Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
419/22.6JELSB-E.L1-9
Relator: PAULA PENHA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA PARA TRÁFICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O auto de primeiro interrogatório judicial de arguido detido pode conter mera súmula ou tópicos do teor da decisão judicial proferida, sem necessidade da sua transcrição porque a mesma já consta da gravação audio (no sistema ”Citius Media Studio").
Essa decisão de aplicação de medida de coacção, enquanto despacho judicial decisório tem de estar fundamentado, sob cominação de nulidade do acto, mas cuja nulidade está depende da sua arguição tempestiva, pelo interessado aí presente, antes de terminado o respectivo acto judicial.
II – A apreciação efectuada pelo Juiz de instrução a propósito da existência de fortes indícios da prática de um ou vários crimes pressupõe que tais indícios lhe criem a convicção de que se verificam todos os pressupostos de depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança.
Para o efeito, o princípio da livre apreciação da prova significa um poder-dever do julgador na sua missão de prossecução da verdade material de cada caso concreto, de forma objectivada e motivada/fundamentada perante os meios probatórios existentes no caso concreto
Não sendo este princípio incompatível com o princípio “in dubio pro reo” que serve de limite normativo àquele outro se e quando, após aquela apreciação da prova, houver uma dúvida razoável geradora de um estado de incerteza indiciária quanto aos factos integradores de um ou vários crimes imputados ao arguido.
III – A verificação da existência concreta de qualquer um dos perigos que as medidas de coacção (à excepção do TIR) visam acautelar é sempre reportada ao momento da sua aplicação, bastando a verificação de apenas um deles e é aferida à luz de um juízo indiciário de probabilidade real/iminente da sua verificação em face do caso concreto ( nomeadamente, da natureza dos crimes indiciados, à personalidade do arguido, às respectivas circunstâncias em que foi cometido o indiciado crime e às que rodearam a sua execução).
IV – A prisão preventiva é a única medida de coacção ajustada à gravidade dos crimes em apreço (tráfico de estupefacientes agravado e associação criminosa para tráfico internacional que correspondem a criminalidade altamente organizada), à respectiva sanção aplicável a cada um (prisão de 5 a 15 anos) e às respectivas exigências cautelares do caso concreto (em que urge acautelar os perigos de fuga, perturbação do decurso do inquérito e continuação dessa actividade criminosa).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão deliberado, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
Nos autos de inquérito 419/22.6JELSB-E que correm termos no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa – J9, em que (entre outros)é arguido A (nascido a 30/5/1975 em Portugal onde tem domicílio e melhor identificado nos autos), no âmbito de primeiro interrogatório de arguido detido (nos termos do artigo 141º do C.P.Penal), foi proferido (em 12/11/2022) despacho judicial que impôs ao arguido, como medida de coacção (para além do TIR já prestado) a prisão preventiva, nos termos do disposto nos artigos 191º a 194º, 196º, 196º, 202º, nº 1, al. b) e 204º, nº 1, als. a), b) e c), do Código de Processo Penal (doravante com a abreviatura CPP), por estar fortemente indiciado da prática, em co-autoria material com outros arguidos (nomeadamente B e C), de um crime de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa para o tráfico, previstos e puníveis pelos art.ºs 21º, nº 1, 24º, al. c) e 28º, nº 2, todos do D.L. nº 15/93, de 22-01, por referência à anexa Tabela I-B, nos termos que a seguir se transcrevem [na parte com interesse para o efeito, constante da respectiva gravação aqui dada por reproduzida e com síntese no respectivo auto]:
«…. Indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos:
Pelo menos desde o mês de Agosto de 2022, um grupo de indivíduos, no qual se incluem, entre outros, os ora arguidos A e B, e também o arguido C (sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem destes autos), aceitaram colaborar em Portugal com um grupo organizado de indivíduos que se dedica à comercialização de cocaína no espaço europeu, produto estupefaciente que é importado de países da América do Sul através de contentores marítimos.
Para concretizar unia importação de cocaína, a organização contou com a participação dos arguidos A e B e também do arguido C, tendo sido angariado no Brasil um contentor com carga de café, produto que dissimularia a cocaína, e a sociedade "D" (NIPC ...), que foi constituída em 19-08-2021, com sede na Rua ..., no Funchal, para servir de importadora do café e que tem como objecto: "Comércio de produtos alimentares e bebidas; produção e comércio de detergentes, comércio de materiais de construção; serviços de transportes de mercadorias no âmbito nacional e internacional, bem corno serviços de logística; serviços de jardinagem, desmatamento, terraplanagens e movimentos de terras; importação e exportação no âmbito do comércio internacional; serviços de distribuição e estafeta; aluguer de viaturas com e sem condutor; transporte ocasional de passageiros em veículos automóveis ligeiros até nove lugares, incluindo o condutor; serviço de restauração, catering e hotelaria; serviços de limpezas industriais e domiciliárias".
1                     
Com o conhecimento dos arguidos A e B, e também do arguido C, o contentor em causa, com o n.º ZCSU7345560, foi exportado desde o Brasil para Portugal, com origem na empresa "E" e com destino à referida sociedade "D", com carga declarada de café (três paletes com um total de 1950 quilos) e com cerca de 240 quilos de cocaína, produto que vinha dissimulado nas caixas do café.
O café apenas serviria para dissimular o transporte até Portugal do produto estupefaciente, pois nenhum dos referidos arguidos ou qualquer outro elemento da organização tinha qualquer interesse em comercializar o mesmo.
O arguido C estava em contacto com os elementos da organização que, no Brasil, diligenciaram pela exportação da cocaína para a Europa, dissimulada no referido contentor marítimo com carga comercial.
O arguido A já conhecia o arguido C há cerca de um ano e foi este que lhe propôs colaborar na referida importação de cocaína, devendo o arguido A diligenciar pela angariação da sociedade que iria proceder à importação do café, que dissimularia a cocaína, pela sua recepção e pelo seu transporte em Portugal, mediante pagamento de quantia monetária de concreto valor não apurado, tendo o arguido A aceite.
Os arguidos A e B já se conheciam há alguns anos e eram amigos, sendo o primeiro padrinho de casamento do segundo.
O arguido B tratava o arguido A por "padrinho".
O arguido A veio, então a abordar o arguido B para este participar na importação da cocaína, mediante pagamento de quantia monetária de concreto valor não apurado.
O arguido B aceitou o proposto, ficando ambos de diligenciar pela angariação da sociedade que iria proceder à importação do café, pela recepção do produto e pelo seu transporte em Portugal para entrega aos destinatários.
Os dois arguidos angariaram, então, de modo ainda não apurado, a referida sociedade "D".
Também a partir da adesão ao plano criminoso em causa e da angariação daquela sociedade, o arguido B passou a efectuar contactos com diversas empresas, invocando ser o representante da sociedade "D" e identificando-se com nomes falsos.
Durante o mês de Agosto de 2022, o arguido B, identificando-se com o nome de "SO" contactou por email a sociedade "SIMOL", que se dedica ao transporte de mercadorias, informando que iam precisar dos serviços desta empresa em Outubro para armazenar três paletes de café torrado e moído.
No entanto, mais tarde, o arguido B acabou por desistir de contratar os serviços dessa empresa.
Durante o mês de Setembro de 2022, os arguidos A e B decidiram antes adquirir uma viatura de transporte de mercadorias para a usarem na guarda e no transporte do café e da cocaína que estava para chegar, dentro das paletes do café, até entrega ao destinatário.
Assim, no dia 13 de Setembro de 2022, pelas 15h55, o arguido A encontrava-se na Rua das Musas, em Lisboa, e entrou na sua viatura automóvel de matrícula ..., ali estacionada, tendo-se deslocado para a garagem do edifício sito no n.º ..., em Lisboa.
Essa viatura automóvel estava registada, desde o dia 11-07-2022, em nome de TL, familiar da mulher do arguido A, e na morada sita na Av. ..., em Lisboa.
De facto, o arguido dispunha de um espaço tipo escritório nesse prédio, concretamente no 14.º-A.
Pelas 16h00, com o propósito de se encontrar com o arguido A, o arguido B deslocou-se na sua viatura automóvel de matrícula ..., desde Alcochete até à Av. ..., em Lisboa, tendo estacionado perto daquele n.º ... e entrado, pelas 16h17, no interior desse prédio.
Pelas 17h10, os dois arguidos saíram da garagem daquele edifício sito no n.º ..., em Lisboa, circulando na indicada viatura do arguido A, e dirigiram-se à zona de Torres Vedras com o propósito de ali irem ver uma carrinha para o indicado fim.
Nessa localidade, no parque de estacionamento do supermercado Intermarché, os dois arguidos estiveram a ver uma viatura de marca Renault, modelo Master, que vieram a descartar.
No dia 14 de Setembro de 2022, os dois arguidos voltaram a encontrar-se para darem sequência ao plano ao plano criminoso em curso.    
Assim, pelas 14h20, o arguido B encontrava-se no interior do veículo do arguido A, de matrícula ..., no lugar do passageiro, viatura que estava estacionada na Rua das Musas, em Lisboa.
Pelas 17h00, o arguido A surgiu no local e, após terem ambos ido a um café ali existente, ausentaram-se do mesmo a circular na indicada viatura e dirigiram-se, de novo, para o prédio sito no n.º ..., em Lisboa, onde entraram.
Pelas 18h20, os dois arguidos, na indicada viatura, saíram da garagem daquele edificio e deslocaram-se até à zona do Montijo.
No dia 15 de Setembro de 2022, após as 13h30, dando sequência aos contactos que vinham estabelecendo para concretizar a recepção do contentor com cocaína, o arguido A esteve reunido com mais dois indivíduos no restaurante "...", sito na Rua ..., em Lisboa, onde permaneceu até às 17h10.
No dia 16 de Setembro de 2022, os dois arguidos continuaram a encontrar-se, bem como com terceiros, com o propósito de coordenarem os preparativos para a recepção do produto estupefaciente.
Assim, o arguido B, pelas 09h40, viajou na sua viatura de matrícula ... de Alcochete até Lisboa, tendo-se deslocado, pelas 11h00, para junto do já referido prédio sito no n.º ..., onde entrou.
Pelas 11h30, o arguido A saiu daquele prédio pela garagem, conduzindo a sua viatura, tendo-se deslocado até ao estabelecimento "Padaria Portuguesa", sito no n.º ..., também no Parque das Nações, onde entrou e onde se reuniu com um indivíduo de identidade desconhecida.
Após as 12h40, o arguido A voltou à sua viatura e deslocou-se até à garagem do prédio sito no n.º ....
No dia 17 de Setembro de 2022, pelas 10h10, os arguidos A e B circularam juntos na mencionada viatura do primeiro e dirigiram-se à Av. da Eira, na Charneca da Caparica, para irem ver uma viatura que ali estava estacionada, junto do n.º 5, com a matrícula ..., com vista à sua aquisição para a utilizarem no transporte da cocaína.
Após terem verificado o estado da viatura e conversado com dois indivíduos que ali se encontravam, os dois arguidos saíram do local pelas 12h00, tendo acordado com esses indivíduos a aquisição da referida viatura.
No dia 20 de Setembro de 2022, pelas 19h59, o arguido B, a utilizar o telemóvel n.º 9…, informou, por SMS, um indivíduo de identidade não apurada que iria ter ao local, previamente combinado, no dia seguinte, às 10h00, sendo seu propósito ir ali para formalizar a compra da referida viatura (cfr. sessão 2064 do alvo 126040040).
De facto, no dia 21 de Setembro de 2022, pelas 10h10, o arguido B, circulando na sua viatura, chegou junto do n.º ..., onde ainda se encontrava estacionada a viatura ..., e deslocou-se a local não apurado, ali perto, onde formalizou a aquisição da viatura, o que fez em nome da sociedade "F".
Pelas 11h10, o arguido viajou na sua viatura para Lisboa, tendo-a imobilizado junto do n.º ....
Pelas 12h00, o arguido A saiu daquele prédio e deslocou-se ao encontro do arguido B. tendo entrado na viatura deste, onde conversaram.
Pelas 12h20, o arguido A saiu da viatura e voltou para dentro do prédio e o arguido B iniciou viagem até Espanha, pela A2 e A6, onde entrou pela fronteira do Caia/Badajoz.
Até entrar em Espanha, o arguido B efectuou manobras de contra vigilância, tendo parado em todos os postos de combustível existentes na Auto-Estrada, para verificar se não estaria a ser seguido.
No mesmo dia 21 de Setembro de 2022, pelas 15h45, a utilizar o telemóvel n.º ..., o arguido B recebeu uma chamada de um funcionário da empresa DI-IL, que disse ao arguido que tinha uma entrega para lhe fazer, respeitante a uma encomenda em nome da sociedade "...", tendo o arguido confirmado e dito que a morada ficava na zona industrial e que estava no estrangeiro, acabando por combinarem a entrega para o dia seguinte, ficando o arguido de efectuar o pagamento antes (cfr, sessão n.º 321 do alvo 127157040).
No dia 28 de Setembro de 2022, a usar aquele telemóvel, o arguido B contactou uma funcionária da sociedade "G", que fora encarregue pelos arguidos de tratar do desalfandegamento da mercadoria, de nome Natércia, a quem se identificou com o nome falso de "SO", tendo conversado sobre o estado da mercadoria em trânsito, estando a referir-se à mercadoria que veio a ser apreendida, conforme descrito mais à frente, dizendo a funcionária que já tinham calculado todas as despesas, com excepção da entrega, pois "... às vezes vêm levantar a carga".
Tal funcionária informou ainda o arguido que só estava à espera da chegada da mercadoria e que o despachante já tinha a -papelada" e depois iam falando (cfr. sessão n.º 404 do alvo 127157040).
Nesse mês de Setembro o arguido B vinha contactando, por email, essa sociedade "Schenker", identificando-se pelo nome de "SO" para saber que documentos eram necessários para importar carvão vegetal para entrar em Portugal ou na Europa.
A mencionada viatura ... veio a ser registada em nome da sociedade "F" no dia 6 de Outubro de 2022.
No dia 7 de Outubro de 2022, pelas 16h00, na sequência de uma verificação física, efectuada pelos serviços da AT — Alfândega de Alverca, em Alverca, ao já atrás mencionado contentor marítimo n.º ZCSU7345560, importado pela sociedade "D", foram encontradas no seu interior três paletes com várias caixas de café que continham, para além desse produto, 877 embalagens com cocaína, com o peso bruto global de 240,550 quilos.
Com vista a apurar o destino final da carga e identificar os destinatários, foi determinado que as três paletes de café, com o peso bruto total de 1980 Kg e já sem a cocaína, poderiam entrar no circuito de distribuição.
Assim, a mercadoria foi, ainda naquele dia, depositada nas instalações da sociedade "H" (NIPC ...), sitas na ..., em Alverca do Ribatejo, informação que chegou, de modo ainda não apurado, ao conhecimento do arguido B.
Desconhecendo que as autoridades policiais tinham apreendido o conteúdo ilícito do contentor, no dia 11 de Outubro de 2022, pelas 14h58, o arguido B, a usar o telemóvel n.º ..., ligou ao arguido A, a usar o telemóvel n.º ..., e perguntou-lhe se "os cafés são dois e meio", referindo-se à quantidade de café (na verdade, eram três paletes), tendo o arguido A dito que sim, despedindo-se ambos dizendo "até já" (cfr. sessão n.º 2064 do alvo 126949040).
Pelas 15h15, o arguido A, que se encontrava nessa altura em Moscavide, conduziu a sua viatura até ao Montijo, vindo a parar no parque Comercial do Montijo.
Depois, pelas 16h42, o arguido B, em nome da sociedade "D", a usar o telemóvel n.º ..., contactou por telefone um funcionário da já referida sociedade "H", informando que tinha uma recolha para fazer em nome daquela outra sociedade e através da "Schenker", referindo tratarem-se de "trés paletes" e que só deveria conseguir ali chegar perto das 17h30 (cfr. sessão n.º 2072 do alvo 126949040).
 Pelas 17h05, o arguido A encontrava-se na área de serviço da Ponte Vasco da Gama, altura em que ali chegou o arguido B a conduzir a viatura ..., tendo os dois arguidos conversado brevemente, antes de este último ir buscar a carga.
De facto, dali o arguido B seguiu com aquela viatura até Alverca, dirigindo-se às instalações da sociedade "H".
Pelas 17h30 daquele dia, o arguido B já se encontrava nos armazéns daquela sociedade, junto da viatura de matrícula ..., que para ali levara e para o interior da qual estiveram a ser carregadas as três paletes com as caixas de café.
Pelas 17h45 do referido dia 11 de Outubro de 2022, o arguido B, a conduzir aquela viatura, já carregada, abandonou o local e seguiu em direcção ao nó de Alverca da Autoestrada AI, tomando o sentido de Lisboa.
O arguido B pensava estar a transportar, para além do café, a cocaína que fora apreendida, pelo que, durante o percurso que escolheu fazer, em que transitou pela Vialonga, pelo parque urbano de Santa Iria da Azóia, pela Portela da Azóia, pela Ponte Vasco da Gama, pela A33, que abandonou de forma brusca em direcção a Alcochete, e pela Estrada Real em direcção ao Montijo, o arguido efectuou várias paragens e inversões de marcha e também imprimiu à viatura baixa velocidade, dando ainda várias voltas nas rotundas existentes na Av. Euro 2004, em Alcochete.
Tudo manobras de contra vigilância que efectuou para aferir se, na sua deslocação, estava a ser seguido e vigiado.
O arguido B finalizou a viagem, pelas 19h33, no parque de estacionamento do estabelecimento comercial E-Lecrerc, sito no Montijo.
Em resultado do modo como conduziu a viatura, o arguido B apercebeu-se que estava a ser seguido por agentes policiais, pelo que decidiu afastar-se da viatura, após a ter estacionado naquele parque.
Nessa altura, enquanto circulou pelo interior da loja e depois no exterior, o arguido B efectuou diversos telefonemas com o propósito de o irem buscar, tendo logrado que o arguido A passasse pelo local para o recolher.
Pelas 20h31, o arguido B foi ali recolhido pelo arguido A, que conduzia a sua viatura automóvel de matrícula ..., tendo abandonado juntos o local.
Pelas 20h36, o arguido B, a usar o telemóvel n.º ..., telefonou à sua mulher, de nome RT, dizendo "caguei para aquilo; eles se quiserem que depois digam alguma coisa; deixei lá onde eles mandaram e acabou-se", referindo-se ao facto de ter deixado a viatura no local atrás indicado e aos contactos que vinha mantendo com os demais envolvidos na importação da cocaína (cfr. sessão n.º 2092 do alvo 126949040).
Ainda no dia l1 de Outubro de 2022, pelas 23h45, a PJ procedeu à apreensão da indicada viatura de matrícula ..., parqueada naquele local, que tinha no seu interior um talão de pagamento "Payshop", respeitante ao carregamento no valor de €10,00 do telemóvel n.º ...; um documento probatório de desalfandegamento emitido pela AT em nome da sociedade "D", relativo a três volumes de carga com base em palete; uma factura emitida pela sociedade "G" a favor da sociedade "D", no valor de €7.125,61; relativa ao pagamento de impostos e encargos relacionados com o desalfandegamento daquela carga; um talão comprovativo da transferência bancária naquele montante de €7.125,61, a favor da sociedade "DBG" e com origem na conta com o IBAN ...; um aparelho electrónico próprio para detecção de emissão de radiofrequências e sinal GSM, com a inscrição "RF GS DETECTOR" e a referência GB4943; e três paletes contendo várias caixas de café em pacotes de 500 gramas, com o peso bruto total de 1980 Kg, que se encontravam no compartimento de carga.
Verificou-se então que o café ali encontrado não tinha condições de salubridade, estando impróprio para consumo.
No dia 12 de Outubro de 2022, o arguido B deslocou-se ao referido parque de estacionamento do estabelecimento comercial E-Lecrerc, sito no Montijo, tendo constatado que a viatura que ali deixara já ali não se encontrava.
Nesse dia 12 de Outubro, pelas 16h36, o arguido B, a usar o telemóvel n.º 9…., falou com a sua mulher ao telefone, usando esta o n.º ..., tendo abordando ambos a necessidade de mudarem de casa, dizendo o arguido a certa altura que "pro outro homem lá muito quente", "... a minha salvação agora vai ser aquela, a outra coisa sair (...) se a outra coisa sair tudo bem, se não bem me posso amando da ponte (...) tou com a cabeça feita num oito (...) isto vai haver ... isto ainda não acabou".
E, mais à frente, o arguido disse que "... hoje então deve lar a levar com o boss ... ele tirou o dia e agora leva com o ... assim de empreitada ... cora todas as outras pessoas" (cfr. sessão n.º 2131 do alvo 126949040).
O arguido estava a referir-se à situação atrás descrita e ao facto de terem ficado sem a carga, mencionando o facto de que o arguido A ia ser confrontado por outras pessoas com o desaparecimento da carga.
De facto, sabendo que tinham ficado sem a carga em causa, que pensavam conter a cocaína que se destinava a ser entregue a terceiros, o arguido A disso informou o arguido C, o qual estava em contacto com os indivíduos que no Brasil tinham diligenciado pela exportação da cocaína, passando os dois arguidos a aguardar indicações do arguido C.
Por seu lado, os indivíduos que no Brasil tinham diligenciado pela exportação da cocaína, e que dispunham em Portugal, da colaboração do arguido C, estavam em contacto com indivíduos a residir na Europa, que seriam os destinatários da cocaína.
Tais dois grupos, quer o ligado à exportação da cocaína, quer o ligado à importação desse produto estupefaciente, logo diligenciaram pela abordagem aos dois arguidos para que estes viessem a explicar o sucedido em relação à carga.
Assim, no dia 13 de Outubro de 2022, o arguido C encontrou-se com o arguido A, altura em que este foi informado por aquele que viriam a Portugal uns indivíduos de nacionalidade sérvia, ligados ao grupo que na Europa seria o destinatário da cocaína.
Mais foi referido ao arguido A pelo arguido C que todos se encontrariam em conjunto, para que o arguido A explicasse o sucedido em relação à carga.
Foi então, combinado que o encontro em causa decorreria no referido espaço de escritório que o arguido A dispunha e silo no atrás já indicado 14.º-A do n.º ..., em Lisboa.
Mais combinaram que o arguido A diligenciaria pelo aluguer de uma casa para alojar os indivíduos de nacionalidade sérvia, o que este fez, tendo, através da plataforma "Airbnb", procedido ao aluguer, por 3 dias, de uma casa sita na Rua ..., em Alverca.
Ainda no dia 13 de Outubro, os arguidos A e C encontraram-se e, pelas 21h55, entraram juntos no prédio sito no n.º ..., em Lisboa.
A partir desse dia, o arguido C passou a acompanhar, quase em permanência, o arguido A, tendo ambos pernoitado naquela habitação.
Também a partir dessa altura, o arguido A, acompanhado do arguido C, passou a aguardar a chegada dos indivíduos de nacionalidade sérvia naquele seu escritório.
A mulher do arguido A. de nome ..., estava em contacto com a mulher do arguido B, a quem informou daquelas movimentações e da preocupação com a situação.
Assim, no dia 14 de Outubro de 2022, pelas 02h12, a mulher do arguido A e o arguido B deslocaram-se ao referido escritório, onde o arguido A se encontrava manietado pelo arguido C, tendo aqueles dois saído do prédio pelas 02h17.
O arguido B voltou sozinho, em duas ocasiões, ao local, tendo entrado no prédio às 03h02 e saído às 03h05, e voltado a entrar às 03h16 e saído às 03h24.
O mesmo arguido ali regressou, pelas 03h43, desta vez acompanhado de um indivíduo do sexo masculino de identidade não apurada, tendo ambos saído do prédio pelas 03h47.
Às 04h57 foi a vez de os arguidos A e C saírem juntos para o exterior do edifício, só regressando pelas 07h20.
Ambos voltaram a sair do prédio pelas 09h50, regressando às 10h13.
Saíram juntos, de novo, às 10h21, e regressaram às 12h05, trazendo o arguido C consigo uma mochila.
Os dois saíram juntos, outra vez, pelas 17h27, e ali regressaram pelas 19h31.
Pelas 19hl3 desse dia 14 de Outubro, o arguido B falou ao telefone com um indivíduo, dizendo "vamos ver para que lado isto vai virar", que o seu patrão devia ser tratado apenas por "padrinho", que este estava a precisar dele e que era para fazer estragos, pois o "padrinho" estava com umas pessoas que não o largavam.
O interlocutor do arguido disse que iam lá tratar disso, dizendo o arguido B que os outros "querem provas (...) estão a achar que nós desviamos a carga", que a "maxibomba", referindo-se à carrinha que transportada a cocaína, estava "sobe alçada", que "está agarrada", soletrando a matrícula da atrás mencionada carrinha VW, e dizendo ainda que não sabia se fora a PJ, apenas sabia que "desapareceram-nos com a maxibomba com a carga toda lá dentro" (cfr. sessão n.º 2478 do alvo 126949040).
Mais tarde, pelas 20h19 do mesmo dia, o arguido B falou com a sua mulher, dizendo esta que "ele", referindo-se ao arguido A, mandara mensagem a agradecer os contactos dela e a preocupação revelada com a situação em que se encontrava.
O arguido B disse que ele, referindo-se a A, estava em "maus lençóis" e pediu à mulher para transmitir ao arguido A "se ele precisar que eu tire-lhe a companhia, eu tenho como tirar a companhia dele", "a minha maneira", e que "eu preciso de tempo para preparar, ... porque é muito pesado".
RT estabeleceu, então, contacto com o arguido A para lhe apresentar a proposta do arguido B, tendo recebido a seguinte resposta do arguido A, que transmitiu ao arguido B: "ainda não, vamos tê-la pela forma correta".
O arguido B pediu, então, a RT para lhe perguntar qual o perímetro da localização "se alguma coisa acontecer saber onde hei-de ir", respondendo A "neste momento casa pequena",
O arguido B disse para ele avisar se sair de lá, que ele está encurralado, dizendo estar com a sensação que aquilo não ia acabar bem e que "esse prof é bom que não se esconda", que ele o matava (cfr. sessão 2533 do alvo 126949040).
A seguir, pelas 21h50, em nova conversa telefónica entre os dois, RT informou o arguido B que a situação com o arguido A estava na mesma, dizendo B que precisava de tempo para organizar. pedindo para RT informar o "padrinho" que estavam a tentar conseguir controlar a situação, para comprovar a situação e que estavam a mexer contactos, mas que não estava fácil.
RT disse ao arguido B que ele. referindo-se a A, lhe dissera que ou era isso ou apresentar queixa de o carro ter desaparecido. O arguido B respondeu que se fizesse isso ia levantar mais ondas e seria mais fácil chegar a quem tinham de chegar (cfr. sessão n.º 2550 do alvo 126949040).
Pelas 22h42, o arguido B voltou a falar com a sua mulher ao telefone, a qual já fora informada que vinham uns indivíduos da Sérvia ter com o arguido A por causa do desaparecimento da carga.
O arguido pediu então à sua mulher para dizer à mulher do arguido A que ele se deslocara ao referido escritório, sito na Av. D. João II, em Lisboa, onde o arguido A aguardava a chegada dos indivíduos de nacionalidade servia, e que havia gente em casa, "mas ninguém quer abrir a porta".
A mulher do arguido disse então "precisamos mesmo dele, será que foram buscá-lo, ele que passe no armazém, pode ser que esteja lá, o sérvio (corrigindo logo de seguida), o Sérgio", estando a referir-se a alguém que os poderia ajudar a resolver a situação do sequestro do arguido A.
O arguido B disse achar que já o tinham ido buscar, que quem estava em casa não quis abrir a porta e que já estava a sair do local "antes que isto dê para o torto" e que "isto não pode passar o fim de semana, porque ... se passar o fim de semana eles vão começar a lhe maltratar", referindo-se ao facto de o arguido A estar retido por elementos da organização e que estes lhe podiam fazer mal.
Os dois aludiram ainda na conversa à possibilidade de arranjarem pessoas para irem abordar os indivíduos de nacionalidade sérvia, dizendo o arguido B "temos de saber qual é que vai ser o próximo passo" e "se é para começar a preparar o pessoal ou não".
Nessa altura, enquanto conversavam, a mulher do arguido B começou a comunicar por SMS com o arguido A e transmitiu a este as perguntas do arguido B.
Primeiro, o arguido B quis saber se era "... para começar a preparar o pessoal ou não", dando o arguido A como resposta "deixa-me pensar, isso vai trazer ainda mais problemas para o meu lado", tendo este pedido aquele para ir ao escritório no dia seguinte.
Segundo, o arguido B quis saber se "... ele não sai de lá por opção ou porque não te deixam?", tendo RT lido ao arguido B a resposta do arguido A: "Querem que esteja aqui até provar que não fiz nada".
O arguido B concluiu que os outros não estavam a deixar sair o arguido A do escritório (cfr sessão n.º 2569 do alvo 126949040).
No dia 15 de Outubro de 2022, após as 03h30, os arguidos I, J e L, todos de nacionalidade sérvia, chegaram a Lisboa, circulando na viatura automóvel de matrícula eslovaca ..., de marca 131VIW e modelo X5, provenientes de Espanha.
Tais arguidos tinham-se deslocado a Portugal com o propósito de apurar o que acontecera à cocaína desaparecida e com vista à sua recuperação, vindo dispostos a usar de métodos violentos, se necessário, e tendo logo decidido, de acordo com as indicações fornecidas pelo arguido C, que o primeiro alvo da abordagem seria o arguido A.
Pelo que, chegados a Lisboa, logo se dirigiram para o local onde o arguido se encontrava, ou seja, para as imediações do n.º ..., seguindo as orientações nesse sentido que lhes tinham sido fornecidas.
Os arguidos A e C saíram juntos do referido prédio às 03h37, tendo-se deslocado ao encontro com aqueles indivíduos sérvios.
Durante o encontro combinaram encontrarem-se todos mais tarde, no local já antes acordado.
De seguida, os arguidos A e C voltaram para dentro do prédio em causa, onde entraram pelas 04h14.
Pelas 14h05 desse dia 15 de Outubro, o arguido B, suspeitando que a sua presença no local onde se encontrava o arguido A sequestrado ia ser exigida, preparou-se para ali se deslocar levando consigo alguém que o pudesse ajudar.
Assim, ligou a um indivíduo a quem disse que ia "ter com os gajos" e que precisava que alguém Fosse com ele, "para não ter de ir sozinho para lá, pró pé desses filhos da puta", tendo combinado encontrarem-se na zona do Montijo e que depois era "só atravessar a ponte" (cfr. sessão 2604 do alvo 126949040).
Mais tarde, pelas 16h13, o arguido B voltou a falar ao telefone com aquele indivíduo e disse-lhe para este ir ter com ele porque tinham "uns gajos para limpar", que eles tinham mexido "com um dos nossos e não devia", e para "preparar aí material e pessoal que a gente é mesmo para limpar", porque era "escumalha" (cfr. sessão n.º 2690 do alvo 126949040).
Pelas 16h16, o arguido B falou ao telefone, de novo, com o mesmo indivíduo e perguntou-lhe para quando é que podia arranjar "esse pessoal, é só aí um ou dois duros, mesmo prontos para limpar", acrescentando que era mesmo para "desfazer tudo" (cfr. sessão n.º 2692 do alvo 126949040).
Pelas 16h25, o arguido B falou ao telefone com a sua mulher e esta disse-lhe que ele, referindo-se ao arguido A, lhe mandara dizer que estava acompanhado, mas que podia ir na boa.
O arguido B disse a RT para avisar A para "esses gajos que nem se metam a espertos", se não ia haver "merda" e que o A andara a brincar e que se fosse preciso matava o A (cfr. sessão n.º 2695 do alvo 126949040).
Pelas 15h06 desse dia 15 de Outubro, os arguidos A e C saíram juntos do prédio para irem buscar os outros indivíduos.
Pelas 15h14, entraram no prédio os arguidos I, J, C e A, tendo todos se dirigido para o escritório sito no 14.º-A.
Uma vez que o arguido A alegou desconhecer o local onde estava a carga, referindo que a mesma desaparecera do local onde o arguido B a deixara, aqueles arguidos exigiram-lhe que chamasse ao local o arguido B, o que aquele fez.
Pelas 16h49, os arguidos C e I saíram juntos do prédio e regressaram ao seu interior pelas 17h02.
Pelas 17h04, o arguido B falou ao telefone com a sua mulher e disse-lhe que até lhe dar novas indicações, não podiam comunicar mais por aquele meio, frisando que não o contactasse (cfr. sessão n.º 2708 do alvo 126949040).
O arguido B veio, de facto, a deslocar-se para o local, mas entrou sozinho no prédio do n.º ...
No local, o arguido B foi questionado pelos indivíduos de nacionalidade sérvia sobre o paradeiro da carga, tendo apresentado versão similar à do arguido A.
Os arguidos I e J não estavam convencidos das versões apresentadas pelos arguidos A e B, tendo então desferido chapadas na face e braços dos mesmos e obrigaram-nos a manterem-se no local até indicação em contrário.
Com essa conduta foram provocadas em A lesões no olho direito e no braço esquerdo, cuja cura foi fixada em 6 dias.
Nesse momento ficou definido pelos arguidos I e J que o arguido B se responsabilizava em desenvolver acções tendentes à localização da viatura que tivera a seu cargo, enquanto o arguido A ficou sob o controlo do grupo como "garantia" da recuperação do produto estupefaciente desaparecido.
Pelas 18h55, os arguidos I e J saíram do prédio e abandonaram aquela zona da cidade.
Só pelas 19h10, o arguido B saiu do prédio.
Os arguidos A e C saíram às 19h11 e regressaram ao edifício às 22h22, tendo, contudo, o arguido C saído, desta vez sozinho, pelas 22h29.
O arguido C regressou ao escritório do arguido A pelas 07h57 do dia 16 de Outubro de 2022, acompanhado do arguido M, que fora mandado a Portugal pelos indivíduos que no Brasil tinham exportado a cocaina para a Europa, e que também passou a vigiar as movimentações de A.
Pelas 08h00, o arguido C saiu do prédio.
Pelas 11h22, foi a vez de os arguidos A e M saírem juntos.
Durante a tarde do mesmo dia, a partir das 14h32, o arguido A e o arguido M foram comer ao estabelecimento comercial "Pizza Hut", sito na Av. D. João 11, em Lisboa, e, passado algum tempo, ali chegou o arguido C.
Decorrido mais algum tempo, chegaram ao mesmo local os arguidos I, J e L, tendo os dois primeiros se juntado aos restantes, enquanto o último ficou a aguardar junto da viatura automóvel em que se faziam circular, estacionada ali perto.
Quando todos se preparavam para sair com o intuito de levarem consigo o arguido A até Espanha, os arguidos I, J, L, C e M foram detidos pelos Inspectores da PJ que os vigiavam.
No dia 11 de Novembro de 2022, pelas 16h50, o arguido A encontrava-se no Aeroporto de Lisboa, acompanhado da sua mulher e rilha, preparando-se para embarcar num voo com destino a Nice. França, altura em que foi detido pela PJ em cumprimento de mandados de detenção.
O arguido tinha consigo um smartphone Oppo, modelo CPH2211, um tablet Apple, modelo iPad, um smartphone Xiaomi Redmi 9A, um iPhone, modelo 13 Pro Max e um smartwatch de marca Apple, que lhe foram apreendidos.
Por continuar receoso que ainda viesse a sofrer represálias por parte dos donos do produto estupefaciente apreendido. o arguido A deixou de utilizar o referido escritório sito na Av. D. João II, em Lisboa.
Pelos mesmos motivos, o arguido B deixara, entretanto, de residir na casa por si arrendada com a mulher, situada em Sesimbra, e encontrava-se a residir com a sua mulher na casa de um amigo, sita na Rua da Alegria, lote 50, Bairro de São Lourenço, em Santa Iria da Azoia.
O arguido B foi localizado pela PJ no dia 11 de Novembro de 2022, pelas 17h20, no interior de um estabelecimento de café, denominado "Café ...", sito na Rua Salgueiro Maia, em Camarate, altura em que foi detido em cumprimento de mandados de detenção.
O arguido tinha consigo um telemóvel de marca Huawei, modelo POT-LXIA, que lhe foi apreendido.
Foi ainda apreendido ao arguido B o seu veículo de matrícula 011.1M44.
Na busca à sua actual residência foram encontrados no quarto do arguido, e apreendidos, um cartucho de calibre 12, de 32gr, uma munição de calibre 7.62-NATO e urna munição 338LM, que se encontravam no interior de uma caixa de óculos, numa mochila.
Os arguidos A e B sabiam que tinham diligenciado pela recepção e transporte da cocaína que veio a ser apreendida pelas autoridades, tendo tratado da recolha das paletes onde aquele estupefaciente fora transportado até à Europa e pelo transporte das mesmas com vista à entrega ao destinatário.
Os arguidos A e B conheciam a natureza estupefaciente da cocaína.
O arguido B conhecia as características do cartucho e munições que tinha no quarto, não tendo licença para a sua posse.
Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei, tendo actuado em conjugação de esforços e de forma concertada.
(…)

