Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1058/20.1T8PDL.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO PATRIMONIAL
DANO NÃO PATRIMONIAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTES O RECURSO INDEPENDENTE E O RECURSO SUBORDINADO
Sumário: I - O dano corporal ou dano biológico (incapacidade fisiológica ou funcional) não se confunde com o dano patrimonial, sendo que aquele está sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica ou do bem saúde, enquanto que este, como dano sucessivo ou ulterior, é eventual;
II - considerando-se a força do trabalho um bem patrimonial, tem-se entendido que a incapacidade parcial permanente (IPP) é, consequentemente, de per si, um dano de natureza patrimonial indemnizável;
III - e isto, quer determine ou acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer apenas implique um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de proventos laborais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar físico e/ou psíquico para obter o mesmo resultado;
IV - pois, neste caso, trata-se de indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, e não qualquer perda efectiva de rendimento;
V - assim, caso a lesão origine, no futuro, durante o período activo do lesado, ou da sua vida, uma perda de capacidade de ganho ou um esforço acrescido no seu desempenho profissional, o ressarcimento deve operar-se em sede patrimonial;
VI - em contraponto, estando em causa a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, decorrente de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico, sem rebate profissional, a compensação deve operar-se em sede não patrimonial;
VII – na valoração do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (dano futuro), o recurso a critérios financeiros e tabelas matemáticas não afasta a aplicação da equidade, que sempre funciona em sede de ponderação final ajuizadora da (des)razoabilidade do valor alcançado;
VIII - a retribuição traduz-se no conjunto de valores (em pecunia ou espécie) pagos pela entidade empregadora ao trabalhador, de forma regular e periódica, em contrapartida da actividade ou trabalho pelo mesmo prestado, ou da mera disponibilidade da força de trabalho pelo mesmo oferecida;
IX - não deve integrar tal conceito as prestações de índole patrimonial, ainda que regulares ou periódicas, atribuídas pelo empregador que não constituam contraprestação pelo trabalho prestado, mas antes se destinando a compensar o trabalhador por outros factores, ou seja, possuindo uma causa específica ou individualizada, distinta da remuneração do trabalho ou da mera disponibilidade para este ;
X - num primeiro momento, incumbe à entidade empregadora ilidir a presunção de carácter retributivo inscrita no nº. 3, do art.º 258º, do Cód. do Trabalho, provando ter o pagamento efectuado visado suportar os encargos do trabalhador com despesas susceptíveis de integrarem o conceito de ajudas de custo (deslocações, alojamento, alimentação);
XI - conforme decorre da alínea a), do nº. 1, do art.º 260º, do Código do Trabalho, funcionando como regra, as denominadas ajudas de custo (e demais prestações ali previstas, nomeadamente o subsídio de refeição, por força da remissão do nº. 2 do mesmo normativo), enquanto compensação ou reembolso de despesas efectuadas pelo trabalhador por força das deslocações em serviço, não integram o conceito de retribuição;
XII - apenas devendo ser consideradas como tal, desde que se verifiquem preenchidos três requisitos cumulativos (previstos na 2ª parte, do mesmo nº. 1, do art.º 260º, do Cód. do Trabalho):
1. desde que as deslocações ou despesas compensadas a tal título sejam frequentes;
2. desde que as importâncias devidas a tal título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas;
3. e, na medida em que excedam tais custos normais das deslocações ou despesas, tenham sido contratualmente previstas ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador;
XIII - incumbe ao trabalhador, como facto constitutivo do seu direito – cf., nº. 1, do art.º 342º, do Cód. Civil -, que pretenda fazer valer a natureza retributiva de tal prestação, o ónus probatório de estarem preenchidos tais pressupostos ou requisitos cumulativos, susceptíveis de integrarem tais valores no conceito de retribuição;
XIV - pelo que, não resultando suficientemente da factualidade provada que as importâncias devidas a título de subsídio de alimentação ou subsídio de refeição excedam os custos normais de tais despesas, hajam sido previstas no contrato ou deviam ser consideradas pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador, não podem as mesmas integrar o conceito de retribuição, não bastando, assim, a mera prova do seu pagamento regular e periódico ;
XV – desta forma, o subsídio de alimentação, embora assuma, na maioria dos casos, natureza regular e periódica, só é considerado retribuição na parte que exceda os montantes normalmente pagos a esse título, sendo mister para o efeito, por isso, a alegação e prova, por banda do trabalhador, de que o mesmo excedia os valores que normalmente eram pagos a esse título;
XVI – apenas se provando que à data do sinistro o Autor trabalhava como carteiro ao serviço dos CTT, na sequência da celebração de um contrato de trabalho a termo certo com início a 20.10.2016 e termo a 19.10.2017, auferindo uma remuneração ilíquida de €449,87 acrescida de €189,21 de subsídio de refeição, constata-se não ser esta factualidade suficiente para que se considere que as importâncias devidas a título de subsídio de refeição excedam os custos normais e tenham sido previstas no contrato, ou devam-se considerar, pelos usos, como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
XVII - donde se conclui, necessariamente, pela sua efectiva não inclusão no conceito de retribuição e, como tal, não devem ser consideradas no cálculo indemnizatório do dano em equação.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do art.º 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I – RELATÓRIO

1M…, residente na Rua …, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra FUNDO…, representado pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundo de pensões, com sede na Avenida …, deduzindo petitório no sentido da Ré ser condenada a pagar-lhe:
a) a quantia de 39.933,16 € (trinta e nove mil novecentos e trinta e três euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros legais contados desde a data da citação e até integral pagamento, correspondendo tal quantia a:
- 11.000,00€ (onze mil euros) a título de danos morais sofridos até à data da instauração da acção;
- 28.933,16€ (vinte e oito mil novecentos e trinta e três euros e dezasseis cêntimos) a título de danos patrimoniais.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
§ Pelas 14 horas e 20 minutos do dia 18 de Maio de 2017, ocorreu um acidente de viação no lugar da rotunda “Peixe Assado”, freguesia do Rosto do Cão (Livramento), na cidade de Ponta Delgada, Ilha e distrito de São Miguel, Açores;
§ Intervieram em tal acidente o velocípede com motor, matrícula ..., marca Yamaha, modelo DT 125R, cor vermelha, conduzido pelo Autor e propriedade dos CTT;
§ e o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula e marca desconhecida, de cor vermelha e condutor e proprietário igualmente desconhecidos;
§ conduzia o motociclo com matrícula …, na rotunda “do peixe assado”, no sentido Oeste–Este, enquanto que sentido Sul/Norte (Ponta Delgada - Ribeira Grande) seguia o referido veículo ligeiro de passageiros de cor vermelha;
§ este veículo não respeitou o sinal de perda de prioridade que existe na dita via rápida e, ao aceder à rotunda, cortou a via de marcha e foi embater com a frente no lado direito do velocípede com motor conduzido pelo Autor;
§ em consequência do que o Autor e o seu veículo foram projectados para a berma da estrada, onde ficou prostrado;
§ enquanto o condutor do veículo ligeiro de passageiros, após o sinistro, fugiu do local do acidente, tendo uma testemunha fotografado o veículo e entregado a fotografia à P.S.P.;
§ todavia, no decorrer da participação efectuada, não foi possível apurar a identificação do veículo, nem do condutor;
§ em consequência do acidente, o Autor sofreu traumatismos e passou a ter queixas a nível da coluna cervical e perturbações stress pós-traumático que o levaram a consultas de psiquiatria;
§ tendo, ainda, ficado com sequelas, nomeadamente dores a nível da coluna cervical frequente e perturbado com stress pós-traumático de lembrança e revivência dos factos ocorridos;
§ mantém, igualmente, flashbacks (memórias do trauma) frequentes, e vem sendo apoiado pelas especialidades de psiquiatria, com tratamentos psicofarmológico;
§ teve 484 dias de doença e tratamentos desde 18/05/2017 até 13/09/2018 (data da consolidação), deixando assim de trabalhar durante 484 dias;
§ e, de acordo com tabela nacional de incapacidade, ficou afectado com uma IPG de 6 pontos (incapacidade permanente geral).
A acção foi intentada em 08/05/2020, tendo apresentado requerimento probatório.
2 – Devidamente citado, veio o Réu apresentar contestação, alegando, em súmula, que:
-- impõe-se apurar se o Autor recebeu ou recebe qualquer indemnização/subvenção pelos danos sofridos em consequência do acidente de viação em crise nos presentes autos, designadamente de natureza laboral, social ou contratual;
-- a sua intervenção está limitada aos casos em que a mesma é estritamente necessária para acautelar os direitos da vítima;
-- pelo que, quando os direitos da vítima estejam acautelados por outra via, não se justifica a tutela Fundo…;
-- sendo o que sucede quando a vítima beneficia da protecção de outro tipo de seguro, designadamente um seguro que também é obrigatório;
-- assim, quando o lesado sofre um acidente que é coberto pelo seguro de acidentes de trabalho deve ser a seguradora do acidente de trabalho a responder pela reparação dos danos do acidente, uma vez que tais coberturas através de seguros obrigatórios asseguram a adequada protecção dessa vítima;
-- sendo apenas possível ao Autor reclamar uma indemnização não abrangida pela protecção conferida à reparação dos acidentes de trabalho e, bem assim, de todos aqueles danos garantidos pelo sistema de protecção da segurança social;
-- Por outro lado, a responsabilidade do Fundo implica que se demonstre qual é o tipo de veículo que interveio no sinistro, qual a nacionalidade da matrícula e a descrição das circunstâncias do facto, de forma a permitir a imputação de um juízo de culpa, podendo dessa forma falar-se em “responsável” e que, no presente caso, tais pressupostos não se verificam.
-- Acresce que, não lhe tendo sido participados os factos ora aduzidos, e desconhecendo-os, pois não são factos pessoais que tenha a obrigação de conhecer, impugna-os.
Conclui, no sentido da total improcedência da acção, determinante da sua absolvição dos pedidos formulados.
3 – Por despacho de 05/09/2020, foi designada data para a realização da audiência prévia, que veio a efectivar-se conforme acta datada de 29/09/2020, na qual:
. Foi fixado o valor da causa;
. Foi proferido saneador stricto sensu;
. Foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova;
. Foram apreciados os requerimentos probatórios.
4 – Realizada a prova pericial, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, conforme acta de fls. 160 a 162, com observância do formalismo legal.
5 – Posteriormente, foi proferida sentença – cf., fls. 163 a 179 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
VI – Decisão
Pelo exposto, decide o Tribunal julgar a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenar o Réu Fundo … a pagar ao Autor M…:
· A quantia de €17.080,00 a título de danos patrimoniais e,
· A quantia de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais; quantias essas acrescidas de juros de mora civis calculados à taxa legal em vigor, vencidos desde a data da citação do Réu e vincendos até efectivo e integral pagamento.
*
Custas pelo Autor e Réu, na proporção do respectivo decaimento, que fixo em 32% e 68%, respectivamente - artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
Valor da acção: fixado no despacho saneador.
*
Registe e notifique”.
6 – Inconformado com o decidido, interpôs recurso de apelação – RECURSO PRINCIPAL ou INDEPENDENTE), por referência à sentença prolatada, o Réu FUNDO …, apresentando, em conformidade, as seguintes CONCLUSÕES:
“1. A fixação do montante indemnizatório em 17.000,00 € pelo dano patrimonial de perda de capacidade de ganho mostra-se manifestamente excessiva e desproporcional aos parâmetros legais e à prática jurisprudencial.
2. Ainda que a Portaria n.º 433/2008, de 26 de maio (com as alterações da Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho) não vincule em sede de decisão judicial, a mesma não deixa de ser um critério de ponderação.
3. Para a presente situação, a portaria em causa determinava o valor global de 5.524,65 €.
4. Atendendo ao recurso à equidade e a todos os critérios que têm vindo a ser aplicados pela jurisprudência, entende-se que no máximo deve ser fixado a título de dano patrimonial de perda de capacidade de ganho, o valor de 9.000,00 € (nove mil euros).
5. De igual modo, o montante de 10.000,00 € fixado pelo tribunal recorrido a título de danos não patrimoniais mostra-se exagerado e desajustado à realidade jurisprudencial.
6. Assim, atendendo ao praticado na jurisprudência, somos de parecer, que se mostra razoável a fixação do montante de 5.000,00 € a título de danos não patrimoniais.
7. Ao não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou os artigos, 496.º, 562.º e 564.º, todos do Código Civil”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso.
7 – O Autor Apelado veio apresentar contra-alegações, referenciando, em sede conclusiva que:
A) A fixação do montante indemnizado em €9.000,00 (nove mil euros) como o pretende o recorrente é um valor de uma indemnização miserabilista face aos danos sofridos pelo autor a título de danos patrimoniais;
B) De igual modo o valor de €5.000,00 (cinco mil euros) para pagamento dos danos morais que o recorrente sofreu é insuficiente.
C) Pelo que devem improceder as alegações e conclusões do recorrente”.
Veio, ainda, intentar RECURSO SUBORDINADO, no qual formulou as seguintes CONCLUSÕES (corrigem-se os lapsos de redacção):
A) O montante fixado pela douta sentença em €17.000,00 é manifestamente insuficiente para reparar os danos patrimoniais sofridos pelo autor, uma vez que apenas teve em conta a idade da reforma aos 66 anos.
B) O valor que o recorrente deverá receber deverá ter em conta a esperança média de vida que são 81 anos, pelo que o recorrente reclama o pagamento do montante de €23.710,52 (vinte e três mil setecentos e dez euros e cinquenta e dois cêntimos).
C) O montante fixado pelo Tribunal recorrido de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos patrimoniais é insuficiente para reparação dos danos sofridos pelo autor.
D) Reclama o recorrente a este título de danos morais o pagamento do montante de 15.000,00€ (quinze mil euros).
E) Tudo isto acrescido de juro legal à taxa de 4% ano.
F) O Tribunal «a quo» violou o disposto nos artigos 483º, 563º, 564º e 566º, todos do Código Civil”.
Conclui, no sentido da procedência do presente recurso subordinado, com consequente alteração da sentença recorrida.
8 – O Apelado Subordinado FUNDO … veio apresentar contra-alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES (corrigem-se os lapsos de redacção):
“1. Os elementos de discórdia que o recorrente pretende assacar à decisão proferida em sede de primeira instância não merecem em nenhum momento acolhimento. Por outro lado, o pedido referente aos danos não patrimoniais mostra-se legalmente inadmissível.
2. O Tribunal recorrido andou muito bem ao considerar como elemento de cálculo, a idade previsível da reforma que se traduz nos 66 anos ao invés da idade de esperança média de vida.
3. Tanto mais que, resultou provado que o acidente em causa nos autos e, bem assim, as sequelas padecidas pelo autor, não determinaram qualquer perda de remuneração nem a potencialidade de aumento na capacidade de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual como em profissão ou actividade económica alternativa e, por essa razão, a incapacidade permanente que o Autor padece não terá reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, com repercussão no valor da pensão de reforma que venha a ter direito.
4. Ainda, temos que ter em devida consideração nos elementos utilizados para o cálculo que estamos a falar de um dano intimamente ligado à perda de capacidade de ganho e ao esforço inerente para trabalhar decorrente do défice funcional que ficou a padecer.
5. E por isso, a consideração da idade da reforma de 66 anos mostra-se justa e adequada a situação em concreto.
6. Ainda assim, sempre se refira que não poderá lograr o peticionado pelo autor, isto é, a esperança média de vida, o qual indica ser para 81 anos de idade. Pois, no limite deve ser considerado 70 anos, como tem sido defendido por alguns arestos dos nossos Tribunais Superiores.
7. No que se refere aos danos não patrimoniais, o peticionado pelo autor em sede de recurso é inadmissível por força do princípio do pedido.
8. O autor peticionou 11.000,00 € a título de danos não patrimoniais. Pelo que, em nenhum momento poderia a sentença alvo de recurso considerar valor superior aquele.
9. Além disso, sempre se diga, que o recorrente não carreia para o seu recurso qualquer elemento que sustente a majoração que o mesmo peticiona, mas tão só a questão do tempo de vida activa do autor, o qual em nada conflitua com a atribuição do montante fixado a título de danos não patrimoniais”.
9 – Os recursos foram admitidos por despachos de fls. 206, de 05/12/2022, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
10 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.

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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art.º 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do art.º 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das alegações e conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina, prima facie, o conhecimento das seguintes questões:

RECURSO INDEPENDENTE (Recorrente Fundo de Garantia Automóvel):
A) Do quantum indemnizatório
1) Do dano patrimonial – perda de capacidade de ganho
-- Do valor manifestamente excessivo e desconforme à prática jurisprudencial e aos parâmetros legais;
-- Da necessária ponderação da Portaria nº. 377/2008, de 26/05 – com as alterações da Portaria nº. 679/2009, de 25/06;
-- Da necessária não consideração do subsídio de alimentação;
-- Da redução da quantia fixada para o valor de 9.000,00 € - cf., Conclusões 1. a 4. e Conclusão contra-alegacional A);
2) Dos danos não patrimoniais
-- Do valor excessivo e desconforme à prática jurisprudencial e aos parâmetros legais;
-- Da redução da quantia fixada para o valor de 5.000,00€ - cf., Conclusões 5. a 7. e Conclusão contra-alegacional B);

RECURSO SUBORDINADO (Recorrente Autor):
A) Do quantum indemnizatório;
- Do valor fixado em contrário da tendência jurisprudencial e das exigências legais;
- Do montante atribuído a título de danos patrimoniais tendo por base a idade da reforma (66 anos), quando deveria ser tida em conta a esperança média de vida (81 anos);
- Da alteração do montante para o valor de 23.710,52€ - Conclusões A) e B) e Conclusões contra-alegacionais 2. a 6.;
- Do montante atribuído a título de danos não patrimoniais, que deve ponderar a esperança média de vida e não a idade de reforma;
- Da alteração do montante para o valor de 15.000,00 € - Conclusões C) e D) e Conclusões contra-alegacionais 1. e 7. a 9..

Estando-se perante dois distintos recursos (independente e subordinado), na ponderação da interligação das questões recursórias apreciandas, o conhecimento das mesmas obedecerá à seguinte cronologia:
- em 1º lugar, conhecer-se-á acerca da aferição da pertinência do quantum fixado a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro (ou dano biológico), tendo em atenção as diferenciadas pretensões de ambos os Recorrentes (independente e subordinado);
- em 2º lugar, conhecer-se-á acerca da aferição da pertinência do quantum fixado a título de indemnização pelo dano não patrimonial, tendo igualmente em atenção aquela diferenciada pretensão.
             
