas quotidianas, ao longo da expectativa de vida do lesado, mesmo para além da idade limite da reforma, não se restringindo, assim, a ponderação à vida laboral (anterior à reforma) do lesado” (Acórdão, fls. 55/56).
12. Salienta ainda o Tribunal ad quem que o “dano biológico” também é reparável como dano patrimonial, podendo compreender a perda de capacidade de ganho (vd. Acórdão, fls. 53 a 55).
13. Avaliando a opção de remeter a liquidação dos danos para execução de sentença (conforme peticionado pela apelante e decidido pela Mª Juiz da 1ª Instância na sentença parcialmente anulada) e tendo, designadamente, em atenção as razões daquela decisão judicial (desconhecer qual o vencimento da Autora, qual o vencimento de que poderia vir a auferir se se mantivesse como operacional e tivesse a correspondente progressão na carreira),
14. entendeu o Tribunal ad quem que, ad quem que, por um lado, não se considerando provado o “incontornável agravamento futuro da situação da apelante” nos termos invocados pela mesma (aventando até a possibilidade de uma cirurgia susceptível de a privar da locomoção) e, por outro, estando provado que a A. necessita de esforços suplementares para a execução das suas funções, é natural que, com a idade, tais esforços aumentem, o que pode ser considerado, em termos de equidade, na fixação da indemnização por dano biológico” – Acórdão, fls. 57.
15. Esse Venerando Tribunal discordou, assim, da pretensão da apelante (e da decisão da Mª Juiz) relativamente a remeter para liquidação essa problemática do agravamento – Acórdão, fls. 57.
16. Mais adiante, a fls. 58, e quanto ao impedimento de progressão na carreira, acrescenta, a Relação de Lisboa que “Este aspecto releva quer em termos de dano não patrimonial, pela frustração advinda de se ver cerceada a progressão numa carreira em que se apostou, quer na vertente patrimonial, por se deixar de auferir ganhos que um posto superior permitiria”.
17. Conclui que “pelas razões expostas, entende-se que se trata de matéria que deve ser apurada e, salvo o devido respeito, não o foi de forma clara e suficiente, o que impede este Tribunal, neste momento, de fixar/alterar indemnizações (ressalvada aquela que foi objecto da ampliação do pedido).
18. Tendo a apelante interpretado a decisão desse Venerando Tribunal no sentido de deverem ser trazidos ao processo, entre outros, dados referentes à quantificação dos ganhos de que se viu - e verá – privada, com o requerimento em que arrolou as suas testemunhas para a reabertura do julgamento, juntou aos autos cópia dos pedidos que apresentou na Polícia Marítima em 15.12.2020, solicitando que lhe fossem esclarecidos: a) os montantes que auferiu desde 04.05.2010 até àquela data no Comando Geral da Polícia Marítima e o que teria auferido se continuasse colocada em funções operacionais idênticas às que desempenhava antes do acidente; b) os montantes médios auferidos por um agente de 1ª Classe num Comando Operacional e no Comando Geral da Polícia Marítima; c) os montantes médios auferidos por um subchefe da Polícia Marítima num Comando Operacional e no Comando Geral da Polícia Marítima. – vd. fls. 627, 627-vº e 628º.
19. Perante a demora da junção daqueles esclarecimentos aos autos, em 16.09.2021, a fls. 633, a Mª juiz do processo solicitou ao Comando Geral da Polícia Marítima que fossem enviados directamente para o Tribunal, encontrando-se a fls. 635 (Declaração).
20. Notificada da junção da mencionada Declaração ao processo, a apelante (que entretanto também recebeu o documento) apresentou de fls. 637 a 642, informação complementar à mesma, acompanhada dos documentos de fls. 645 a 649-vº; mais tarde, constatando que o requerimento de fls. 637 e ss continha alguns erros de cálculo (por ter reportado parte quantias/ano ali mencionadas em matéria de remunerações a 12 em vez de 14 meses), solicitou as correspondentes correcções (requerimento sob referência 20785450, de 31.03.2022). Do referido conjunto de informações, documentos e legislação (que aqui se dá por reproduzido), a apelante salienta que:
21. - Pediu os valores dos seus rendimentos a partir de maio de 2010 por ter sido o mês em que foi “destacada” para o Comando-geral, embora, ao tempo, estivesse fisicamente incapaz de se apresentar em Lisboa, e até dezembro de 2020, porque foi o mês em que formulou o pedido; o dito “destacamento” foi uma movimentação administrativa decorrente da impossibilidade de continuar a exercer as suas funções habituais na Ericeira (na altura, por tempo indeterminado), tendo, de janeiro a abril de 2010 recebido o vencimento-base de agente de 1ª classe.
22. Como consta dos autos, no dia do acidente (22.12.2009) a apelante era agente de 1ª Classe da Polícia Marítima e estava colocada no Comando Local da Polícia Marítima de Cascais, mais concretamente a exercer funções no Posto da Polícia Marítima da Ericeira, onde desempenhava tarefas de carácter operacional, designadamente patrulhamentos em terra e no mar.
23. O vencimento-base de um agente de 1ª Classe colocado num Comando Local é idêntico ao de um Agente de 1ª Classe a trabalhar no Comando-geral, mas não vale o mesmo para os antigos emolumentos pessoais, actuais compensações AMN (verbas que acrescem ao vencimento/vd. nº 8 do Despacho 10042/2018 in DR 2ª série-208-29.10.2018 e Despacho nº 11/209, de 4.12, a fls. 630 e 630-vº dos autos), que são de montante substancialmente mais elevado nos Comandos Locais, responsáveis pelo exercício da Autoridade Marítima Nacional.
24. Diz o ponto 3 da Declaração de fls. 635 que o valor total de verbas de compensação de pessoal auferido pela apelante entre maio de 2010 e dezembro de 2020 (128 meses) foi de 7.018,93 euros.
25. Se tivesse permanecido no Comando Local de Cascais, como agente de 1ª Classe, durante o mesmo período teria recebido 51.274,92 euros (cfr. ponto 4).
26. Assim, durante aquele período, por ter mudado de funções operacionais para administrativas, a apelante recebeu menos 44.255.99 euros.
27. No ano de 2020, a diferença entre os valores médios das compensações mensais dos Agentes de 1ª classe colocados num Comando Local e no Comando-geral, indicados nos pontos 5 e 6 da Declaração de fls. 635, foi de (416,70 €x 14), correspondente a 5.833,80 euros: face a estes números, em 2021 a apelante terá deixado de receber uma quantia semelhante.
28. Para melhor compreensão das implicações salariais do sistema das “compensações de pessoal” nos seus rendimentos, a apelante juntou, a fls. 645 e 645-vº, os dois últimos recibos do seu vencimento (na altura), agosto e setembro de 2021, dos quais consta a remuneração-base de 1.514,96 euros e, a título de compensações AMN, respectivamente, 67,66 euros e 79,03 euros, tendo recebido, nestes meses, remunerações líquidas de 1.393,04 e 1.338,24 euros.
29. Juntou igualmente, a fls. 646 e 646-vº, os recibos dos meses de agosto e setembro de 2009 (ano do acidente dos autos), com a remuneração-base de 1.309,63 euros e emolumentos pessoais de 654,02 euros (agosto) e de 655,40 (setembro), a que corresponderam vencimentos líquidos de 1.881,47 euros e 1.891,05 euros,
30. concluindo-se destes recibos que há 12 anos o vencimento líquido da apelante era cerca de 500 euros superior ao actual.
31. Acresce que, no Comando Local de Cascais a apelante recebia mensalmente a quantia de 43,21 euros a título de abono para lavagem de viaturas (cfr. fls. 646 e 646-vº); de janeiro de 2010 a dezembro de 2020 (12 anos) deixou de receber 6.222.24 euros (€ 43,21 euros x 144 meses).
32. Em 18.09.2018 foi publicado no DR, Série II, o Aviso nº 13239/2018, estabelecendo as regras da abertura de um novo concurso para o curso de promoção a subchefe da Polícia Marítima.
33. Em consonância com a já referida norma do artigo 39º, nº 1, alínea a) do Decreto Regulamentar nº 53/97, de 09.12, um dos requisitos de admissão ao concurso era a aptidão física e psíquica, possuir robustez física e estado geral sanitário compatíveis com o desenvolvimento do curso e com as funções da categoria a que concorre - nº 5, al. f) do mencionado Aviso.
34. O processo de seleção dos candidatos constaria de fases com carácter eliminatório, sendo a 1ª a das provas físicas, cuja descrição e forma de execução constam do Anexo III ao Despacho 3283/2005, de 22.10.2004, publicado no DR, 2ª Série, nº 32, de 15.02.2005 – nº 7 do indicado Aviso.