Os factos indiciados assentam nos seguintes meios de prova:
- auto de notícia de Os. 2-3;
- autos de apreensão de fls. 4-5, 9, 55-56 (com documentos a tls. 57 a 60) e 948;
- fotografias de fls. 7, l0 a 16, 61 a 65 e 234 a 243;
- auto de teste rápido e pesagem de fls. 8;
- certidões permanentes de fls. 32 a 34 e 35 a 39;
- autos de diligência de fls. 47 a 49, 73-74, 75-76, 893 e 923 destes autos e de fls. 60-61 do NUIPC 82/22.4JBLSB, apensado a estes autos;
- fichas de registo automóvel de fls. 50 e 52;
- fotografias de fls. 72 a 74 do NUIPC 82/22.4JBLSB, apensado a estes autos;
- relatório de perícia de avaliação do dano corporal de fls. 464 a 465;
- auto de visionamento de registos de imagens de tis. 466 a 496;
- autos de revista e apreensão de fls. 902 e 933;
- auto de busca e apreensão de fls. 935-937;
- cópia de emaiIs de fls. 872 a 883 e 885 a 892;
- sessões telefónicas indicadas no despacho de apresentação e transcritas no Apenso Transcrições.
 (…)
TIPO DE CRIME:
- Um crime de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa para o tráfico, p. e p., pelos art.º 21º, n.º 1, 24º, al. c) e 28º, n.º 2, todos do D.L. n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-B anexa.
Acresce a prática pelo B, em concurso real, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, al. d) da Lei 5/2006, de 23-02.
PERIGOS quanto a ambos os arguidos: Perigo de Fuga, Perigo de perturbação do decurso do inquérito e Perigo de continuação da actividade criminosa.
MEDIDAS DE COAÇÃO quanto a ambos os arguidos:
> TIR, já prestado; e,
> Prisão preventiva - cfr. art.ºs 191º a 194º, 193º, 196º, 202º, n.º 1, al. b) e 204 alis. a), b) e c), todos do Código de Processo Penal. --
Foi determinado que selam:
Emitidos mandados de condução dos arguidos A e B ao E.P,, bem como que se dê cumprimento ao disposto no art.º 194º n º 10 do CPP. --
Notifique.
Após cumprimento sejam os autos remetidos ao DCIAP.