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III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida/apelada, foi considerado como PROVADO o seguinte (rectificam-se os lapsos de redacção):

1. Cerca das 14 horas e 20 minutos do dia 18 de Maio de 2017, ocorreu um sinistro no lugar da rotunda “Peixe Assado”, freguesia do Rosto do Cão (Livramento), na cidade de Ponta Delgada, Ilha e distrito de São Miguel, Açores.
2. Neste sinistro intervieram o velocípede com motor matrícula …, marca Honda, cor vermelho, conduzido pelo Autor e propriedade dos CTT e o veículo ligeiro de passageiros, com marca e matrícula desconhecida, de cor vermelha e condutor e proprietário desconhecido.
3. O Autor conduzia o motociclo com matrícula ..., na rotunda “do peixe assado”, no sentido Oeste–Este, provindo da estrada regional da Ribeira Grande, com intenção de seguir para a Rua Francisco Cabral.
4. O Autor seguia na sua faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha e a uma velocidade não excedente os 30Km/hora.
5. Por outro lado, no sentido, Sul/Norte (Ponta Delgada - Ribeira Grande) seguia o referido veículo ligeiro de passageiros de cor vermelha.
6. O qual acedeu à rotunda, sem abrandar ou parar, fazendo com que ao tentar dele se desviar, o Autor tenha tombado no pavimento da faixa de rodagem e o seu motociclo, animado pela energia cinética, progrediu autonomamente em arrasto lateral esquerdo pela faixa de rodagem.
7. O Autor ainda travou para impedir o sinistro, mas não conseguiu evitar.
8. O veículo ligeiro de passageiros de cor vermelha circulava com uma velocidade manifestamente excessiva para o local e traçado da via e provinha de uma via sem prioridade.
9. O sinistro ocorreu a cerca de 1 metro da berma atento ao sentido.
10. Devido ao sinistro, o Autor foi arrastado acerca de 6,90 metros do local do sinistro, ficando prostrado na berma da estrada atento o sentido de marcha.
11. Estava bom tempo e o asfalto estava em bom estado.
12. No local do sinistro a estrada tem 6,30 metros de largura e o limite máximo de velocidade é de 50 km/h.
13. O condutor do veículo ligeiro de passageiros, após o sinistro, fugiu do local.
14. No decorrer da participação efectuada à PSP, não foi possível apurar a identificação do veículo, nem do condutor.
15. Em consequência do sinistro o Autor sofreu traumatismos e foi transportado em ambulância para o Hospital do Divino Espírito Santo (HDES), em Ponta Delgada.
16. Nesta unidade hospitalar o Autor foi sujeito aos seguintes exames médicos:
a. Biometrias e sinais vitais: Tensão arterial sistólica - 131 - 18-05-2017 - 15:35h; Saturação de O2 – 100% - 18-05-0217 - 15:35h; Tensão arterial diastólica - 74 - 18-05-2017; Escala Numérica da Dor - 5 - 18-05-2017 - 15:35h; Frequência Cardíaca - 85ppm - 18-05-2017 - 15:35h; Escala Numérica da dor - 0 - 18-05- 2017 - 15:35h; Alteração do Estado de Consciência de Novo - N - 18-05-2017 - 15:12h.
b. Triagem :2017-05-18 15:10; Prioridade: Urgente; Queixa: trazido pela SIV PD devidamente imobilizado após embate de moto (ia a baixa velocidade, foi atingido por automóvel), utente com amnésia para o acontecimento, agora com glasgow 15, refere dor cervical; Fluxograma; 033 – Grande traumatismo; Discriminador: Historia de perda de consciência: Destino: Cirurgia Geral; Outros dados: Alteração do Estado de consciência de Novo: N; Escala Numérica da Dor 6.
c. Notas de Enfermagem -2017-05-18 15:37; Jovem trazido pela SIV de PDL por embate de viação com embate sobre a motorizada onde se encontrava. Ao cair o capacete caiu. Jovem dá entrada em plano duro, com dor cervical e imobilizadores laterais. Tem amnésia para o acontecimento e refere dor cervico - dorso – lombar. Sem alterações nos membros superiores e inferiores. Trazia acesso venoso colocado pela equipa da SIV na flexura do antebraço esquerdo e foi colocado novo acesso venoso com abocath n.º 18 na flexura do MSD tendo sido efectuadas colheitas venosas. Cumpriu terapêutica analgesia (indicação da Dra. Marília Ceterolac) e foi encaminhado para RX’S. Sai da sala com colar cervical e plano duro. Foi feito espolio.
d. Alta da urgência; Destino: domicílio.
e. Prescrição Externa; Nome Comercial: Nolotil; Forma Farmacêutica; cápsula; Dosagem; 575 mg; Forma Apresentação; Blister; Unidades Por Embalagem; 20; Posologia: 1 cp 8/8h; Nº Embalagens: 1.
f. Motivo / observação -2017-05-18 17:32, Cirurgia Geral. Foi observado por Ortopedia e teve alta por esta Especialidade. Esta bem sem queixas de momento. 2017-05-18 17:19, Ortotraumatologia; Rx ombro: sem # ou luxação; Tolera levante para cadeira de rodas; Plano: Não carece de cuidados urgente por Ortopedia de momento Reencaminho para CGeral.
g. 2017-05-18 16:11, Ortotraumatoligia; Ex. Objectivo; HD estável; COC; ECG: 15; Mobiliza activamente e sem queixas álgicas significativas membros superiores e inferiores; Dor palpação ombro/clavícula ESQ; Dor a flexão pescoço, sem défice nas rotações laterais + Dor a palpação apófise espinhosa e massas musculares para vertebrais esq.; Sem instabilidade bacia; Rx coluna cervical: sem #ou luxação; Rx tórax: sem # clavícula esq.; Plano: Retira colar cervical e plano duro; Levante para cadeira de rodas; Peço Rx ombro esq.
h. 2017-05-18-15:41, Interno Complementar-RX tórax sem evidencia de pneumotórax ou fratura de arcos costais; Peço colaboração de Ortopedia.
i. 2017-05-18 15:28, Ano Comum-Doente trazido pela SIV por embate de viação. Doente encontrava-se de mota e foi projectado da mesma por embater de carro. Segundo enfermagem da SIV o doente levava capacete, que saiu com o impacto. Há história de perda de consciência e amnésia para o acontecimento, mas apenas transitória. O doente chega ao SU consciente e comunicante, colaborante, já com memória para o acontecimento, sendo capaz de o descrever. Refere queixas de cervicalgia intensa, e dor ao nível do hipocôndrio direito. Tem força mantida, mobiliza os membros sozinho. Nega queixas de parestesias. Plano: pede-se RX de altas e áxis + coluna + tórax + grelha costal. Colhe-se sangue para analises. Diagnóstico: confusões (18-05- 2017 – 17:36h) – Confirmado.
17. Devido ao sinistro, o Autor passou a ter queixas a nível da coluna cervical e perturbações de stress pós-traumático que o levaram a consultas de psiquiatria, apresentado o seguinte quadro clínico: “Com um quadro clínico compatível com Perturbação de Stress Pós-Traumático em co-morbilidade com perturbação ansiosa - depressiva grave reactiva a situação vivencial traumática vivido como ameaçador para a vida e/ou integridade física do próprio (nomeadamente embate de viação datado de 18/05/2017). Para além do quadro ansioso - depressivo reactivo de realçar que o doente apresenta reexperiências inesperadas do acontecimento traumático (“flashbacks” ou memórias do trauma) que interferem de forma intrusiva na vida diária, pesadelos nocturnos, evitamento de estímulos associados a esse acontecimento e o estado sustentado de alerta (Hiperactividade Neurovegetativa). Sem antecedentes prévios psiquiátricos à situação clínica actual do doente. Na data da última consulta (supracitada) com indicação para manter tratamento do tipo psicofarmacológico e psicoterapêutico. Realiza a seguinte medicação psicofarmacológica: Remern Soltab 15mg 0+0+0+1, Sedoxil 1+1+1, Primus Vitaminas 1+0+0, Zoloft 100mg 1+ 1/2+0, Valium 1/2 a 1 cp em SOS se ataque de pânico. Apesar dos ajustes sucessivos da medicação psicofarmacológica no sentido da optimização terapêutica, verifica-se uma melhoria ligeira a nível global não se verificando ainda a remissão da sintomatologia. Sou de opinião assim de que o doente deve manter o acompanhamento regular em C. Psiquiatria para a continuidade e monitorização do tratamento psicofarmacológico bem como para intervenção e realização de psicoterapia cognitivo comportamental instituídos e em curso.”
18. Devido às lesões e ao choque que sofreu, o Autor sofre de ansiedade, de insónias e temor de sofrer outro sinistro de viação.
19. Sofre quando conduz uma viatura.
20. Também sofreu prolongadas dores físicas tanto no momento do sinistro como no decorrer dos tratamentos médicos, a que foi sujeito
21. O Autor sofreu e sofre com o desgosto de ter ficado com uma vida mais limitada em virtude das lesões e do choque traumático, ao saber que podia ter morrido em virtude do sinistro.
22. O Autor ficou perturbado com stress pós-traumático de lembrança e revivência dos factos ocorridos e mantém flashbacks (memórias do trauma) frequentes.
23. O Autor tem sido apoiado pela especialidade de psiquiatria, com tratamentos psicofarmológicos.
24. O Autor sofreu ansiedade e stress pós-traumático e teve acesso e ataques de raiva e descontrolo da sua personalidade.
25. O Autor permaneceu 484 dias de doença e beneficiou de tratamentos desde 18/05/2017 até 13/09/2018, período durante o qual não pôde exercer a sua actividade profissional.
26. O Autor teve alta médica no dia 13/09/2017, mas sem consolidação que só ocorreu em 13/09/2018.
27. O Autor gastou €80,00 numa consulta médica de psiquiatria.
28. Entre 19.05.2017 e 13.09.2018, o Autor recebeu a Companhia de Seguros Allianz, SA a importância de €7.101,55 a título de indemnização por incapacidade temporária.
29. À data do sinistro, o Autor trabalhava como carteiro ao serviço dos CTT na sequência da celebração de um contrato de trabalho a termo certo com início a 20.10.2016 e termo a 19.10.2017, auferindo uma remuneração ilíquida de €449,87 acrescida de €189,21 de subsídio de refeição.
30. Por força do sinistro sofrido, o Autor ficou afectado com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5%, sequelas compatíveis, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, implicando esforços complementares.
31. Por força das lesões que sofreu, o Autor vivenciou um quantum doloris de grau 3 numa escala de 7.

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Na mesma sentença foram considerados como NÃO PROVADOS os seguintes factos:

a) O Autor conduzia um motociclo de marca Yamaha, modelo DT 125R.
b) Uma testemunha fotografou o veículo ligeiro de passageiros e entregou a fotografia à PSP.
c) A estrada onde se deu o embate tem uma visibilidade superior a 300 metros.
d) O Autor ficou impedido de trabalhar e fazer desporto.
e) O Autor foi despedido do seu local de trabalho.
f) O Autor é motorista.
g) O Autor destruiu em sua casa parte dos seus electrodomésticos: destruiu as suas televisões tendo tido de comprar novos aparelhos que lhe custaram €582,98 + €487,05 + €449,14 num total de €1519,17; também destruiu uma máquina de lavar a roupa que lhe custou €349.99 e um Iphone que lhe custou €399,05; um frigorifico que também destruiu e teve de adquirir um novo que lhe custou €938,99.
h) No momento e lugar referido em 1), ocorreu um embate.
i) O condutor do veículo desconhecido embateu com a frente no lado direito do velocípede com motor conduzido pelo Autor.

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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I - DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS


A) Da fixação do quantum a título de indemnização por dano patrimonial – perda de capacidade de ganho (danos futuros resultantes do dano biológico) – RECURSO INDEPENDENTE e SUBORDINADO

No recurso independente apresentado, referencia o Réu Apelante que o montante indemnizatório de 17.000,00€ fixado, pelo dano patrimonial de perda de capacidade de ganho, mostra-se excessivo “e desproporcional aos parâmetros legais e à prática jurisprudencial”.
Acrescenta ainda que embora “a Portaria n.º 433/2008, de 26 de maio (com as alterações da Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho) não vincule em sede de decisão judicial, a mesma não deixa de ser um critério de ponderação”, e que, por aplicação desta, o valor global determinado seria o de 5.524,65€.
Pelo que, de acordo com os critérios jurisprudenciais e com recurso à equidade, o máximo que deve ser fixado a título de dano patrimonial de perda de capacidade de ganho reporta-se ao valor de 9.000,00€.

Na resposta alegacional apresentada e na alegação do recurso subordinado interposto, referencia o Autor que o pretendido valor indemnizatório de 9.000,00 € é “miserabilista”.
Aduz, em contraponto, que o montante de 17.000,00€ fixado na sentença “é manifestamente insuficiente para reparar os danos patrimoniais sofridos pelo autor, uma vez que apenas teve em conta a idade da reforma aos 66 anos”, sendo que dever-se-ia “ter em conta a esperança média de vida que são 81 anos, pelo que o recorrente reclama o pagamento do montante de €23.710,52 (vinte e três mil setecentos e dez euros e cinquenta e dois cêntimos)”.

Em resposta contra-alegacional ao recurso subordinado, referencia o Recorrido Réu ter o Tribunal a quo andado bem “ao considerar como elemento de cálculo, a idade previsível da reforma que se traduz nos 66 anos ao invés da idade de esperança média de vida”.
Ademais, referencia-se, ainda, não poder lograr-se o peticionado pelo Autor, ou seja, a consideração da esperança média de vida de 81 anos, pois, “no limite deve ser considerado 70 anos, como tem sido defendido por alguns arestos dos nossos Tribunais Superiores”.

Neste segmento, a sentença sob sindicância ajuizou nos seguintes termos:
“Verifica-se ainda que o Autor foi sujeito a perícia médico-legal, tendo esta concluído que aquele padece de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5%, sequelas compatíveis, em termos de repercussão permanente na actividade profissional descritas, implicando esforços complementares.
Ora, tal factualidade corporiza um dano patrimonial - perda de capacidade de trabalho - de 5 pontos percentuais (5%) que impõe ao Autor esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art.º 564.º, n.º 2 do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que doravante terá de suportar para desempenhar as suas funções laborais. Dito de outra forma, aquele défice funcional traduzir-se-á, inelutavelmente, numa diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado, em suma, numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades humanas em geral e maior penosidade das laborais.
No acórdão do STJ proferido a 7 de março de 2019, no processo 203/14.0T2AVR.P1.S, pode ler-se: “não se afigura que essa indemnização deva ser calculada com base no rendimento anual do A. auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares. Neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto presumível na capacidade económica do lesado, considerando uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma.”.
Acresce referir que nada resulta quanto a perda de remuneração nem a potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual como em profissão ou actividade económica alternativa, pelo que não se pode afirmar que a incapacidade permanente que o Autor padece terá reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, com repercussão no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
Para evitar um total subjectivismo - que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade - o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de uma tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros)” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 10 de novembro de 2016, processo 175/05.2TBPSR.E2.S1).
Considerando que à data do acidente o Autor tinha 28 anos e que a reforma se alcança previsivelmente aos 66 anos, é natural que aquele ainda perspective uma vida activa de 38 anos. Sendo o seu vencimento anual de €8.379,49 (€449.87 mensais x14 meses, acrescido de subsídio de refeição €189.21 x 11), resulta o montante de €15.921,00 a título de dano patrimonial futuro (€8.379,49 x 38 anos x 5 %).
Como já se referiu, as fórmulas matemáticas servem de orientação, de indicação, para a quantificação da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, não substituindo a ponderação judicial com base na equidade.
Importa ainda considerar o benefício da antecipação, decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros.
O “juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade - muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade” (Acórdão do STJ proferido a 10 de novembro de 2016 acima citado).
No acórdão do STJ proferido a 26 de janeiro de 2021, no processo 688/18.6T8PVZ.P1.S1, foi mantida a fixação da indemnização em €9.000,00, considerando a idade de 55 anos à data do acidente e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos.
No acórdão do TRG de 30 de Setembro de 2021, no processo 4460/19.8T8BRG.G1, foi mantida a fixação da indemnização em €15.000,00, considerando a idade de 26 anos à data do acidente e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos.
Assim, e tendo em conta que resulta da matéria de facto provada que o A. é operador de máquinas e que sente dificuldades em conduzir a viatura, que à data do acidente tinha 28 anos e que ficou afectado com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5%, importa fixar a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais, na modalidade de perda de capacidade de trabalho, em €17.000,00”.

Analisemos.

- Do dano biológico

A questão a aferir traduz-se em determinar se a ponderação efectuada se encontra devidamente justificada e é conforme os critérios valorativos inscritos nos artigos 564º e 566º, ambos do Cód. Civil.
Vejamos.
Com maior realce na presente aferição, revelam-se provados os seguintes factos relativos ao Autor:
- em consequência do sinistro, o Autor passou a ter queixas a nível da coluna cervical e perturbações de stress pós-traumático que o levaram a consultas de psiquiatria, apresentado o seguinte quadro clínico: “Com um quadro clínico compatível com Perturbação de Stress Pós-Traumático em co-morbilidade com perturbação ansiosa - depressiva grave reactiva a situação vivencial traumática vivido como ameaçador para a vida e/ou integridade física do próprio (nomeadamente embate de viação datado de 18/05/2017). Para além do quadro ansioso - depressivo reactivo de realçar que o doente apresenta reexperiências inesperadas do acontecimento traumático (“flashbacks” ou memórias do trauma) que interferem de forma intrusiva na vida diária, pesadelos nocturnos, evitamento de estímulos associados a esse acontecimento e o estado sustentado de alerta (Hiperactividade Neurovegetativa). Sem antecedentes prévios psiquiátricos à situação clínica actual do doente. Na data da última consulta (supracitada) com indicação para manter tratamento do tipo psicofarmacológico e psicoterapêutico. Realiza a seguinte medicação psicofarmacológica: Remern Soltab 15mg 0+0+0+1, Sedoxil 1+1+1, Primus Vitaminas 1+0+0, Zoloft 100mg 1+ 1/2+0, Valium 1/2 a 1 cp em SOS se ataque de pânico. Apesar dos ajustes sucessivos da medicação psicofarmacológica no sentido da optimização terapêutica, verifica-se uma melhoria ligeira a nível global não se verificando ainda a remissão da sintomatologia. Sou de opinião assim de que o doente deve manter o acompanhamento regular em C. Psiquiatria para a continuidade e monitorização do tratamento psicofarmacológico bem como para intervenção e realização de psicoterapia cognitivo comportamental instituídos e em curso.” – facto 17.;
- o Autor ficou perturbado com stress pós-traumático de lembranças e revivência dos factos ocorridos, mantendo flashbacks (memórias do trauma) frequentes, pelo que tem sido apoiado pela especialidade de psiquiatria, com tratamentos psicofarmológicos – factos 22. e 23.;
- à data do sinistro, o Autor trabalhava como carteiro ao serviço dos CTT na sequência da celebração de um contrato de trabalho a termo certo, com início a 20.10.2016 e termo a 19.10.2017, auferindo uma remuneração ilíquida de €449,87 acrescida de €189,21 de subsídio de refeição – facto 29.;
- em consequência de tal sinistro o Autor ficou afectado com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5%, sequelas compatíveis, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, implicando esforços complementares – facto 30.;
- o Autor nasceu em 01/01/1989, tendo à data do acidente 28 anos – cf., certidão do assento de nascimento, junta com a petição inicial como doc. nº. 4.

Por sua vez, em contraponto, não se provou a seguinte factualidade:
- que o Autor tenha ficado impedido de trabalhar – facto d);
- que o Autor tenha sido despedido do seu local de trabalho – facto e).

