Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2772/22.2T8OER-A.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: AÇÃO PARA DIVISÃO DE COISA COMUM
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADO O DESPACHO
Sumário: O pedido reconvencional deduzido em ação para divisão de coisa comum, com processo especial, pelo qual o reconvinte pretende ser ressarcido das despesas com a coisa (como IMI e seguro multirriscos) e/ou pelas prestações de amortização e juros do empréstimo hipotecário, que satisfez além da sua quota-parte, é admissível.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. Relatório
“B”, co-ré nos presentes autos que contra si e contra o BANCO BPI, S.A. foram intentados pelo requerente, “A”, notificada do despacho proferido em 8 de fevereiro, que não admitiu a reconvenção por si deduzida, e com ele não se conformando, interpôs o presente recurso.

A compreensão do litígio e do objeto do recurso impõe um pequeno excurso pelos autos:
O requerente intentou a presente ação de divisão de coisa comum, com processo especial, contra os identificados requeridos, alegando, em síntese, que: i. É comproprietário, em conjunto com a 1.ª requerida e na proporção de metade para cada um, de uma fração autónoma destinada a habitação, situada num prédio em Caxias; ii. O imóvel encontra-se descrito na 1.ª CRP de Oeiras, e o direito de (com)propriedade de requerente e 1.ª requerida aí inscritos; iii. O imóvel com comprado pelas partes, no estado civil de solteiros, em 2003; iv. As partes casaram-se em 2004 no regime da comunhão de bens adquiridos e divorciaram-se em 2007, mantendo-se até à data a situação de compropriedade, a que o requerente deseja pôr fim; v. Sobre o imóvel estão registadas duas hipotecas para garantia de dois empréstimos concedidos pelo Banco BPI, SA ao requerente e à 1.ª requerida; vi. Os montantes máximos assegurados pelas hipotecas eram de €88.871,30 e €48.111,96; vii. Presentemente, mantém-se em dívida cerca de €42.000 e €22.000, respetivamente; viii. O imóvel tem o valor patrimonial de € 69.759,61 e o valor comercial de € 150.000.
Terminou pedindo que:
a) A ação seja julgada provada e procedente e, em consequência, uma vez fixadas, para o imóvel, as respetivas quotas dos comproprietários, se proceda à venda do imóvel identificado, por indivisível, livre de ónus, encargos e responsabilidades para ambos os comproprietários,
b) Exceto se a 1.ª requerida manifestar interesse em adjudicar a quota-parte do requerente, pelo valor que acordar com este, assumindo aquela a seu cargo toda a dívida garantida por hipotecas e pagando tornas da diferença, na condição de que prévia e incondicionalmente o 2.º requerido autorize, por escrito, a exoneração do requerente dessa obrigação do pagamento da dívida que assumiu com a outorga dos contratos de empréstimo garantidos pelas inscrições hipotecárias que incidem sobre o imóvel, condições em que, a verificarem-se cumulativamente, será possível a adjudicação.
Contestando, a 1.ª requerida contestou o valor da coisa e reconveio alegando, resumidamente, que: i. O requerente não paga prestações relativas aos empréstimos (amortizações de capital e juros, e seguros de vida) desde, pelo menos, dezembro de 2006; ii. Igualmente não paga o IMI, mesmo a parte relativa à metade dele, a partir do IMI referente a 2006, pagável em 2007; iii. De amortizações e juros remuneratórios dos empréstimos, seguros de vida e da casa, a reconvinte pagou, por si e pelo requerente, desde outubro de 2012 até agosto de 2022, a importância de €43.439,88; iv. De amortização e juros remuneratórios dos empréstimos, seguros de vida e da casa, a reconvinte, por si e pelo requerente, pagou desde janeiro de 2007 até setembro de 2012 importância não inferior a €22.000,00; v. De IMI, desde o ano de 2007 até ao ano de 2022, por si e pelo requerente, pagou a importância de €2.000,00.