O arguido A optou por prestar declarações quanto aos factos, alegando [conforme consta da respectiva gravação da diligência, aqui dada como reproduzida], em suma: ter conhecido o C há cerca de 1 ano, ajudando-o a instalar-se em Portugal vindo Brasil e como o declarante tem uma empresa que comercializa produtos únicos, aquele propôs-lhe comercializar um café tido como nata das natas dos cafés e para qual aquele já tinha comprador em Espanha e que iria ganhar em conformidade com a margem de venda deste, não sabendo ao certo quanto; que os encontros e compra da carrinha, com a qual o declarante ganhou € 1.000, foram para esse efeito para que pudessem fazer serviço com chave na mão; que desconhecia haver droga envolvida e só depois do desaparecimento desta é que surgiram as conversas reais do C a explicar-lhe as coisas que desconhecia e nunca mais o largaram, incluindo com ameaças e ofensas físicas.
*
Inconformado com aquela decisão, o arguido A dela veio interpor recurso (em 15/12/2022), nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que aqui se dão por reproduzidos, terminando por concluir a sua motivação do seguinte modo e com o seguinte pedido(transcrição):
«1º
Tendo o "Despacho" através do qual foi aplicada ao arguido, ora Recorrente, a medida coactiva de prisão preventiva, sido proferido oralmente, e, de resto, não se encontrando, tal "Despacho", devida e integralmente consignado/vertido, por escrito, no, respectivo, auto, não se encontrando, por conseguinte, devidamente mencionada/referida, por escrito: a) qual a concreta factualidade/matéria que se encontra indiciada; b) a razão pela qual, tal factualidade/matéria não mencionada/referida, se encontra indiciada; c) qual a factualidade/matéria que sustenta os perigos invocados, d) qualquer análise sobre quais as medidas coactivas aplicáveis, de molde a excluir todas menos aquela que se escolheu aplicar; tudo à revelia e em clamorosa violação, aliás, do disposto nos art.ºs 96.º, n.º 4, 99.º, n.º 1, 100.º, n.º 1, 101.º, n.º 1, 141.º, n.º 7, a contrario, 194.º, 268.º, n.º 1, al. b) e 275.º, n.º 2, do C.P.P.; sempre se dirá que, in casu, tal "Despacho" encontra-se, salvo melhor entendimento, para os devidos efeitos e consequências legais, ferido do vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., como seja, de "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada", vício este que, ex vi do disposto no art.º 426.º, do C.P.P., implica, quer o reenvio do Processo à ta Instância, de molde a que, tal vício, seja, aí, devidamente, suprido, quer, ainda, a imediata libertação do arguido.