35. Se houvesse dúvidas, bastaria ler a descrição de tais provas (extensões no solo, abdominais, corrida de 2400 m, nadar 100 m, nadar em apneia, nadar 25 m de costas, mergulho e recolha de objecto, salto para a água) para compreender que a condição física (e psíquica) da A. não lhe permitiu candidatar-se a este curso, nem a outros que venham a ser abertos.
36. Os Agentes da Polícia Marítima que foram aprovados no concurso para o curso de promoção a subchefe (vd. a fls. 647 e 647-vº - listas de candidatos aprovados e excluídos) puderam, por sua vez, candidatar-se ao concurso de acesso à categoria de subchefe da Polícia Marítima, aberto pelo Aviso 1560/2020, de 30.09.20202, visando o preenchimento de nove lugares no mapa de pessoal da Polícia Marítima – cfr. nº 3, alínea a) do indicado Aviso, a fls. 648.
37. Em resultado do indicado concurso de acesso, nove agentes de 1ª classe foram promovidos à categoria de subchefe em 06.04.2021, passaram a auferir o vencimento-base de 1.566,61 euros (cfr. Despacho de promoção, a fls. 648-vº e Tabela Remuneratória dos Militares, a fls. 649) e, nos Comandos Locais, a receber uma compensação AMN cujo valor médio mensal só poderá ser calculado, com rigor, depois de 31.12.2021.
38. Em 2020 o valor médio mensal das verbas de compensação de um subchefe em exercício de funções na Autoridade Marítima Nacional foi de 560,94 euros/mês (vd. ponto 1 da Declaração), correspondente a 7.853.16 euros/ano.
39. Se, a partir de 2010, a apelante pudesse ter continuado a desenvolver a sua habitual preparação física e a exercer funções no Comando Local da Cascais, onde estava desde 2002, não teria dificuldade em ser promovida a subchefe. Aliás, naquele ano, após ter obtido aproveitamento no curso de formação de agentes, ingressou no Quadro de Pessoal da Polícia Marítima como Agente de 3ª Classe, tendo ficado em 1º lugar – vd. fls. 649-vº.
40. Promovida a subchefe e em funções num Comando Local, como se verificou desde que ingressou na Polícia Marítima até ao dia do acidente dos autos, a apelante teria que ficar o mínimo de 5 anos naquela categoria, ou seja, até abril de 2026, por ser uma das condições essenciais à promoção à categoria seguinte - chefe (vd. a fls. 161: artigo 31º do Decreto Regulamentar nº 53/97, de 9.12 e a fls. 153, artigo 14º, nº 2 do EPMM (Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima/Decreto-Lei nº 248/95, de 21.09, junto com a p.i. sob doc. nº 38, a fls. 151 e ss).
41. A abertura de concurso para a categoria de chefe, dependente das vagas a ocorrer na Polícia Marítima e do que for previsto no Orçamento do Estado, poderia ou não ter lugar até 2028, ano em que, por completar 56 anos, a A. teria que passar à situação de pré-aposentação (cfr. artigo 31º do DL 248/95, de 21.09 – fls. 155).
42. Se tivesse tido acesso ao curso de promoção à categoria de subchefe da PM, a apelante poderia ter sido promovida àquela categoria em 06 de abril de 2021 (vd. conclusão 37 supra).
43. Nesse caso, passaria a ter, a partir daquela data, um aumento de € 51,65 no vencimento-base mensal (€ 1.566,61 - 1.514,96 – cfr. Tabela de fls. 640), € 619,80/ano, acrescido de um valor médio mensal na ordem de € 560,94, a título de verbas de compensação (7.853,16 euros/ano), totalizando um aumento anual rondando os € 8.472,96 euros.
44. Nos termos do EPMM (fls. 151), se promovida a subchefe da PM, a apelante teria de permanecer nesta categoria durante cinco anos (até abril de 2026), podendo ou não ascender à categoria de chefe, uma vez que, em 2028 passaria à situação de pré-aposentação, por completar 56 anos de idade.
45. Caso não fosse promovida a chefe, de 2022 a 2028 (7 anos), trabalharia menos 4 anos do que como agente de 1ª classe (cfr. EPMM) e poderia receber mais cerca 59.310,72 euros (8.472,96x7).
46. Sendo óbvio que não pode ser promovida a subchefe, terminará a sua carreira na categoria de agente de 1ª classe e, para garantir uma reforma melhor, terá que trabalhar até 2032, ano em que, com 60 anos, poderá passar à situação de pré-aposentação (indicado artigo 31º, a fls. 155).
47. Considerando o valor que, nesta categoria, terá perdido em 2021 (5.883,80 euros, cfr. conclusão 27 supra), de 2021 a 2032 (12 anos) deixará de receber cerca de 70.605.60 euros (5.883,80x12).
48. Deverá ser aposentada nos termos aplicáveis aos funcionários e agentes da Administração (actualmente aos 66 anos e 6 meses) – artigo 32º do DL 248/95, de 21.09 – fls 155.
49. Além dos danos decorrentes de verbas que deixou de auferir, qualquer indemnização a arbitrar à apelante, terá ainda de ter em conta prejuízos que não são passíveis de quantificação, designadamente:
50. A impossibilidade de integrar as equipas da Operação FRONTEX – JO POSEIDON (Grécia), a partir de 2014, uma ou mais vezes, no âmbito da qual receberia, por cada missão de 2 meses, a quantia de €5.240,00 – vd. fls. 628-vº a 629-vº.
51. Ter que trabalhar mais 4 anos como Agente de 1ª classe do que na categoria de Subchefe.
52. Ser necessariamente prejudicada no valor da pensão de aposentação por ter um vencimento menor na categoria de Agente de 1ª Classe do que poderia ter como subchefe (ou, eventualmente chefe), em montante que não é quantificável neste momento.
53. Do ponto de vista da apelante, estes dados, exactos até 2020 e tendo por base, relativamente aos anos de 2021 e seguintes, os valores de 2020 trazidos ao processo pela Polícia Marítima, a fls. 635, são factos atinentes à privação de progressão da apelante na carreira, que, conjugados com a restante matéria de facto e a especificidade do caso, permitem a fixação de uma indeminização pelo dano biológico (vd. Acórdão, fls. 58).
54. Vale o mesmo para a utilização de uma cadeira ergonómica na sua actividade diária (vd. Declaração de fls. 631 e Declaração Médica de fls. 632), facto que foi considerado não provado na 1ª sentença, mas que, agora, demonstrado, pode ser considerado em termos de equidade na fixação da indemnização por dano biológico.
55. Como em relação à matéria de facto alterada pela Relação de Lisboa, a Mª Juiz da 1ª Instância ignorou todos os factos sob Conclusões 23 a 52, afirmando a fls. 680 da sentença recorrida que, desconhecendo qual o vencimento da Autora e qual o que poderia vir a auferir e não tendo sido alegados factos que permitissem essa apreciação, não podia fixar uma indemnização.
56. Ou seja: o Tribunal a quo fez, uma vez mais, tábua-rasa do Acórdão desse Venerando Tribunal, que, a fls. 58, chama a atenção da Mª Juiz de Sintra para a prorrogativa legal de obter oficiosamente os elementos probatórios que considerasse pertinentes para fixação de uma indemnização abrangente (dano corporal).
57. Ao ignorar a matéria de facto alterada pela Relação de Lisboa, os factos decorrentes da Informação da Polícia Marítima junta aos autos e, de um modo geral, as condições definidas pelo Tribunal ad quem para elaboração da sentença sob recurso, é a mesma nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC.
58. A sentença recorrida é igualmente nula por contrariar frontalmente anterior decisão desse Venerando Tribunal no sentido de não estarem aqui preenchidos os pressupostos da liquidação de danos em execução de sentença – artigo 615º, nº 1, alíneas d) e e), 608º e 609º todos do CPC. A sentença recorrida violou, entre outras, as normas referidas na presente motivação.
A R. vem responder ao recurso interposto pela A. manifestando-se no sentido da sua improcedência.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da sentença por omissão de pronuncia e por contrariar o anterior Acórdão que considerou não estarem preenchidos os pressupostos da liquidação de danos em execução de sentença;
- do (in)cumprimento do Acórdão proferido na omissão na sentença dos factos ali considerados provados;
- dos elementos constantes dos autos admitirem a fixação de uma indemnização, sem necessidade de remeter para momento posterior a sua liquidação.
 III. Nulidade da sentença
- da nulidade da sentença por omissão de pronuncia e por contrariar o anterior Acórdão que considerou não estarem preenchidos os pressupostos da liquidação de danos em execução de sentença
Alega a Recorrente que a sentença proferida é nula nos termos do art.º 615. n.º 1 al. d) do CPC ao ignorar a matéria de facto que foi aditada e alterada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e também nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. e) por contrariar a anterior decisão desse tribunal “no sentido de não estarem preenchidos os pressupostos da liquidação de danos em execução de sentença”.