Terminou pedindo que a reconvenção seja julgada procedente, por provada e, em consequência, seja reconhecido à 1ª requerida, contra o requerente, crédito de montante não inferior a € 34.220,00, a ser atendido
a) na hipótese de adjudicação da fração autónoma à 1ª requerida, através do desconto, por compensação daquele valor ao valor que o requerente tiver a haver de tornas,
b) caso a coisa seja adjudicada ao requerente, no acréscimo de tal valor ao valor das tornas; ou,
c) na hipótese de venda judicial, devendo a reconvinte receber (depois de pagas as custas e o credor hipotecário, ora 2º requerido), para além de metade do remanescente, aquela quantia, ficando, por isso, a caber ao requerente metade de tal remanescente, depois de descontada aquela importância de €34.220,00.
O requerente replicou, invocando, além do mais, a inadmissibilidade do pedido reconvencional.

Findos os articulados, o tribunal a quo, proferiu, em 08/02/2023, o seguinte despacho:
«(…)
A questão que agora aqui se coloca é a de saber se a acção especial de divisão de coisa comum permite a reconvenção.
Na acção de divisão de coisa comum é a petição inicial que baliza os termos posteriores da acção. Assim, estando em causa a pretensão de divisão de certa coisa comum, seguem-se os termos próprios da divisão: adjudicação ou venda, se a coisa for indivisível; formação de lotes e sua adjudicação (por acordo ou sorteio), se a coisa for materialmente divisível.
Este pedido pode, no entanto, ser contestado, com o objectivo de pôr em crise os pressupostos da divisão: ou porque entende não haver lugar a ela, ou porque, alegadamente, existem divergências sobre as quotas atribuídas a cada um, ou, eventualmente, porque existem ainda outros contitulares.
No caso, o pedido do Requerente inscreve-se no direito de propriedade, enquanto a da Requerida, num crédito (não contestando a compropriedade). Sendo pacífico que não se pode transformar um direito de crédito em propriedade, sempre o Réu teria de exercer o seu eventual direito de crédito em outra sede, que não no âmbito de uma ação especial de divisão de coisa comum.
Como princípio incontornável temos que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam prosseguir, assegurando um processo equitativo.
O direito a um processo equitativo é normalmente considerado um princípio geral do processo civil que expressa a vertente material do princípio da jurisdição e que tem projeção em diversos níveis da regulamentação processual civil, nomeadamente nas suas traves mestras, como o direito de defesa, o contraditório, a igualdade de armas ou a fundamentação da decisão.
Trata-se de uma solução legal com sentido positivo, pois a adaptação formal do processo às particularidades da causa permite a um só tempo maior celeridade processual sem comprometer a solução justa do litígio.
Mas essa celeridade processual tem de respeitar o princípio do pedido, ínsito nas peças processuais apresentadas pelas partes e o respeito pela incompatibilidade manifesta das formas de processo a serem tramitadas, como é aqui o caso – artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, nºs. 2 e 3 do CPC.
Ora, tratam-se os presentes autos de ação de divisão de coisa comum, cujo único escopo é o de pôr termo à indivisão de coisa comum.
Assim, e para os termos da presente ação, são totalmente irrelevantes as considerações e alegações tecidas pelas partes no que às dividas e passivo diz respeito, os quais apenas relevarão na eventualidade da venda do imóvel, no âmbito da qual terá que haver concurso de credores, como legalmente previsto.
Quanto ao mais, mormente as questões entre o ex-casal relativas ao pagamento das prestações dos mútuos contratados, trata-se de relações obrigacionais, as quais, juntamente com as respetivas garantias, em nada são beliscadas pela divisão do bem.
Assim, nem as questões entre as partes relativas ao pagamento das obrigações creditícias assumidas, nem a existência de passivo, nem a hipoteca do imóvel impedem a sua divisão, pelo que se determina o prosseguimento dos autos para o efeito, oportunamente, se disso for caso, se conhecer do eventual pagamento ao banco mutuante, na qualidade de credor privilegiado.