Face aos "elementos do processo" que, em sede de "1.º Interrogatório Judicial", foram, pela Meritíssima J.I.C., informados/comunicados ao arguido, ora Recorrente, como sejam, quer o "auto de notícia de fls. 2-3;", quer OS "autos de apreensão de fls. 4-5, 9, 55-56 (com documentos a fls. 57 a 60) e 948;", quer as "fotografias de fls. 7, 10 a 16, 61 a 65 e 234 a 243;", quer o "auto de teste rápido e pesagem de fls. 8;", quer as "certidões permanentes de fls. 32 a 34 e 35 a 39;", quer os "autos de diligência de fls. 47 a 49, 73-74, 75-76, 893 e 923 destes autos e de fls. 60-61 do NUIPC 82/22.4JBLSB, apensado a estes autos;", quer as "fichas de registo automóvel de fls. 50 e 52;", quer as "fotografias de fls. 72 a 74 do NUIPC 82/22.4JBLSB, apensado a estes autos;", quer o "relatório de perícia de avaliação do dano corporal de fls. 464 a 465;", quer O "auto de visionamento de registos de imagens de fls. 466 a 496;", quer os "autos de revista e apreensão de fls.902 e 933;", quer o "auto de busca e apreensão de fls. 935-937;", quer a "cópia de emails de fls. 872 a 883 e 885 a 892;", quer as "sessões telefónicas indicadas no despacho de apresentação e transcritas no Apenso Transcrições.", mesmo que, devidamente, concatenados/relacionados entre si, jamais se poderá ter (por, clara, notória e indiscutivelmente, que são, no que, pelo menos, ao arguido, ora Recorrente, respeita, absolutamente inócuos e irrelevantes, quanto à prática, por parte do mesmo, de toda a matéria fáctica, a ele, também informada/comunicada, pela Meritíssima J.I.C., aquando da realização desse, mesmo, "1.º Interrogatório Judicial"), por indiciada, toda essa, mesma, matéria fáctica, e, no que concerne, pelo menos, ao arguido, ora Recorrente, nomeadamente, que:
· "Pelo menos desde o mês de Agosto de 2022, um grupo de indivíduos, no qual se incluem, entre outros, os ora arguidos A e B, e também o arguido C (sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem destes autos), aceitaram colaborar em Portugal com um grupo organizado de indivíduos que se dedica à comercialização de cocaína no espaço europeu, produto estupefaciente que é importado de países da América do Sul através de contentores marítimos.';
· "Para concretizar uma importação de cocaína, a organização contou com a participação dos arguidos A e B e também do arguido C, tendo sido angariado no Brasil um contentor com carga de café, produto que dissimularia a cocaína, e a sociedade "D" (NIPC ...) (...);";
· "Com o conhecimento dos arguidos A e B, e também do arguido C, o contentor em causa, com o n.º ZCSU7345560, foi exportado desde o Brasil para Portugal, com origem na empresam "E" e com destino à referida sociedade "D", com carga declarada de café (três paletes com um total de 1950 quilos) e com cerca de 240 quilos de cocaína, produto que vinha dissimulado nas caixas do café.";
"O café apenas serviria para dissimular o transporte até Portugal do produto estupefaciente, pois nenhum dos referidos arguidos ou qualquer outro elemento da organização tinha qualquer interesse em comercializar o mesmo.";
"O arguido A já conhecia o arguido C há cerca de um ano e foi este que lhe propôs colaborar na referida importação de cocaína, devendo o arguido A diligenciar pela angariação da sociedade que iria proceder à importação do café, que dissimularia a cocaína, pela sua recepção e pelo seu transporte em Portugal, mediante pagamento de quantia monetária de concreto valor não apurado, tendo o arguido A aceite.";
· "O arguido A veio, então a abordar o arguido B para este participar na importação da cocaína, mediante pagamento de quantia monetária de concreto valor não apurado.";
· "O arguido B aceitou o proposto, ficando ambos de diligenciar pela angariação da sociedade que iria proceder à importação do café, pela recepção do produto e pelo seu transporte em Portugal para entrega aos destinatários.";
· "Os dois arguidos angariaram, então, de modo ainda não apurado, a referida sociedade “D".";
· "Durante o mês de Setembro de 2022, os arguidos A e B decidiram antes adquirir uma viatura de transporte de mercadorias para a usarem na guarda e no transporte do café e da cocaína que estava para chegar, dentro das paletes do café, até entrega ao destinatária";
· "No dia 14 de Setembro de 2022, os dois arguidos voltaram a encontrar-se para darem sequência ao plano criminoso em curso.";
· "No dia 15 de Setembro de 2022, após as 13h30, dando sequência aos contactos que vinham estabelecendo para concretizar a recepção do contentor com cocaína, o arguido A esteve reunido com mais dois indivíduos no restaurante "La Rácula", sito na Rua do Bojador, em Lisboa, onde permaneceu até às 17h10.";
· "No dia 16 de Setembro de 2022, dois arguidos continuaram a encontrar-se, bem como com terceiros, com o propósito de coordenarem os preparativos para a recepção do produto estupefaciente.";
· "No dia 17 de Setembro de 2022, pelas 10h10, os arguidos A e B circularam juntos na mencionada viatura do primeiro e dirigiram-se à Av. da Eira, na Charneca da Caparica, para irem ver uma viatura que ali estava estacionada, junto do n.º 5, com a matricula ..., com vista à sua aquisição para a utilizarem no transporte da cocaína.';
· "Verificou-se então que o café ali encontrado não tinha condições de salubridade, estando impróprio para consumo.";
· "O arguido estava a referir-se à situação atrás descrita e ao facto de lerem ficado sem a carga, mencionando o facto de que o arguido A ia ser confrontado por outras pessoas com o desaparecimento da carga.
· "De facto, sabendo que tinham ficado sem a carga em causa, que pensavam conter a cocaína que se destinava a ser entregue a terceiros, o arguido A disso informou o arguido C, o qual estava em contacto com os indivíduos que no Brasil tinham diligenciado pela exportação da cocaína passando os dois arguidos a aguardar indicações do arguido C.";
· "Os arguidos A e B sabiam que tinham diligenciado pela recepção e transporte da cocaína que veio a ser apreendida pelas autoridades, tendo tratado da recolha das paletes onde aquele estupefaciente fora transportado até à Europa e pelo transporte das mesmas com vista à entrega ao destinatário.";
· "Os arguidos A e B conheciam a natureza estupefaciente da cocaína.”;
·  "Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei, tendo actuado em conjugação de esforços e de forma concertada.".

Face aos "elementos do processo" que, em sede de "1.º Interrogatório Judicial", foram, pela Meritíssima J.I.C., informados/comunicados ao arguido, ora Recorrente (de resto, devidamente indicados na "Conclusão" anterior), jamais se poderá ter por, fortemente, indiciada, a prática, por parte do mesmo, de
"Um crime de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa para o tráfico, p. e p. pelos art.º 21º, n.º 1, 24º, al. c) e 28º, n.º 2, todos do D.L. n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela l-B anexa."; conquanto, não sendo os indícios, suposta e putativamente resultantes de tais "elementos do processo", de forma alguma, particularmente inequívocos e fiáveis, jamais se poderá concluir, com segurança, por uma elevada probabilidade de, ao arguido, ora Recorrente, por força de tais indícios, puder vir a ser aplicada uma pena de prisão, pela prática de tal crime.

Ao entender, suposta e putativamente, que o arguido, ora Recorrente, se encontra indiciado da prática de toda a matéria fáctica, a ele, transmitida/comunicada, aquando da realização do "1.a Interrogatório judicial" factualidade, e, por conseguinte, ao dar, suposta e putativamente, por, fortemente, indiciada, a prática, por parte do mesmo, de "Um crime de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa para o tráfico, p e p. pelos art.º 21º, n.º 1, 24º, al. c) e 28º, n.º 2, todos do D.L. n º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela l-B anexa.", sempre se dirá que o Tribunal a quo, apreciou, incorrectamente, os "elementos do processo" que, em sede de "1.º Interrogatório Judicial", lhe foram, também, pela Meritíssima J.I.C., informados/comunicados, pois que, compulsados e analisados, devida, responsável e honestamente, tais "elementos do processo", resulta, clara e objectivamente, que, os mesmos, mesmo que, devidamente, relacionados/concatenados entre si, não são passíveis de indiciar, de forma alguma, fortemente, que o arguido, ora Recorrente, tenha, de facto, praticado tal crime.

Ao dar, suposta e putativamente, por indiciado, que o arguido, ora Recorrente, praticou toda a factualidade, a ele, transmitida, aquando da realização do "1.º interrogatório Judicial", e, nomeadamente, a factualidade vertida na "2.a Conclusão", e, por conseguinte, ao dar, suposta e putativamente, por, fortemente, indiciado, que o arguido, ora Recorrente, incorreu na prática de "Um crime de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa para o tráfico, p. e p. pelos art.º 21º, n.º 1, 24º, al. c) e 28º, n.º 2, todos do D.L. n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela l-B anexa.", o Tribunal a quo, violou, flagrantemente, o disposto no art.º 127.º, do C.P.P., pois que, acaso tivesse aplicado/interpretado, correctamente — como podia e devia — tal comando legal, certamente que teria chegado a conclusão diversa daquela a que chegou, como seja a de que, interpretados, de forma objectiva e à luz das regras da experiência comum, os "elementos do processo" dados a conhecer ao arguido, ora Recorrente, aquando da realização desse, mesmo, "1.º Interrogatório Judicial", in casu, não se encontra, de forma alguma, indiciada a prática, por parte do mesmo, dessa, mesma, matéria fáctica, não se encontrando, ainda, por conseguinte, fortemente, indiciado, que, o mesmo, tenha incorrido na prática de tal crime.

Ao fundamentar a aplicação da "prisão preventiva" do arguido, ora Recorrente, na verificação do requisito específico previsto no art.º 202.º, n.º 1, al. b), do C.P.P., o Tribunal a quo violou, desde logo, clara e flagrantemente, tal comando legal, pois que, face aos "elementos do processo" dados a conhecer ao arguido, ora Recorrente, aquando da realização do "1.º Interrogatório Judicial", não é aceitável e curial entender-se que, in casu, existam quaisquer indícios de que, o mesmo, tenha praticado toda a factualidade, a ele, transmitida, a quando da realização desse, mesmo, "1.º Interrogatório judicial", e, nomeadamente, a factualidade vertida na "2.ª Conclusão", e, por conseguinte, que, in casu, existam quaisquer "fortes indícios" de que, o mesmo, incorreu na prática de "Um crime de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa para o tráfico, p. e p. pelos art.º 21º, n.º 1, 24º, al. c) e 28º, n.º 2, todos do D.L. n º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela 1-8 anexa.", sendo que, acaso o Tribunal a quo tivesse aplicado/interpretado, correctamente, como podia e devia, tal comando legal, certamente que teria chegado a conclusão diversa daquela a que chegou, como seja a de que, não se encontrando cumprido o requisito previsto no art.º 202.º, n.º 1, al. a) do C.P.P., não podia, sob pena de imediata violação desse, mesmo, dispositivo legal, ser aplicada — como foi — ao arguido, ora recorrente, a medida coactiva de "prisão preventiva".

Ao entender, no "Despacho" em crise, que, in casu, se verificam todos os perigos a que aludem as diversas alíneas do art.º 204.º, n.º 1, do C.P.P., o Tribunal a quo violou o disposto neste, mesmo, dispositivo legal, sendo que, acaso tivesse aplicado/interpretado, correctamente, como podia e devia, tal comando legal, certamente que teria chegado a conclusão diversa daquela a que chegou, como seja a de que, não se encontrando in casu, verificado nenhum dos perigos a que aludem as diversas alíneas do art.º 204.º, n.º 1, do C.P.P., não podia ser aplicada ao arguido, ora Recorrente, a medida coactiva de prisão preventiva.