O art.º 615.º n.º 1 do CPC estabelece que a sentença é nula quando:
“a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Confunde a Recorrente o vício formal da sentença suscetível de determinar a sua nulidade pela verificação das circunstâncias previstas no do art.º 615.º n.º 1 do CPC com o erro de julgamento, situação em que se integram as questões por si levantadas e que não têm a sua sede própria de avaliação no âmbito do disposto nesta norma.
Diz-nos com toda a propriedade o Acórdão do STJ de 6 de abril de 2021 no proc. 3300/15.1T8ENT-A.E1.S2, in www.dgsi.pt :“o regime das nulidades destina-se apenas a remover aspectos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido, pois que não abrange eventuais erros de julgamento de que padeça a decisão.”.
A alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC invocada pela Recorrente, comina com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronuncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Tem vindo a ser comumente entendido que as questões sobre as quais o tribunal tem de pronunciar-se não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazerem valer as suas pretensões – neste sentido, vd. entre outros, Acórdão do STJ de 16/02/2005 no proc. 05S2137 in www.dgsi.pt
O tribunal tem de pronunciar-se sobre o pedido formulado pelas partes e sobre as questões por elas suscitadas, não constituindo omissão de pronuncia quando isso acontece, sem que o tribunal tome posição expressa sobre todos os argumentos apresentados. As razões invocadas não se confundem com a questão a decidir, embora a falta de ponderação de alguns argumentos relevantes para a decisão possa determinar a falta de acerto da mesma.
A situação alegada pela Recorrente relativamente à qual a mesma conclui pela existência de omissão da sentença, reporta-se à decisão sobre a matéria de facto do tribunal de 1ª instância, mais não sendo do que um alegado vício da decisão de facto, por insuficiência, que têm a sua sede própria de avaliação no âmbito da previsão do art.º 662.º do CPC.
Como nos diz com toda a clareza o Acórdão do STJ de 23 de março de 2017 no proc. 7095/10.7TBMTS.P1. S1 in www.dgsi.pt com respeito à decisão de facto: “o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.”.
A circunstância da sentença não ter elencado nos factos provados todos os factos com interesse para a decisão da causa que aí deveriam constar, deve ser avaliada no âmbito da apreciação da matéria de facto e da sua suficiência ou insuficiência, não sendo uma “questão” que ao tribunal caiba apreciar de acordo com o art.º 608.º n.º 2 do CPC, não sendo suscetível de determinar a nulidade da sentença por omissão de pronuncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
Em sede própria será apreciada por este tribunal a invocada insuficiência da matéria de facto.
Invoca também a Requerente a nulidade da sentença que integra na previsão do art.º 615.º n.º 1 al. e) do CPC, por contrariar o anterior acórdão deste tribunal, que decide “no sentido de não estarem preenchidos os pressupostos da liquidação de danos em execução de sentença”.
A mencionada al. e) comina com a nulidade a sentença que condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, o que deve ter por referência o disposto no art.º 609.º do CPC que estabelece os limites da condenação.
Na situação em presença, a A. na petição inicial formulou o pedido de condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €150.000,00, acrescido do que vier a ser liquidado em execução de sentença, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Assim sendo, já que vê que quando a sentença recorrida para além do já decidido e transitado em julgado condena: “a Ré a pagar à autora o montante que vier a ser liquidado em incidente a deduzir nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, correspondente à perda da capacidade de ganho da Autora.”, não está a condenar em nada que seja diverso do pedido, não existindo por isso a invocada nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1 al. e) do CPC, que aponta para o confronto do decidido com o pedido apresentado pela parte e não com a decisão de outro tribunal.
Na sua alegação a Recorrente fundamenta a nulidade da sentença que defende, na circunstância da mesma contrariar o anterior acórdão do TRL proferido nestes autos, que decidiu “no sentido de não estarem preenchidos os pressupostos da liquidação de danos em execução de sentença”.
É evidente que o tribunal de 1ª instância está obrigado acatar as decisões emitidas pelos tribunais superiores, estando expressamente previsto no art.º 4.º n.º 1 da LOSJ o dever de acatamento pelo juiz a quo das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores.
O acórdão do TRL que foi proferido nestes autos decidiu, no ponto que agora nos interesse: “Anular parcialmente a decisão, para que se proceda ao apuramento referido no ponto anterior, fixando-se, de seguida, a indemnização que se tiver por ajustada.”.
No “ponto anterior” a que alude a parte decisória do acórdão é feita a seguinte referência:
“O que se entende que, no que tange à matéria de facto, falta na sentença é o apuramento da existência (prévia à problemática da quantificação) de dano decorrente do impedimento de progressão na carreira, por força do acidente, ou seja, de ter sobrevindo, por força das sequelas de que ficou a padecer, a impossibilidade de a Autora ascender aos cargos de subchefe e de chefe, estando definitivamente sujeita a permanecer na categoria que tinha à data do acidente.
Este aspecto releva quer em termos de dano não patrimonial, pela frustração advinda de se ver cerceada a progressão numa carreira em que se apostou, quer na vertente patrimonial, por se deixar de auferir ganhos que um posto superior permitiria.
Pelas razões atrás expostas, entende-se que se trata de matéria que deve ser apurada e, salvo o devido respeito, não o foi de forma clara e suficiente, o que impede este Tribunal, neste momento de fixar/alterar indemnizações (ressalvada aquela que foi objecto da ampliação do pedido).
Assim, há que anular parcialmente a sentença, nos termos do art.º 662., n.º 2, al. c) do CPC, para que o Tribunal a quo faça constar da sentença os factos atinentes à invocada privação de progressão na carreira, por parte da Autora, em consequência do acidente sofrido, com a necessária fundamentação, podendo, mesmo oficiosamente, para o efeito, recolher os elementos probatórios que considerar pertinentes, fixando, em seguida, vista toda a factualidade, a adequada indemnização, não patrimonial e patrimonial (na medida em que os autos o permitam).”
A anulação da primeira sentença resultou de não constarem dos factos provados qualquer facto que permitisse dizer que a A. ficou impedida de progredir na sua carreira na sequência dos danos que sofreu em resultado do acidente.
Considerou o Acórdão do TRL imprescindível o apuramento de tal facto, ponderando a sua relevância tanto no âmbito da determinação dos danos não patrimoniais, cujo valor indemnizatório havia sido fixado na sentença em €25.000,00 e foi objeto de recurso (tendo sido revogada nessa parte a decisão que constava do ponto b) da sentença), como no âmbito do peticionado ressarcimento dos danos patrimoniais relativos perda da capacidade de ganho, entendendo não poder remeter-se para posterior liquidação a indemnização de um dano sem suporte da sua existência nos factos provados (revogando também a decisão constante da alínea c) da sentença).
Refere-se no Acórdão a possibilidade do tribunal “mesmo oficiosamente, para o efeito, recolher os elementos probatórios que considerar pertinentes, fixando, em seguida, vista toda a factualidade, a adequada indemnização, não patrimonial e patrimonial (na medida em que os autos o permitam)”.
O mesmo facto alegado pela A. relativo ao impedimento da progressão na carreira em resultado do défice funcional de que ficou a padecer, estava ausente da decisão de facto constante da primeira sentença proferida, sendo necessário o seu apuramento prévio, atenta a sua influência quer na fixação dos danos não patrimoniais, pelo desgosto da A. caso tal facto viesse a resultar provado - o que não permitiu ao TRL fixar/alterar desde logo a indemnização de €25.000,00 atribuída a esse título pelo tribunal de 1ª instância, quer nos danos patrimoniais relativos à perda da capacidade de ganho, que o tribunal de 1ª instância relegou para posterior liquidação.
Daí o Acórdão proferido ter determinado que, suprindo o tribunal de 1ª instância a insuficiência da matéria de facto, nos termos que ficaram expostos, fixa-se de seguida a adequada indemnização não patrimonial – que anteriormente havia sido estabelecida em €25.000,00 em decisão que o acórdão revogou, não confirmando nem alterando aquele valor pela necessidade de apuramento de um facto prévio – bem como a indemnização patrimonial, esta na medida em que os autos o permitam.
Daqui não decorre, como defende a Recorrente que o tribunal de 1ª instância, uma vez apurada a privação da A. progredir na carreira, estava obrigado a fixar desde logo um concreto valor indemnizatório correspondente ao prejuízo patrimonial sofrido, correspondente à perda da capacidade de ganho, ficando impedido de relegar para liquidação posterior a sua quantificação – tal sempre estaria condicionado aos autos o permitirem, o que impõe um juízo de avaliação que tem de ser feito das circunstâncias e dos elementos processuais existentes.