Pela mesma ordem de razões, atento o objeto da presente ação especial, não é admissível na mesma a discussão das referidas questões obrigacionais entre as partes para o que, querendo, deverão intentar a competente ação declarativa comum, onde os direitos relativos às relações obrigacionais relacionadas serão discutidos em causa própria.
Nesta conformidade, e sem necessidade de maiores considerações, não é admissível o pedido reconvencional deduzido, o que se decide.
Notifique.»

A 1.ª requerida não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«1º Tendo em consideração a finalidade da ação especial de divisão de coisa comum, que comporta duas fases, declarativa e executiva, por um lado, e a circunstância de a parte final do artigo 926º, nº 3, in fine, do Código de Processo Civil, se mostrar adaptável a incluir, neste processo, a forma do processo comum, por outro lado, não faz sentido não admitir a reconvenção, remetendo as partes para outra ação judicial, para porem fim ao litígio, de âmbito mais alargado, relacionado com a propriedade em comum do bem que foi casa de morada de família;
2º Impõe-se ao Juiz, no cumprimento do dever de gestão processual, consagrado no artigo 6º do Código de Processo Civil, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual, que garantam a justa composição do litígio;
3º A reconvenção, no caso dos autos, é de manifesta utilidade, quer para a Ré, quer para o tribunal, não havendo manifesta incompatibilidade, nem impossibilidade de adaptação processual;
4º É, por isso admissível o pedido reconvencional, designadamente para serem tidos em conta os pagamentos das prestações dos empréstimos bancários para a aquisição do imóvel objeto de divisão, bem como de prémios de seguro e impostos;
5º Ao não admitir a reconvenção, o Senhor Juiz de primeira instância violou, na decisão recorrida, o disposto nos artigos 6º, 7º, 37º, nºs 2 e 3, 266º, nºs 2 e 3, 547º, 549º, nº 1 e 926º, nº 3, todos do Código de Processo Civil;
6º Termos em que deve ser concedido o merecido provimento à presente apelação, revogando-se a decisão recorrida, admitindo-se a reconvenção e determinando-se que o processo siga os termos do processo comum de declaração, como é de inteira JUSTIÇA!»

O requerente não contra-alegou.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (art.ºs 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, a única questão a decidir é a da admissibilidade do pedido reconvencional formulado na presente ação de divisão de coisa comum.

II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a apreciação e decisão do recurso são os que constam do relatório.

III. Apreciação do mérito do recurso
Nos presentes autos, o requerente pede que se proceda à venda do imóvel de que é comproprietário com a 1.ª requerida em partes iguais ou, caso a 1.ª requerida o deseje, se adjudique à mesma a quota-parte do requerente, pelo valor que acordar com este.
Percorrendo a petição, a causa de pedir é constituída pela contitularidade de um imóvel indivisível em substância, comprado pelo requerente e pela 1.ª requerida em partes iguais, imóvel adquirido com recurso a crédito ainda não integralmente satisfeito, e que garante a satisfação de dívidas dos comproprietários por via de duas hipotecas.
Contestando, a 1.ª requerida não põe em causa a compropriedade, nem as quotas de cada um, nem a indivisibilidade do bem, nem as dívidas ou as hipotecas; no entanto, reconvém, alegando que pagou de dívidas relativas aos mútuos hipotecários (amortização, juros e seguros de vida) e ao imóvel (IMI e seguro multirrisco), pelo menos, €34.220 que eram devidos pelo requerente.