Ao entender, no "Despacho" em crise, que, in casu, se verificam os requisitos gerais previstos no art.º 193.º, n.ºs 1, 2 e 3, do C.P.P., o Tribunal a quo violou, desde logo, também, clara e flagrantemente, tal normativo legal, sendo que, acaso o Tribunal a quo tivesse aplicado/interpretado, correctamente, como podia e devia, o disposto no art.º 193.º, n.ºs 1, 2 e 3, do C.P.P., certamente que teria chegado a conclusão diversa daquela a que chegou, como seja a de que, por não se afigurar, de forma alguma, necessária, adequada e proporcional, (face, até, à possibilidade de outras medidas de coacção poderem ser, in casu, aplicadas), não podia, de forma alguma, sob pena de imediata violação desse, mesmo, dispositivo legal, aplicar a medida coactiva de "prisão preventiva".

NESTES TERMOS, E, NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, Es EM CONSEQUÊNCIA:
· SEM PREJUÍZO DE SE DEVER TER, COMO VERIFICADO, PARA OS DEVIDOS EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, O VÍCIO PREVISTO NO ART.º 410.º, N.º 2, AL. A), DO C.P.P., DEVE O "DESPACHO" PROFERIDO, A 12/11/2022, PELO TRIBUNAL A QUO, SER, DEVIDA E JUSTAMENTE, REVOGADO, E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE A MEDIDA DE COACÇÃO DE "PRISÃO PREVENTIVA" APLICADA AO ARGUIDO, ORA RECORRENTE, SER, JUSTAMENTE, REVOGADA, APLICANDO-SE, NO LIMITE, AO MESMO, OUTRA(S) MEDIDA(S) COACTIVA(S), QUE, IN CASU, SE TENHA(M) POR NECESSÁRIA(S), ADEQUADA(S) E PROPORCIONAL(AIS),
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!»
                                                                      
*         
O Digno Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência nos termos aqui dados como reproduzidos e de cujas conclusões consta (transcrição):
«1. Após a realização do primeiro interrogatório judicial de arguido detido foi determinada a aplicação ao arguido A da medida de coacção de prisão preventiva.
2. No despacho judicial, ora recorrido, considerou-se estarem fortemente indiciados os factos imputados pelo Ministério Público, bem como o cometimento pelo arguido recorrente, em co-autoria, dos crimes de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa para o tráfico, p. e p., pelos art.º 21.º, n.º 1, 24.º, al. c) e 28.º, todos do D.L. n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela l-B anexa.
3.  O recorrente contesta o facto do despacho judicial recorrido, por ter sido proferido oralmente, não se encontrar vertido por escrito no respectivo auto.
4. Porém, através das alterações ao Código de Processo Penal operadas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, o interrogatório do arguido é efectuado, em regra, através de registo áudio ou audiovisual - artigo 141.º, n.º 7 -, sendo correspondentemente aplicável o disposto no artigo 101.º - artigo 141.0, nº 9. Este último preceito permite que o auto seja redigido procedendo à gravação áudio ou audiovisual não só da tomada de declarações como, também, das decisões verbalmente proferidas, sendo que nestes casos não haverá lugar a transcrição - artigo 101.º, n.ºs 1 e 4.
5.  Assim, não assiste razão ao recorrente, pois não foi violado o disposto nos artigos 96.º, n.º 4, 99.º, n.º 1, 100.º, n.º 1, 101.º, n.º 1, 141.0, n.º 7, 194.º, 268.º, n.º 1, al. b) e 275.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, antes lhes foi dado cabal cumprimento.
6.  Mesmo que o auto enfermasse de algum vício formal, este nunca poderia ser a nulidade, porque o interrogatório foi materialmente documentado, sendo que uma sua eventual desconformidade formal apenas poderia redundar em mera irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123º do Código de Processo Penal, a qual, por não ter sido atempadamente arguida, já se encontra sanada;
7.  Ao contrário do entendimento do recorrente, existem nos autos "fortes indícios" da prática pelo arguido dos crimes que lhe foram imputados no despacho recorrido;
8. Tal como nas fases do julgamento e da instrução, no inquérito os indícios recolhidos devem ser todos apreciados e valorados em conjunto, de um modo crítico e inseridos no concreto contexto histórico de onde surgem, verificando-se, na decisão recorrida, ter a Mma. Juiz entendido, de forma acertada, que já tinham sido recolhidos bastantes elementos probatórios que a levaram a considerar serem os mesmos consubstanciadores de "fortes indícios" da prática pelo ora arguido recorrente dos crimes em causa;
9.  Tendo o inquérito se iniciado com a notícia da apreensão, num contentor com café proveniente do Brasil, de um total de 240,550 kg de cocaína, verificou-se, no decorrer da investigação, que foi o ora recorrente que diligenciou pela aquisição no Brasil do café que trazia dissimulada a cocaína e que tratou do desalfandegamento, recolha e transporte da carga, tendo encarregue o co-arguido B de proceder aos contactos com as entidades ligados ao desalfandegamento da mercadoria e ao seu transporte.
10.  Sendo que quando se procedeu ao transporte da carga, o arguido estava convencido que a mesma ainda continha a cocaína, pois desconhecia que este produto estupefaciente tinha sido apreendido ainda na alfândega.
11. Ao invés de ter apresentado queixa às autoridades pelo desaparecimento da carrinha que transportava o café, o que seria o normal a fazer se não estivesse comprometido com a carga ilícita em causa, o recorrente preferiu aguardar os contactos que sabia iam acontecer por parte dos indivíduos que estavam ligados às organizações que tinham diligenciado pela remessa e pela aquisição da cocaína, pois achava que lograria explicar o sucedido.
12. Foi assim que quer o ora recorrente, quer B, acabaram por ser sequestrados por dois indivíduos de nacionalidade brasileira e três indivíduos de nacionalidade sérvia, que pretendiam que lhes dissessem onde estava a cocaína e que não acreditaram na versão dos mesmos, de que a carga desaparecera.
13. Também ao invés de ter diligenciado pela apresentação de queixa às autoridades pelo facto de estar sequestrado, o que seria o normal a fazer se não estivesse comprometido com a carga ilícita em causa, o recorrente preferiu aguardar sequestrado para não comprometer a situação da sua família, e dado estar a par da gravidade da situação.
14. No dia 16 de Outubro de 2022, aqueles cinco indivíduos foram detidos em flagrante delito pela prática de crime de rapto na pessoa do arguido recorrente A, tendo sido determinada, por despacho judicial de 19 de Outubro de 2022, a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva a todos os cinco arguidos em causa.
15.  A partir desse dia a investigação cuidou de obter a restante prova que permitisse esclarecer o real envolvimento do recorrente, e do referido B, na importação da cocaína apreendida.
16. As circunstâncias que envolveram o transporte das paletes de café, a mando do recorrente, e os subsequentes encontros que decorreram no seu escritório, no qual este foi sequestrado, já indiciavam a sua participação na recepção, guarda e transporte da cocaína.
17. Porém, o teor de conversas telefónicas, com junção aos autos das respectivas transcrições, bem como outro tipo de provas, permitiram esclarecer, após o dia 16 de Outubro de 2022, o real envolvimento do arguido recorrente na importação em causa, designadamente que este sabia tratar-se de uma importação de cocaína, tendo colaborado com terceiros para que a importação tivesse tido sucesso, o que só não aconteceu por motivos estranhos à vontade do arguido.
18. Assim, veio a ser determinada, no dia 9 de Novembro de 2022, com elaboração dos respectivos mandados, a detenção fora de flagrante delito dos suspeitos B e A.
19. A qual foi concretizada no dia 11 de Novembro de 2022, tendo, no dia seguinte, o Ministério Público proferido o despacho de apresentação dos dois arguidos detidos a 1.º interrogatório judicial com indicação, nos termos do art.º 141.º do CPP, dos factos que concretamente lhes eram imputados e dos elementos do processo que indiciavam tais factos.
20.  No despacho de apresentação dos dois arguidos detidos a primeiro interrogatório judicial o Ministério Público descreveu a factualidade susceptível de permitir a imputação aos mesmos, em co-autoria e concurso real, dos crimes de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa para o tráfico, p. e p., pelos art.º 21.º, n.º 1, 24.º, al. c) e 28.º, todos do D.L. n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-B anexa, bem como indicou os seguintes elementos probatórios: auto de notícia de fls. 2-3; autos de apreensão de fls. 4-5, 9, 55-56 (com documentos a fls. 57 a 60) e 948; fotografias de fls. 7, 10 a 16, 61 a 65 e 234 a 243; auto de teste rápido e pesagem de fls. 8; certidões permanentes de fls. 32 a 34 e 35 a 39; autos de diligência de fls. 47 a 49, 73-74, 75-76, 893 e 923 destes autos e de fls. 60-61 do NUIPC 82/22.4JBLSB, apensado a estes autos; fichas de registo automóvel de fls. 50 e 52; fotografias de fls. 72 a 74 do NUIPC 82/22.4JBLSB, apensado a estes autos; relatório de perícia de avaliação do dano corporal de fls. 464 a 465; auto de visionamento de registos de imagens de fls. 466 a 496; autos de revista e apreensão de fls. 902 e 933; auto de busca e apreensão de fls. 935-937; cópia de emails de fls. 872 a 883 e 885 a 892; e sessões telefónicas indicadas no despacho de apresentação e transcritas no Apenso Transcrições.
21. Também a Mm.a Juiz considerou que das provas apresentadas resultava a factualidade descrita, da qual se indiciava fortemente a prática pelo recorrente dos crimes imputados.
22. Ao contrário do referido pelo recorrente, existem, assim, fortes indícios da prática pelo mesmo dos factos e dos crimes que lhe foram imputados no despacho recorrido.
23. As provas recolhidas até ao momento da sua detenção, melhor descritas e analisadas nesta Resposta, permitem sustentar a factualidade imputada, isto é, o recorrente participou activamente na importação da cocaína apreendida, sendo que, por desconhecer a apreensão, quando, a seu mando, o co-arguido B foi levantar e depois transportou a carga comercial de café, ambos acreditavam estar também a ser transportada na carrinha a cocaína.
24. Era o arguido A que estava em contacto com as organizações envolvidas, donas do produto estupefaciente apreendido, tendo estado sempre a par do real motivo da importação e que sempre actuou com vista a que cocaína viesse a ser recebida e transportada até aos seus destinatários.
25. As regras da experiência e do normal do acontecer também nos dizem que não se fazem manobras de contra vigilância para averiguar se se está a ser seguido se apenas se estiver a transportar uma carga normal de café; que ninguém usa nomes falsos nos contactos que se estabelecem com as empresas relacionadas com o desalfandegamento da mercadoria se esta não for ilícita; que se se tratasse de uma carga lícita o normal teria sido a apresentação às autoridades, por parte do recorrente, de queixa pelo desaparecimento da carrinha, o que nunca fez porque teria de explicar às autoridades policiais uma situação sobre a qual não queria o envolvimento da polícia; e também ninguém é sequestrado e depois raptado por um grupo de indivíduos que pretendem recuperar uma carga de cocaína se não estiver relacionado com o transporte (e desaparecimento) dessa carga e se não se tratar de pessoa a quem aquele grupo de indivíduos estava a imputar o desaparecimento da carga.
26. Conjugar tais situações com o teor dos registos dos movimentos do recorrente e com o teor das conversas telefónicas mantidas pelo co-arguido B e referentes à situação do recorrente, só podia conduzir à conclusão, sem margem para qualquer dúvida, que o recorrente estivera envolvido, de forma voluntária e consciente, com a recepção e transporte de elevada quantidade de cocaína, não tendo diligenciado apenas pela recepção e transporte da carga comercial (café).
27. Por isso, o Tribunal ficou convencido de que os factos imputados ocorreram efectivamente da forma como se encontravam descritos, acrescendo o facto de que as provas apresentadas, designadamente as imagens de videovigilância, os contactos de email e as transcrições das conversas telefónicas, a que acresce o teor das declarações do recorrente, indiciarem que:
- o recorrente actuou sempre em contacto próximo e articulado com o co-arguido B, de quem era "patrão", mas também amigo, sendo por este tratado por "padrinho", por o recorrente ser seu padrinho de casamento;
- o co-arguido A estava em contacto com o co-arguido C, indivíduo brasileiro ligado à organização que no Brasil exportou a cocaína para a Europa;
- o recorrente e o co-arguido B angariaram em conjunto uma sociedade para servir de importadora da carga, sociedade essa sem qualquer actividade no passado relacionada com a comercialização de café, tratando-se, por isso, de uma sociedade de "fachada";
- o recorrente mandatou o co-arguido B para manter contactos por telefone e por email com diversas empresas, diligenciando pela forma como a carga ia ser recolhida e guardada em Portugal, o que este fez em nome da sociedade importadora, actuando como seu representante;
- nesses contactos B usou um nome falso para que o seu não ficasse ligado à importação;
- o recorrente e B igualmente diligenciaram pela aquisição de uma carrinha automóvel de mercadorias, na qual iria ser transportada a carga, não se tendo limitado a usarem uma empresa que fizesse o transporte, pois pretendiam ser eles a fazê-lo, e uma vez que, com tão relevante a carga a transportar (cerca de 240 quilos de cocaína), não queriam que o transporte ficasse nas mãos de terceiros;
- para figurar como proprietário da viatura foi utilizada pelos arguidos uma outra sociedade de "fachada", de entre as que dispunham para tais fins;
- foi B quem, a pedido de A, tratou de efectuar o pagamento dos impostos e encargos relacionados com o desalfandegamento daquela carga;
- constatou-se a existência de diversos encontros pessoais entre os dois arguidos, muitos no escritório onde ambos vieram mais tarde a ser sequestrados, os quais precederam quer a aquisição da viatura, quer a recepção da mercadoria;
- B efectuou, no dia 11-10-2022, após se ter encontrado com o recorrente e ter ido recolher a carga, diversas manobras de contra vigilância enquanto transportou a carga na carrinha e, tendo-se apercebido que estava a ser seguido, abandonou a viatura num parque de estacionamento de um estabelecimento comercial, onde foi recolhido pelo co-arguido ora recorrente;
- ao telefone, B manteve diversas conversas com a sua companheira e com terceiros (totalmente transcritas nos autos e apresentadas como meios de prova, e parcialmente transcritas no despacho de imputação dos factos), designadamente naquele dia 11-10-2022 e nos dias seguintes, até ao momento em que decorreu o sequestro (dias 15 e 16 de Outubro), e das quais só se pode concluir que os dois arguidos bem sabiam que a carga era composta por cocaína;
- nesse período, B continuou a manter contacto telefónico, de forma indirecta, com o recorrente, através de conversas que a companheira daquele ia mantendo ou com o recorrente, ou com a mulher deste, não existindo qualquer justificação razoável para não falarem directamente um com o outro, a não ser o facto de estarem com receio de serem escutados pelas autoridades;
- no dia 14-10-2022 e no dia seguinte, bem ciente de que o recorrente estava manietado pelos indivíduos que queriam recuperar o estupefaciente perdido, B tentou angariar um grupo de indivíduos com os quais, se necessário com recurso à prática de actos violentos, pretendia deslocar-se ao local e "libertar" o recorrente.
28. O recorrente nem sequer analisa tais meios de prova no recurso ou apresenta qualquer justificação para o teor dos seus movimentos e das conversas telefónicas mantidas por B, tendo-se limitado a dizer no interrogatório que desconhecia que existisse qualquer produto estupefaciente dentro da mercadoria e que só desconfiou quando foi sequestrado.
29.  A estratégia dos arguidos de afirmarem, cada um por si, que nada têm a ver com a droga e que os outros é que devem saber do que se trata (veja-se que o arguido C disse no interrogatório que a droga era algo do A e do B e que o arguido A disse que apenas importara café em articulação com o C) não pode ser, naturalmente, aceite, uma vez que os indícios apontam para o envolvimento de todos eles, sendo a factualidade imputada a única que se afigura corresponder ao que, de facto, aconteceu.
30.  Pelo que bem andou a Mma. juiz quando considerou que nessas concretas actuações existiam "fortes indícios", nos termos e para os efeitos previstos no art.º 202.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, da participação do arguido recorrente no cometimento dos indicados crimes.
31. Quanto aos perigos cautelares entendemos, tal como o Tribunal o entendeu, e ao contrário do referido pelo recorrente, que a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva era a única adequada e necessária aos perigos verificados, sendo também proporcional à gravidade dos ilícitos cometidos pelo recorrente.
32. O recorrente, segundo as suas palavras, aderiu a uma proposta de adquirir café no Brasil, mas nem sequer dispunha de experiência nessa área, nem de uma empresa para tal, podendo-se concluir, até pelo facto de a aquisição do café ter sido articulada com o arguido C, ligado à organização que no Brasil exportou a cocaína para Portugal, que bem sabia que o que interessava às pessoas envolvidas não era o café, mas sim a cocaína que fora escondida nas paletes do café.
33. É manifesto o perigo de, em liberdade, o arguido recorrente dar continuidade a uma actividade criminosa similar à que se dispôs a participar, até porque tem uma "dívida" pendente para com a organização que diligenciou pelo transporte da cocaína apreendida e tem os conhecimentos e contactos necessários para continuar a diligenciar por importações de semelhante natureza, mesmo a partir da sua habitação.
34. Conhecedor agora dos factos e das provas que a investigação recolheu contra o mesmo, face à possibilidade de vir a ser condenado neste processo numa pena de prisão, é de aceitar a forte possibilidade de o arguido se ausentar do país (era o que estava a fazer quando foi detido no Aeroporto de Lisboa no dia 11 de Novembro de 2022), o que faz recear o perigo de fuga, que foi, de facto, com a decisão recorrida, atempada e justificadamente precavido.
35. No que diz respeito ao perigo de perturbação do inquérito, existe a convicção, conforme teor das referidas conversas telefónicas, de que outros indivíduos estão envolvidos com a actividade criminosa investigada nos autos, tratando-se de indivíduos conhecidos ou das relações do recorrente, pelo que também é forte o receio de, em liberdade, o arguido vir a contactar com tais indivíduos (parte deles ainda não identificados quando se proferiu o despacho recorrido) e, dessa forma, por em perigo a aquisição e veracidade da prova.
36. Também a dimensão das actividades evidenciadas, bem como o nível da organização, revelam o alto profissionalismo criminal dos arguidos, estando-se perante um grupo criminoso que não confina a sua actuação a um único país.
37. Por outro lado, o despacho recorrido não pode ser criticado por fazer emergir os perigos de afirmações genéricas, pois os perigos ali invocados e as situações dos quais emergem são bem reais e ostensivos e estão mencionados no despacho por reporte a determinadas situações concretas.
38. Atenta a gravidade dos crimes fortemente indiciados e a medida concreta da pena que previsivelmente possa vir a ser aplicada ao arguido, a prisão preventiva não é uma medida de coacção excessiva.
39. Concorda-se inteiramente com a Mm.a Juiz quando considerou que apenas a medida de coacção de prisão preventiva é suficiente e adequada para esconjurar a concretização dos perigos referenciados, sendo que a intensidade com que se apresentam os indicados perigos sempre impediriam que se optasse pela medida de Obrigação de Permanência na Habitação.
40. Por conseguinte, as exigências cautelares verificadas impõem a manutenção do regime coactivo que foi imposto ao recorrente no despacho recorrido.