Mas já decorre que o juiz estava obrigada a fixar na nova sentença um valor indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos, o que é feito com recurso à equidade, na sequência da revogação da 1ª sentença proferida nesta parte, constatando-se uma omissão da sentença nessa parte, já que a quantificação do dano que foi remetido para posterior liquidação foi tão só o dano patrimonial resultante para a A. da perda de capacidade de ganho pela impossibilidade de ascender na carreira.
Não pode sequer dizer-se, como faz a sentença sob recurso que “A condenação no pagamento de uma indemnização está já efectuada a título de danos não patrimoniais”, porque não está, na sequência da revogação nessa parte pelo acórdão da primeira sentença.
Em conclusão: a sentença não é nula na parte em que remete para incidente de liquidação a deduzir nos termos do art.º 358.º n.º 2 do CPC, a determinação do valor indemnizatório que a R. está obrigada a pagar à A. pelo dano patrimonial correspondente à perda de capacidade de ganho, mas já é nula, na parte em que não conhece e decide sobre a indemnização devida pela R. à A. a título de danos não patrimoniais, conforme foi determinado pelo acórdão do TRL.
Esta questão será apreciada e decidida por este tribunal, quando da apreciação jurídica do recurso, atenta a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no art.º 665.º do CPC, por autos conterem os elementos necessários para o efeito, sendo questão sobre a qual as partes já tiveram a oportunidade de se pronunciar.
IV. Fundamentos de Facto
- do (in)cumprimento do Acórdão proferido na omissão na sentença dos factos ali considerados provados
A respeito dos factos provados, alega a Recorrente:
- quanto à al. an), que o tribunal na sua fundamentação omite a menção à legislação junta aos autos;
- que a sentença proferida não teve em conta a alterações introduzidas à matéria de facto pelo Acórdão do TRL, devendo ser retificado em conformidade o teor das al. n), an), m), e ae) dos factos provados e aditadas as alíneas ao), ap) e v.1) nos termos ali determinados.
- Quanto à al. an) dos factos provados
A Recorrente vem insurgir-se contra a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo para dar este facto como provado, considerando que a mesma “omite a legislação junta aos autos”.
Esta alegação não representa qualquer impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos previstos no art.º 640.º n.º 1 do CPC, na medida em que a Recorrente não discorda da decisão do tribunal de dar este facto como provado, nem entende que o mesmo foi incorretamente julgado.
A circunstância da motivação apresentada pelo tribunal de 1ª instância ter sido, na perspetiva da Recorrente, incompleta, não tem além do mais qualquer relevância na decisão.
Não importa por isso proceder a qualquer alteração “da fundamentação”.
- Quanto às alterações introduzidas à matéria de facto pelo Acórdão do TRL não estarem contempladas nos factos provados
Alega a Recorrente que a sentença agora proferida não incorporou nos factos provados o aditamento à matéria de facto nos exatos termos que foram determinados no Acórdão proferido, que procedeu à alteração da decisão da matéria de facto, nos pontos que enuncia.
Verifica-se, na verdade, que assim é.
O Acórdão deste TRL proferido nos autos a 10.09.2020 procedeu à alteração da decisão de facto que constava da primeira sentença do tribunal de 1ª instância que foi objeto de recurso, procedendo não só à alteração da redação de alguns pontos dos factos ali tidos como provados, mas também ao aditamento de outros factos que considerou relevantes para a decisão.
Ali (a fls. 48, ponto III.3 do Acórdão) ficaram decididas as seguintes alterações à matéria de facto:
A al. m) para passar a ter a seguinte redação:
“m) Desde o dia do acidente até Dezembro de 2010, a Autora esteve sujeita a terapêutica medicamentosa agressiva (anti-inflamatórios, ansiolíticos/sedativos, relaxantes musculares, analgésicos e anti piréticos/anticonvulsionantes).”
A al. n) passa a ter a seguinte redação:
“n) Durante o ano de 2010, a Autora realizou fisioterapia, entre 12 de Fevereiro e 16 de Julho, todos os dias úteis, tendo sido transportada em Ambulância da Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação num percurso entre a Silveira (onde reside) e Lisboa (Hospital da Marinha) de 140 kms (ida e volta), e entre 122 de Julho e 16 de Dezembro de 2010 fez três sessões semanais de Fisioterapia no Hospital da Marinha Em Lisboa continuado a ser transportada de ambulância no mesmo percurso intercaladas com duas sessões de natação numa piscina próxima da sua residência.”
A al. q) passa a ter a seguinte redação:
“q) A Autora que foi seguida em consultas de fisiatria no Hospital das Forças Armadas, no ano de 2010, aí manteve sessões de fisioterapia tendo, nesses serviços, realizado 150 sessões e tendo necessitado, em 2012, de mais 70 sessões de fisioterapia que tiveram lugar no centro de fisioterapia “FISIOTESTE”, de Torres Vedras.”
A al. z) passa a ter a seguinte redação:
“z) Do ponto de vista profissional a Autora apreciava as tarefas que lhe estavam atribuídas na Polícia Marítima, designadamente os patrulhamentos em terra e no mar, tendo uma boa relação com os colegas de trabalho.”
A al ae) passa a ter a seguinte redação:
“ae) A Autora deixou de poder praticar os desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta, sendo fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, a repercussão permanente das actividades desportivas e de lazer.”
É aditada uma al. an) com a seguinte redação:
“an) O valor de € 27,50 para cada uma das deslocações da Autora a sessões de fisioterapia foi fixado por acordo entre a Autora e um funcionário da Ré no dia 14 de Setembro de 2011, tendo a A. realizado 84 deslocações para aquele fim nos anos de 2012 e 2013.”.
É aditada uma alínea ao) com a seguinte redação:
“ao) Ao longo dos anos de 2014 e 2015, por cervicalgias, a Junta de Saúde Naval atribuiu à Autora sucessivos períodos de incapacidade temporária parcial para o desempenho de tarefas que implicassem esforços físicos e psíquicos (memorização e concentração elevadas), a saber:
- Em Junho de 2014, a Junta de Saúde Naval considerou haver, relativamente
à A., incapacidade temporária parcial para o serviço, por um período de 30 dias para
todas as tarefas que implicassem esforços físicos intensos com membros superiores;
- Em Agosto de 2014, a mesma Junta considerou haver, nos mesmos termos,
incapacidade temporária parcial por 30 dias;
- Em Dezembro de 2014, considerou a Junta necessitar a A. de 45 dias de
licença para continuar observação e tratamento em consulta de especialidade;
- Em Janeiro de 2015, a Junta considerou haver incapacidade temporária
parcial, por um período de 120 dias, para todas as tarefas que implicassem esforço
psíquico (memorização e concentração elevados);
- Em Junho de 2015, a Junta considerou haver incapacidade temporária
parcial, por um período de 120 dias, para todas as tarefas que implicassem esforço
psíquico (memorização e concentração elevados) (doc. de fls. 438)
É aditada uma alínea ap) com a seguinte redação    
“ap- A 4 de Janeiro de 2016, por cervicalgias e outras vertigens periféricas, a Junta de Saúde Naval considerou haver, em relação à Autora, uma incapacidade permanente para o desempenho de algumas funções relativas ao posto e classe, nomeadamente todas as tarefas que impliquem esforço psíquico (memorização e concentração elevadas) e esforços físicos.
É aditada à matéria de facto uma alínea v.1 do seguinte teor:
A Apelante foi mais especificamente, afectada por:
- Défice Funcional Temporário Total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado a 22/12/2009, sendo assim fixável um período de 1 dia (correspondendo à data de assistência hospitalar no dia do evento em apreço).
- Défice Funcional Temporário Parcial (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações), que se terá situado entre 23/12/2009 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período de 1455 dias (correspondendo ao período em que a examinanda foi acompanhada em consulta de ortopedia, otorrinolaringologia, neurologia, psiquiatria e psicologia, realizando ainda medicação, exames complementares de diagnóstico e tratamentos de medicina física e reabilitação).
- Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 22/12/2009 e 14/11/2011, sendo assim fixável num período total de 693 dias (de acordo com a informação constante das juntas de saúde naval).
- Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Parcial, correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas atividades, ainda que com limitações), que se terá situado entre 15/11/2011 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período total de 763 dias (conforme informação constante das juntas de saúde naval).
*
Constata-se, na verdade, que a sentença agora proferida não deu acolhimento nos factos provados, como devia, a todas as alterações que neste âmbito foram determinadas pelo TRL no anterior acórdão.
Em concreto, a Exm.ª Juiz a quo, tendo feito constar dos pontos q) e z) dos factos provados a nova redação que lhes foi dada naquele acórdão, já isso não aconteceu quanto à nova redação que aquele acórdão introduziu nas alíneas m), n) e ae) dos factos provados, nem tão pouco fez contemplar na decisão de facto os aditamentos aos factos provados que constituíram as al. an), ao) e ap) que ali também foram determinados.