Consequentemente pede que, na hipótese de adjudicação da fração autónoma à 1ª requerida, esse valor seja atendido através do desconto, por compensação, com o que o requerente tiver a haver de tornas; no caso de adjudicação ao requerente, o mesmo valor seja atendido por acréscimo ao valor das tornas; ou, na hipótese de venda judicial, devendo a reconvinte receber (depois de pagas as custas e o credor hipotecário, ora 2.º requerido), para além de metade do remanescente, aquela quantia, ficando, por isso, a caber ao requerente metade de tal remanescente, depois de descontada aquela importância de €34.220.
Resulta do exposto que, a causa de pedir da reconvenção emerge também, em parte, do fundamento da ação: existência de um imóvel em compropriedade e que responde por dívidas contraídas pelos comproprietários e que se encontra hipotecado para garantia da satisfação dos respetivos créditos (está por esta via preenchido o pressuposto de admissibilidade da reconvenção ínsito na al. a) do n.º 2 do art.º 266 do CPC, pelo menos quando interpretado de uma forma ampla).
Independentemente disso, a 1.ª requerida, com a reconvenção, pretende o reconhecimento de um crédito de €34.220 sobre o requerente, para obter a compensação, caso seja devedora de tornas por força da adjudicação a si própria, encontrando-se, neste cenário, preenchido o requisito de admissibilidade da reconvenção contido na al. c) do n.º 2 do art.º 266 do CPC.
Nas demais hipóteses de desfecho da ação (venda de imóvel ou adjudicação ao requerente), o reembolso dos mútuos bancários (contraídos para aquisição do imóvel ou cujo pagamento o imóvel garante através de hipoteca) e as despesas relativas ao imóvel (como IMI e seguro) são despesas relativas à coisa que, por aplicação analógica da al. b) do n.º 2 do art.º 266, permitem o pedido reconvencional na presente ação (pese embora o pedido não seja a «entrega da coisa», como diretamente previsto na referida alínea, mas a divisão, adjudicação a uma das partes ou venda a terceiro).
Verificam-se, portanto, os pressupostos materiais necessários à dedução de pedido reconvencional. Vejamos os formais ou processuais.
Nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 266 do CPC, a reconvenção não é admissível quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor. Foi ao abrigo desta norma que o tribunal a quo julgou inadmissível a reconvenção. Pensamos que sem razão. Há que atender, desde logo, à parte final do mesmo número e artigo, que ressalva a autorização do juiz à reconvenção, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.
De acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 37 do CPC, quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio. Caberá ao juiz, em tal caso, adaptar o processado à cumulação autorizada (n.º 3 do mesmo artigo e diploma).
Vejamos se se verificam os indicados requisitos. A ação para divisão de coisa comum segue o processo especial com o mesmo nome, regulado nos artigos 925 a 930 do CPC. Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se as disposições gerais dos incidentes da instância sobre a prova pessoal e sua produção; porém, se a questão não puder ser sumariamente decidida, o juiz manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum (n.ºs 2 e 3 do art.º 926 do CPC). Desta norma decorre o expresso reconhecimento pela lei de que é compatível com o processo especial de divisão de coisa comum o seu prosseguimento, findos os articulados, sob a forma de processo comum.
Por outro lado, parece manifesto o interesse na apreciação conjunta dos pedidos, o da ação e o reconvencional, para a justa composição do litígio, pois esta justiça não é compaginável com a necessidade de uma das partes ter de intentar ulterior ação para satisfazer um direito em tudo relacionado com esta e para o qual esta se pode aproveitar sem qualquer inconveniente para a parte contrária.
Entendemos, pois, que é admissível o pedido reconvencional deduzido em ação para divisão de coisa comum, que foi casa de morada de família, quando o reconvinte pretende ser ressarcido das despesas com a coisa (IMI e seguro multirriscos) e pelas prestações que pagou ao credor hipotecário, por conta do outro comproprietário ou além da quota-parte que lhe incumbia pagar.