Razões pelas quais se entende que o recurso não merece provimento, devendo ser julgado totalmente improcedente, por não ter sido violada qualquer norma legal imperativa que possa ter como efeito a revogação do douto despacho recorrido.
Vossas Excelências, porém, com mais elevado critério farão, como sempre,
JUSTIÇA!»
*
Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.
*
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado nos termos previstos pelo art. 419º, nº 3, al. b), do CPP.
*
Cumpre apreciar e decidir.

Âmbito do Recurso
Dispõe o art.º 412º, nº 1, do CPP que: “A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - art.ºs 402º,403º e 412º do CPP - naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, pág. 340; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009, pág. 1027 a 1122; e Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág. 103).
Isto significa que o âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente na respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior (“ad quem”), as questões a decidir e as razões pelas quais devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que, eventualmente, existam.
No caso em apreço, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

1ª - Há vício da decisão por insuficiência de matéria de facto?
2ª – Inexistem fortes indícios da prática dos imputados crimes de tráfico de estupefacientes e associação criminosa para tráfico de estupefacientes?
3ª – Inexistem os indiciados perigos de fuga, perturbação do decurso do inquérito e continuação da actividade criminosa?
4ª – Há desproporcionalidade da medida de coação aplicada de prisão preventiva?
                       
Apreciação do recurso

1ª Questão: Há vício da decisão por insuficiência de matéria de facto?
O recorrente veio invocar a existência do vício previsto no art.º 410º, nº 2, al. a), do CPP e a violação dos art.ºs 96º, nº 4, 99º, nº 1, 100º, nº 1, 101, nº 1, 141º, nº 7 à contrário, 194º, 268º, nº 1, al. b) e 275º, nº 2, do CPP. Alegando que o despacho recorrido: não contém qual a concreta factualidade indiciada, nem a razão pela qual se encontra indiciada, nem qual a factualidade que sustenta os indiciados perigos e nem qual a análise que levou a escolher a prisão preventiva com exclusão das demais medidas coactivas.
O Ministério Público junto da 1ª instância refutou tal, dizendo que houve gravação áudio do teor integral da diligência, incluindo do despacho judicial e que a lei permite a redacção do auto por súmula, sem necessidade da sua transcrição. E mesmo que o auto enfermasse de algum vício formal, apenas constituiria mera irregularidade prevista no art.º 123º do CPP e sanada por não ter sido arguida atempadamente  
Cumpre apreciar e decidir.
Como sabemos, a diligência de primeiro interrogatório judicial de arguido detido está sujeita a gravação áudio (através do programa oficial do sistema judicial denominado ”Citius Media Studio") e no processo físico apenas é obrigatório ficar a constar o respectivo auto de diligência que pode ser efectuado por súmula – conforme expressa e especificamente prevê para o efeito o art.º 141º, nºs 7 e 9, e este último com remissão expressa para o art.º 101º, nºs 1 e 4, do CPP (consignando este último nº 4 “Sempre que for utilizado registo áudio ou audiovisual não há lugar a transcrição”) .
Pois, estando gravado o teor oral e integral dessa diligência judicial seria um acto supérfluo/inútil estar a exigir uma transcrição por escrito do seu teor integral.
Foi isso que sucedeu no caso em apreço e com aquela cobertura legal prevista, especialmente, para a diligência judicial em apreço [primeiro interrogatório judicial de arguido detido] - sem que tivesse havido violação, alegada pelo arguido recorrente, do disposto nos art.ºs 96º, nº 4, 99º, nº 1, 100º, nº 1, 141º, nº 7, 194º, 268º, nº 1, e 275º, nº 2, do CPP.   
Aliás, o arguido recorrente não questiona o teor dessa mesma gravação e da qual consta (nomeadamente) a comunicação a este dos factos indiciados, dos respetivos meios probatórios, dos respectivos crimes e perigos indiciados e dos respectivos fundamentos legais para a medida de coação aplicada.
Por isso, o decisão que decretou a prisão preventiva do arguido recorrente contém os respectivos fundamentos [quer de facto quer de direito], declarados oralmente nos termos constantes da respectiva gravação áudio [aqui dados por reproduzidos na íntegra e que cujo teor da gravação não foi sequer questionado] e exarados por súmula no respectivo auto de diligência.
Aliás, aquando das subsequentes questões colocadas pelo arguido recorrente, ele próprio desmente o desconhecimento absoluto (que havia alegado nesta questão primeira), denotando conhecimento dos elementos que, ele mesmo admite, lhe terem sido informados/comunicados aquando daquele seu 1º interrogatório judicial como arguido detido.

Sendo de salientar que o Tribunal Constitucional no Acórdão nº391/2015(acessívelhttp://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150391.html) bem como os demais acórdãos nele citados: tem vindo a decidir que a fundamentação da decisão que decreta a medida de prisão preventiva pode, por economia de meios, ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público, o que não deixa de permitir aos interessados e à comunidade o cabal conhecimento das razões determinantes do que se decidiu.

Para além disso e conforme resulta dos autos, quer o arguido recorrente quer o seu mandatário estiveram presentes aquando dessa diligência de 1º interrogatório judicial de arguido detido e não arguiram qualquer invalidade do mesmo auto até ao encerramento dessa mesma diligência – só o tendo feito através do recurso em apreço.
Ora, como sabemos, a decisão recorrida [aplicativa de uma medida de coação de prisão preventiva] constitui um despacho judicial decisório.
Mais concretamente, este despacho de aplicação de medida(s) de coacção está sujeito à disciplina contida no art.º 194º, nº 6, do CPP, segundo o qual:
«6 - A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência dos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos art.ºs 193º e 204º.»

Conforme essa previsão expressa, aliás, em obediência ao princípio da legalidade previsto no art.º 118º, nº 1, do CPP, a falta de algum desses elementos é cominada com a nulidade.
Como esse tipo de omissão [cominada, expressamente, com a nulidade] não cabe no elenco contido no art.º 119º do CPP (relativo às nulidades insanáveis), tem de considerar-se como uma nulidade dependente de arguição, nos termos previstos pelo art.º 120º, nºs 1 e 3, al. a), do CPP que consigna como o seguinte:
«1 – Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.
(…)
3 – As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;»    
No caso em apreço e conforme já vimos, a diligência em apreço não está ferida da invocada omissão/nulidade, mas mesmo que tivesse havido tal alegada falta ou insuficiência de fundamentação factual para a aplicação da medida de coação, sempre estaria sanada por falta de arguição tempestiva por parte do arguido – cfr. a este propósito o Exmº Conselheiro Manuel Joaquim Braz (em “As medidas de Coacção no Código de Processo Penal revisto. Algumas notas” na Colectânea de Jurisprudência, ano XXXII, tomo 4, pág. 6) e, entre outros, o Acórdão do TRP de 20/10/2010 no processo 760/09.3PPPRT-A.P1, o Acórdão do TRG de 10/3/2011 no processo 189/08.OJABRG-B.G1 e o Acórdão do TRL de 7/2/2022 no processo 419/22.6JELSB-B.L1-5, todos em dgsi.pt.