Tem inteira razão a Recorrente com a questão suscitada e com o aditamento aos factos provados que requer, impondo-se alterar a decisão de facto da sentença recorrida, no que respeita aos factos provados, deles fazendo constar as modificações e aditamentos determinados no anterior acórdão proferido nos autos, passando, em conformidade, o novo facto provado aditado pelo tribunal de 1ª instância sob a al. an) na sequência da reabertura da audiência de julgamento, a tomar o ponto aq).
*
São os seguintes os factos que se encontram provados:
a) No dia 22 de Dezembro de 2009, cerca das 18h e 40 mnts, a Autora conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de que é proprietária com a matrícula …-…-…, pela EN 116, no sentido Ericeira-Mafra.
b) Ao km o.2 da EN 116, pretendendo virar à esquerda (para a Rua …), a Autora imobilizou a sua viatura no eixo da via, imediatamente a seguir a uma passadeira de peões, accionou o sinal luminoso de mudança de direcção para o lado esquerdo e ficou a aguardar que o trânsito que circulava em sentido contrário permitisse a realização da manobra.
c) Nesse momento a traseira do seu veículo foi embatida pela frente da viatura com a matrícula …-…-…, conduzida por MD, que circulava na mesma via e direcção.
d) À data do embate, o veículo causador do acidente era propriedade de AD, encontrando-se a responsabilidade pelos danos causados a terceiros transferida para a Ré através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º …
e) Assumindo a responsabilidade contratada com o proprietário do veículo …-…-… a Zurich pagou a reparação dos danos ocorridos na viatura automóvel da Autora.
f) À semelhança do que sucedeu em relação aos danos da viatura, a Zurich também se dispôs a pagar as despesas emergentes do tratamento das lesões que a Autora sofreu em consequência do acidente.
g) Na sequência do acidente a Autora foi transportada para o Serviço de Urgência do Hospital de São José tendo tido alta no dia seguinte.
h) Em consequência do embate a Autora sofreu traumatismo cervical dorsal, dos ombros e do joelho esquerdo.
i) Em 28-12-2009, em observação no Serviço de Urgência do Hospital de Torres Vedras foi-lhe diagnosticada contusão da parede torácica.
j) Na sequência do acidente a Autora foi seguida no Hospital da Marinha nas especialidades de Ortopedia, Cirurgia Geral, Fisiatria, Otorrinolaringologia e Neurologia.
k) Tendo sido igualmente seguida no Hospital da Cruz Vermelha por um médico ortopedista, na Clínica Santelena por uma psicóloga clínica e por um neurocirurgião.
l)Após o acidente, e durante tempo indeterminado, a Autora esteve em casa, imobilizada, com aplicação de colar cervical.
m) Desde o dia do acidente até Dezembro de 2010, a Autora esteve sujeita a terapêutica medicamentosa agressiva (anti-inflamatórios, ansiolíticos/sedativos, relaxantes musculares, analgésicos e anti piréticos/anticonvulsionantes).
n) Durante o ano de 2010, a Autora realizou fisioterapia, entre 12 de Fevereiro e 16 de Julho, todos os dias úteis, tendo sido transportada em Ambulância da Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação num percurso entre a Silveira (onde reside) e Lisboa (Hospital da Marinha) de 140 kms (ida e volta), e entre 122 de Julho e 16 de Dezembro de 2010 fez três sessões semanais de Fisioterapia no Hospital da Marinha Em Lisboa continuado a ser transportada de ambulância no mesmo percurso intercaladas com duas sessões de natação numa piscina próxima da sua residência.”
o) Tendo lhe sido prescritas aulas de natação.
p) Durante o ano de 2011 a Autora manteve a fisioterapia, sem condições para se deslocar pelos próprios meios.
q) A Autora que foi seguida em consultas de fisiatria no Hospital das Forças Armadas, no ano de 2010, aí manteve sessões de fisioterapia tendo, nesses serviços, realizado 150 sessões e tendo necessitado em 2012 de mais 70 sessões de fisioterapia que tiveram lugar no centro de fisioterapia Fisioteste, em Torres Vedras.
r) A partir de 2010 a Autora passou a ser acompanhada e submetida a juntas médicas pela Junta da Saúde Natal que aferiam do seu estado clínico e grau de capacidade para o exercício das suas funções.
s) Até 14 de Novembro de 2011 a Junta de Saúde Naval considerou a que a Autora necessitava de 60 dias de licença para continuar em observação e tratamento na consulta externa de ortopedia do Hospital da Marinha, após o que foi passada a considerar “insuficientemente apta para tarefas que impliquem esforços físicos intensos e tarefas nocturnas.
t) A Autora regressou ao trabalho a 15-11-2011 passando a realizar funções administrativas. u) Em consequência do acidente ficou com incapacidade absoluta para o trabalho até 14-11-2011.
v) Até Dezembro de 2013 a Autora manteve uma situação de incapacidade temporária parcial, sendo que 16-12-2013 corresponde à data da consolidação médico-legal das lesões da Autora.
w) Até esta data a Autora foi sendo acompanhada em consultas de ortopedia, otorrino, neurologia, psiquiatria e psicologia, assim como se submeteu a exames complementares de diagnóstico e tratamentos de medicina física e de reabilitação.
x) Em 2012, de Janeiro a Outubro, a Autora teve registadas no seu processo 104 faltas ao serviço por doença.
y) Na data do Acidente a Autora, de 37 anos, era uma pessoa saudável e alegre, que sonhava ser mãe.
z) Do ponto de vista profissional a Autora apreciava as tarefas que lhe estavam atribuídas na Polícia marítima, designadamente os patrulhamentos em terra e no mar, tendo um bom relacionamento com os colegas de trabalho.
aa) tinha, igualmente, perspectivas na progressão na carreia.
ab) A autora sofreu dores, principalmente lombalgias e cervicalgias, sendo que as mesmas se situam num grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente.
ac) Tendo em atenção as sequelas do acidente - no corpo, funções e actividades da vida diária – a Autora ficou com um défice funcional permanente da integridade Físico Psíquica de 9 pontos.
ad) A Autora ficou com sequelas compatíveis com o exercício das funções administrativas em que foi colocada, não obstante a exigência de esforços suplementares para o efeito, mas já não para tarefas operacionais como as que lhe estavam atribuídas antes do acidente.
ae) A Autora deixou de poder praticar os desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta, sendo fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, a repercussão permanente das actividades desportivas e de lazer
af) A Autora alterou a sua vida social, tendo deixado de conviver com amigos e de sair com estes, devido às dores que ainda sente e por se sentir fisicamente limitada.
ag) Por força das lesões e consequências do acidente, a Autora desistiu do projecto de ser mãe. ah) a Autora passou a apresentar um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, desencadeado pelo acidente, tendo recorrido a apoio psicológico.
ai) Na sequência do acidente a Zurich assumiu e pagou a reparação dos danos verificados no automóvel da Autora e dispôs-se a pagar as lesões sofridas pela mesma.
aj) Tendo a Zurich entre Dezembro de 2009 e Abril de 2011 pago à Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação as despesas das deslocações da Autora em ambulância para consultas, juntas médicas e tratamentos.
ak) A Autora apresentou à Zurich a listagem de deslocações constantes de fls. 279.
al) A Ré não procedeu ao pagamento dessas deslocações.
am) Em medicamentos, consultas de psicologia, ortopedia e meios complementares de diagnóstico, ocorridos ainda por força das lesões do acidente, a Autora suportou a quantia de € 968,00.
an) O valor de € 27,50 para cada uma das deslocações da Autora a sessões de fisioterapia foi fixado por acordo entre a Autora e um funcionário da Ré no dia 14 de Setembro de 2011, tendo a A. realizado 84 deslocações para aquele fim nos anos de 2012 e 2013.”.
ao) Ao longo dos anos de 2014 e 2015, por cervicalgias, a Junta de Saúde Naval atribuiu à Autora sucessivos períodos de incapacidade temporária parcial para o desempenho de tarefas que implicassem esforços físicos e psíquicos (memorização e concentração elevadas), a saber:
- Em Junho de 2014, a Junta de Saúde Naval considerou haver, relativamente à A., incapacidade temporária parcial para o serviço, por um período de 30 dias para todas as tarefas que implicassem esforços físicos intensos com membros superiores;
- Em Agosto de 2014, a mesma Junta considerou haver, nos mesmos termos, incapacidade temporária parcial por 30 dias;
- Em Dezembro de 2014, considerou a Junta necessitar a A. de 45 dias de licença para continuar observação e tratamento em consulta de especialidade;
- Em Janeiro de 2015, a Junta considerou haver incapacidade temporária parcial, por um período de 120 dias, para todas as tarefas que implicassem esforço
psíquico (memorização e concentração elevados);
- Em Junho de 2015, a Junta considerou haver incapacidade temporária parcial, por um período de 120 dias, para todas as tarefas que implicassem esforço
psíquico (memorização e concentração elevados) (doc. de fls. 438)
É aditada uma alínea ap) com a seguinte redação    
ap) A 4 de Janeiro de 2016, por cervicalgias e outras vertigens periféricas, a Junta de Saúde Naval considerou haver, em relação à Autora, uma incapacidade permanente para o desempenho de algumas funções relativas ao posto e classe, nomeadamente todas as tarefas que impliquem esforço psíquico (memorização e concentração elevadas) e esforços físicos.
v.1) A Apelante foi mais especificamente, afectada por:
- Défice Funcional Temporário Total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado a 22/12/2009, sendo assim fixável um período de 1 dia (correspondendo à data de assistência hospitalar no dia do evento em apreço).