Vejamos, então, de que forma se equaciona e legalmente prevê a ressarcibilidade e concreta valorização ou avaliação do dano de natureza futura ou dano futuro.
Na fixação da indemnização deve o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis. É previsível a capacidade de adquirir. O princípio base a obedecer neste concreto é que a indemnização, correspondente ao cálculo da frustração de ganho, deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão correspondente ao grau de incapacidade e adequado a repor a perda sofrida.
Tal cálculo é uma operação sempre difícil, devendo o tribunal quando não possa apurar o seu exacto valor, julgar segundo a equidade – cf., art.º 566º, n.º 3.
A ressarcibilidade dos danos futuros encontra-se expressamente prevista no art.º 564º, n.º 2 nos seguintes termos: “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Descodificando este preceito legal, Sousa Dinis [2] refere que o mesmo significa, logo à partida, “que os danos futuros, para serem passíveis de indemnização, têm de ser previsíveis. Se, para além desta previsibilidade, forem ainda determináveis, o tribunal pode, desde logo, atender a eles”.
Com o intuito de harmonizar as indemnizações fixadas por danos futuros, especialmente os relacionados com incapacidades permanentes, de que é maior expoente a derivada da própria morte, têm sido criados, ou adaptados, pela jurisprudência diversos critérios orientadores [3].    
Um primeiro critério foi avançado no Ac. STJ de 8 de Março de 1979. Partia da utilização das regras existentes na lei laboral para o cálculo de pensões devidas pelas incapacidades permanentes de trabalho e sua remissão. Todavia, desde logo tal critério foi colocado em causa, pois não permitia, com segurança, uma adequada e justa medida de ressarcimento. Nas palavras do Acórdão do STJ de 04/02/93 [4], tal resultava da circunstância de que, “na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornarão sempre único e diferente”.
Um outro critério jurisprudencialmente adoptado, nomeadamente a partir do Acórdão do STJ de 09/01/79 [5], no que respeita aos danos futuros, determinava que a indemnização a pagar ao lesado deve “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”.
A partir do Acórdão do STJ de 19/05/81 [6], adoptou-se um outro critério tendo por base a utilização das tabelas financeiras (não já do foro laboral) usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a dada taxa de juro anual. Visa-se que a indemnização seja calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação existente e a actual até ao final desse período [7] [8].
Parte-se do princípio de que o cálculo da frustração de ganho deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão, correspondente ao grau de incapacidade e adequado a repor a perda sofrida. Só assim se consegue, na verdade, cumprir a exigência legal de “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, conforme estatuído no citado art.º 562º.
Daqui se retira que deve ser tido em conta, na efectivação do cálculo, a idade da vítima ao tempo do acidente, o prazo de vida activa previsível, os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos e o grau de incapacidade.
Verifica-se, assim, nas palavras do Ilustre Conselheiro Sousa Dinis, uma tendência “dos nossos tribunais para falar de critérios e lançar mão deles, com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais e minimamente discrepantes as indemnizações, designadamente no que toca a danos resultantes de morte e incapacidade total ou parcial”. Acrescenta que o julgador não deve deixar de lado a equidade (o que analisaremos melhor infra) mas, “sem se escravizar ao rigor matemático, nada impede que não se possa tentar encontrar um menor múltiplo comum, isto é, algum factor que seja mais ou menos constante para a determinação da indemnização, em termos de se chegar a um certo parâmetro, a partir do qual se possa «sintonizar» a indemnização que for julgada mais adequada, intervindo então o juízo de equidade, alterando a quantia encontrada para mais ou para menos, de acordo com factores de ordem subjectiva, como a idade, a progressão na carreira, etc.” [9].
Efectivamente, a adopção de tais mecanismos tem por base ou pressuposto o reconhecimento das dificuldades com que os Tribunais se deparavam, a circunstância de serem adoptados critérios eivados de elevada subjectividade, e a percepção da necessidade de objectivar, concretizar, de adoptar critérios que permitissem a concretização de uma justiça relativa. Na procura de tal desiderato, adoptou-se em Espanha as “medidas de baremación, nos termos da Ley n.º 30/1995, de 08-11, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo valor vinculativo, é um tal sistema assente em barèmes que se encontra implantado em França, integrado numa Convenção destinada a regularizar sinistros de circulação automóvel adoptada depois da publicação da Loi n.º 85-677, de 5 de Julho de 1985, também apelidada de Loi Badinter.
Envolvendo a generalidade dos danos emergentes de acidentes de viação, esses sistemas revelam circunstâncias diversificadas, por forma a integrar a generalidade dos sinistros, sendo os valores antecipada e objectivamente fixados, sem embargo da ponderação de situações particulares” [10] [11].

Finalmente, cabe salientar a existência de uma ‘contracorrente’, que afasta o uso destas tabelas – ainda que como meros instrumentos de trabalho -, optando antes por ajuizar de acordo com a equidade, nos termos do art.º 566º.
Sempre se dirá, no entanto, numa visão pertinentemente temperada e equilibrada, que o recurso aos aludidos critérios e tabelas não afasta a aplicação da equidade, que sempre funciona em sede de ponderação final ajuizadora da (des)razoabilidade do valor alcançado.
Efectivamente, “a matriz primordial da reflexão sobre a equidade vem de Aristóteles (em especial na Ética a Nicómaco) que faz a distinção entre o direito ‘da lei’ e a equidade. As preposições desta, considerando as suas abstracção e generalidade, tenderiam para o típico ou geral, mas nem sempre levariam na devida conta as especificidades do caso, de resto muitas vezes insusceptíveis de antecipação pelo legislador; aqui interviria a equidade, corrigindo a justiça legal. Em contraste com a lei, a equidade representaria uma medida flexível, semelhante à régua que os arquitectos de Lesbos usavam e que tinham a propriedade de se adaptarem aos contornos das pedras.
A equidade, na esteira do pensamento de São Tomás de Aquino, sendo apanágio da virtude e da prudência é um ‘julgar mais justamente’ (“La epiqueya es mejor que cierta justicia, es decir mejor que la legal, que cumpre la ley al pie de la letra. Piero como ella misma es certa forma de justicia, no es mejor que toda a justicia”; “En tales casos, aun el mismo legislador juzgaría de outra manera, y si lo hubiera previsto lo habría determinado en la ley” – Cf. ‘Summa Theologiae’, II-II, questões 120.2 e 60.5 - acessível, em tradução espanhola, em https://www.dominicos.org/media/uploads/recursos/libros/suma/3.pdf e https://www.domini cos.org/media/uploads/recursos/libros/suma/4.pdf).
O julgamento ‘ex aequo et bono’ apela a um juízo de oportunidade, de justiça concreta, sem deixar de aplicar os critérios gerais do sistema, mas agora tendo por referência decisiva as necessidades de justiça que o concreto caso reclama. A equidade encerra um mecanismo de adaptação da lei às circunstâncias do caso concreto, a usar pelo juiz, aquando da aplicação do direito, permitindo-lhe adaptar a própria lei ao caso concreto, sendo que a equidade opera, em todo o caso, não apenas a respeito de normas jurídicas, mas também no momento de apreciar a prova dos factos (cf. acórdão do STJ de 05FEV2020, proc. 10529/17.6T8LRS.L1.S1, referindo Alejandro Nieto, apud, El Arbitrio Judicial, Barcelona, 2000, págs. 234-235).

A equidade é uma forma de fazer justiça para além, ou com independência, dos limites do sistema jurídico-positivo. Corresponderá a uma ‘forma superior de justiça’, situada acima da lei e do direito constituído, pois que compreendendo-se, segundo São Tomás de Aquino, a justiça como a virtude geral que dirige o acto de todas as outras qualidades do sujeito ao bem comum, que ordena a acção humana naquilo em que ela se relaciona com os outros, ela pode contrapor-se com a máxima eficácia à ditadura da ‘dura lex, sed lex’ e ao descrédito subversivo do ‘summum ius, summa iniuria’.
Mas a equidade é também a ‘arte’ de harmonizar a justiça com outras virtudes que regulam as relações humanas, o que implica uma particular aptidão, a ‘sabedoria’, e por essa ligação à sabedoria a equidade melhora a justiça do direito constituído, permite uma composição mais integral dos interesses e conduz a uma solução mais plena ou harmónica de um conflito” –cf., o douto Acórdão do STJ de 27/05/2021, Relator: Rijo Ferreira, Processo nº. 10682/15.3T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt .

Assim, nas ajuizadas palavras do douto Acórdão do STJ de 25/06/2002 [12], devem ser afastadas as “fórmulas puristas que levem a determinar matematicamente, e de forma abstracta e mecânica, os montantes indemnizatórios”, não se podendo, deste modo, “dispensar o recurso à equidade”, a qual surge, assim, com uma função ou intervenção temperadora.
Deste modo, deverá a equidade ter sempre a última e derradeira palavra na conformação da indemnização a fixar, como valor último e modo “adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto”. Mas, por outro lado, não pode tal critério postergar ou ignorar a adopção de um juízo de cálculo abstracto, de um método de cálculo meramente auxiliar, de que são exemplo as citadas tabelas financeiras. Tal exigência advém da circunstância de não se poder prescindir “do que normalmente acontece (id quod plerumque accidit), no respeitante à duração da vida (a expectativa de vida dos homens no nosso País), à progressão profissional de um trabalhador (....)”, constituindo tais tabelas financeiras, como qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, “um método de cálculo de valor meramente auxiliar”. Pelo que, sendo “a fixação da indemnização a atribuir o resultado, como se disse, do julgamento de equidade, os resultados a que conduzir a aplicação das tabelas financeiras deverão ser corrigidos se o julgador os considerar desajustados relativamente ao caso concreto submetido a julgamento”, ou seja, inexistindo métodos tradutores de critérios abstractos que se mostrem infalíveis, “devem eles ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, pelo que o seu uso deve ser temperado por um juízo de equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566º” [13] [14]

Aqui chegados, e no intuito de respondermos à enunciada questão, façamos uma breve resenha jurisprudencial.
O douto aresto do STJ de 23/10/2008 – Relator: Serra Baptista, Processo n.º 08B2318, in www.dgsi.pt - defende que a mais esclarecida jurisprudência em matéria de avaliação de danos corporais – a italiana -, tem distinguido, “dentro do chamado dano corporal, o dano corporal em sentido estrito (o dano biológico), o dano patrimonial e o dano moral.
E, ao contrário do dano biológico, que é um dano base ou um dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica, sempre lesivo do bem saúde, o dano patrimonial é um dano sucessivo ou ulterior e eventual, um dano consequência, entendendo-se em tal contexto, não todas as consequências da lesão mas só as perdas económicas, danos emergentes e lucros cessantes, causadas pela lesão.
Assim, quem pretenda obter uma indemnização a título de lucros cessantes, em consequência de lesão sofrida, terá de fazer prova do pressuposto médico-legal sem o qual não há lugar a lucro cessante, isto é, provar que da lesão resultou um determinado período de incapacidade durante o qual o lesado não esteve em condições – total ou parcialmente – de trabalhar, e, alem disso, se tal for o caso, a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho – Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, p. 271 e ss.”
Acrescenta o mesmo douto aresto constituir entendimento corrente a nível de tal Tribunal Superior que ficando o lesado “a padecer de determinada incapacidade parcial permanente (IPP) – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade permanente parcial é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art.º 564º, nº 2 do CC.
Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.
Sendo, pois, a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.
Sendo, assim, indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado” (sublinhado nosso).
Deste modo, aduz, os critérios a ponderar na indemnização em apreço são os seguintes:
 “a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade;
d) Deve sempre ponderar-se que a indemnização será sempre paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) Deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a das mulheres os 80 anos”.

O douto aresto do mesmo Supremo Tribunal de 14/09/2010 [15] menciona que a Portaria n.º 377/2008, de 26/05 – alterada pela Portaria nº. 679/2009, de 25/06 -, veio, no nº. 1 do seu artigo 1º, fixar “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal»., estabelecendo no seu anexo IV umas tabelas “de compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica – dano biológico”. Tais tabelas, inspiradas nas denominadas barémes do direito francês, destinam-se mais “às fases pré ou extrajudiciais e às relações internas entre as vítimas e as empresas seguradoras (fases de negociação) - em ordem a prevenir e limitar o mais possível a pura discricionariedade em tal domínio e ao objectivo declarado de prevenção dos litígios, por isso mesmo não vinculativa em processos judiciais. O que não significa que, sem abdicarem do seu poder soberano e da sua liberdade de julgamento, não possam os tribunais servir-se de tais tabelas insertas, como critério orientador e aferidor preferencial, face ao seu grau de racionalidade, razoabilidade e actualização.
De realçar que a jurisprudência se vinha, desde há muito, debruçando sobre o modo mais equilibrado de encontrar as indemnizações, servindo-se de tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico nem sempre coincidentes, mas todas com vista a prevenir que o arbítrio atingisse proporções irrazoáveis e, outrossim, a conseguir critérios o mais possível conformes com os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade. Mas no entendimento – sempre reiterado por este Supremo Tribunal – de que o recurso tais fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes não poderia substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de sãos critérios de equidade, tudo em obediência ao comando do n.º 3 do art.º 566.º do CC (cfr., neste sentido, v.g., o acórdão de 14-2-2008, in www.dgsi.pt.)
Como finalidade última, propunham-se tais critérios - não obstante meramente referenciais e indiciários - propiciar a atribuição de uma indemnização adequada a ressarcir a perda (total ou parcialmente significativa) da vida útil do lesado ou vítima, através da fixação do capital necessário para permitir o levantamento de uma “pensão ao longo dos anos em que o mesmo poderia previsivelmente trabalhar, esgotando-se tal auferição no final do período. E, por outro lado, assegurar que o montante a arbitrar nunca pudesse ser o resultado de um negócio lucrativo emergente de facto ilícito.
O n.º 1 do art.º 566.º, do CC, assegurando o princípio da ressarcibilidade dos danos futuros, condiciona, contudo, a sua atendibilidade e a fixação da correspondente indemnização à respectiva previsibilidade. O dano futuro mais típico prende-se exactamente com os casos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho ou da perda ou diminuição da capacidade de ganho.
Acrescenta o mesmo douto aresto que a Incapacidade Permanente Parcial pode centrar-se “na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro. É precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se (também e, por vezes, sobretudo) o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros. O que logo nos poderia remeter para a querela doutrinária acerca da distinção entre incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, vulgarmente designada por «deficiência» («handicap») e a incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. Isto apesar de uma e outra serem igualmente dignas de valorização e consequente indemnização, não obstante a chamada teoria da diferença se ajustar mais facilmente às situações em que a lesão sofrida haja sido causa de uma efectiva privação da capacidade de ganho.
Assim, a incapacidade permanente parcial (IPP) determina consequências negativas, ao nível da actividade geral do lesado, que justificam a sua contemplação, no plano dos danos patrimoniais, para além e, independentemente, de uma autónoma valoração que dela se justifique fazer-se, em sede de dano de natureza não patrimonial”.
Adrede, apelando a juízo sufragado pelo mesmo relator em decisão antecedente, acrescenta continuar a entender-se que “na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por "handicap", a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 - integridade psicossomática plena -, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos” (sic) 
Também no acórdão de 27-5-2004, in Proc. 1720/04 – 2.ª Sec., se concluiu que «a indemnização por (perda de) lucros cessantes ou danos futuros se justifica ou porque a IPP provoca uma diminuição concreta dos proventos do lesado, ou uma sobrecarga de esforço físico daquele, que se reflecte na sua capacidade de ente produtivo. Tudo sendo certo que, face aos critérios indemnizatórios civilísticos, a atribuição da indemnização nenhum apelo faz - nem tem que fazer - às repercussões do sinistro no dia a dia profissional (laboral) do lesado. Do que se trata é antes de actividade do lesado como pessoa e não como trabalhador, podendo ocorrer - o que não é raro - que determinada lesão produza uma incapacidade fisiológica significativa sem qualquer repercussão ou sequela de ordem laboral.
No sentido de que o lesado tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade permanente advinda de acidente de viação - prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do trabalho – vejam-se, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 16-12-99, in Proc 808/99 – 1.ª Sec, de 27-9-01, in Proc 1979/01- 7.ª Sec e de 15-5-01, in Proc 1365/01-6.ª Sec” (sublinhado nosso).
   
Por sua vez, o douto Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 07/10/2010 [16], após defender a indemnizabilidade da IPP, quer exista quer não exista diminuição dos proventos do trabalho, acrescenta que o montante a que se chegue deverá depois ser corrigido, para mais ou para menos, de acordo com um juízo de equidade, e através da ponderação de outros factores, “entre os quais assumem, com frequência, relevância o da perda efectiva ou não dos proventos, o relativo às vantagens em receber, de imediato, o capital e, bem assim, o que resulta da normal previsibilidade quanto à evolução da taxa de juros e à inflação” (sublinhado nosso).

Adrede, o douto aresto do STJ de 07/10/2010 [17], relativamente aos danos futuros de natureza patrimonial, refere que se é verdade que se não demonstrou que o autor tenha sofrido qualquer perda concreta no seu ordenado mensal, decorrente do exercício da sua actividade profissional, não se pode esquecer, por outro lado, que o mesmo realiza um esforço, físico e psíquico, suplementar, em relação ao que acontecia antes do acidente, para lograr obter, hipoteticamente, o mesmo resultado produtivo do seu trabalho, e, também, idêntica remuneração profissional.
E, se é certo que se não demonstrou qual a percentagem desse esforço complementar, físico e psíquico, que executa, encontra-se provado, por seu turno, que o autor é portador de uma incapacidade permanente geral parcial de 8%, elevável, no futuro, até 13%, que lhe acarreta uma diminuição, em grau moderado, do seu nível de eficiência pessoal ou profissional.
Assim sendo, é razoável concluir que o autor, por força da aludida incapacidade permanente geral parcial, tem de desenvolver um esforço, físico e psíquico, acrescido de 8%, elevável, no futuro, até 13%, para atingir o mesmo resultado produtivo da actividade mecânica que pratica e poder auferir, pelo menos, a remuneração mensal correspondente à sua categoria profissional.
Efectivamente, se o autor desenvolve um acréscimo de esforço, físico e psíquico, de mais 8%, elevável, no futuro, até 13%, do que acontecia antes do acidente, para alcançar os mesmos resultados, profissionais e remuneratórios, é inequívoco que o seu quotidiano se tornou mais absorvente e menor a sua disponibilidade para realizar outras actividades, profissionais ou não.

Por isso, é possível sustentar que a incapacidade permanente parcial, ou seja, a diminuição da capacidade de trabalho, constitui, em si mesmo, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da perda imediata da sua retribuição salarial.
Finalmente, acrescente-se que é de todo compreensível que assim seja, porquanto, na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente, designada por “handicap”, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
E é, exactamente, neste agravamento da penosidade, de carácter fisiológico, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização, por danos patrimoniais futuros. Há, pois, lugar ao estabelecimento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP de 8% que sofreu, elevável, no futuro, até 13%, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho profissional”.
Por fim, reafirmando o já supra aludido no douto aresto de 14/09/2010, acrescenta tratar-se, “em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 [integridade psicossomática plena], e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos” (sublinhado nosso).

Prosseguindo o nosso périplo pela jurisprudência do nosso Tribunal Superior, o douto aresto de 16/11/2010 [18], pugnando acerca da ressarcibilidade do dano biológico, a título de dano futuro, ainda que tal não traduza a perda de rendimentos profissionais ou não imponha um acréscimo de estrito esforço físico, aduz que basta ao lesado alegar e provar “que sofreu uma concreta IPP para, sem mais, ver assegurado o seu direito a uma indemnização, não lhe sendo, por isso, exigível a alegação e consequente prova da perda de rendimentos do trabalho desenvolvidos por si.
Com efeito, é sabido que as incapacidades parciais permanentes nem sempre acarretam perda de diminuição nos rendimentos profissionais do lesado que, não obstante, continuará a ter direito a uma indemnização pelo chamado dano biológico, decorrente da afectação funcional que a incapacidade sempre lhe trará, exigindo-lhe esforços acrescidos no desempenho das suas normais actividades.
Acrescenta que o mesmo Tribunal, relativamente à fixação do montante devido pelo ressarcimento do dano biológico, tem vindo a considerar e ponderar o seguinte:
 “1. O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
2. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional ( 10% de IPP genérica) - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido.
3. O juízo de equidade das instâncias, concretizador do montante a arbitrar a título de dano biológico, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” (sublinhado nosso).
Assim, através do ressarcimento do dano biológico, e como integrantes deste, pretende-se abranger as situações de inferiorização de ordem funcional e de potencial perda de oportunidades, que vão para além do mero ressarcimento de natureza ou ordem não patrimonial. 
Pelo que, não é apenas a perda de rendimentos ou o estrito acrescido esforço físico utilizado no desempenho de uma actividade que se inserem nesta incapacidade; nela se integram ainda a perda de aptidões para o exercício de actividades profissionais designadamente aquelas - e são inúmeras - em que releva a presença, o porte, o gesto, a atitude, o semblante, o que vai implicar para o autor um esforço acrescido para conseguir um desempenho positivo, esforço esse de que não careceria antes de ficar a padecer das mencionadas notórias deformidades físicas. E, para além disto, há que contar igualmente com a já mencionada perda de oportunidades de que é flagrante exemplo a actividade que vinha exercendo, mas valendo igualmente para todas as actividades em que a apresentação e o porte humano sejam factores relevantes de admissibilidade e de permanência”.