A referida situação-tipo tem sido objeto de litígio cada vez com maior frequência. A conclusão no sentido da admissibilidade do mencionado pedido reconvencional, incluindo quando abrange prestações devidas no âmbito do empréstimo contraído para aquisição do imóvel, tem sido alcançada na maioria dos acórdãos mais recentes, como os a seguir indicados, a título de exemplo.
Ac. do STJ de 25/05/2021, proc. 1761/19.9T8PBL.C1.S1 (Jorge Dias), sumariado da seguinte forma:
«I - (…)
II - É a lei, art.º 926º, nº 3 parte final, do CPC que se mostra adaptável a incluir no processo especial de divisão de coisa comum, a forma de processo comum.
III - Não faz sentido não admitir a reconvenção e remeter as partes para outra ação, para colocarem fim ao litígio relacionado com a propriedade em comum do bem que foi casa de morada de família.
IV - Ao juiz compete, no cumprimento do dever de gestão processual, art.º 6º do CPC, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio.
V - No caso dos autos é manifesta a utilidade da admissão da reconvenção, quer para o tribunal quer para o réu, não sendo manifesta a incompatibilidade, nem a impossibilidade de adaptação processual. O art.º 926º, nº 3 do CPC a prevê
Ac. do TRL de 08/06/2021, proc. 13686/20.0T8LSB.L1-7 (Cristina Coelho), sumariado como segue:
«Em ação especial de divisão de coisa comum, é admissível o pedido reconvencional de pagamento de despesas (por benfeitorias e relativas à aquisição da fração, bem como as com esta relacionadas), tendo em conta os princípios de gestão processual e adequação formal a impor uma aplicação mais flexível do nº 3 do art.º 266º do CPC, e o interesse relevante de apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio
Ac. do TRL de 13/07/2021, proc. 967/20.2T8CSC.L1-7 (Luís Filipe Sousa) em cujo ponto II do sumário se lê:
«II. Numa ação de divisão de coisa comum são de admitir pedidos reconvencionais em que a Ré peticione o pagamento dos valores que despendeu na amortização do crédito à habitação além da sua quota de 50%, bem como os valores que despendeu em obras de melhoramento além da sua quota de 50% (cf. Artigos 6º, nº 1, 547º, 549º, nº 1, 266º, nº 2, alíneas b) e d), nº 3, sendo este em conjugação com o Art.º 37º, n.ºs. 2 e 3, todos do Código de Processo Civil)
Ac. do TRL de 12/10/2021, proc. 14680/19.0T8SNT-B.L1-7 (Ana Resende), com o sumário:
«1. Na acção de divisão de coisa comum é admissível o pedido reconvencional para assegurar a justa composição do litígio, seguindo a ação os termos de processo comum para serem conhecidas ali as questões suscitadas.
2. Tal entendimento mostra-se como o que melhor densifica o poder/dever de gestão processual, que na harmonia com os demais pressupostos processuais permite a obtenção da efectiva composição do litígio, num afastamento cada vez maior de decisões de marcado cariz formal
Ac. do TRL de 24/03/2022, proc. 823/20.4T8CSC-A.L1-2 (Arlindo Crua), de cujo sumário se extratam os pontos relevantes para o caso sub judice:
«I - Na acção de divisão de coisa comum surge como incontroverso que, determinando-se o seu prosseguimento sob os termos do processo comum, na efectivação da faculdade prevista no nº. 3, do art.º 926º, do Cód. de Processo Civil, em virtude das questões suscitadas pelo pedido de divisão não poderem ser sumariamente decididas, nada impede a dedução da reconvenção, pois, nesta situação, tudo se passa, até certo ponto, como se existisse identidade de forma do processo;
II - não é de sufragar a posição que admite a dedução de reconvenção (apresentada em sede de contestação) apenas na situação em que as questões deduzidas possam ser decididas sumariamente, nos quadros do nº. 2, do mesmo artº. 926º, sem necessidade de prosseguimento da causa sob a forma do processo comum;