- Défice Funcional Temporário Parcial (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações), que se terá situado entre 23/12/2009 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período de 1455 dias (correspondendo ao período em que a examinanda foi acompanhada em consulta de ortopedia, otorrinolaringologia, neurologia, psiquiatria e psicologia, realizando ainda medicação, exames complementares de diagnóstico e tratamentos de medicina física e reabilitação).
- Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 22/12/2009 e 14/11/2011, sendo assim fixável num período total de 693 dias (de acordo com a informação constante das juntas de saúde naval).
- Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Parcial, correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas atividades, ainda que com limitações), que se terá situado entre 15/11/2011 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período total de 763 dias (conforme informação constante das juntas de saúde naval).
aq) Por força do acidente e das sequelas de que ficou a padecer a Autora ficou impedida de concorrer às categorias de subchefe e chefe de forma permanente, por as sequelas de que ficou a padecer não o permitirem.
V. Razões de Direito
- dos elementos constantes dos autos admitirem a fixação de uma indemnização, sem necessidade de remeter para momento posterior a sua liquidação
Insurge-se a A. contra a sentença, na parte em que remeteu para posterior liquidação a fixação da indemnização, considerando que os factos provados a par dos documentos entretanto juntos aos autos na sequência da decisão do acórdão proferido, permitem fixar desde já a indemnização devida pelo dano biológico
A sentença sob recurso considerou verificado o dano da A. relativo ao impedimento de progressão na carreira, como casual à ocorrência do acidente, referindo a falta de factos para fixar a indemnização devida por tal prejuízo, também porque não foram alegados, concluindo que os danos relativos ao défice funcional e correspondente perda da capacidade de ganho terão de ser quantificados em sede de liquidação ulterior de danos.
Como já teve oportunidade de referir-se importa distinguir a repercussão não patrimonial e patrimonial que tem para a A. o défice funcional de que ficou a padecer e que veio a interferir também com a possibilidade da mesma ascender na sua carreira profissional.
Essa distinção foi feita desde logo no anterior acórdão proferido nos autos que ficou impossibilitado de avaliar a adequação da indemnização de €25.000,00 inicialmente atribuída pelo tribunal de 1ª instância a título de danos não patrimoniais, por não estar apurado aquele facto alegado pela A.
Como se viu, não foi a liquidação destes danos não patrimoniais que a sentença recorrida relegou para posterior liquidação, já que o fez apenas relativamente aos danos patrimoniais sofridos em razão da perda de capacidade de ganho da A., danos estes que a A. na sua petição inicial também requereu que fosse relegada para posteriormente a sua liquidação.
Relativamente a estes danos não patrimoniais a sentença não avaliou os mesmos e não decidiu do pedido formulado pela A. nesse sentido, tendo concluído erradamente que a condenação da R. numa indemnização pelos danos não patrimoniais já estava efetuada, ao não ter ponderado devidamente que o acórdão havia revogado nessa parte a anterior sentença que havia atribuído à A. uma indemnização de €25.000,00 a esse título, por não estar apurada a (im)possibilidade de ascensão na carreira, circunstância também suscetível de interferir na quantificação daquela indemnização.
Sem prejuízo da avaliação que se fará adiante sobre esta questão da indemnização dos danos não patrimoniais, importa em primeiro lugar saber se o tribunal a quo andou bem em relegar para incidente de liquidação a concretização da indemnização dos danos patrimoniais correspondentes à perda da capacidade de ganho, o que a Recorrente questiona.
A A. na sua petição inicial veio formular um pedido de condenação da R. no pagamento da quantia de €150.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescido do que vier a liquidar-se em execução de sentença, com fundamento na circunstância de ainda não ter todos elementos que lhe permitam concretizar todos os prejuízos que sofreu com o acidente, designadamente com repercussão no âmbito do exercício da sua atividade profissional.
O art.º 556.º do CPC admite que o A. venha formular pedidos genéricos, nos casos que aí são enunciados, prevendo em concreto, no seu n.º 1 al. b) “Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art.º 569.º do Código Civil.”. Acrescenta o n.º 2 deste art.º 566.º: “Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no art.º 358.º, salvo no caso da alínea a), quando o autor não tenha elementos que permitam a concretização, observando-se então o disposto no n.º 7 do artigo 716.º.”.
A situação em presença, integra-se precisamente na al. b) do n.º 1 do art.º 556.º do CPC, já que a A. invocou a impossibilidade de determinar em definitivo as consequências do facto ilícito, correspondente ao acidente de viação de que foi vítima, com referência ao défice funcional de que ficou a padecer e respetivas consequências na sua vida futura, designadamente ao nível da sua carreira profissional, para assim pedir a condenação da R. “no que vier a liquidar-se em execução de sentença”.
Neste caso, como estabelece o n.º 2 do artigo mencionado, o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no art.º 358.º do CPC.
Estabelece este art.º 358.º do CPC, com a epígrafe “Ónus de liquidação”:
“1- Antes de começar a discussão da causa, o autor deduz, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito.
2 - O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.”
No que se refere à forma como a liquidação deve ser apresentada, rege o art.º 359.º que n.º seu n.º 1 estabelece, designadamente, que a mesma é deduzida mediante requerimento no qual o autor especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa.
O art.º 360.º rege sobre os procedimentos seguintes à dedução do incidente de liquidação pelo A. estabelecendo no seu n.º 2 que: “se o incidente for deduzido antes de começar a discussão da causa, a matéria da liquidação é considerada nos temas da prova enunciados ou a enunciar nos termos do n.º 1 do artigo 596.º, as provas são oferecidas e produzidas, sendo possível, com as da restante matéria da ação e da defesa e a liquidação é discutida e julgada com a causa principal.”.
Na situação em presença, o que se verifica é que a Recorrente vem invocar o erro da sentença proferida ao não fixar desde já uma indemnização pelos danos decorrentes do défice funcional de que ficou a padecer no correspondente à sua repercussão na atividade profissional e ascensão na carreira, sem que tenha sequer vindo ao processo deduzir qualquer incidente de liquidação do pedido genérico que formulou na sua petição inicial, nos termos previstos nos art.º 356.º e 358.º do CPC.
A A. não apresentou requerimento ao processo a suscitar devidamente a liquidação do pedido genérico que formulou na p.i., não alegou os novos factos que entende deverem ser submetidos ao contraditório e passar a ser objeto dos temas da prova e da instrução da causa, para assim poderem vir a ser considerados pelo tribunal de 1ª instância na sentença a proferir, nem tão pouco formulou um pedido de condenação da R. no pagamento de um valor indemnizatório em concreto.
Como se refere no Acórdão do TRP de 23 de setembro de 2019 no proc. 68/17.0T8AVR.P1 in www.dgsi.pt : “Ora, tendo-se formulado pedido genérico (ilíquido), para obter a condenação em indemnização fixa (poderá ocorrer condenação no que se vier a liquidar), haverá que previamente proceder-se à liquidação. É isso que resulta do n.º 2 do já citado artigo 556.º do CPC, donde decorre que a determinação do objecto a que o pedido respeita, nos casos de universalidade e da indemnização por facto ilícito, faz-se mediante o incidente de liquidação, a deduzir na acção declarativa até ao momento do início da discussão da causa (cfr. artigo 358.º, n.º 1 CPCivil). Assim, se na pendência da acção de condenação o autor não deduzir o incidente de liquidação até ao início da discussão da causa (citado art.º 358º, n.º 1 do CPCicil), ou não forem apurados os elementos que permitiriam a determinação, o tribunal condenará, também genericamente, no que vier a ser liquidado (artigo 609.º, n.º 2 do CPCivil), assim remetendo para momento ulterior a determinação a efectuar. Do que fica referido resulta que, se é certo que a proibição contida no n.º 1 do art.º 609º do CPC se afere relativamente ao pedido global, sempre terá que se atender ao pedido. E esses limites (art.º 609º do CPC) reportam-se ao pedido concreto, que tendo sido inicialmente deduzido como pedido genérico, para se obter uma condenação em indemnização concreta, terá que ser previamente liquidado pelo demandante. A defender-se o contrário, teríamos que, deduzido pedido genérico, sempre poderia o tribunal condenar em qualquer valor, o que não é admissível.”.