Prevendo a ressarcibilidade do dano biológico mais na sua vertente patrimonial, aduz o douto aresto do STJ de 16/12/2010 [19] que o dano biológico deve ser perspectivado ou entendido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado ”com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado - consubstanciado em limitação funcional ao nível dos movimentos do membro inferior - deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionaismesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais – e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em jovem de 16 anos, cujas perspectivas de emprego e remuneração podem ficar plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas das lesões sofridas.
E, assim sendo, entende-se que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, ao outorgar ao lesado uma indemnização global por danos patrimoniais de €50.000, em que estão contemplados, não apenas os rendimentos futuros perdidos como directa e imediata consequência da perda de capacidade de ganho, calculada em função das remunerações percebidas à data do acidente, mas também o «dano biológico» associado a uma IPG de 10%, envolvendo restrição ao futuro exercício de actividades profissionais que envolvam esforços físicos acentuados e um acréscimo inevitável do esforço ou penosidade na realização pelo lesado das actividades da vida corrente, pessoal e profissional” (sublinhado nosso).

O douto aresto do STJ de 23/11/2010 [20], começou por invocar a crescente afirmação do dano corporal, também designado ou denominado por dano à saúde ou por dano biológico, em nítida diferenciação relativamente à dicotomia até aí reconhecível de dano patrimonial/dano moral.
Acrescenta que o dano corporal “refere-se tanto à actividade laboral como à actividade extra-laboral, compreendendo-se nesta última a actividade através da qual se realiza e afirma a personalidade do indivíduo.
Assim sendo, começou a ganhar força a distinção entre o dano não patrimonial, em sentido lato [dano extra-patrimonial] e o dano não patrimonial, em sentido estrito [dano moral].
Neste enquadramento, surgiu o dano corporal, como um «tertium genus», ao lado do dano patrimonial e do dano moral, distinguindo-se o dano biológico e o dano moral subjectivo, assentes na estrutura do facto gerador da diminuição da integridade bio-psíquica, constituindo o dano biológico o evento do facto lesivo da saúde e o dano moral subjectivo, tal como o dano patrimonial, o dano-consequência, em sentido estrito.
A trilogia considerada refere-se ao dano biológico ou dano-evento, consistente no compromisso do bem saúde, constitucionalmente, protegido, que se traduz na diminuição psico-somática do indivíduo, provocada pelo facto ilícito, com natural repercussão na vida de quem o sofre, e que é um dano primário e sempre, autonomamente, reparável, ao dano patrimonial ou dano-consequência, que é um dano secundário e eventual, ressarcível quando ocorra, e, finalmente, ao dano moral, igualmente, secundário e eventual, consistente na mera transitória perturbação subjectiva.
Assim sendo, a afectação da integridade físico-psíquica da vítima, transformada em patologia, constitui-se com o evento lesivo, é o dano corporal ou dano-evento, que existe independentemente das consequências de ordem patrimonial sobrevindas, ou seja, do dano-consequência, sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica, e, uma vez reconhecida a sua existência como dano-evento, deverá sempre ser reparado.
Deste modo, o dano corporal não depende da existência e prova dos efeitos patrimoniais, estes é que se apresentam como consequência posterior do primeiro, devendo ser considerado reparável ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos e, também, independentemente desta última” (sublinhado nosso).
O reconhecimento da autonomia do desenhado dano-evento, dano corporal ou dano biológico, e da configuração deste como lesão da saúde, “à integridade físico-psíquica do ser humano, em toda a sua dimensão, ou seja, da sua qualificação como dano-evento, objectivamente antijurídico, violador de direitos fundamentais, constitucionalmente, protegidos, resulta, como consequência, a atribuição da sua natureza não patrimonial.
Enquanto dano inerente à integridade da pessoa, goza de autonomia categorial e conceitual, face ao dano patrimonial e ao dano moral, em cujo âmbito, num fenómeno de absorção ainda em curso de numerosas vertentes reparatórias de danos, passou a compreender-se o dano estético, o dano sexual, o dano existencial, o dano psíquico, o dano à vida de relação, o dano à capacidade laboral genérica e a dor, crónica e intensa, produtora de consequências, ao nível da capacidade de trabalho, ou de prejuízos para as actividades lúdicas, sociais e de tempos livres, em geral.
 Verificando-se o dano biológico, deverá o mesmo ser reparado e, eventualmente, deverá ser ressarcido, também, o dano patrimonial resultante da redução da capacidade laboral, caso se demonstre a sua existência e o nexo de causalidade com o dano biológico.
Deste modo, o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objecto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento.
E com isto se entende que o dano corporal não deve considerar-se confinado ao âmbito dos danos não patrimoniais, gozando de autonomia, quer face a estes, quer face aos danos patrimoniais.
Mas, tratando-se o dano biológico de um dano, importa proceder à sua integração, ou na categoria do dano patrimonial, ou na classe dos danos não patrimoniais.
A concepção que considera o dano biológico de cariz patrimonial entende que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado, não se estando perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta, pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis, o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.
O entendimento que defende que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito, em sede de dano não patrimonial, considera, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos e o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia, agravando-se ou potenciando-se estes condicionalismos naturais, em consequência de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico.
Assim sendo, desde que este agravamento se não repercuta, directa ou indirectamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira, em si mesma, e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, por parte do lesado, traduzir-se-á num dano moral.
Deste modo, o chamado dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado, a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
Ora, não parece oferecer grandes dúvidas o entendimento de que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia traduz mais um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial” (sublinhado nosso).
Por fim, no douto Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 05/07/2017 [21], sumariou-se assumir o dano biológico “relativamente aos tradicionais e correntes tipos de danos patrimoniais e extra patrimoniais, uma feição de dano autónomo, atribuindo-lhe a doutrina e a jurisprudência uma função reparadora ao nível da perda de capacidade do lesado em manter um exercício funcional idêntico ou com a mesma amplitude e desenvoltura que faria se não tivesse sofrido a lesão corporal que determina a obrigação de indemnizar.
III - Para que surja a obrigação de indemnizar por este tipo de dano não se torna necessário que o lesado tenha sofrido ou venha a sofrer de uma incapacidade permanente geral para o trabalho ou, o que vale dizer para a actividade profissional que desenvolvia ou que possa vir a desenvolver no futuro, mas tão só que as lesões sofridas sejam limitadoras e incapacitantes de uma actividade funcional normal enquanto pessoa.
IV - Estando em causa projecções de perda de rendimentos no futuro, é prudente que o tribunal, à míngua de elementos seguros, fiáveis e sustentáveis lance mão de regras e critérios com assento nas técnicas de probabilidade e de cálculo matemático, com vista a minorar os defeitos de uma operação meramente aleatória e a esmo, sem o mínimo de suporte em critérios ou factores raciocínio lógico-matemático, porém, tal recurso terá de ser temperado através do recurso à equidade, que com a ponderação de variantes dinâmicas que escapam ao referido cálculo objectivo (ex. evolução provável na situação profissional do lesado, melhoria expectável das condições de vida e do rendimento disponível, inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização, o aumento da vida activa para se atingir a reforma), em parte mitigadas pelo benefício decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos ao longo de muitos anos, naturalmente desempenha um papel corrector e de ajustamento do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso” (sublinhado nosso).
Já vai longa a resenha jurisprudencial a que nos propusemos, podendo-se assentar resultar da mesma os seguintes princípios, ditames ou directivas:
. O dano corporal ou dano biológico (incapacidade fisiológica ou funcional) não se confunde com o dano patrimonial, sendo que aquele está sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica ou do bem saúde, enquanto que este, como dano sucessivo ou ulterior, é eventual;
. Considerando-se a força do trabalho um bem patrimonial, tem-se entendido que a incapacidade permanente geral (IPG) é, consequentemente, um dano de natureza patrimonial;
. Pelo que a incapacidade permanente (IPG) é, de per si, um dano patrimonial indemnizável;
. E isto, quer determine ou acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer apenas implique um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de proventos laborais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar físico e/ou psíquico para obter o mesmo resultado;
. Trata-se de indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, e não qualquer perda efectiva de rendimento;
. A incapacidade fisiológica ou funcional é, assim, diferenciada da incapacidade laboral ou para o trabalho, sendo ambas indemnizáveis;
. Aquela incapacidade – fisiológica ou funcional -, vulgarmente designada por handicap, tem por objectivo indemnizar o dano corporal sofrido, tendo por referência a integridade psicossomática plena, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação deste;
. O dano biológico é assim, ressarcível, ainda que não se traduza numa perda de rendimentos profissionais ou não imponha um acréscimo de estrito esforço físico;
. E a sua ressarcibilidade é sempre como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial;
. Integrando ainda tal dano biológico a inferiorização de ordem funcional ou perda de capacidades e a potencial perda de oportunidades, a acrescer, e para além, do dano não patrimonial;
. Assim, o dano biológico ou dano corporal é um dano-evento ou dano primário, enquanto o dano patrimonial ou dano moral são danos secundários ou eventuais;
. Apesar de, num determinado entendimento, ao dano biológico ser atribuída uma natureza não patrimonial, este pode ser ressarcido em sede patrimonial ou compensado em sede não patrimonial, a título de dano patrimonial ou como dano moral;
. Assim, caso a lesão origine, no futuro, durante o período activo do lesado, ou da sua vida, uma perda de capacidade de ganho ou um esforço acrescido no seu desempenho profissional, o ressarcimento deve operar-se em sede patrimonial;
. Em contraponto, estando em causa a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, decorrente de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico, sem rebate profissional, a compensação deve operar-se em sede não patrimonial;
. O que não pode é ser ressarcido, simultaneamente, nas duas mencionadas vertentes, sendo casuisticamente apreciado o modo de enquadramento pertinente.

 Aqui chegados, a resposta à pergunta enunciada é clara e precisa: o dano resultante do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, ou seja, da IPP (ou incapacidade permanente geral parcial – IPGP)  é valorável ou ressarcível, ainda que não resulte que tal IPP tenha causado ao lesado qualquer redução da sua capacidade de ganho, podendo, inclusive, auferir presentemente a mesma quantia, ou superior, à que auferia antes do acidente.
Ora, tendo resultado provado que as lesões sofridas pelo Autor, e as sequelas daí decorrentes, sendo compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, implicam, todavia, esforços complementares, o ressarcimento do dano biológico, bem como da incapacidade funcional permanente de que ficou a padecer, sempre seria de operar em sede patrimonial.
Com efeito, e in casu, não está em equação apenas um mero dispêndio de energia ou esforço, fruto ou consequência de uma maior fragilidade adquirida, a nível físico ou somático, destituída de quaisquer efeitos profissionais.
E, conforme aduzimos, a força do trabalho constitui um bem patrimonial, pelo que a incapacidade permanente suportada sempre constituiria um dano de natureza patrimonial susceptível de indemnização.

Em súmula, e especialmente, resulta do exposto que, em consequência das lesões causadas pelo evento lesivo provado, o Autor ficou afectado com um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos (5%), designada por incapacidade permanente geral (IPG), sendo que esta incapacidade acaba por ter rebate profissional, ao exigir-lhe esforços suplementares no exercício da sua actividade habitual.
Temos, assim, decorrente da IPG sofrida pelo Autor um dano biológico, dano à saúde ou dano corporal em sentido estrito, que funciona como dano-base ou dano central, e que, decorrente da provada limitação funcional geral, integra um dano futuro previsível (no sentido de que se repercutirá na qualidade da vida), o qual sempre deveria ser ressarcido, in casu, em sede de dano patrimonial (tal como foi efectivado na sentença sob sindicância).
    
Todavia, aqui chegados, como proceder ao cálculo indemnizatório do dano em equação?
Já supra constatámos a evolução histórica, doutrinária e jurisprudencial, da ressarcibilidade do presente dano futuro, quer reconhecendo primazia á aplicabilidade de critérios matemáticos ou financeiros, quer acentuando a nota do primado da equidade, quer utilizando ambas as metodologias ou directrizes.

Porém, antes de entrarmos em tal concreta apreciação, urge ponderar qual o valor de retribuição ou rendimento do Autor a considerar.
A sentença apelada considerou, para efeitos de cálculo, o vencimento anual de €8.379,49 (€449.87 mensais x14 meses, acrescido de subsídio de refeição €189.21 x 11), ou seja, considerou no rendimento ponderável o subsídio de refeição.
De acordo, aliás, com o teor do facto provado 29., do qual consta que à data do embate o Autor auferia uma remuneração ilíquida de 449,87, acrescida de €189,21 de subsídio de refeição.
Na pretensão recursória apresentada, aduz o Recorrente independente não dever ser considerado no cálculo a efectuar o subsídio de alimentação, mas antes, e tão-só, o valor correspondente à remuneração ilíquida.
Quid júris?

Nos termos expostos, está fundamentalmente em equação determinar se aquela quantia auferida como subsídio de refeição, mensalmente auferida pelo Autor, deve ou não integrar o conceito de retribuição legalmente equacionado.

Prevendo acerca dos princípios gerais sobre a retribuição, dispõem os nºs. 1 a 3, do art.º 258º, do Código do Trabalho – aprovado pela Lei nº. 07/2009, de 12/02 -, que:
“1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (sublinhado nosso).
Por sua vez, o art.º 260º, do mesmo diploma, equacionando acerca das prestações incluídas ou excluídas da retribuição, aduz que:
“1 - Não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido;
d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante” (sublinhado nosso).
Vejamos, de forma exemplificativa, qual o entendimento jurisprudencial que tem sido adoptado na definição do conceito de retribuição, em contraponto com outras prestações excluídas de tal conceito, nomeadamente o citado subsídio de refeição.
- sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 03/11/2016 [22], que:
“1 - A retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida da atividade por ele desenvolvida, dela se excluindo as prestações patrimoniais do empregador que não sejam a contraprestação do trabalho prestado.
2 - Considera-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de atividade do ano (onze meses).
3 - Face ao cariz sinalagmático do contrato de trabalho, a regularidade e periodicidade não constitui o único critério a considerar, sendo ainda necessário que a atribuição patrimonial constitua uma contrapartida do trabalho e não se destine a compensar o trabalhador por quaisquer outros fatores (sublinhado nosso);
- sumariou-se no douto aresto da RC de 30/06/2017 [23], que a “retribuição do trabalho é o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida, integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, com as quais o trabalhador conta para satisfação das necessidades pessoais do trabalhador e da sua família.
III Tendo a trabalhadora auferido durante anos uma prestação pecuniária regular e periódica designada por retribuição adicional e que a empregadora alterou para designação de compensação de desempenho, muito embora a mesma não estivesse condicionada ou dependente do desempenho e mérito profissionais da trabalhadora, tal prestação constitui uma componente da sua retribuição em sentido estrito, estando, como tal, abrangida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição”;
- no douto Acórdão do STJ de 21/09/2017 [24], consta do sumário elaborado que o “princípio reitor na definição da retribuição (stricto sensu), visto o carácter sinalagmático que informa o contrato de trabalho, é a exigência da contrapartida do trabalho, pois só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. As atribuições patrimoniais conferidas ao trabalhador só integram o conceito de retribuição quando o seu pagamento ocorrer em todos os meses do ano (onze meses), pelo que só nestas circunstâncias será de as considerar para efeitos de cálculo de retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal.
3. Mesmo provadas a regularidade e a periodicidade no pagamento de remunerações complementares, as mesmas não assumem carácter retributivo se tiveram uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
4. Não integram o apontado conceito de retribuição, pela falência do elemento constitutivo da contrapartida da prestação, os suplementos remuneratórios recebidos pelo trabalhador a título de «Abono/subsídio de Prevenção», pois é pago para estar disponível para uma eventual chamada, fora das horas normais de serviço.
5. Não integra o conceito de retribuição o subsídio de condução que é pago ao trabalhador, que não sendo motorista tem que conduzir em exercício de funções e por causa destas, pois visa compensar a especial penosidade e o risco decorrente da condução de veículos, tendo assim uma justificação individualizável, diversa da contrapartida pelo trabalho prestado.
6. Constituindo o prémio de assiduidade um incentivo pecuniário que visa combater o absentismo e premiar a assiduidade do trabalhador, a sua atribuição reveste natureza notoriamente aleatória e ocasional, não podendo por isso integrar o conceito de retribuição para efeitos de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal” (sublinhado nosso);
- ainda no douto aresto da RE de 29/11/2018 [25], exarou-se no sumário que “tendo o trabalhador sinistrado demonstrado que durante a vigência do contrato de trabalho até ocorrência do acidente, que não perfez um ano, auferiu, mensalmente, valores pecuniários pela prestação de trabalho suplementar, funciona a presunção prevista no n.º 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho, pelo que, não tendo a entidade responsável logrado provar factos que, pelo menos, suscitassem dúvidas sobre a continuidade de tal atribuição patrimonial, ou, sobre a verificação de excecionais e esporádicas circunstâncias durante a vigência do contrato até data do acidente, que tenham originado a prestação (não habitual) de trabalho suplementar, que permitissem ilidir a referida presunção, o trabalho suplementar pago integra a retribuição a considerar para efeitos de cálculo das prestações devidas no âmbito do direito de reparação ao acidente de trabalho” ;
- no douto Acórdão desta Relação de 12/03/2009 [26], sumariou-se que “as prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho.
2. Compete ao empregador provar que as quantias que paga mensalmente ao trabalhador, a título de ajudas de custo, constituem verdadeiras ajudas de custo, ou seja, se destinam a ressarcir o trabalhador de despesas efectuadas ao serviço ou no interesse da empresa.
3. Se conseguir provar que o pagamento dessas quantias tinha aquele destino ou tinha uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, tais importâncias não podem considerar-se parte integrante da retribuição, a não ser que o trabalhador consiga provar que as mesmas excediam as despesas por ele realmente efectuadas e a medida em que excediam, bem como que essas importâncias tinham sido previstas no contrato e devem considerar-se (na parte respeitante a esses excedentes) pelos usos da empresa como elemento integrante da sua retribuição.
4. Se o empregador não conseguir fazer essa prova, tais importâncias devem considerar-se parte integrante da retribuição e a média anual dessas quantias deve ser incluída, no cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal, até à data da entrada em vigor do CT” (sublinhado nosso);
- no douto Acórdão do STJ de 12/11/2020 [27], questionou-se se as ajudas de custo devem ser consideradas como retribuição para efeitos do cálculo da indemnização dos danos patrimoniais futuros e se, em consequência, deve atribuir-se ao Autor uma indemnização por perdas salariais.
Entendeu-se prever a citada alínea a), do nº. 1, do art.º 260º, do Código do Trabalho, “uma regra e uma excepção — a regra é a de que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, como a título de subsídio de alimentação ou de refeição, não devem ser consideradas como retribuição e a excepção é a de que devem ser consideradas como retribuição, desde que estejam preenchidos três requisitos cumulativos: em primeiro lugar, desde que as deslocações ou despesas compensadas com as ajudas de custo sejam frequentes; em segundo lugar, desde que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas; em terceiro lugar, desde que, na medida em que excedam os custos normais das deslocações ou despesas, hajam sido previstas no contrato ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador.
Acrescenta-se que “face à regra e à excepção, o trabalhador tem o ónus da prova de que estão preenchidos os pressupostos da segunda parte do art.º 260.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho.
Citando o sumariado no aresto recorrido, aduz que “as "ajudas de custo" em sentido próprio (enquanto compensação ou reembolso de despesas feitas por força de deslocações em serviço) não integram o conceito de retribuição, apenas como tal podendo ser considerada a importância abonada que exceda a efectiva cobertura das despesas realizadas, v. g., advindas das deslocações no estrangeiro ou fora da área de laboração em território nacional (art.ºs 260º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do Código do Trabalho e 71º, n.º 2 da Lei dos Acidentes de Trabalho)”, sendo que é ao “A./sinistrado, “colaborador, sócio e gerente” da entidade empregadora e que pretendeu fazer valer a natureza retributiva dessa prestação, cabia o ónus de provar o que com ela estava efectivamente a ser pago e em que medida (art.º 342º, n.º 1 do Código Civil)” (sublinhado nosso).
Assim, na situação em que a factualidade provada não seja suficiente ou bastante “para que se dê como provado que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas, haviam sido previstas no contrato ou deviam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador”, não podem as mesmas integrar o conceito de retribuição.
Donde, o juízo exposto no sumário elaborado, no sentido de que, em regra, “as importâncias recebidas (…) a título de subsídio de alimentação ou de refeição, não devem ser consideradas como retribuição, com excepção da situação “em que estejam preenchidos três requisitos cumulativos: em que as deslocações ou despesas compensadas com as ajudas de custo sejam frequentes; em que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas; e em que, na medida em que excedam os custos normais das deslocações ou despesas, hajam sido previstas no contrato ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador”, incidindo sob este o ónus probatório “de que estão preenchidos os pressupostos da segunda parte do art.º 260.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho (sublinhado nosso) ;
- por fim, no douto aresto do STJ de 21/03/2019 [28], defende-se, após transcrição da alínea a), do nº. 1, do art.º 260º, do Cód. do Trabalho, que para as importâncias ali referenciadas integrarem a retribuição - ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador -, “devia o Autor alegar e provar, como é seu ónus, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, por serem factos constitutivos do seu direito, que tais prestações excedem os respetivos montantes normais ou que se devam considerar pelos seus usos como elementos integrantes da sua retribuição”.
Concluiu-se, então, na situação em apreciação que as “ajudas de custo, o subsídio de deslocação e o subsídio de refeição não integram a retribuição do Autor pois, apesar de serem pagas regular e periodicamente, a Ré ilidiu a presunção do seu carácter retributivo dado ter provado que, com o seu pagamento, visou suportar os encargos do Autor com alojamento, deslocações e alimentação, não tendo, ainda, o Autor provado, “como lhe competia, que as quantias que lhe foram pagas a título de ajudas de custo, de subsídio de deslocação e de subsídio de refeição, excederam os respetivos montantes normais ou que se devam tais prestações considerar pelos seus usos como elementos integrantes da sua retribuição” [29].