III - sendo antes de adoptar o entendimento de admissibilidade da dedução de reconvenção, de forma a assegurar a justa composição do litígio, nas situações em que tenha sido suscitada a compensação de reclamado crédito, por despesas suportadas para além da quota respectiva sobre a coisa dividenda, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente da divisão;
IV - situação em que a acção de divisão de coisa comum deve prosseguir os termos do processo comum, na mesma já potencialmente previsto, para que sejam decididas tais questões, sendo que só posteriormente se entrará na fase executiva do processo, com a convocação de conferência de interessados;
V - não obsta a tal convolação do processo especial em processo comum, naquela fase intermédia, o obstáculo processual ou adjectivo previsto no nº. 3, do art.º 266º, do CPC, que prevê acerca da admissibilidade da reconvenção, pois é este mesmo normativo que, desde logo, salvaguarda a possibilidade de o juiz a autorizar, mediante a remissão operada para os critérios enunciados nos nºs. 2 e 3, do artº. 37º, do mesmo diploma;
VI - efectivamente, as diversas formas processuais – especial e comum - não prosseguem uma tramitação manifestamente incompatível, obstaculizadora da admissibilidade da reconvenção, o que decorre, desde logo, da circunstância daquele processo especial já prever, numa sua fase eventual, o tramitar sob a forma do processo comum;
(…)»
Ac. do TRG de 13/07/2022, proc. 1889/21.5T8VCT.G1 (Maria Luísa Ramos), com o sumário:
«Em acções de divisão de coisa comum é admissível a dedução de pedidos de compensação por parte dos comproprietários relativamente aos montantes que pagaram para além da quota respectiva, sendo os mesmos apreciados e decididos em sede de processo comum e só depois se avançando para a fase executiva
Ac. do TRL de 15/09/2022, proc. 4941/21.3T8LRS-A.L1-2 (Maria José Mouro), assim sumariado:
«I - É de admitir a reconvenção deduzida pelo R. em acção de divisão de coisa comum, quando este pretende obter o reconhecimento a seu favor de um crédito sobre a A. a fim de obter a compensação na partilha do valor, através da adjudicação do imóvel ou venda a terceiro e repartição do valor, muito embora não tenha havido divergência das partes sobre a compropriedade e as quotas respectivas e sendo considerada a indivisibilidade do prédio.
II - Estamos no âmbito do factor de conexão material a que se reporta a alínea c) do nº 2 do art.º 266 do CPC, sendo que no que concerne à compatibilidade processual, haverá que ter em consideração o disposto na segunda parte do nº 3 do art.  266 do CPC, na sua conjugação com os nºs 2 e 3 do art.º 37 – não nos encontramos perante pedidos a que correspondam formas de processo que sigam uma tramitação manifestamente incompatível, sendo que para a justa composição do litígio releva a apreciação conjunta das pretensões da A. e do R., havendo conveniência naquela apreciação conjunta
Ac. do TRP de 08/11/2022, proc. 5744/20.4T8MTS.P1 (Rui Moreira), sumariado do seguinte modo:
«I - Numa acção de divisão de coisa comum, na qual o réu formula pedido reconvencional para reconhecimento e compensação da sua maior contribuição para a aquisição desse bem, não há uma tramitação idêntica, para a discussão e decisão do objecto de cada um dos pedidos – da acção e da reconvenção – mas elas são complementares e podem ser agregadas, por inexistência de incompatibilidade intrínseca.
II - Não há qualquer acto a praticar na tramitação de um dos pedidos que impeça ou torne inviável a realização do objecto da outra pretensão.