Aliás, o tribunal de 1ª instância, já de alguma forma havia chamado a atenção da A. para esta situação, quando do despacho preferido a 05.05.2021, onde consta: “Nunca poderá o Tribunal a este respeito quantificar esta indemnização – tendo sempre de a relegar para liquidação ulterior – na medida em que o diferencial da perda da capacidade de ganho não foi alegado, o pedido não foi liquidado nem quantificado e o Tribunal da Relação também não ordenou a ampliação da matéria de facto a este respeito, o que implicaria sempre um convite ao aperfeiçoamento e subsequente contraditório.”.
É certo que, quando notificada do documento junto aos autos pela Polícia Marítima a pedido do tribunal, a A. veio pronunciar-se sobre mesmo, fazendo considerações, alegando novos factos e juntando mais documentos, contudo, tal resposta da A. não constitui um requerimento de liquidação do pedido genérico que a mesma havia formulado, assim não foi por ela qualificado, nem assim foi entendido pela parte contrária, nem tão pouco pelo tribunal de 1ª instância.
Verifica-se aliás, que aqueles novos factos invocados pela A. nas conclusões que apresenta em tal pronúncia nem sequer foram considerados na decisão de facto que consta da sentença proferida, nem tão pouco em sede de recurso a A. vem requerer a ampliação da matéria de facto provada nesse sentido.
Não tendo a A. liquidado qualquer pedido indemnizatório reportado ao prejuízo patrimonial decorrente da impossibilidade de ascensão na carreira, por força do défice funcional de que ficou a padecer, o tribunal não tem sequer um limite no pedido relativamente ao qual tem de se ater, estando por isso, também por essa razão, “obrigado” a relegar para posterior liquidação esta indemnização a atribuir.
Sem necessidade de mais considerações a este propósito, resta concluir, que a A. nunca suscitou nos autos o incidente de liquidação a que alude o art.º 358.º do CPC relativamente ao pedido genérico que formulou por referência ao prejuízo patrimonial que tem e terá no futuro por força da repercussão que o défice funcional de que ficou a padecer tem na sua atividade profissional, não merecendo censura a sentença proferida quando a final decide que “os danos sofridos pela Autora em virtude do défice funcional e da correspondente perda da capacidade de ganhos terão de ser quantificados em sede de liquidação ulterior de danos.”.
Já no que respeita aos danos não patrimoniais que resultaram para a A. do acidente que sofreu e também reflexamente do dano biológico na vertente não patrimonial, os elementos constantes dos autos permitem desde já a fixação de uma indemnização, sem necessidade de se remeter a mesma posterior liquidação, com recurso à equidade.
A A. pediu que lhe fosse atribuída uma indemnização no valor de € 150.000,00 a título de danos não patrimoniais, tendo o tribunal de 1ª instância fixado num primeiro momento em € 25.000,00 a quantia devida pela R. à A. a este título, decisão que veio a ser revogada pelo acórdão proferido nos autos.
Tendo vindo a merecer ampla controvérsia a natureza do dano biológico, que tanto é considerado como um dano patrimonial, como conotado com um dano não patrimonial ou ainda como um dano próprio que não se integra em nenhuma destas categorias. A discussão teórica perde relevância quando se coloca a questão da indemnização do dano em concreto, na medida em que independentemente da qualificação que se dê ao dano que representa o défice funcional de que o lesado fica a padecer o que verdadeiramente importa é, na prática, o seu ressarcimento.
Tem vindo a integrar o conceito de dano biológico a existência de lesões geradoras de incapacidades permanentes, com ou sem repercussão na esfera patrimonial do lesado, designadamente na sua capacidade de auferir rendimentos com a sua profissão habitual, conforme tem sido defendido pela generalidade da nossa jurisprudência, do que citamos apenas como exemplo o Acórdão do STJ de 25 de maio de 2017 no proc. 2028/12.9TBVCT.G1.S1 in www.dgsi.pt  
Este conceito aparece legalmente consagrado no sentido de ofensa à integridade física e psíquica, independentemente de dela resultar perda de capacidade de ganho, no art.º 3.º al. b) da Portaria nº 377/2008 de 26 de maio, sendo a mesma realidade designada também por dano corporal, por contraposição a dano material, como acontece no art.º 51.º n.º 1 do DL 291/2007 de 21 de agosto.
O chamado dano biológico ou corporal adquiriu autonomia, estando na sua origem o direito à saúde, concretizado numa situação de bem estar físico e psíquico, enquanto direito fundamental de cada indivíduo constitucionalmente consagrado nos art.º 24.º n.º 1, 25.º n.º 1 da CRP normas que apontam para o carácter inviolável da vida e integridade física e moral da pessoa humana e no art.º 70.º do C.Civil que protege a ofensa ilícita à personalidade física ou moral de cada um.
 Este “direito à saúde” quando afetado, enquanto direito fundamental de cada um, dá lugar à obrigação de indemnizar que não pode ser limitada aos casos em que as lesões se repercutem sobre a capacidade de ganho do lesado, no que tem sido a posição unânime manifestada pela nossa jurisprudência.
Verifica-se, que a incapacidade funcional que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a atividade profissional do lesado com incidência ou repercussão na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não, ou porque é menos significativa ou até porque o lesado não exerce sequer atividade profissional. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização de danos futuros de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos.
Isto significa, que da mesma lesão corporal que constitui o dano biológico representado por um determinando défice funcional, podem resultar como consequência para o lesado, simultaneamente, danos patrimoniais e não patrimoniais ou morais.
O dano patrimonial é aquele que se repercute no património do lesado, seja a título de danos emergentes, seja de lucros cessantes. O dano não patrimonial reporta-se à ofensa de bens que não se integram no património da vítima, como é o caso da vida, saúde, liberdade ou beleza, com uma impossibilidade de reposição do lesado na situação anterior, sendo por isso apenas suscetível de uma compensação.
Quando não se repercute diretamente na esfera patrimonial do lesado, o dano biológico ou corporal é um dano não patrimonial que deve ser compensado, conforme dispõe o art.º 496.º do C.Civil, desde que tenha gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, já quando isso acontece, nomeadamente quando o dano biológico vai interferir com a capacidade do lesado auferir os mesmos rendimentos, impõe uma indemnização dos danos patrimoniais que dela decorrem.
A propósito do cálculo da indemnização do dano biológico e dos danos não patrimoniais, diz-nos o Acórdão do STJ de 4 de junho de 2015 no proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 in www.dgsi.pt : “Como sabemos, trata-se, em ambos os casos, de indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Cfr. ainda os acórdãos de 10 de Outubro de 2012, www.dgsi.pt, proc. 643/2001.G1.S1 ou de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1 ou de 20 de Novembro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1, que se segue de perto.”.
O que está em causa agora apreciar e decidir no presente recurso é o valor da indemnização a atribuir pelo dano biológico representado pelo défice funcional de que a A. ficou a padecer na sua repercussão não patrimonial e pelos restantes danos não patrimoniais sofridos também por ela reclamados e que vieram a resultar provados.