Doutrinariamente, referencia Sónia Kietzmann Lopes [30] serem três os elementos constitutivos da noção de retribuição:
- por um lado, “corresponde à contrapartida da actividade do trabalhador”;
- por outro, “pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica”;
- por fim, tal prestação “tem de ser feita em dinheiro ou em espécie, ou seja, tem de traduzir-se numa prestação com valor patrimonial”.
Relativamente ao conceito de regularidade, citando Bernardo Lobo Xavier [31], aduz pretender a lei significar “uma remuneração não arbitrária mas que segue uma regra permanente, sendo, portanto, constante. Por outro lado, exigindo um carácter “periódico”, a lei considera que ela deve ser relativa a períodos certos no tempo (ou aproximadamente certos), de modo a integrar-se na própria ideia de periodicidade e de repetência ínsita no contrato de trabalho e nas necessidades recíprocas dos dois contraentes que este contrato se destina a servir”.
Por sua vez, não devem integrar o conceito de retribuição, nos termos legalmente transcritos, “as ajudas de custo, os abonos de viagem, as despesas de transporte e os abonos de instalação”, salvo se, conforme resulta do nº. 1, alín. a), in fine, do citado art.º 260º:
. “as deslocações ou despesas forem frequentes; e
. as importâncias tenham sido previstas no contrato; ou
. as importâncias devam considerar-se, pelos usos, elemento integrante da retribuição”.
Ressalvando-se, todavia, que “ainda que estejam reunidos ambos os pressupostos desta excepção, apenas é considerada retribuição a parte dessas importâncias que exceda os respectivos montantes normais”.
No que se reporta ao ónus probatório da verificação dos pressupostos condicionantes da atribuição de natureza retributiva a qualquer prestação pecuniária paga pelo empregador ao trabalhador, aduz a mesma Autora consagrar a lei “um regime favorável aos trabalhadores, preceituando, no n.º 3 do art.º 258.º do Código do Trabalho, que se presume constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador”.
Pelo que, desta forma, cabe ao trabalhador “somente provar a percepção das prestações pecuniárias, não tendo de provar que as mesmas são contrapartida do seu trabalho” e, estando-se perante uma presunção iuris tantum, é admitido ao empregador provar “que as prestações pecuniárias percebidas pelo trabalhador não revestem carácter de retribuição (art.º 350.º n.º 2, 1.ª parte do Código Civil)”.
E, respondendo a questão com relevância para o caso sub júdice, referente à forma de conciliar a presunção de existência de retribuição, inscrita no nº. 3, do art.º 258º, do Cód. do Trabalho, com a exclusão das ajudas de custo e abonos de viagem (entre outras prestações, nomeadamente o subsídio de refeição), do conceito de retribuição, conforme a alínea a), do nº. 1, do art.º 260º, do mesmo diploma, referencia caber à entidade empregadora “provar, nos termos dos art.ºs 344.º n.º 1 e 350.º n.º 1, ambos do Código Civil, que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo ou abonos de viagem, etc., sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 260.º do Código do Trabalho e valer a presunção do art.º 258.º n.º 3 do Código do Trabalho, de que se está perante prestação com natureza retributiva”.
Ou seja, concretizando, “demonstrado que tenha sido pela entidade empregadora que determinada prestação assume a natureza de ajudas de custo ou, em geral, que a mesma tem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, não opera a presunção do art.º 258.º n.º 3 do Código do Trabalho” (sublinhado nosso).
Referencia, ainda, António Monteiro Fernandes [32] que tem “sido corrente o entendimento de que todas as referências à “retribuição”, em regimes legais ou convencionais, independentemente dos específicos efeitos visados, devem implicar a consideração da totalidade das prestações obrigatórias, regulares e periódicas, e correspectivas da prestação de trabalho, feitas pelo empregador ao trabalhador no desenvolvimento das relações de trabalho”.
Pelo que, a “indiscriminada utilização de tal critério ignora a diversidade dos problemas em que se joga com “conceitos” ou “composições” da retribuição; assim, a orientação dominante na jurisprudência não chega a deter-se nesta diversidade de utilizações da referência à “retribuição”, nem coloca qualquer dúvida acerca da viabilidade de uma mesma e só resposta para o problema da determinação do alvo ou objecto de cada uma delas”.
Donde resulta que com a codificação, “tornou-se claro que a qualificação decorrente do critério omnicompreensivo se destina apenas, na economia do regime legal, a desenhar o perímetro dentro do qual actuam os “regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos” estabelecidos pelo próprio Código”. E, paralelamente, “o legislador do Código tornou claro que o critério “geral” da retribuição, constante dos n.ºs 1 e 2 do art.º 249.º daquele Código (e actualmente dos n.ºs 1 e 2 do art.º 258.º do Código de 2009), não serve para identificar os elementos da base de cálculo de quaisquer prestações retributivas complementares ou derivadas, fornecendo para este efeito, a título supletivo, uma outra solução: “retribuição” quer dizer “base mais diuturnidades””.
Ainda em termos doutrinais, referencia Manuel Pereira da Silva [33] que a ““definição” de retribuição prevista no artigo 258.º do CT apenas nos fornece alguns indícios daqueles que são os seus elementos constitutivos, correspondendo à contrapartida da actividade do trabalhador, e pressupondo o pagamento de prestações de forma regular e periódica e com valor patrimonial”.
E que, “em caso de dúvida, consagra-se a presunção de que qualquer prestação que a entidade patronal pague ao trabalhador constitui retribuição, ficando a cargo daquela o ónus de demonstrar o contrário”, podendo aludir-se ao conceito “de remuneração em sentido amplo ou em sentido restrito ou técnico-jurídico”.
Assim, “em sentido amplo, a retribuição contempla as variadas prestações remuneratórias de que o trabalhador beneficia pelo que, “no âmbito de outros ramos do Direito – como o direito fiscal e a segurança social – determinadas vantagens auferidas pelo trabalhador podem ser consideradas remuneração, apesar de não integrarem o conceito de retribuição em direito do trabalho”, ou seja, a retribuição pode ser considerada como o elemento mais relevante da relação jurídica laboral, na medida em que representa para o trabalhador o elemento essencial e primordial do contrato de trabalho, que assegura a sua subsistência e da família e ainda por criar legítimas expectativas jurídicas em relação ao recebimento de tais valores ou prestações. Na verdade, a retribuição constitui o único suporte financeiro da economia familiar e pessoal do trabalhador.
Em sentido restrito ou técnico-jurídico a retribuição compreende a denominada “retribuição base” – correspondente à parcela retributiva contratualmente devida que condiz com o exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido (art.º 262.º n.º 2 alínea a) do CT) – as “diuturnidades” (art.º 262.º n.º 2 alínea b) do CT), assim como as demais prestações pecuniárias pagas regularmente como contrapartida da actividade”.

Efectuado o presente excurso, definamos os princípios gerais a considerar na definição do conceito de retribuição, em contraponto com as demais prestações auferidas pelo trabalhador susceptíveis de integrarem, ou não, aquele conceito:
- a retribuição traduz-se no conjunto de valores (em pecunia ou espécie) pagos pela entidade empregadora ao trabalhador, de forma regular e periódica, em contrapartida da actividade ou trabalho pelo mesmo prestado, ou da mera disponibilidade da força de trabalho pelo mesmo oferecida;
- pelo que não deve integrar tal conceito as prestações de índole patrimonial, ainda que regulares ou periódicas, atribuídas pelo empregador que não constituam contraprestação pelo trabalho prestado, mas antes se destinando a compensar o trabalhador por outros factores, ou seja, possuindo uma causa específica ou individualizada, distinta da remuneração do trabalho ou da mera disponibilidade para este ;
- num primeiro momento, incumbe à entidade empregadora ilidir a presunção de carácter retributivo inscrita no nº. 3, do art.º 258º, do Cód. do Trabalho, provando ter o pagamento efectuado visado suportar os encargos do trabalhador com despesas susceptíveis de integrarem o conceito de ajudas de custo (deslocações, alojamento, alimentação);
- conforme decorre da alínea a), do nº. 1, do art.º 260º, do Código do Trabalho, funcionando como regra, as denominadas ajudas de custo (e demais prestações ali previstas, nomeadamente o subsídio de refeição, por força da remissão do nº. 2 do mesmo normativo), enquanto compensação ou reembolso de despesas efectuadas pelo trabalhador por força das deslocações em serviço, não integram o conceito de retribuição;
- apenas devendo ser consideradas como tal, desde que se verifiquem preenchidos três requisitos cumulativos (previstos na 2ª parte, do mesmo nº. 1, do art.º 260º, do Cód. do Trabalho):
4. desde que as deslocações ou despesas compensadas a tal título sejam frequentes;
5. desde que as importâncias devidas a tal título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas;
6. e, na medida em que excedam tais custos normais das deslocações ou despesas, tenham sido contratualmente previstas ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador;
- incumbe ao trabalhador, como facto constitutivo do seu direito – cf., nº. 1, do art.º 342º, do Cód. Civil -, que pretenda fazer valer a natureza retributiva de tal prestação, o ónus probatório de estarem preenchidos tais pressupostos ou requisitos cumulativos, susceptíveis de integrarem tais valores no conceito de retribuição;
- pelo que, não resultando suficientemente da factualidade provada que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas, hajam sido previstas no contrato ou deviam ser consideradas pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador, não podem as mesmas integrar o conceito de retribuição;
- não bastando, assim, a mera prova do seu pagamento regular e periódico (vimos seguindo, de perto, o exarado em Acórdão prolatado pelo mesmo Relator e Adjuntos, datado de 09/09/2021 – Apelação nº. 959/15.3T8ALM.L1).

De forma ainda mais específica ou concretizada no que concerne ao subsídio de alimentação ou subsídio de refeição, referenciou-se, ainda, no douto aresto do STJ de 26/05/2015 – Relator: Fernandes da Silva, Processo n.º 373/10.7T8PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt -, acerca da eventual natureza retributiva de tal subsídio que “sob a rubrica ‘Prestações incluídas ou excluídas da retribuição’, dispõe-se no art.º 260.º, n.º 1, a) e n.º 2 (sempre do Cód. Trabalho/2009) que não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
O assim disposto aplica-se, com as necessárias adaptações, ao subsídio de alimentação.
Assim, aduz-se que reflectindo “sobre o alcance da actual previsão, a doutrina vem-se pronunciando geralmente no sentido de que o subsídio de refeição não constitui, em princípio, retribuição, o que acontece, “em regra, por atenção à sua etiologia…pois traduz a assunção pelo empregador das despesas com a alimentação em que o trabalhador incorre por causa da prestação do trabalho”.
Desta forma, o subsídio de alimentação ou subsídio de refeição “será de considerar retribuição apenas se/na medida em que o seu valor exceda largamente o gasto que pretende compensar (sublinhado nosso).
Acrescenta, citando Joana de Vasconcelos - Código do Trabalho, 2013, 9.ª Edição, Pedro Romano Martinez e Outros, pg. 592 -, que “o ora disposto no n.º 2 resolve uma dúvida que, no direito anterior ao Cód. Trabalho, subsistia na jurisprudência, fazendo-o por aplicação do critério constante do n.º 1, a), ainda que ‘com as necessárias adaptações’”.
Assim, “ao subsídio de refeição, tal como ao abono para falhas, não deve ser conferido carácter retributivo, apesar da regularidade/periocidade da sua atribuição. A lei admite a sua consideração como tal se/quando o seu valor exceda um montante dito normal ou o mesmo seja tido, pelo contrato ou pelos usos, como elemento integrante da retribuição, sem embargo de, ainda assim, não ser devido nos dias em que, por qualquer razão, o trabalhador não compareça ao trabalho” (sublinhado nosso).
Em termos jurisprudenciais, cita, ainda, o aresto do mesmo Alto Tribunal de 27/05/2010 – Revista nº. 467/06.3TTCBR.C1.S1 -, donde consta, o que se reflecte no sumário elaborado, que “o subsídio de alimentação, embora assuma, na maioria dos casos, natureza regular e periódica, só é considerado retribuição na parte que exceda os montantes normalmente pagos a esse título, sendo mister para o efeito, por isso, a alegação e prova, por banda do trabalhador, de que o mesmo excedia os valores que normalmente eram pagos a esse título.
Incumprido esse ónus, no caso, e apesar de serem regulares e de estarem previstas no contrato, não podem as quantias atinentes, como se ajuizou, ser incluídas nas retribuições intercalares” (sublinhado nosso).

Ora, no caso sub judice, relativamente à presente matéria apenas se provou que à data do sinistro o Autor trabalhava como carteiro ao serviço dos CTT na sequência da celebração de um contrato de trabalho a termo certo com início a 20.10.2016 e termo a 19.10.2017, auferindo uma remuneração ilíquida de €449,87 acrescida de €189,21 de subsídio de refeição – facto 29..
E, analisando esta factualidade, constata-se não ser a mesma suficiente para que se considere que as importâncias devidas a título de subsídio de refeição excedam os custos normais e tenham sido previstas no contrato, ou devam-se considerar, pelos usos, como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
Donde se conclui, necessariamente, pela sua efectiva não inclusão no conceito de retribuição e, como tal, não devem ser consideradas no cálculo indemnizatório do dano em equação.


Começando-se por recorrer às tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico, e apelando ao primeiro método abstracto e matemático referenciado no citado Acórdão do STJ de 25/06/2002, tendo por base a provada incapacidade de 5 pontos, temos que:

a) o rendimento anual líquido do seu trabalho é de 6.298,18 € - (14 meses (x) 449,87 €) (=) 6.298,18(-)0,15[34] (=) 5.353,45 €;
b) pelo que, sendo a sua incapacidade permanente geral parcial de 5% (5 pontos), a perda salarial anual corresponde ao valor de 267,68 € (5.353,45 € X 0.05);
c) multiplicando tal valor pelos anos de vida activa - 42 anos [35] - 267,68 € X 42, chega-se ao valor de 11.242,25 Euros.

Utilizando, agora, a regra de três simples defendida pelo Ilustre Conselheiro Sousa Dinis [36], e tendo por base uma taxa de juro de 2%, urge determinar qual o capital necessário para, ao indicado juro, se obter o rendimento anual.

Pelo que teremos a seguinte equação:
              100 ................2
              x ....................5.353,45 € (rendimento anual)
O que determina 5.353,45€ X 100:2 = 267.672.50 €.
E, considerando que a incapacidade a ponderar é de 5% (1/20), alcançar-se-á o valor de 13.383,62 Euros.
Todavia, tal valor deve merecer um primeiro ajustamento, “uma vez que a vítima vai receber de uma só vez aquilo que em princípio, deveria receber em fracções anuais. Para evitar uma situação de injustificado enriquecimento á custa alheia, há que proceder a um desconto” [37], destinando-se este a evitar “que o lesado fique colocado numa situação em que receba os juros mantendo-se o capital intacto” [38].
Mas quanto descontar?
Este “vai depender do nível de vida no país, do custo de vida e até da sensibilidade do próprio juiz que genericamente, terá de calcular quando é que o capital estará totalmente amortizado” [39]. Ora, seguindo o exemplo da jurisprudência Francesa citado pelo mesmo autor, afigura-se-nos ser de descontar 1/3, ou seja, 4.461,20 €, pelo que encontramos o capital de 8.922,42 Euros
Todavia, este desconto a aplicar no método ou fórmula utilizado tem igualmente como desiderato a obtenção de um valor aproximado, pois, conforme orientação do STJ, “é de afirmar ainda que a esta quantia não há que fazer qualquer dedução (a fim de, alegadamente, se evitar um enriquecimento injustificado resultante do recebimento antecipado de valores que o autor apenas receberia ao longo da vida), uma vez que se trata de indemnização fixada segundo a equidade (nº. 3 do art.º 566º do C.C.) e não de indemnização calculada de acordo com a fórmula da diferença (nº. 2 do art.º 566º do CC)” – cf., o douto Acórdão do STJ de 06/04/2021, Relatora: Fátima Gomes, Processo nº. 2908/18.8T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt .

Já utilizámos dois métodos de aferição diferenciados, afigurando-se o segundo como mais elaborado. Todavia, aqui chegados, e apesar dos valores diferenciados, urge ter em atenção que o “juiz já tem uma «sintonia» aproximada da indemnização. Sobre ela vai recair um juízo de equidade, de modo a encontrar a indemnização que melhor se adeque ao caso concreto, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros factores subjectivos que, eventualmente se provem. Convém não esquecer que o recurso à regra de três apontada é apenas uma «bússola» norteadora do julgador, para evitar grandes disparidades” [40].

Mas, vamos ainda mais longe. Utilizemos uma outra fórmula matemática, mais elaborada, que nos permitirá igualmente calcular qual a verba necessária que permita ressarcir, durante a vida laboralmente útil do lesado (no caso, durante a esperança média de vida do Autor), a perda sofrida, devendo tal quantia mostrar-se esgotada no fim do período considerado. Ou seja, permite determinar qual o capital que será necessário deter no ano inicial para obter em cada um dos anos seguintes uma prestação constante, considerando que é possível fazer uma aplicação financeira á taxa anual líquida. Deste modo, o capital será o estritamente necessário para permitir o levantamento da prestação constante ao longo de cada um dos anos, esgotando-se totalmente no final.
Mediante recurso à formula proposta no douto acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995 [41] e considerando que a esperança de vida activa do lesado é de 42 anos, que a inflação a longo prazo rondará os 2% [42], e que auferia o vencimento mensal líquido de 382,39 € (descontando o valor de 15%, conforme supra justificámos, e fazendo o cálculo ao valor anual líquido reportado a 14 meses), temos:
C = capital a depositar no primeiro ano
P = prestação a pagar no primeiro ano
i = taxa de juro
r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras
k = taxa anual de crescimento de P
Considera-se que ‘r’ corresponde a um valor de 3% e que ‘k’ corresponde a um valor de 2% [43]. Enquanto que 20 corresponde à incapacidade de 5% (1:0,05).


Resolvida a equação, mediante substituição das variáveis pelos valores indicados, obtém-se o resultado (‘C’) de 8.738,60 Euros.

Todavia, apreciemos ainda uma outra fórmula ou tabela matemática, exposta no já citado douto Acórdão do STJ de 04/12/2007 [44], que refere ter a mesma como base ou suporte a “aplicação do programa informático Excell á fórmula utilizada pelo STJ no Acórdão de 1994.05.05, e que foi construída tendo por referência a atribuição de 3% ao factor aí indicado como taxa de juro previsível no médio e longo prazo, taxa essa que, apesar dos anos, tem vindo a confirmar-se dada a estabilidade do euro” [45]. Ou seja, tal fórmula tem por base aquela que acabámos de utilizar, partindo-se de uma tabela, resultado da mencionada aplicação informática, onde, de um lado, se indica a idade que ainda falta para ser atingido o fim previsível da idade de reforma e, do outro, o factor índice. E, acrescenta, “no caso de haver concorrência de culpas entre lesante e lesado, haverá no entanto que dividir as responsabilidades consoante a respectiva proporção” [46].
Assim, a aferição do montante indemnizatório parte da determinação do factor índice, com recurso à tabela, o qual deve ser multiplicado pelo rendimento anualmente auferido á data do acidente, e novamente multiplicado pela percentagem de IPP.

O rendimento anual líquido do seu trabalho é de 6.298,18 € - (14 meses (x) 449,87 €)(=) 6.298,18(-)0,15[47] (=) 5.353,45 €

Assim, no nosso caso concreto temos que:
. idade do Autor à data do acidente: 28 anos;
. anos de vida activa útil (até atingir a reforma): 42 anos (70 – 28);
. rendimento anual auferido à data do acidente: 5.353,45 € =» (14 meses(x)449,87 €)(=)6.298,18(-)0,15 (=) 5.353,45 € ;
. taxa de IPP: 5%
. grau de concorrência da vítima para a lesão: inexistente.
Pelo que, 5.353,45 x 23,70136 x 5% = 6.344,20€.
E, aduz ainda o mesmo douto aresto, que na determinação do valor “há que atender a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais, e que são extremamente relevantes, indicando-se a título exemplificativo:
- o prolongamento da IPP para além da idade de reforma; (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela);
- o de ela não contemplar a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade;
- o de não ter em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade.;
- o de não contar com a inflação;
- o de não contemplar as despesas que o próprio lesado terá de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ele mesmo desempenharia;
- e o facto de todo o cálculo ser feito na base de que o trabalhador ficaria sempre a auferir aquele salário e que não teria progressão na carreira, ou seja, num completo congelamento da progressão profissional.
Daí que, como dissemos, a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório”.
A utilização destes cálculos assume-se, reafirmamos, como simples instrumento de trabalho e já não, obviamente, como valor vinculativo da decisão a proferir quanto a esta questão.

Referencie-se, ainda, de forma clara, entender-se que “os critérios e valores para a reparação do dano constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, para a reparação dos danos (vg. dos não patrimoniais) não vinculam os tribunais, pois, que têm exclusivamente em vista a elaboração de proposta pela empresa seguradora, visando a regularização extrajudicial de sinistros, e daí que, nesse domínio, os tribunais continuem adstritos à regras e princípios insertos no CC.” – assim, o sumariado no recente douto Acórdão do STJ de 28/03/2023, Relator: Isaías Pádua, Processo nº. 3410/20.3T8VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt .
Na senda do já anteriormente referenciado, exemplificativamente, no douto aresto do mesmo Tribunal de 21/04/2022 – Relator: Fernando Baptista, Processo nº. 96/18.9T8PVZ.P1.S1, in www.dgsi.pt -, consignando-se ser “entendimento pacífico que as normas da referida Portaria n.º 377/2008, de 26/05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, não são vinculativas para a fixação, pelos Tribunais, de indemnizações por danos decorrentes de responsabilidade civil em acidentes de viação, devendo «os valores propostos ( ... ) ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo», assumindo um carácter instrumental”.

Acresce, ainda, não se poder olvidar a importância da análise comparativa – cf., o nº. 3, do art.º 8º, do Cód. Civil -, nomeadamente em termos de “ponderação prudencial, com outras decisões do Supremo Tribunal de Justiça, em ordem à consideração de critérios jurisprudenciais que, numa perspetiva atualista, generalizadamente vêm sendo adotados, de molde a não pôr em causa a segurança na aplicação do Direito e o princípio da igualdade” – cf., o douto Acórdão do STJ de 25/05/2021, Relatora: Maria João Vaz Tomé, Processo nº. 1060/17.0T8FAR.E1.S1, in www.dgsi.pt .
E, este mesmo aresto enuncia várias decisões onde se poderá colher qual o entendimento jurisprudencial que vem sendo adoptado, ainda que a especificidade de cada situação concreta dificulte ou mitigue o pleno acolhimento de tal juízo comparativo.
Assim referencia as seguintes:
“- por acórdão de 10 de janeiro de 2017 (Salreta Pereira), proc. n.º 1965/11.2TBBRR.L1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “I - Os critérios previstos na portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela portaria n.º 679/2009, de 25-06, não vinculam os tribunais, disciplinando tão só as relações extrajudiciais das partes com vista à obtenção de acordo. II - Não merece censura o valor de € 100 000, fixado a título de indemnização do dano biológico sofrido pela autora, vítima de acidente de viação causado com culpa de terceiro, considerando o seguinte quadro provado: (i) tinha 38 anos, (ii) auferia rendimento profissional anual de € 55 000; (iii) ficou com incapacidade temporária permanente de 11 pontos; (iv) terá cerca de 30 anos de vida activa e (v) receberá antecipadamente a indemnização.”;
- conforme o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de abril de 2017 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 2256/13.0TBVIS.C1.S1, “I - Resultando dos factos provados que o lesado, que foi vítima de acidente de viação: (i) tinha 43 anos de idade à data do acidente (09-05-2012); (ii) é militar da GNR e na referida data desenvolvia a sua actividade essencialmente no exterior (patrulhas e serviço de rua); (iii) após o acidente passou a exercer parte das funções (e no início a totalidade) em trabalho de secretaria; (iv) em consequência do acidente ficou com lesões na coluna, que lhe provocaram dores na região lombar no momento do acidente e após, que se mantêm, sendo quantificáveis no grau 4 numa escala de 7; (v) foi sujeito a intervenção cirúrgica, realizou sessões de fisioterapia e necessitou de vários dias de convalescença, com períodos de baixa médica, devido às fortes dores que sentia, com limitações na mobilidade, tendo ficado com uma cicatriz cirúrgica; (vi) apresenta dificuldades na marcha em calcanhares; (vii) antes do acidente era alegre, saudável, dotado de grande alegria de viver e de boa disposição e muito trabalhador e devido às sequelas de que é portador sente-se infeliz por se ver limitado, sofrendo angústia, tristeza, desgosto, preocupação, temendo pelo seu futuro e padecendo de um quadro ansioso e depressivo, com ligeira e moderada repercussão na autonomia pessoal, social e profissional; (viii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 16,3%, sendo as sequelas compatíveis com o desempenho da sua profissão, mas exigindo esforços suplementares e determinando uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer no grau 3 numa escala de 7, tem-se como equitativa a fixação da indemnização devida, a título de danos não patrimoniais, em €40.000 tal como decidido pela Relação (e não em €20.000 tal como fixado pela 1.ª instância). II - Decorrendo, além do mais, da factualidade provada que o lesado aufere uma retribuição mensal base de €1.149,99 a que podem acrescer diversos suplementos e que ficou a padecer de uma incapacidade de 16,3%, ficando afectado nas suas capacidades para exercer as referidas funções de militar da GNR no exterior, ponderando a sua idade, o tempo previsível de vida activa, o salário auferido, a repercussão da incapacidade no desempenho funcional e na maior ou menor possibilidade de aceder a suplementos remuneratórios, é adequada a indemnização, a título de dano patrimonial futuro, de €45.000 tal como decidido pela Relação (e não de € 25 000 tal como fixado pela 1.ª instância).”;
- segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de outubro de 2017 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 178/14.6T8GMR.G1.S1, “I - Se existe um dano biológico, deve ser ressarcido e eventualmente também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, caso se demonstre a sua existência e sua relação causal com aquele dano. II - A circunstância de não se ter apurado que a incapacidade de 30+5 pontos não gerou, ainda, uma diminuição da capacidade de ganho do autor, não significa que não se esteja perante um dano biológico, dado que este dano não se esgota na perda da capacidade de ganho, mas antes compreende a perda de capacidades físicas e psíquicas que se repercutam na vivência do sujeito atingido e lhe causem perturbações permanentes. III - Nesta perspectiva, bem andou a 1.ª instância em atribuir ao autor a indemnização de €45.000 (que a Relação retirou) pelo dano biológico sofrido, consubstanciado na incapacidade de 30 pontos já determinada e na incapacidade de 35 pontos antevista para o futuro, a acrescer à já fixada € 130 000 pelo dano patrimonial futuro. IV - Considerando que: (i) à data do sinistro, a autora tinha 21 anos idade; (ii) em consequência do mesmo, sofreu dores em quantum de 6, numa escala de 7; (iii) ficou com uma incapacidade permanente geral de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético de grau 3 numa escala de 7; (v) sofreu um prejuízo de afirmação pessoal de grau 3, numa escala de 7; (vi) sofre e continuará a sofrer fortes limitações no exercício da sua actividade profissional (balconista), com reflexos evidentes na sua capacidade de ganho futuro e progressão na carreira, atendendo ainda à idade activa fixada para as mulheres, decidiu bem a 1.ª instância em atribuir uma indemnização, pelo dano biológico sofrido, na quantia de € 37.500 (e não a Relação que a reduziu para €20.000). V - Devem ser indemnizados o desejo, a ansiedade e a expectativa de uma paternidade e maternidade – desejadas e construídas (a recorrente sujeitou-se a tratamentos de fertilidade) – que de um momento para o outro se esvaem, de forma violenta, através de aborto provocado pelas lesões sofridas por via do embate ocorrido. VI - Mostra-se adequado o montante atribuído pela 1.ª instância, a cada um dos autores – €35.000 – a título de indemnização por danos não patrimoniais (V), sendo infundada a redução para €15.000 que a Relação decidiu aplicar.
- por acórdão de 14 de dezembro de 2017 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 589/13.4TBFLG.P1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “I - Não se verifica a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista “normal”, nos termos do art.º 671.º, n.º 3, do CPC, quando, apesar de reconhecido pelas instâncias o direito do autor às indemnizações pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais, o acórdão recorrido reduziu o quantum indemnizatório a pagar pela ré, seguradora, ao autor, subsistindo divergências no tocante ao valor a arbitrar para ressarcimento dos danos em causa. II - O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. III - Resultando da factualidade provada que o autor, em consequência do acidente de viação de que foi vítima: (i) sofreu diversas fracturas dos membros superiores e inferiores; (ii) apresenta diversas sequelas, designadamente, rigidez, limitações e cicatrizes nalguns membros; (iii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (iv) terá de ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo e a tratamentos de fisioterapia; (v) tinha 34 anos de idade na data do acidente; (vi) exercia as funções de enfermeiro num centro hospitalar e num hospital privado e auferia, em média, o total de € 2 010 líquidos mensais; (vii) tem dificuldades em levantar, deitar, dar banho e fazer transferência de doentes; (viii) sente dificuldades na condução automóvel e não consegue fazer as caminhadas que antes fazia, e deixou de jogar futebol e de andar de bicicleta, tem-se como adequado e equitativo fixar a indemnização pelo dano biológico em € 90 000. IV - Ficando, ainda, provado que o autor: (i) teve ser sujeito a diversas intervenções cirúrgicas; (ii) permaneceu diversos períodos internado; (iii), apresenta um dano estético de grau 3, o quantum doloris é fixável no grau 5 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3 (em escalas crescentes até 7); (iv) antes do embate era uma pessoa autónoma, trabalhadora e bem-disposta e agora sente-se limitado, em termos pessoais e profissionais; (v) sabe que o seu estado não melhorará e isola-se em casa, sentindo desgosto por não mais conseguir fazer caminhadas, jogar futebol e andar de bicicleta; (vi) aquando do internamento, e quando se encontrava manietado de pernas e mãos, nasceu o seu filho, sem que lhe pudesse pegar ao colo, tem-se por adequada e quantitativa a indemnização fixada pela Relação a título de danos não patrimoniais no valor de € 30 000.”;
- em conformidade com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de dezembro de 2017 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 390/12.2TBVPA.G1.S1, “I - O dano resultante da incapacidade permanente (ainda que parcial), na medida em que representa uma diminuição somática e funcional do lesado, não pode deixar de ser considerado um dano patrimonial (futuro), tanto mais, que, em regra, essa «capitis diminutio» obriga a um maior esforço na realização de tarefas. II - No que toca ao dano biológico, deve ser fixada indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, ainda que, no imediato, a diminuição funcional não tenha reflexo no montante dos rendimentos auferidos pelo lesado e mesmo que o lesado não fique impossibilitado de continuar a exercer a sua profissão. III - Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exato valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art.º 566.º, n.º 3, do CC. IV - O recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso.”;
- segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2018 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2, “I - Tendo o perito de medicina legal que subscreveu o relatório pericial apurado o grau de incapacidade permanente parcial de que o recorrente ficou a padecer e as repercussões na sua atividade profissional, é injustificável que, independentemente da metodologia de avaliação pericial e da observância de normas procedimentais a ter em conta, se determine a baixa do processo para realização de diligências complementares. II - A vertente patrimonial do dano biológico não se cinge à redução da capacidade de ganho e abrange também a lesão do direito à saúde, devendo a indemnização correspondente a este dano ter em conta as consequências dessa afetação no período de vida expetável, seja no plano profissional (perda/diminuição de oportunidades profissionais) seja no plano pessoal (maior onerosidade no desempenho de atividades). A indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimento que se extinga no final da vida, o seu montante deve ser reduzido em função do benefício, financeiramente rentabilizável, de receber a indemnização numa só prestação e a sua quantificação terá que ter em conta a expetativa de vida do cidadão médio, a sua progressão profissional e os previsíveis aumentos salariais. III - Dado que à data do acidente, o recorrente contava com 40 anos de idade e ficou a padecer de um défice funcional de 10% (com possível agravamento com o decorrer do tempo) que o obriga a esforços acrescidos para o desempenho da sua profissão, revela-se equitativo e conforme aos padrões jurisprudenciais o montante de € 60 000 fixado pela Relação para ressarcir esse dano. IV - Tendo a quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais tido em conta o agravamento das sequelas, injustifica-se relegar para liquidação posterior a fixação da indemnização respeitante a danos futuros.”;
- por acórdão de 9 de março de 2019 (Maria Olinda Garcia), proc. n.º 683/11.6TBTVR.E1.S2, “I - O montante de € 50 000 euros mostra-se adequado a indemnizar o dano biológico sofrido pela lesada em acidente de viação, na consideração das seguintes circunstâncias: (i) a autora tinha 28 anos de idade, (ii) ficou com um défice funcional permanente da integridade física de 20 pontos, (iii) era estudante e sofreu uma diminuição da sua capacidade de concentração pelo período de dois anos, o que implicou um esforço acrescido, (iv) não consegue ficar muito tempo na mesma posição, (v) o eczema e impossibilidade de permanecer muito tempo de pé limitaram a escolha da especialidade médica da autora, (vi) actualmente exerce a profissão de médica e as lesões sofridas limitam a capacidade de trabalho e de resistência na sua vida profissional. II - O montante de € 80 000 euros mostra-se adequado a indemnizar os danos não patrimoniais sofrido pela lesada em acidente de viação, na consideração das seguintes circunstâncias: (i) durante o transporte em ambulância, que durou quatro horas, a autora sofreu dores no grau máximo de 7; (ii) foi submetida a cinco intervenções cirúrgicas, antecedidas de grande ansiedade, a última das quais causou inflamação e dor e implicou o uso de canadianas durante quatro semanas; (iii) esteve internada 33 dias, durante os quais foi sujeita a tratamentos dolorosos e pensos, tendo sido medicada o que lhe provocou náuseas, vómitos e intolerância alimentar e galactorreia, sentindo-se triste e sozinha por só ter um visita por dia sem contacto físico; (iv) o quantum doloris foi de grau 6 em 7 graus progressivos; (v) sofreu angústia e receio de não concluir o 3.º ano de medicina, desenvolvendo pânico, fobias, insónias e pesadelos; (vi) a queimadura de 3.º grau ocupou da superfície total; (vii) o constrangimento e vergonha com a exposição do seu corpo na sua intimidade sexual, devido à existência de cicatriz, sendo a repercussão permanente na actividade sexual fixada no grau 2/7.”;
- segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2019 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 32/14.1TBMTR.G1.S1, “I - O dano resultante da incapacidade permanente (ainda que parcial), na medida em que representa uma diminuição somática e funcional do lesado, não pode deixar de ser considerado um dano patrimonial (futuro), tanto mais, que, em regra, essa «capitis diminutio» obriga a um maior esforço na realização de tarefas. II - No que toca ao dano biológico, deve ser fixada indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, ainda que, no imediato, a diminuição funcional não tenha reflexo no montante dos rendimentos auferidos pelo lesado e mesmo que o lesado não fique impossibilitado de continuar a exercer a sua profissão. III - Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exato valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art.º 566.º, n.º 3, do CC. .

No caso concreto afigura-se-nos ser de valorar e ponderar ainda o seguinte, em conjugação com o primaz juízo equitativo [48]:
- para além dos 70 anos de idade, limite apontado como de esperança de vida activa [49] [50], sempre resta, por vezes, um período de actividade profissional que não se deve descurar, muitas vezes coincidente com a própria esperança média de vida [51].