III - Nessa hipótese, os poderes de gestão processual do juiz permitirão definir os termos da tramitação a observar, acolhendo a reconvenção sob a forma de processo comum, definindo o conteúdo dos direitos em litígio e prevenindo a necessidade de instauração de outras acções
Ac. do TRL de 24/11/2022, proc. 2562/21.0T8CSC.L1-2 (Vaz Gomes), com o sumário:
«Na acção de divisão de fracção autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal onde se não discute a sua indivisibilidade, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de condenação da requerente a pagar-lhe as despesas referentes a encargos bancários, condomínio e IMI do prédio, procedendo-se à compensação desses valores com o crédito de tornas que venha a ser atribuído à requerente, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum
Ainda o recente acórdão do TRL de 02/03/2023, proc. 102/22.2T8VLS.L1-2 (Carlos Castelo Branco), de cujo sumário se transcrevem as partes relevantes para a situação dos presentes autos:
«(…)
V) Na ação de divisão de coisa comum de prédio, onde não se discute a sua indivisibilidade, nem a situação de comunhão ou as quotas dos contitulares, deve o juiz autorizar a apreciação da reconvenção do requerido – na qual este pretende obter o reconhecimento a seu favor, de crédito emergente de pagamentos de prestações de empréstimo bancário contraído para a aquisição do prédio objeto da ação e de benfeitorias resultantes de obras realizadas no mesmo, sobre a requerente, a fim de obter a compensação do mesmo, na partilha do valor correspondente, através da adjudicação do imóvel - , de harmonia com o disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º. 2, do CPC, por não ocorrer uma tramitação manifestamente incompatível – daí não derivando a prática de atos processuais contraditórios, antinómicos ou inconciliáveis - na apreciação de tal pretensão em conjunto com a da requerente.
VI) Nessa situação, apesar de os pedidos da ação e da reconvenção seguirem formas de processo diferentes, há interesse relevante na apreciação conjunta das pretensões, que se afigura indispensável para a composição justa do litígio, servindo-se, concomitantemente, os princípios da celeridade e de economia processuais – num mesmo processo e evitando a propositura de outra ação para que o reconvinte veja o seu direito reconhecido – , com intervenção do dever de gestão processual e de adequação formal (cfr. artigos 6.º e 547.º do CPC), devendo adaptar-se o processado – cfr. artigo 37.º, n.º 3 do CPC – e ser determinado que os autos sigam os termos do processo comum, de harmonia com o previsto no artigo 926º nº 3, do CPC.
(…).»
Todos os antecedentes acórdãos foram proferidos nos últimos dois anos, em ações de divisão de coisa comum, com processo especial, nas quais foram deduzidos pedidos reconvencionais com fundamento na circunstância (por vezes, entre outras) de o reconvinte ter satisfeito prestações pecuniárias ao credor hipotecário, para amortização de empréstimo contraído pelas partes para aquisição do imóvel, além da sua quota-parte.
Nos casos análogos de reconvenção por benfeitorias, como afirmado no Ac. STJ de 01/10/2019, proc. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2 (José Rainho), é praticamente unânime a jurisprudência que considera admissível a reconvenção nas ações de divisão de coisa comum quando o pedido em causa seja a indemnização por benfeitorias no prédio a dividir. Leiam-se, além do ora citado, os vários acórdãos ali referidos, e Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Almedina, 2016, pp. 97-8.
Porquanto acima exposto, é de julgar procedente o presente recurso.

Sumariando, nos termos do art.º 663, n.º 7, do CPC:
O pedido reconvencional deduzido em ação para divisão de coisa comum, com processo especial, pelo qual o reconvinte pretende ser ressarcido das despesas com a coisa (como IMI e seguro multirriscos) e/ou pelas prestações de amortização e juros do empréstimo hipotecário, que satisfez além da sua quota-parte, é admissível.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando o despacho recorrido, admitem a reconvenção, devendo os autos seguir em 1.ª instância os ulteriores termos processuais da forma de processo comum, sem prejuízo da adaptação do processado conveniente ao desiderato da ação.
Custas pelo requerente, ora recorrido.

Lisboa, 11/05/2023
Higina Castelo
Laurinda Gemas
Arlindo Crua