Com interesse para esta questão, ficou provado que a A., na sequência do acidente de viação, foi transportada para o Serviço de Urgência Hospitalar tendo tido alta no dia seguinte; em consequência do embate sofreu traumatismo cervical dorsal, dos ombros e do joelho esquerdo e mais tarde, em observação Hospitalar, foi-lhe diagnosticada contusão da parede torácica; na sequência do acidente a A. foi seguida nas especialidades de Ortopedia, Cirurgia Geral, Fisiatria, Otorrinolaringologia e Neurologia; após o acidente, e durante tempo indeterminado, esteve em casa, imobilizada, com aplicação de colar cervical e desde o acidente até dezembro de 2010, esteve sujeita a terapêutica medicamentosa com anti-inflamatórios, ansiolíticos/sedativos, relaxantes musculares, analgésicos e anti piréticos/anticonvulsionantes; realizou fisioterapia entre 12 de fevereiro e 16 de julho de 2010 todos os dias úteis, sendo transportada em Ambulância num percurso de 140 kms (ida e volta), e entre 22 de julho e 16 de dezembro de 2010 fez três sessões semanais de Fisioterapia continuado a ser transportada de ambulância no mesmo percurso intercaladas com duas sessões de natação que lhe foram prescritas, numa piscina próxima da sua residência; durante o ano de 2011 manteve a fisioterapia, sem condições para se deslocar pelos próprios meios, tendo realizado 150 sessões e tendo necessitado em 2012 de mais 70 sessões de fisioterapia que tiveram lugar em Torres Vedras; até 14 de novembro de 2011 a Junta de Saúde Naval considerou a que a A. necessitava de 60 dias de licença para continuar em observação e tratamento na consulta externa de ortopedia do Hospital da Marinha, após o que foi passada a considerar “insuficientemente apta para tarefas que impliquem esforços físicos intensos e tarefas noturnas; a Autora regressou ao trabalho a 15.11.2011 passando a realizar funções administrativas; em consequência do acidente ficou com incapacidade absoluta para o trabalho até 14.11.2011 e até Dezembro de 2013 a Autora manteve uma situação de incapacidade temporária parcial, sendo 16.12.2013 a data da consolidação médico-legal das lesões da A.; até esta data a A. foi sendo acompanhada em consultas de ortopedia, otorrino, neurologia, psiquiatria e psicologia, assim como se submeteu a exames complementares de diagnóstico e tratamentos de medicina física e de reabilitação; à data do acidente a A., de 37 anos, era uma pessoa saudável e alegre, que sonhava ser mãe; do ponto de vista profissional apreciava as tarefas que lhe estavam atribuídas na Polícia marítima, designadamente os patrulhamentos em terra e no mar, tendo um bom relacionamento com os colegas de trabalho e tinha perspetivas de progressão na carreia. A A. sofreu dores, principalmente lombalgias e cervicalgias, sendo que as mesmas se situam num grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente; tendo em atenção as sequelas do acidente - no corpo, funções e atividades da vida diária ficou com um défice funcional permanente da integridade Físico Psíquica de 9 pontos; as sequelas são compatíveis com o exercício das funções administrativas em que foi colocada, não obstante a exigência de esforços suplementares para o efeito, mas já não para tarefas operacionais como as que lhe estavam atribuídas antes do acidente. A A. deixou de poder praticar os desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta, sendo fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, a repercussão permanente das atividades desportivas e de lazer; alterou a sua vida social, tendo deixado de conviver com amigos e de sair com estes, devido às dores que ainda sente e por se sentir fisicamente limitada; por força das lesões e consequências do acidente, a A. desistiu do projeto de ser mãe e passou a apresentar um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, tendo recorrido a apoio psicológico. A A. teve um Défice Funcional Temporário Total, correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, a 22/12/2009, sendo assim fixável um período de 1 dia (correspondendo à data de assistência hospitalar no dia do evento em apreço); de Défice Funcional Temporário Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações, que se terá situado entre 23/12/2009 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período de 1455 dias, correspondendo ao período em que foi acompanhada em consulta de ortopedia, otorrinolaringologia, neurologia, psiquiatria e psicologia, realizando ainda medicação, exames complementares de diagnóstico e tratamentos de medicina física e reabilitação; Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total que se terá situado entre 22/12/2009 e 14/11/2011, sendo assim fixável num período total de 693 dias; Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial que se terá situado entre 15/11/2011 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período total de 763 dias (conforme informação constante das juntas de saúde naval); por força do acidente e das sequelas de que ficou a padecer a A. ficou impedida de concorrer às categorias de subchefe e chefe de forma permanente, por as sequelas de que ficou a padecer não o permitirem.
Neste caso, o dano biológico sofrido pela A., enquanto lesão do seu direito à saúde que lhe confere uma incapacidade funcional de 9% e que tem as repercussões que se referiram na sua vida, é indemnizável. Tal dano, embora não interfira com a possibilidade da A. continuar a auferir rendimentos com a sua profissão ou com outra atividade profissional, afeta a sua capacidade funcional de forma relevante, determinando a realização de esforços acrescidos não só para a execução das tarefas profissionais a que se dedique, mas também para outras tarefas ou atividades domésticas ou pessoais, como amplamente decorre dos factos apurados, merecendo por isso compensação.
O dano sofrido pela A. corporizado num défice funcional permanente de 9 pontos, com implicações ao nível físico e psíquico, determinará sempre um esforço acrescido por parte da mesma, não só para o exercício de atividade profissional que a mesma possa pretender exercer, como para qualquer outra atividade doméstica ou de lazer; implica, diríamos nós, um esforço pessoal suplementar para “viver”, suscetível de ser compensado a título de dano não patrimonial, conforme previsão do art.º 496.º do C.Civil.
Relativamente aos danos não patrimoniais, indemnizáveis de acordo com o art.º 496.º n.º 1 do C.Civil, a indemnização é fixada com recurso a critérios de equidade, conforme dispõe o n.º 3 do mesmo artigo, e atendendo às circunstâncias referidas no art.º 494.º C.Civil, já que se trata mais de dar ao lesado uma compensação, uma vez que a reparação da situação anterior não é, na prática, possível, na medida em que o dano não é suscetível de equivalente. Por esta razão, a indemnização deve ser fixada equitativamente pelo tribunal- art.º 496.º n.º 3 C.Civil, tendo em conta o grau de culpa do responsável, a sua situação económica, bem como a do lesado, a gravidade dos danos e quaisquer outras circunstâncias que devam ser ponderadas- art.º 494.º C.Civil.
Na determinação da indemnização do dano biológico, importa ter em conta a idade da lesada que era no caso de 37 anos à data do acidente e o grau de desvalorização ou incapacidade que é de 9 pontos, sendo a sua repercussão manifestada em concreto em múltiplas áreas da vida da A. como revelam os factos que resultaram provados.
Importa ainda levar em conta outros danos não patrimoniais em sentido estrito ficaram evidenciados, a par dos que resultam do défice funcional de que a A, ficou a padecer, os danos estéticos, as dores presentes e futuras e os padecimentos de que a A. tem vindo a sofrer desde o acidente com a sua recuperação e com as limitações que tal implicou na sua vida, com períodos de incapacidade total e parcial para o trabalho que podem considerar-se longos, angústias e padecimentos físicos e psíquicos que teve e ainda tem com as lesões sofridas e com a assistência médica, exames e tratamentos clínicos e de recuperação a que teve de submeter-se e que se encontram bem evidenciados nos factos que resultaram provados e que se prolongaram por largos meses.
Os critérios para a determinação da compensação a atribuir e que vêm estabelecidos nos art.º 494.º e 496.º n.º 1 e n.º 3 do C.Civil já foram anteriormente enunciados, pelo que nos escusamos de os repetir.
Regista-se que, os resultados das lesões sofridas pela A., após a sua consolidação, determinaram um défice funcional que não pode considerar-se muito baixo, evidenciando ainda os factos provados um tratamento médico e de recuperação das lesões complexo e bastante penoso, com um largo período de tempo de recuperação para a A. com submissão a tratamentos, bem como um largo período de incapacidade para o trabalho.
Todos estes factos são reveladores do sofrimento da A. na sequência das lesões causadas pelo acidente. São danos que a impediram de fazer a sua vida “normal” durante um largo período de tempo, designadamente deixando de trabalhar, exigiram uma intervenção médica efetiva e a diversos níveis, desde hospitalar até fisioterapia, situação para a qual a mesma em nada contribuiu, já que não teve culpa na ocorrência do acidente.
Ponderando todos estes factos elencados e os critérios legais, levando-se ainda em conta o largo período de tempo já decorrido desde o acidente, considera-se adequado fixar em € 65.000,00 a compensação a atribuir à A. a título de danos não patrimoniais sofridos, abrangendo quer os danos não patrimoniais considerados em sentido estrito quer os danos não patrimoniais que para a A. resultaram do défice funcional de que ficou a padecer, sem prejuízo do valor indemnizatório que venha a ser liquidado posteriormente, relativo aos prejuízos patrimoniais pela perda de capacidade de ganho também decorrentes daquele défice funcional.
Em conclusão, altera-se a sentença proferida no entendimento nela expresso de que já havia ficado estabelecido o valor indemnizatório devido pelos danos não patrimoniais por decisão transitada em julgado, que se substitui por decisão que condena a R. a pagar à A. uma compensação/indemnização de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) pela globalidade dos danos não patrimoniais sofridos.
A respeito dos juros de mora peticionados, na parte que incidem sobre a indemnização por danos não patrimoniais importa ter em conta, sobre o momento da constituição em mora, o que estabelece o n.º 3 do art.º 805.º do C.Civil: “3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”.
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 de 27/06/2002 fixou jurisprudência nos seguintes termos: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”.
Os juros de mora sobre o valor indemnizatório agora atribuído são devidos apenas a partir da decisão.
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o recurso interposto pela A. parcialmente procedente, alterando-se sentença recorrida que se substitui por decisão que condena a R. a pagar à A. a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal sobre tal montante a partir desta decisão, mantendo-se a mesma na parte em que decide condenar a  R. a pagar A. o montante que vier a ser liquidado em incidente a deduzir nos termos do art.º 358.º n.º 2 do CPC, correspondente à perda da capacidade de ganho da A.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Notifique.
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Lisboa, 16 de março de 2023
Inês Moura
Laurinda Gemas
Arlindo Crua