Relembremos que, no que ao presente dano concerne, a sentença sob apelo atribui o valor indemnizatório de 17.000,00 (dezassete mil euros), sendo pretensão do Recorrente Réu Apelante (Independente) que tal valor passe a ser de 9.000,00 (nove mil euros), enquanto que o Recorrente Autor Apelante (Subordinado) entende dever ser fixado no montante de 23.710,52 € (vinte e três mil setecentos e dez euros e cinquenta e dois cêntimos).

Ora, aqui chegados, concluamos, na articulação dos critérios supra expostos, o seguinte:
a) consideramos que, numa primeira abordagem, o momento e o limite a considerar é o correspondente ao de esperança de vida activa, o qual cremos ainda dever situar-se nos 70 anos de idade;
b) sem prejuízo de, nos termos supra expostos, em sede de juízo de ponderação equitativa, se dever ter em atenção o factor de esperança média de vida que, à data dos factos, e no que aos homens concerne, se situava nos 77,8 anos [52] ;
c) pois, conforme supra exposto, em muitos casos tais momentos coincidem e, por outro lado, é mesmo após o cessar da vida profissional activa que mais se sente a carência de tutela às necessidades básicas do lesado, decorrentes do avançar da idade e dos efeitos deste avançar nas sequelas e limitações sofridas;
d) conforme supra exposto, o apelo aos vários mecanismos matemáticos ou tabelas financeiras, que devem ser encaradas como um instrumento de trabalho, permitem a obtenção de um valor indicativo, de uma aproximação, capaz de garantir uma justiça relativa e salvaguardar alguma objectividade, susceptível de melhor sindicância, na fixação do quantum indemnizatório;
e) de acordo com os indicados modelos ou factores, os valores equacionados foram, respectivamente, de 11.242,25€, 8.922,42€, 8.738,60€ e 6.344,20€;
f) donde resulta que, na ponderação dos referenciados juízos lógicos de probabilidade, assentes no princípio id quod plerumque accidit, priorizando o enunciado critério da equidade, mas partindo necessariamente da ponderação dos valores atribuídos pelos cálculos matemáticos efectuados, entende-se que o valor fixado pelo Tribunal recorrido – 17.000,00 € -, se afigura como demasiado elevado, afigurando-se-nos como mais adequado e pertinente o valor de 14.000,00 (catorze mil euros) ;
g) decidindo-se, consequentemente, pela sua diminuição nos termos expostos, que se nos afigura como adequada, equitativa e susceptível de garantir o devido ressarcimento pelo dano biológico em consideração;
h) o que determina, nesta sede e segmento recursório, parcial procedência das conclusões do Réu Apelante Independente e total improcedência das conclusões do Autor Apelante Subordinado, com consequente alteração da sentença recorrida nos termos consignados.


B) Da fixação do quantum a título de indemnização por danos não patrimoniais – RECURSO INDEPENDENTE e RECURSO SUBORDINADO

Entendem Réu e Autor que o valor fixado na sentença recorrida – 10.000,00 € -, a título de indemnização pelo danos não patrimonial , viola os juízos de equidade, entendendo o Réu que o mesmo não deverá ser superior a 5.000,00 €, enquanto que o Autor reclama a sua elevação para a quantia de 15.000,00 €.
A decisão apelada justificou o valor arbitrado com base no seguinte argumentário:
“Quanto à indemnização dos danos não patrimoniais decorrentes das lesões corporais, já vimos que no caso em apreço não são ressarcíveis ao abrigo do regime legal de regularização dos acidentes de trabalho e, portanto, em relação aos quais a responsabilidade do FGA é incontroversa.
O Autor pediu uma indemnização de €11.000,00.
Este dano corresponde às dores que o Autor sentiu em virtude das lesões que sofreu no acidente e de todos os actos médicos e tratamentos a que foi sujeito para tratamento dessas lesões. Corresponde ainda à repercussão negativa que toda esta situação teve no modo como o Autor organizava a sua vida, dispunha do seu tempo conforme entendia, dispunha do seu corpo para as actividades e com a liberdade que desejava, repercussão essa ao nível dos sentimentos (frustração, angústia, medo) e da capacidade de actuação como ser humano livre e autónomo.
Resulta da matéria de facto que devido às lesões e ao choque que sofreu, o Autor sofre de ansiedade, de insónias e temor de sofrer outro sinistro de viação e sofre quando conduz uma viatura.
Sofreu também prolongadas dores físicas tanto no momento do sinistro como no decorrer dos tratamentos médicos, a que foi sujeito. Sofreu e sofre com o desgosto de ter ficado com uma vida mais limitada em virtude das lesões e do choque traumático, ao saber que podia ter morrido em virtude do sinistro.
Ficou perturbado com stress pós-traumático de lembrança e revivência dos factos ocorridos e mantém flashbacks (memórias do trauma) frequentes e teve acesso e ataques de raiva e descontrolo da sua personalidade.
Tendo em consideração esta realidade, sopesando o nível de vida que se adivinha da actual profissão do Autor (operador de máquinas) e levando em conta que uma indemnização só o é verdadeiramente quando o seu montante representa para o lesado um benefício que seja, de algum modo, susceptível de o fazer esquecer o sofrimento passado, mediante um incremento de vantagens compensatórias que representem para o lesado algo a que ele antes não acedia ou não podia aceder, cremos que se justifica fixar a indemnização na quantia de €10.000,00, tendo em conta a prática jurisprudencial, sendo de salientar que, no acórdão do STJ proferido a 21 de janeiro de 2021 acima citado, foi confirmada a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em €13.000,00, num caso em que o quantum doloris foi superior ao verificado no caso dos presentes autos (naquele caso, a lesada sofreu dores de grau 5 numa escala de 1 a 7)”.

Poder-se-á considerar, com base na factualidade provada, o fixado valor indemnizatório/reparatório não equitativo e desconforme com os padrões jurisprudenciais adoptados?
Vejamos.

 O presente dano consiste nos prejuízos (dor física, desgosto moral, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, liberdade, beleza, perfeição física, honra, etc.) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação.
No que aos presentes danos respeita, dispõe o art.º 496.º, n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente[53] [54] pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º do mesmo diploma (o grau de culpabilidade do agente; a situação económica deste e do lesado; e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem). Dispõe este normativo que “quando a indemnização se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Esta categoria geral de danos tem sido progressivamente subdividida em danos que respeitam a diversas facetas da vida humana.
Desde logo, a dor física sofrida pelos lesados como consequência dos ferimentos e respectivos tratamentos e operações; a afectação da integridade anatómica, fisiológica ou estética [55]; o dano biológico (conforme verificámos supra); o prejuízo de distracção ou de afirmação pessoal e a perda de expectativas de duração de vida.
Relativamente aos presentes danos, Sousa Dinis [56] refere que o julgador deverá ter em consideração, entre outros, os seguintes factores ou pressupostos: “a incapacidade, ou, se for o caso, a incapacidade temporária total geral, que diz respeito às tarefas da vida corrente, e a incapacidade temporária total especial para a actividade desenvolvida, ou seja, a projecção dessa incapacidade no exercício da actividade específica do lesado” ;
- “a graduação do quantum doloris (...);
- “o prejuízo estético, também graduado como a dor”;
- “o prejuízo de afirmação pessoal (alegria de viver) que deve ser graduado também de acordo com a escala valorativa da quantificação da dor (...)”;
- “o desgosto de o lesado se ver na situação em que se encontra”;
- “a clausura hospitalar”.
Invocando a jurisprudência do nosso Tribunal superior, refere o douto Acórdão do STJ de 25/06/2002 [57] que aquela “em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como se decidiu recentemente neste STJ, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar”. E, citando Antunes Varela [58], refere que o “montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessário se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir” [59] [60] [61].  
Jurisprudencialmente, vejamos, de forma exemplificativa, quais os valores que veem sendo fixados ao nível do nosso mais Alto Tribunal – Supremo Tribunal de Justiça – pelos seguintes doutos arestos, todos disponíveis em www.dgsi.pt :
- de 08/02/2018 – Relator: Nuno Gomes da Silva, Processo nº. 245/12.0TAGMT.G1.S1 -, no qual se sumariou ser “adequada e proporcional a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em €65.000,00 quando o quadro factual evidencia uma vida arruinada, com a lesada a suportar uma verdadeira “via crucis” em consequência de lesões múltiplas e gravíssimas em vários órgãos que vão perdurar e que têm tradução na atribuição de uma incapacidade permanente geral de 77,9 pontos, com um período de internamento de 10 meses, intervenções cirúrgicas várias, bem como tratamentos, sofrimento físico e psicológico intensos e constantes, este acentuado pela incapacidade de fazer vida autónoma e de estar incapacitada para o trabalho. Tudo contribuindo para um desgosto e uma penosidade muito acrescidos no suportar do normal quotidiano, decorrente da manifesta perda de qualidade de vida, e inevitavelmente das relações interpessoais. Isto numa pessoa que tinha ainda uma esperança de vida prolongada pois completara 60 anos à data do acidente.
V - São consideráveis na avaliação desde dano o pretium doloris, o pretium pulchritudinis, o “dano distracção ou passatempo” (em francês dommage d’agrément) o “dano existencial ou de afirmação pessoal” e o dano da saúde geral, constituído pelas funestas incidências na duração da vida normal da lesado decorrentes das graves lesões”;
- de 17/06/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 418/13.9TVCDV.L1.S1 -, onde se sumariou que “resultando dos factos provados que o autor, à data do acidente de viação, tinha 30 anos de idade e era uma pessoa saudável e cheio de vida e que, em consequência do acidente, sofreu várias fracturas; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação anti-álgica, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de €50.000,00”;
- de 19/04/2018 – Relator: António Joaquim Piçarra, Processo nº. 196/11.6TCGMR.G2.S1 -, no qual se defendeu que “ponderando este quadro factual, em especial, as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa da Autora), a extrema gravidade das lesões sofridas por esta, os dolorosos tratamentos a que foi sujeita, com destaque para as duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Vizela, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau (26 pontos), correspondente a uma IPP de 49,2495% e a um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, as intensas dores sofridas (de grau 5, numa escala de 1 a 7), o desgosto e amargura de, com 43 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspectivas futuras, em termos laborais, consideramos que, não obstante a apontada limitação deste Tribunal, no que concerne à sindicância de indemnização com recurso à equidade, a indemnização de €45.000,00, a título de dano não patrimonial, foi fixada prudencialmente pelas instâncias e apresenta-se como razoável, ajustada, equilibrada e adequada às circunstâncias concretas do caso vertente” ;
- de 12/07/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo n.º 1842/15.8STR.E1.S1 -, no qual é fixada a indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de 60.000,00€, num quadro de lesões e sequelas traduzido em repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7, repercussão na actividade sexual fixável em grau 3/7, num quantum doloris fixável no grau 6/7, em que o lesado ficou portador de perturbação persistente do humor, sequelas a nível da ráquis, abdómen, membro superior direito e membro inferior esquerdo, tendo ainda sido sujeito a intervenção cirúrgica para encerramento da colostomia e reconstituição do trânsito intestinal ;
- de 05/05/2020 – Relator: José Rainho, Processo n.º 224/13.0T2AND.P1.S1 -, no qual se considerou como justa e adequada a indemnização de €35.000,00 fixada pela Relação, ademais também com referência implícita a 2013, a título de dano não patrimonial dentro do seguinte enquadramento factual nuclear, decorrente de acidente de viação: - (i) o lesado, que tinha a idade de 37 anos à data do acidente, sofreu traumatismo da coluna vertebral, na região cervical e crânio-encefálica, com perda (momentânea) de consciência; (ii) foi conduzido para o hospital, onde ficou em observação (tendo, porém, alta no mesmo dia); (iii) padeceu de cefaleias, náuseas, tonturas e parestesias das mãos; (iv) teve que ser submetido a consultas médicas e a TAC crânio-encefálico e da coluna cervical; (v) foi forçado a usar colar cervical durante cerca de 6 meses; (vi) apresenta sequelas ao nível da coluna cervical; (vii) apresenta um quadro neuropsiquiátrico caracterizado por sintomatologia angodepressiva, humor triste e depressivo, cefaleias, tonturas, desequilíbrios, irritabilidade fácil, tendência de isolamento, labilidade de atenção, sensação de prejuízos mnésicos e alteração do padrão normal do sono; (viii) teve e tem dores, valoradas no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente; (ix) teve de se submeter a várias consultas e exames médicos, bem como a sessões de fisioterapia, que lhe causaram dores; (x) ficou a sofrer de ansiedade na condução” ;
- de 04/06/2020 – Relator: Tomé Gomes, processo nº. 2732/17.5T8VCT.G1.S1 -, aí se ajuizando que “perante um quadro de circunstâncias, integrado pelo tipo de lesões sofridas, internamentos sucessivos e intervenções cirúrgicas várias, tratamentos diversos, período de convalescença, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 31 pontos, com sequelas compatíveis com a atividade profissional habitual, acarretando esforços acrescidos, quantum doloris e dano estética de nível 4, numa escala de 1 a 7, é de concluir que a A. teve um sofrimento físico e psíquico, com afetação da sua vivência pessoal, social e de desempenho, acima do nível médio, mostrando-se adequada, à luz dos parâmetros seguidos pela jurisprudência no tipo de dano em referência, a compensação de € 50.000,00” ;
- de 23/04/2020 – Relatora: Catarina Serra, Processo nº. 5/17.2T8VFR.P1.S1 -, o qual confirmou a decisão do Tribunal da Relação do Porto que, fixou no montante de 127.000,00 € a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, com base, essencialmente, no seguinte quadro factual:
101. O Quantum doloris sofrido pelo Autor durante o período de incapacidade foi de 6 numa escala de 0 a 7.
110. O Autor deixou de poder praticar ciclismo o que fazia há mais de 20 anos com um grupo de amigos com uma frequência de pelo menos quatro vezes por semana.
111. Antes do acidente, o Autor formava com a sua namorada um casal com muito afecto e carinho, viviam muito bem na sua intimidade, projectando ter filhos e construir uma vida em comum
112. Por força das sequelas descritas em 96 a) a relação de namoro com projecto de casamento que o Autor então mantinha terminou.
113. O Autor sofre de ansiedade, com fortes sentimentos de profunda menos valia e descontrolo impulsivo de pendor agressivo tendo-se tornado uma pessoa facilmente irritável e irascível.
114. Antes do acidente o Autor era uma pessoa alegre e bem disposta.
115. O Autor temeu pela sua vida e suportou um grande choque e abalo.
116. Muito lhe custou o tempo de clausura hospital, o tempo em que ficou retido no leito sem se poder mexer.
117. Lamenta-se bastante com o que lhe sucedeu, falando do acidente muitas vezes.
118. O Autor passou, por via de todo o exposto anteriormente, a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante a vida.
119. Tem dificuldades acrescidas na vida de relação, refugiando-se não raras vezes no seu quarto a chorar em virtude de não poder levar a vida que levava antes do sinistro.
120. Sente-se um fardo para os seus familiares, sem qualquer préstimo.
121. Apresenta distúrbios do sono traduzidos em insónias.
122. Sofre de uma grande dificuldade de suportar ruídos”.

Obtidos tais parâmetros actualizados, in casu, com relevância para a determinação do quantum a arbitrar, e a acrescer à factualidade já supra enunciada, ponderada na sentença apelada, urge, igualmente, ponderar, e realçar, o seguinte:
- a circunstância do Autor ter permanecido, em situação de doença, 484 dias, beneficiando de tratamentos desde 18/05/2017 até 13/09/2018, período durante o qual não pôde exercer a sua actividade profissional;
- o facto de ter tido alta médica em 13/09/2017, mas sem consolidação, tendo esta ocorrido apenas em 13/09/2018.
Ora, ponderando tal factualidade e, fundamentalmente, a extensão das lesões, sequelas e sofrimento suportado pelo Autor, bem como a sua repercussão nas várias áreas da sua vivência e nas limitações para a sua vida diária decorrentes das lesões e sequelas sofridas, afigura-se-nos dever ser fixada a quantia de 12,500,00 € (doze mil e quinhentos euros) como valor de reparação pertinente e totalmente observador das exigências de equidade, tendo-se em atenção os parâmetros que vêm sendo jurisprudencialmente adoptados, pelo que se decide pela sua alteração, relativamente ao fixado montante de 10.000,00 € [62] [63].
Donde, neste segmento, improcede, na totalidade, a pretensão recursória do Apelante Réu (recurso independente), e procede parcialmente a pretensão recursória do Autor (recurso subordinado).

Referencie-se, por fim, que a circunstância do Autor, no petitório acional deduzido, ter circunscrito a indemnização por danos não patrimoniais na quantia de 11.000,00€, não obsta que este Tribunal a possa fixar no aludido montante de 12.500,00€.
Efectivamente, é certo que, conforme resulta do nº. 1, do art.º 609º, do Cód. de Processo Civil, na observância do princípio do pedido, não pode a sentença condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, no que se traduz numa emanação do princípio do dispositivo, com concludente consagração no art.º 3º, do mesmo diploma – cf., o douto Acórdão do STJ de 11/02/2015, Relator: Abrantes Geraldes, Processo nº. 607/06.2TBCNT.C1.S1, in www.dgsi.pt .
Todavia, apenas se configura situação de desrespeito pelo princípio ínsito ao nº. 1, do art.º 609º quando a sentença exceder os limites quantitativos ou qualitativos do pedido – cf., o douto Acórdão do STJ de 17/11/2020, Relator: Jorge Dias, Processo nº. 107524/17.2YIPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt -, sendo que tal princípio não tem “obstado a que, em ações de responsabilidade civil, perante pedidos parcelares de indemnização, se considere que o limite de cada parcela se reporta ao valor global peticionado. Trata-se, aliás, de jurisprudência corrente e pacífica” – cf., António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 729.
Ora, o valor total da pretensão indemnizatória (por danos patrimoniais e não patrimoniais) reporta-se à quantia global de 39.933,16€, donde resulta concluir-se pela inexistência de qualquer afectação do aludido princípio.


Donde, em guisa conclusiva, decide-se o seguinte:
Relativamente ao RECURSO INDEPENDENTE:
I) pela parcial procedência do recurso interposto pelo Apelante/Recorrente/Réu FUNDO … e, consequentemente, determinar a seguinte alteração à sentença recorrida/apelada:
a) determinar o valor global fixado a título de indemnização pelo dano patrimonial suportado pelo Autor na quantia de 14.080,00€ (catorze mil e oitenta euros), assim se alterando o fixado montante de 17.080,00€;
II) pelo que, com excepção de tal alteração, improcede, no demais, a pretensão recursória apresentada.

Relativamente ao RECURSO SUBORDINADO:
I) pela parcial procedência do recurso interposto pelo Apelante/Recorrente/Autor M... e, consequentemente, determinar a seguinte alteração à sentença recorrida/apelada:
a) condenar o Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 12.500,00 € (doze mil e quinhentos euros), assim se alterando o fixado montante de 10.000,00€;
II) pelo que, com excepção de tal alteração, improcede, no demais, a pretensão recursória apresentada.

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Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, determina-se a seguinte responsabilidade tributária:
QUANTO À ACÇÃO:
- custas a cargo do Autor e Réu na proporção, respectivamente, de 33,60 % e 66,40 %;
 QUANTO AO RECURSO INDEPENDENTE:
- custas a cargo do Recorrente Réu e Recorrido Autor, na proporção, respectivamente, de 74,30 % e 25,70 %;
  QUANTO AO RECURSO SUBORDINADO:
- custas a cargo do Recorrente Autor e Recorrido Réu na proporção, respectivamente, de 78,50% e 21,50%.