No mais e para que não restem dúvidas sobre a existente, e mais do que suficiente, fundamentação constante do despacho recorrido, bastará atentar ao teor supra-transcrito da mesma (aqui dado por reproduzido na íntegra).
Tendo este Tribunal procedido à audição da respectiva gravação e desta consta (nomeadamente), terem sido lidos e indicados:
os inúmeros indiciados factos concretos;
os inúmeros e concretos meios probatórios constantes dos autos, para além da demais motivação explanando a convicção da Exmª Juiz que salientou a conjugação desses mesmos elementos probatórios à luz das regras da experiência comum (e que, nomeadamente, desmentem o desconhecimento alegado pelo arguido A sobre a existência de droga transportada juntamente com o café);
a respectiva factualidade que sustenta os também indiciados perigos cautelares expostos pela Exmª Juiz (nomeadamente quanto à fuga que o arguido recorrente se propunha fazer com a família para fora de Portugal e que só não fez por ter sido detido; ao perigo de continuação da actividade criminosa perante os contactos já estabelecidos que denotam uma organização com alguma envergadura que procura expandir o negócio, utilizando Portugal como porta de entrada de cocaína, neste caso valendo mais de 8 milhões de euros que desapareceu antes de chegar ao seu destino por facto alheio à vontade do arguido e até já havendo indícios para um futuro transporte dissimulado em carvão; e com o inerente perigo para a aquisição e conservação de prova tanto mais que envolve uma organização que até faz entrar no nosso país indivíduos de outros países, nomeadamente para exercerem represálias a quem cumpre as regras daquela);
e a análise feita pela Exmª Juiz a propósito da escolha da medida de coação de prisão preventiva e respectiva fundamentação quer factual quer legal, justificando ser a única adequada a fazer face aos sobreditos perigos.
Por conseguinte, está desprovida de fundamento (quer factual quer legal) tal alegação do arguido recorrente.

2ª Questão - Inexistem fortes indícios da prática dos imputados crimes de tráfico de estupefacientes e associação criminosa para tráfico de estupefacientes?

Desde já, importa dizer que, face aos elementos probatórios constantes dos autos (nos termos supra transcritos e aqui dados por reproduzidos), está indiciariamente provada toda a factualidade supra transcrita (e aqui dada como reproduzida novamente).
Pois tal factualidade, constituída por inúmeros factos concretos (não meramente putativos ou suposições) e factos relevantes (não inócuos), advém da apreciação (não incorrecta) e da conjugação (não irresponsável e não desonesta) levada a cabo pela Exmª juiz de instrução relativamente a tais meios probatórios constantes dos autos e que se consideram fiáveis/credíveis/sérios. Vejamos quais são: auto de notícia de Os. 2-3; autos de apreensão de fls. 4-5, 9, 55-56 (com documentos a tls. 57 a 60) e 948; fotografias de fls. 7, l0 a 16, 61 a 65 e 234 a 243; auto de teste rápido e pesagem de fls. 8; certidões permanentes de fls. 32 a 34 e 35 a 39; autos de diligência de fls. 47 a 49, 73-74, 75-76, 893 e 923 destes autos e de fls. 60-61 do NUIPC 82/22.4JBLSB, apensado a estes autos; fichas de registo automóvel de fls. 50 e 52; fotografias de fls. 72 a 74 do NUIPC 82/22.4JBLSB, apensado a estes autos; relatório de perícia de avaliação do dano corporal de fls. 464 a 465; auto de visionamento de registos de imagens de tis. 466 a 496; autos de revista e apreensão de fls. 902 e 933; auto de busca e apreensão de fls. 935-937; cópia de emaiIs de fls. 872 a 883 e 885 a 892; sessões telefónicas indicadas no despacho de apresentação e transcritas no Apenso Transcrições.
 
Perante a conjugação de todos estes meios probatórios, não mereceu credibilidade - e não era susceptível de merecer, por inverosimilhança à luz das regras de experiência comum - a versão verbal apresentada pelo arguido, segundo a qual (em suma): desconhecia haver droga envolvida, só se tratava de um negócio relativo a um café tido como nata das natas dos cafés; para o qual o C já tinha comprador em Espanha e que iria ganhar em conformidade com a margem de venda deste, não sabendo ao certo quanto; e que os encontros e compra da carrinha, com a qual ganhou € 1.000 foram para esse efeito, e só depois do desaparecimento desta é que surgiram as conversas reais do C a explicar-lhe as coisas que desconhecia.

E – contrariamente ao alegado pelo recorrente – o indiciado quadro factual concreto configura a prática, por parte deste arguido recorrente (em co-autoria com outros arguidos nomeadamente com B e C) de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de associação criminosa para o tráfico, previstos e puníveis pelos art.ºs 21º, nº 1, 24º, al. c) e 28º, nº 2, do D.L. nº 15/93, de 22-1 (por referência à anexa Tabelas I-B) e segundo os quais:
«Artigo 21º - Tráfico e outras actividades ilícitas
1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».

«Artigo 24º - Agravação
As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: (…)
c)O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória;»

«Artigo 28º - Associações criminosas
1 - Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos.
2 - Quem prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.»
 
Constando da Tabela anexa I-B a substância em apreço nos autos, isto é, a cocaína.
Aquele tipo-legal de «Tráfico e outras actividades ilícitas» contém a descrição típica do crime de tráfico de estupefacientes, de maneira compreensiva e de largo espectro, isto é, correspondendo ao tipo base, fundamental, essencial, matricial.
E trata-se de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com esta incriminação.
Tem sido englobado na categoria do "crime exaurido", "crime de empreendimento" ou "crime excutido". É um crime de perigo comum pois está em causa o perigo ou risco para a saúde pública na dupla vertente física e moral. E, também, é um crime de perigo abstracto pois consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para aquele bem jurídico protegido.
Dada a sua enorme perigosidade/gravidade, este tipo de crime é punível com pena de prisão de 4 a 12 anos. Pena que é agravada para 5 a 15 anos de prisão quando envolver (por obter ou procurar obter) avultada compensação remuneratória.
Também, atenta a sua enorme gravidade/perigosidade, o legislador fez questão de, expressamente, considerar como «Criminalidade altamente organizada» as condutas que integrarem o crime de tráfico de estupefacientes - cfr. o art.º 1º, al. m), do CPP.
Sendo que no caso em apreço, para além dessa actividade de tráfico de estupefacientes, o arguido recorrente e os demais arguidos prestavam colaboração a uma organização ou associação de pessoas que actuava concertadamente, visando a prática do crime de tráfico de estupefaciente/cocaína e à escala internacional.
Dada a sua enorme perigosidade/gravidade, também este tipo de crime é punível com pena de 5 a 15 anos de prisão.

Tendo estes dois crimes sido praticados através de vários agentes, nomeadamente em co-autoria por parte do arguido recorrente e demais arguidos.
A este respeito prevê o art.º 26º do Código Penal:
“É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.”
Desta forma, dada a contribuição de cada um dos co-autores, o legislador pretendeu que tais comportamentos proibidos sejam punidos como se fossem integralmente realizados por um único agente.
Caso contrário, não poderia ser punido pela prática daquele tipo de crime, por exemplo, o agente que apenas tivesse prestado auxílio ao seu cometimento ou que tivesse, em colaboração com outro ou outros e por acordo com eles, realizado uma parte da conduta típica e os restantes praticando os demais actos necessários à consumação do crime.
Conforme escreveram, em anotação ao art.º 26º do Código Penal, Leal Henriques e Simas Santos (edição 1991, vol. 1, págs. 190-197): "…para incorrer na co-autoria de um crime precedido de um plano, quando nele participaram vários agentes, não é necessário que todos eles tenham tido intervenção na elaboração desse plano. Basta que vários agentes participem na execução de actos que integrem a conduta criminosa, não sendo, contudo, necessário que intervenha em todos eles, desde que actue conjugadamente e em comunhão de esforços, no sentido de alcançar o objectivo criminoso…".
Voltando ao caso em apreço, está sobejamente indiciado nos autos que o arguido aceitou colaborar com um grupo/organização/associação que se dedica ao negócio de droga à escala internacional. Mais concretamente, à importação de cocaína para comercialização na Europa, sendo Portugal uma “porta giratória”, pelo menos, até Espanha.
Para o efeito e no âmbito dessa colaboração com tarefas específicas e contactos específicos: foi angariado um contentor marítimo, contendo 3 paletes de café que dissimulavam 877 embalagens de cocaína com um peso bruto total de 240,550 quilos com valor total superior a 8 milhões de euros; foi diligenciado pelo desalfandegamento dessa mercadoria, bem como pelo seu transporte terrestre no nosso país e que seria, pelo menos, até Espanha.
E só por facto totalmente alheio à vontade quer do arguido recorrente, quer dos demais arguidos, quer da aludida organização criminosa, é que tal cocaína não seguiu o pretendido circuito (ao ser apreendida antes do seu desalfandegamento, mas sem conhecimento de nenhum daqueles). E, também, só por facto totalmente alheio à vontade de todos aqueles é que tão pouco o café, que aqueles pensavam conter aquela cocaína dissimulada, não seguiu o pretendido circuito (ao ser apreendida juntamente com o veículo antes de retomada a viagem em direcção a Espanha, mas sem conhecimento de nenhum daqueles).  
Tendo este desaparecimento do veículo (contendo a mercadoria que todos aqueles pensavam ser ainda constituída por café e por toda aquela cocaína) dado origem a inúmeros contactos, a inúmeras movimentações de pessoas, algumas delas vindas de outro país com a missão de levarem a cabo diligências (incluindo ameaças, agressões e sequestro)destinadas a apurar o sucedido boicote desse “iter criminis” que envolveu a perda de mais de 8 milhões de euros de cocaína – não contando o café por estar impróprio para consumo.
Estando indiciado o facto de o arguido recorrente saber da natureza, características estupefacientes e quantidade do produto em apreço, que a importação, o transporte, a detenção, a venda, a cedência e/ou quaisquer actos envolvendo tal produto era proibida, configurando uma prática criminosa e tal modo de actuação, deliberado e concertado deste arguido, em conjunto com outros arguidos, envolvendo mais de 240 quilos de cocaína com o valor corrente no mercado desse tipo de droga superior a 8 milhões de euros, envolvia elevada compensação monetária para os agentes, configurando um tráfico de estupefacientes agravado – dado o inerente agravamento da sua gravidade delituosa, inerente ao maior proveito obtido ou que procura obter o agente à custa de maior risco/perigo para a saúde pública dada a, também, avultada quantidade de cocaína traficada.
Também estando indiciado que para o efeito, o arguido recorrente e os demais arguidos prestavam colaboração a uma organização ou associação de pessoas que actuava concertadamente, visando a prática do crime de tráfico de estupefacientes à escala internacional com elevadíssimos proveitos económicos e, sabendo disso, o arguido e demais arguidos prestaram-lhe colaboração de forma conjugada e concertada, com as inerentes tarefas e os inerentes contactos.
Sabendo que tinham diligenciado pelo transporte e recepção dessa quantidade de cocaína, tendo recolhido as respectivas paletes onde toda aquela droga fora transportada até Portugal e tendo diligenciado pelos transportes das mesmas paletes com vista à entrega a um destinatário.
E só por facto, totalmente, alheio às suas vontades é que toda aquela droga foi apreendida pelas nossas autoridades, em território nacional, antes de ser entregue ao destinatário em Espanha.

Perante a extensa factualidade indiciada no caso em apreço (supra transcrita e aqui dada por reproduzida) resultam fortemente indiciados tais crimes.
 A propósito do conceito de “fortes indícios” exigido pelo legislador, nomeadamente no art.º 202º, nº 1, als. b) e c), do CPP:
Subscreve-se o entendimento do Prof.Germano Marques da Silva (em Curso de Processo Penal, II, 2a ed., pág. 240): "A indiciação do crime necessária para a aplicação de uma medida de coacção significa a probatio levior", isto é, a convicção da existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais, mas em grau inferior à que é necessária para a condenação (…)no momento da aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, que pode ocorrer ainda na fase de inquérito ou da instrução, fases em que o material probatório não é ainda completo, não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”.
Também Vital Moreira e Gomes Canotilho (a fis. 185 da Constituição da República Portuguesa Anotada, edição 1993), por sua vez, dizem que: "quando a lei fala em fortes indícios pretende exigir uma indiciação reforçada, filiada no conceito de provas sérias".
Também Castanheira Neves (em Sumários de Processo Criminal, 1968, pág. 37) e Figueiredo Dias (em Direito Processual Penal, 1974, pág. 133) fazem notar que: Esta noção de fortes indícios comporta uma exigência acrescida relativamente à noção dos indícios suficientes consagrada no artigo 283º, nº 1, do Código Penal a propósito da acusação. Pressupondo aqueles a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento, com a única diferença apenas na maior fragilidade dos elementos considerados, já que resultam de uma actividade não contraditória, sem imediação nem oralidade. E sendo facilmente compreensível, aquela maior exigência, pois que é muito mais grave sujeitar alguém a prisão preventiva do que deduzir contra si uma acusação.
E, também, Jorge Noronha e Silveira (em O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português – Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais – Almedina – pág. 174) salienta que: os “fortes indícios” de que a lei fala existirão quando as provas recolhidas até ao momento em que são levadas à apreciação do juiz tiverem a força necessária para que ele forme a convicção de uma “possibilidade razoável de condenação”.
Ora, voltando ao caso em apreço, face às inúmeras provas recolhidas e constantes dos autos (supra transcritas e aqui dadas por reproduzidas) há uma forte probabilidade de o arguido recorrente vir a ser condenado pela supra-referida prática, consumada, em co-autoria e em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado e de um crime associação criminosa para tráfico – cfr. os art.º 1º, als. a) e m), do CPP.
Nunca sendo de mais salientar que o “iter criminis” destes tipos legais de crime não se cinge a um só acto e envolve inúmeras pessoas com diferentes graus de protagonismo e exige planificação, diligências da mais variada ordem e inúmeros contactos através de várias formas e muitas delas à distância (quer física quer meramente digital). Tanto mais se se tratar de tráfico à escala internacional – a este propósito é bastante elucidativo o artigo publicado no Diário de Notícias em 12/9/2022 (sobre Sylvie Figueiredo que foi 15 anos oficial de informações do SIS nestas áreas, é professora no Instituto CRIAP, do Porto, e está a investigar no âmbito da sua tese de doutoramento, o impacto em Portugal do tráfico internacional de cocaína).
Também nunca sendo de mais destacar os malefícios que as substâncias estupefacientes acarretam para a saúde (física e mental) dos consumidores e as desgraças que acarretam, quer para os consumidores, quer para as suas famílias, quer para a sociedade em geral. Pois, trata-se de um vício dispendioso (para cujo sustento os consumidores não olham a meios) e de um vício do qual é muito difícil libertar-se. E no caso da cocaína maior será a dificuldade por se tratar de uma droga fortemente aditiva.