***
IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
Relativamente ao RECURSO INDEPENDENTE:
I) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Apelante/Recorrente/Réu FUNDO… e, consequentemente, determinar a seguinte alteração à sentença recorrida/apelada:
a) determinar o valor global fixado a título de indemnização pelo dano patrimonial suportado pelo Autor na quantia de 14.080,00 (catorze mil e oitenta euros), assim se alterando o fixado montante de 17.080,00 €;
II) pelo que, com excepção de tal alteração, improcede, no demais, a pretensão recursória apresentada.

Relativamente ao RECURSO SUBORDINADO:
III) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Apelante/Recorrente/Autor M... e, consequentemente, determinar a seguinte alteração à sentença recorrida/apelada:
a) condenar o Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 12.500,00 € (doze mil e quinhentos euros), assim se alterando o fixado montante de 10.000,00€;
IV) pelo que, com excepção de tal alteração, improcede, no demais, a pretensão recursória apresentada;
V) com excepção das supra determinadas alterações, confirmar, no demais, a sentença recorrida/apelada;
VI) Nos quadros do art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, determina-se a seguinte responsabilidade tributária:
QUANTO À ACÇÃO:
- custas a cargo do Autor e Réu na proporção, respectivamente, de 33,60 % e 66,40 %;
QUANTO AO RECURSO INDEPENDENTE:
- custas a cargo do Recorrente Réu e Recorrido Autor, na proporção, respectivamente, de 74,30 % e 25,70 %;
  QUANTO AO RECURSO SUBORDINADO:
- custas a cargo do Recorrente Autor e Recorrido Réu na proporção, respectivamente, de 78,50% e 21,50%.

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Lisboa, 25 de Maio de 2023

Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco

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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] O Dano Corporal em Acidentes de Viação, in CJSTJ, Ano IX, Tomo 1, 2001, pág. 8, estudo que voltaremos a referenciar infra.
[3] Refere expressamente douto Acórdão do STJ de 18/12/2003 – Relator: Salvador da Costa, Processo nº. 03B4120, in www.dgsi.pt - que tratando-se, na espécie, de um “dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a utilização intensa de juízos de equidade” ; por sua vez, o douto Acórdão do STJ de 17/06/2008 – Relator: Moreira Camilo, Processo nº. 08ª1599, in www.dgsi.pt -, fala de “um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte”, apelando á utilização de “critérios de probabilidade a projectar em termos de normalidade da vida”.
[4] In CJSTJ, Ano I, Tomo 1, pág. 129.
[5] BMJ, n.º 283, pág. 260.
[6] BMJ, n.º 307, pág. 242.
[7] Acerca da evolução histórica jurisprudencial para a determinação dos danos futuros, cf.., Sousa Dinis, O Dano Corporal em Acidentes de Viação, in CJSTJ, Ano IX, Tomo 1, 2001, págs. 8 e 9; e, ainda, de forma extremamente elucidativa, o douto Acórdão do STJ de 06/07/2000, in CJSTJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 146.
[8] Ou, nas palavras do douto aresto citado na nota anterior, “a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que (capital) se extinga no final do período provável de vida”.
[9] Ob. Cit., pág. 9.
[10] cf., o douto Acórdão da RL de 24/06/2003, Processo n.º 5146/2003-7, in http://www.dgsi.pt/jtrl.
[11] Acrescentamos nós que tal desiderato parece estar igualmente presente na solução adoptada pela Portaria nº 377/2008, de 26/05, alterada pela Portaria nº. 679/2009, de 25/06, a qual veio fixar critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de indemnização razoável para indemnização do dano corporal.
[12] In CJSTJ, Ano X, Tomo 2, pág. 132.
[13] Idem, págs. 132 e 133.
[14] O douto Acórdão do STJ de 25/09/2008 – Relator: Santos Cabral, Processo nº. 08P2860, in www.dgsi.pt - refere que no quadro dos cálculos sob os juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, “factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o seu tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.
Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas”.
[15] Relator: Ferreira de Almeida, Processo nº. 797/05.1 TBSTS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[16] Relator: João Bernardo, Processo nº. 370/04.1 TBVGS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[17] Relator: Hélder Roque, Processo nº. 2171/07.6 TBCBR, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[18] Relator: Salazar Casanova, Processo nº. 1612/05.1 TJVNF, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[19] Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 270/06.0 TBLSD, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[20] Relator: Hélder Roque, Processo nº. 456/06.8 TBVGS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[21] Relator: Gabriel Catarino, Processo nº. 4861/11.0TAMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[22] Relator: Ribeiro Cardoso, Processo nº. 3921/13.7TTKSB.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[23] Relatora: Paula do Paço, Processo nº. 3974/16.6T8CBR.C1, in www.dgsi.pt .
[24] Relator: Gonçalves Rocha, Processo nº. 393/16.8T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt .
[25] Relatora: Paula do Paço, Processo nº. 423/16.3T8LRA.E1, in www.dgsi.pt .
[26] Relator: Ferreira Marques, Processo nº. 2195/05.8TTLSB-4, in www.dgsi.pt .
[27] Relator: Nuno Pinto Oliveira, Processo nº. 4212/18.2T8CBR.C1.S1, in www.dgsi.pt .
[28] Relator: Ferreira Pinto, Processo nº. 721/17.9T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[29] Cf., ainda, o sumariado nos seguintes doutos Acórdãos do STJ:
- de 13.05.2011, Processo n.º 216/07.9TTCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt., consignando-se que “as ajudas de custo não visam, em regra, pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho, antes se destinam a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho ou por causa dele”;
“Só assim não será quando estas compensações excedem as despesas suportadas, pois conforme resulta da parte final do artigo 260º nº 1 do CT/2003, a parte excedente dessas despesas deverá considerar-se retribuição, no caso de se tratar de deslocações frequentes” ;
- de 08.10.2008, Processo n.º 08S1984, in www.dgsi.pt, , onde se referenciou caber “à entidade empregadora, nos termos dos art.ºs 344.º, n.º 1 e 350.º do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, ou seja, que as respetivas importâncias foram devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas ao serviço dela, empregadora, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 260.º do CT e de valer a presunção do n.º 3 do art.º 249.º do CT, de que se está perante prestação com natureza retributiva ;
Feita esta prova, pode entrar em aplicação a ressalva contida na norma especial da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 260.º do CT que estabelece em que termos e medida as ajudas de custo revestem natureza retributiva”.
[30] A retribuição e outras atribuições patrimoniais, Cadernos do CEJ, Maio de 2013, pág. 15 a 20.
[31] in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382.
[32] A noção de retribuição no regime do contrato de trabalho: uma revisão da matéria,
https://revistas.ucp.pt › index.php › article › view, pág. 324.
[33] O Conceito de Retribuição visto no Direito Português e de Angola, https://www.cidp.pt › revistas › rjlb, pág. 864 e 912.
[34] Valor médio a deduzir relativamente às contribuições, fundamentalmente em sede de segurança social, atenta a isenção de que vem gozando o salário mínimo em sede de IRS. Com efeito, interessa a aferição do salário real, e não bruto – cf. o já supra citado douto Acórdão do STJ de 19/03/2002.
[35] Presumindo que a vítima se reformaria aos 70 anos de idade, conforme critério orientador previsto na alínea b) do nº 1 do art.º 6º da mesma Portaria nº 377/2008, de 26/05 ; conforme refere o já enunciado douto aresto do STJ de 14/09/2010, é jurisprudência quase uniforme nos tribunais superiores a “consideração, em termos de generalidade e de normalidade, da idade de 70 anos como data-limite da vida útil relevante dos lesados (….)”.
[36] Ob. Cit., o qual refere poder ser encontrado facilmente “o capital necessário que dê ao lesado ou aos seus herdeiros o rendimento perdido, calculado a uma certa taxa de juro, através de uma regra de três simples, não «afinando» o resultado obtido pelo recurso ás tabelas financeiras (nem sempre acessíveis nem de consulta fácil), mas fazendo intervir no fim a equidade (....)”.
[37] Assim o citado Acórdão do STJ de 26/05/2002, referenciando o mencionado estudo de Sousa Dinis.
[38] Sousa Dinis, Ob. Cit., pág. 9.
[39] Idem.
[40] Ibidem.
[41] In  CJ II, p. 23 e ss.
[43] nos termos explanados no já citado acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995, actualizando-se os valores para o momento actual ; cf.., o douto Acórdão do STJ de 16/03/99, in CJSTJ, Tomo I, pág. 167, bem como o valor mais baixo ora actualizado constante do anexo III à já referenciada Portaria nº 377/2008, de 26/05.
[44] Relator: Mário Cruz, Doc. nº SJ20071204038361, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[45] Nos termos supra referenciados, tal taxa de juro parece, no presente, inferir á realidade.
[46] Transcrevendo-se a tabela consta que:
A) ---- B)
(anos) ---- (factor)


1 ----- 0,97087
2 ----- 1,91347
3 ----- 2,82861
4 ----- 3,71710
5 ----- 4,57971
6 ----- 5,41719
7 ----- 6,23028
8 ------ 7,01969
9 ----- 7,78611
10 ----- 8,53020
11 ----- 9,25262
12 ----- 9,95400
13 ----- 10,63496
14 ----- 11,29607
15 ----- 11,93794
16 ----- 12,56110
17 ----- 13,16612
18 ----- 13,75351
19 ----- 14,32380
20 ----- 14,87747
21 ----- 15,41502
22 ----- 15,93,692
23 ----- 16,44361
24 ----- 16,93554
25 ----- 17,41315
26 ----- 17,87684
27 ----- 18,32703
28 ----- 18,76411
29 ----- 19,18845
30 ----- 19,60044
31 ----- 20,00043
32 ----- 20,38877
33 ----- 20,76579
34 ----- 21,13184
35 ----- 21,48722
36 ----- 21,83225
37 ----- 22,16724
38 ----- 22,49246
39 ----- 22,80822
40 ----- 23,11477
41 ----- 23,41240
42 ----- 23,70136
43 ----- 23,98190
44 ----- 24,25427
45 ------ 24,51871
46 ----- 24,77545
47 ------ 25,02471
48 ----- 25,26671
49 ----- 25,50166
50                                                                                -----                                                                                 25,72976

[47] Valor médio a deduzir relativamente às contribuições, fundamentalmente em sede de segurança social, atenta a isenção de que vem gozando o salário mínimo em sede de IRS. Com efeito, interessa a aferição do salário real, e não bruto – cf. o já supra citado douto Acórdão do STJ de 19/03/2002.
[48] Realçando-se o primado da equidade no cálculo dos danos futuros, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 10/04/2019 – Relator: Raul Borges, Processo nº. 73/15.1PTBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt -, que:
“XXVII - Como acentuam a doutrina e a jurisprudência, o cálculo dos danos futuros é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal e natural acontecer, com o que em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal, estando-se perante cálculo feito de acordo com o "id quod plerumque accidit"; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, o tribunal deve julgar, segundo a equidade.
XXVIII - A função característica da equidade é "tomar na devida consideração as circunstâncias especiais do caso concreto, e não aplicar a norma geral na sua rigidez". "A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto".
XXIX - A equidade é a justiça do caso concreto, i. é, uma forma de justiça que, superando a mera justiça legal, se adequa às circunstâncias da situação singular, podendo dizer-se que é a justiça enquanto concretizada na solução de cada caso; é uma realidade essencialmente jurídica, embora translegal, que serve para a mais plena realização da justiça (e do direito). Por meio dela se consegue sortir de “la legalité pour rentrer dans le droit”.
XXX - Equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência.
XXXI - A equidade deve levar em conta as regras da prudência, ponderando as circunstâncias particulares do caso.
XXXII - O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa e para evitar soluções demasiadamente marcadas por subjectivismo, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada.
[49] Pondera-se o presente valor em decorrência do aumento de esperança média de vida, que tem tendência para aumentar – cf., entre vários, o douto Acórdão do STJ de 06/03/2007, Doc. nº SJ20070306001896, Relator: Silva Salazar, e o já citado douto aresto do mesmo Tribunal de 07/10/2010, ambos in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, e nas aludidas dificuldades de financiamento do sistema de segurança social, conducente a que as pessoas, de forma a garantirem as suas reformas ou pensões tenham que trabalhar mais anos, o que foi reforçado pela introdução de outros factores de ponderação, nomeadamente o denominado índice de sustentabilidade do sistema de segurança social.
Para os homens a esperança de vida à nascença, por referência ao ano de 2020, é de 77,7 anos, sendo de 77,8 anos à data da ocorrência do evento lesivo em apreciação – cf., http://www.pordata.pt/Portugal/Esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo-418 .
A esperança de vida do mesmo género chegou a ser, nos anos de 2018 e 2019 de, respectivamente, 78,00 e 78,1, ocorrendo um decréscimo por efeito da situação pandémica vivenciada.
[50] Colocando sérias reservas à consideração de uma determinada idade como limite da vida activa, devendo-se antes ponderar a esperança média de vida pois, atingida aquela, “isso não significa que a pessoa não pudesse continuar a trabalhar, ou que, simplesmente, não continue a viver ainda por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a perceber um rendimento como se tivesse trabalhado até àquela idade normal para a reforma”, cf.., o douto Acórdão do STJ de 19/02/2004 – Doc. n.º SJ200402190042826, in http://www.dgsi.pt/jstj.
[51] O douto aresto do STJ de 16/12/2010, já citado, defende inclusive que o factor a ter em consideração é o da esperança média de vida, e não apenas o da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade de reforma. Acrescenta justificar-se tal consideração “já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito”.
[52] Considerando como factor a utilizar nas fórmulas matemáticas o do “tempo provável de vida” e não apenas o do “tempo de vida activa”, cf., o já citado douto Acórdão do STJ de 27/05/2021.
[53] A equidade constitui assim fonte, mediata, de direito - art.º 4.º do C. Civil..
[54] O recurso à equidade justifica-se, desde logo, por ser difícil, se não mesmo por vezes impossível, a prova do montante de tais danos, assim se afastando “a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização” – Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 1, pág. 491 e segs.. 
[55] O dano estético, no entanto, poderá também ser avaliado enquanto dano patrimonial, se tiver reflexo económico na vida da pessoa afectada, como seria, p. ex., o caso de um modelo ou actor.
[56] Ob. cit., pág. 7.
[57] In CJSTJ, Ano X, Tomo 2, pág. 134.
[58] Ob. Cit., págs. 599-600, nota 4.
[59] Refere o Acórdão do STJ de 23/09/98 – Processo n.º 553/98, 1ª Secção -, que “o julgador ao atribuir esta compensação não está subordinado a critérios normativos fixados na lei. O que aqui tem força são razões de conveniência, de oportunidade, de justiça concreta em que a equidade se funda”.
[60] O douto Acórdão do STJ de 05/07/2007 – Doc. nº SJ200707050017346, Relator: Nuno Cameira, in http://www.dgsi.pt/jstj - elenca 5 critérios ou ponderações a aplicar na avaliação dos danos não patrimoniais, que enunciamos resumidamente:
Primeiro: definitivamente ultrapassado o tempo das indemnizações insignificantes, excessivamente baixas, verifica-se que os tribunais estão hoje sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais – credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser, como acon­tece com a integridade física e a saúde, que o Estado garante a todos os cidadãos (art.ºs 9º, b), e 25º, nº 1, da Constitui­ção; cfr, neste exacto sentido, o acórdão deste Tribunal de 20.2.01- Revista nº 204/01-6ª); e este “movimento” contra indemnizações meramente simbólicas não deixa de estar relacionado muito directamente, além do mais, com o aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido no nosso país por imposição das directivas comunitárias, aumento esse cujo objectivo fulcral (pelo menos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação) não é o de garantir às companhias seguradoras lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas.
Segundo: As indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, “valem” hoje mais do que ontem; e assim, à medida que com o progresso económico e social e a globalização crescem e se tornam mais próximos toda a sorte de riscos – riscos de acidentes os mais diversos, mas também, concomitantemente, riscos de lesão do núcleo de direitos que integram o último reduto da liberdade individual, - os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, parti­cularmente a do art.º 70º do Código Civil.
Terceiro: É necessário, em todo o caso, agir cautelosamente; e o Supremo Tribunal, nesta matéria, tem uma responsabilidade acrescida, dada a função que lhe está cometida de contribuir para a uniformização da jurisprudência; não é conveniente, por isso, alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos; não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país; e é vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gra­dual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos seme­lhantes. Isto porque os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas (uma das quais é justamente a do primado do direito). Ora, de certo modo os tribunais são os primeiros responsáveis e sobretudo os principais garantes da afirmação de tais valores: cabe-lhes contrariar com firmeza a ideia de que os factos danosos geradores de responsabilidade civil, muitas vezes tragédias pessoais e familiares de enorme dimensão material e moral, possam ser transformados em negócios altamente rendosos para pessoas menos escrupulosas. Quarto: A indemnização prevista no art.º 496º, nº 1, do CC, mais do que uma indemnização, é uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de pro­porcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar “matematica­mente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis, é uma reparação indirecta).
Quinto: Os componentes mais importantes do dano não patrimonial, de har­mo­nia com a síntese feita num acórdão deste Tribunal de 15.1.02 (Ver.ª 4048/01-2ª) são os seguintes: o “dano estético” - que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social” - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissio­nal, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” - em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valo­riza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; e o “pretium juventutis” - que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris” - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária”.
[61] Conforme refere o já citado douto aresto do STJ de 23/10/2008, nos parâmetros gerais a ter em conta merecem ser destacados “a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito á integridade física e á qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se leve também repercutir no aumento das indemnizações”. [62] Nas palavras do já enunciado douto Acórdão do STJ de 07/10/2010, o critério de reparação dos danos não patrimoniais adoptado “sem fazer tábua rasa dos princípios hedonistas, geralmente aceites, fortalece a ideia de compensação moral do sofrimento da vítima, independentemente da classe social de que é oriunda, mas sem deixar de lhe atribuir um montante pecuniário que lhe proporcione prazeres e distracções capazes de neutralizar, tanto quanto possível, os danos não patrimoniais que suportou”. 
[63] Não se desconhece, conforme sumariado no douto Acórdão do STJ de 15/02/2022 – Relator: Jorge Dias, Processo nº. 899/19.7T8VCT.G1.S1, in www.dgsi.pt -, que, recorrendo-se à equidade para determinar o montante da justa indemnização no ressarcimento dos danos futuros, na impossibilidade de determinar o quantum concreto dos danos, devem os tribunais de recurso “limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras”.
O que é reafirmado pela já citado Acórdão do mesmo Tribunal de 28/03/2023, ao sumariar-se que “por princípio, em caso de julgamento feito segundo a equidade devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às situações em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras legais fixadas para esse julgamento, e mais concretamente para o cálculo da indemnização em causa ou quando os montantes finais encontrados colidam, de forma patente, com os critérios ou valores adotados/seguidos pelo STJ, numa perspetiva atualista”.
Porém, in casu, apesar de não estarmos perante alterações assaz relevantes, entende-se, ainda assim, justificar-se as determinadas alterações, que, no contexto dos valores em equação, já assumem alguma relevância.
[42] Espera-se, face à obrigação nacional de cumprir com os critérios de convergência constantes do art.º 1º do protocolo relativo ao art.º 109º-J do Tratado da União Europeia. Presentemente, tal objectivo afigura-se de difícil concretização, atento o exponencial aumento da taxa de inflação média, fruto, nomeadamente da vivenciada crise energética.