Posto isto, também importa referir que – contrariamente ao entendimento do arguido recorrente sem qualquer concretização factual – não se nos afigurando que a Exmª juiz de instrução tivesse efectuado uma apreciação discricionária, arbitrária, puramente subjectiva, sem honestidade e sem responsabilidade, violando o princípio da livre apreciação da prova (previsto no art.º 127º do CPP e o princípio da não presunção de culpa (previsto no art.º 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa – doravante abreviada como CRP).
O princípio da livre apreciação da prova significa que prova é apreciada, pelo julgador, em busca da verdade material, segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, mas sem que isso signifique ou equivalha a uma apreciação infundamentada, arbitrária ou abusiva.
Apenas e tão só o legislador quis realçar que (em regra) inexistem regras legais que atribuam valor específico, valor pré-determinado às provas ou que estabeleçam uma hierarquia entre as provas [com excepção: da confissão integral e sem reservas (nos termos do art.º 344º, nº 2, do CPP), da prova pericial (nos termos do art.º 163º, nº 1, do CPP) e da prova documental autêntica e autenticada (nos termos do art.º 169º do CPP)]  e  que todos os meios de prova não proibidos (nos termos do art.º 126º do CPP e do art.º 32º, nº 8, da CRP) são admissíveis (nos termos do art.º 125º do CPP) – a este propósito confira as unânimes doutrina e jurisprudência constantes do “Código de Processo Penal Comentado” (págs. 418 a 434 da 3ª Edição Revista da Almedina).
Quer isto dizer que se trata de uma liberdade (do julgador) com um dever: o dever de perseguir a verdade material de cada caso concreto.
Verdade esta obtida pelo conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos e que não tem de ser absoluta, pois, tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano. E, assim, a lei o faz reflectir quando menciona expressamente (no art.º 127º do CPP) que a prova é apreciada segundo as regras da experiência humana.
E no cumprimento deste dever ou princípio da persecução da verdade material, a apreciação e convicção do julgador, perante os meios probatórios de cada caso concreto (e as sobreditas regras legais quanto aos mesmos), é sempre uma convicção objectivada e motivada.
E na formação dessa convicção, perante a produção da prova constante dos autos (neste caso, ainda na fase de inquérito), a apreciação do Juiz - condicionada pelo princípio da persecução da verdade material -, assenta na verdade prático-jurídica humana: em que se inclui não só uma actividade puramente cognitiva; mas também se incluem elementos racionalmente não explicáveis, tais como a experiência, a emoção e a intuição que permitem ao julgador aperceber-se da personalidade de certo declarante e/ou depoente e/ou de traços denunciadores da isenção (ou falta dela), de imparcialidade (ou falta dela) e de certeza (ou falta dela), então revelados e com a inerente credibilidade concedida (ou não) ao respectivo declarante e/ou depoente – como, por exemplo, pela voz, por gestos, por comoções/emoções, por expressões faciais, por hesitações, por pausas - tudo melhor captado com a imediação e a oralidade de cada diligência.
Assim se obtendo a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) – cfr. a este propósito os ensinamentos doutrinais de Figueiredo Dias (em “Lições de Direito Processual Penal”, págs. 135 e segs. ou em “Direito Processual Penal” (1º. Vol., págs. 203-205).
Em suma, a prova tem como função a demonstração da realidade dos factos (nos termos do art. 341º, nº 1, do Código Civil), sem que ela pressuponha uma certeza absoluta ou lógico-matemática, bastando que ela permita alcançar um grau de certeza tal que é capaz de afastar uma dúvida razoável - não qualquer dúvida, mas só a dúvida fundada em razões adequadas.
Só sendo, por isso, aplicável o princípio “in dubio pro reo” quando haja uma dúvida razoável geradora de um estado de incerteza quanto aos factos integradores de um crime imputado a um arguido.
Este princípio é limite normativo daquele outro princípio (da livre apreciação da prova) na medida em que impõe ao tribunal que decida em favor do arguido se [em face daquela livre apreciação e prossecução da verdade material, nessa sua missão de julgador], ficar com uma dúvida razoável.

Ora, voltando ao caso em apreço e face à apreciação já efectuada destes autos por este Tribunal de recurso, a propósito da factualidade indiciada, não se nos afigura que, perante todos os inúmeros meios probatórios constantes dos autos, a apreciação da Exmaª juiz de instrução tenha sido infundamentada, arbitrária ou abusiva e que essa julgadora, no seu percurso lógico-dedutivo, motivado e objectivado tivesse tido uma dúvida razoável sobre a veracidade dos indiciados factos imputados ao arguido, tivesse persistido um “non liquet”/estado de incerteza e que, em vez de presumir a inocência do arguido, tivesse presumido a culpa deste.
Conforme tão cristalinamente referiu a Exmª juiz de instrução nenhum café mereceria uma atenção tão especial, nomeadamente: com a aquisição de uma carrinha para o pretendido transporte até Espanha; tanta atenção com manobras de despistagem; tanta preocupação perante o desaparecimento da carrinha, mas sem qualquer queixa à Polícia; tantos telefonemas e tantas ameaças, mas sem qualquer queixa à Polícia; tanta vigilância até com acompanhamento e represálias por indivíduos chegados só para este efeito.
Em suma - e apesar de não agradar ao arguido recorrente o resultado da avaliação da indiciada matéria de facto feita pela Exmª juiz de instrução -, este Tribunal de recurso não detectou no processo de formação da convicção daquela julgadora qualquer violação das sobreditas regras e dos sobreditos princípios de direito probatório.

3ª Questão – Inexistem os indiciados perigos de fuga, perturbação do decurso do inquérito e continuação da actividade criminosa?

Conforme acabamos de ver, perante todo esse forte indiciário quadro factual (já supra-transcrito e aqui dado por reproduzido) não há dúvidas de que tal actuação do arguido recorrente configura a indiciada prática, em co-autoria com os outros arguidos, dos sobreditos crimes dolosos, cada um deles punível com pena de prisão com limite mínimo de 5 anos e com limite máximo de 12 anos e há um probabilidade séria de o arguido vir a ser condenado por tais práticas.
E, desde já, se adianta que, perante todo esse forte indiciário quadro factual, afiguram-se-nos realmente indiciados todos esses perigos quer de fuga, quer de perturbação do decurso do inquérito, quer de continuação da actividade criminosa.
Significa isto que estão preenchidos os respectivos requisitos legais exigidos [nos art.ºs 202º, nº 1, als. b) ou c), e 204º, nº 1, als. a) a c), do CPP] para a aplicação da medida de coação de prisão preventiva.
A propósito destes indiciados perigos concretos importa, desde já, referir que não é necessária a sua verificação cumulativa para que seja decretada a prisão preventiva, bastando a verificação de qualquer um deles - conforme resulta da previsão, em alternativa, contida nas várias alíneas a), b) e c) do nº 1 do art.º 204º do CPP.
Na parte com interesse para o caso concreto, importa fazer uma breve resenha doutrinal sobre os sobreditos perigos de fuga e/ou de perturbação do decurso do inquérito e/ou de continuação da actividade criminosa previstos no art.º 204º, nº 1, als. a), b) e c), do CPP, respectivamente: Subscreve-se o entendimento quer de Germano Marques da Silva (Sobre a Liberdade no Processo Penal ou do Culto da Liberdade como Componente Essencial na Prática Democrática, em “Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, 2003, pág. 1378) quer de Frederico Isasca (A prisão preventiva e restantes medidas de coacção, em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, 2004)no sentido de que: Qualquer um desses perigos tem de se traduzir numa probabilidade real e iminente de verificação em face dos elementos factuais disponíveis no processo, globalmente analisados/avaliados de acordo com as regras de experiência comum, face a cada caso concreto, nomeadamente, à natureza do crime indiciado, à personalidade do arguido, às respectivas circunstâncias em que foi cometido o indiciado crime e às circunstâncias que rodearam a sua execução.
Conforme refere Maia Costa (em Código de Processo Penal Comentado, 3ª edição revista, págs. 821-822): Tal juízo de perigosidade deve ser concreto ou real o risco ou probabilidade da sua verificação.
Em suma:
. O juízo sobre o real perigo de fuga deve fundar-se, perante o caso concreto, na ponderação de todas as circunstâncias (tais como, a gravidade da pena cominada para o crime, a personalidade revelada pelo arguido, a sua situação financeira, familiar, social e profissional e as suas ligações em países estrangeiros) que possam revelar a sua vontade de se pôr em fuga;
. O juízo sobre o real perigo de continuação criminosa deve referir-se à prática de crimes de natureza idêntica e a plausibilidade dessa reiteração criminosa deve aferir-se a partir das circunstâncias do caso concreto (quer anteriores quer contemporâneas à conduta indiciada e relacionadas com esta) e da personalidade revelada pelo arguido; 
. O juízo sobre o real perigo de perturbação do decurso do inquérito diz respeito ao perigo para a aquisição, a conservação e/ou a genuinidade da prova relativa aos factos investigados em cada processo e que, na ponderação de todas as circunstâncias relativas os contornos do mesmo, fazem temer como probabilidade real e de iminente verificação o seu entorpecimento por parte do arguido. Sendo mais intenso este perigo nesta fase de inquérito.

Voltando ao caso em apreço e perante a sobredita factualidade fortemente indiciada, verificam-se tais perigos [sendo que bastaria a verificação de qualquer um deles (conforme resulta da previsão, em alternativa, contida nas várias alíneas do nº 1 do art.º 204º do CPP) e concretamente verificam-se no momento da aplicação da medida de coacção (conforme salienta a parte final desse mesmo nº 1)]:
» Por um lado, o perigo de fuga afigura-se evidente, aliás(no dia 11/11/2022) o arguido recorrente tentava fazê-lo, via aérea, juntamente com a família, e só não o concretizou devido a facto alheio à sua vontade, face à intercepção policial em pleno aeroporto.
Não colhendo, à luz das regras de experiência comum e face à factualidade indiciada, que fosse uma mera viagem turística para fora do nosso país.
» Por outro lado, o perigo de continuação deste tipo de actividade criminosa afigura-se-nos evidente, face à natureza destes tipos de crime (integrados na categoria legal de “criminalidade altamente organizada”), à natureza da droga traficada (cocaína), à elevadíssima quantidade dessa droga apreendida(877 embalagens com o peso bruto global de 240,550 quilos), ao valor dessa droga (superior a 8 milhões de euros) com os elevadíssimos proventos económicos daí inerentes e às demais sobreditas circunstâncias do seu cometimento por parte do arguido recorrente em co-autoria com os demais arguidos.
É sabido, pelas regras de experiência comum, que a prática do crime de tráfico de estupefacientes é geradora de enormes lucros/receitas líquidas porque livres de qualquer tributação fiscal e de ganho rápido sem necessitar de grande dispêndio laborativo, sendo uma aliciante, muitas vezes irresistível, para qualquer homem comum, mesmo que tenha uma actividade profissional tributada.
Por outras palavras, o crime de tráfico de estupefacientes constitui, ele próprio, um forte impulso à continuação da atividade criminosa. Com efeito, quem se dedica a este tipo de atividade delituosa já tem em mente a obtenção de dinheiro fácil e o desafogo que o mesmo pode proporcionar.
As regras da experiência comum têm-nos dado conta que os indivíduos traficantes, quando envolvidos na atividade de tráfico, raramente ou nunca a abandonam voluntariamente. Desde logo, porque não querem prescindir dos rápidos e elevados rendimentos que tal atividade proporciona.
Pelo que se nos afigura óbvio o perigo de este arguido recorrente ser impelido a continuar nesta atividade criminosa e até em colaboração com aquela associação criminosa que envolve transacções de milhões de euros.
A respeito da personalidade do arguido recorrente importa referir que, aquando do seu primeiro interrogatório, dissera não saber que estava envolvido num negócio de droga e em colaboração com uma associação criminosa para o tráfico de droga. Pensando que era apenas um negócio de um café especial e que só depois do desaparecimento da carrinha é que terão surgido as conversas reais e terá sabido das coisas – narrativa esta inverosímil e desmentida pelos meios probatórios constantes dos autos, conforme explicitou a Exmª juiz de instrução. E não se indiciando qualquer postura de interiorização da gravidade dos factos indiciados, nem de arrependimento ou de disposição diversa para o futuro, em lugar de permanecer nessa senda delituosa.
» Para além disso, dada a indiciada gravidade e a especial censurabilidade dos factos em apreço, o seu modo de execução e as demais indiciadas circunstâncias, também se afigura como óbvio haver o perigo de perturbação do decurso do inquérito a que se reportam os presentes autos - nomeadamente, através da adulteração dos meios de prova e/ou influência desleal sobre os demais co-autores e/ou a testemunhas – com prejuízo para a descoberta da verdade material no processo em apreço. Tanto mais que envolve uma organização à escala internacional já com alguma envergadura e que até já fez entrar indivíduos de outro país só para fazer represálias, ofensas e sequestro ao arguido recorrente perante o ocorrido desaparecimento de toda mercadoria traficada.

Pelo que, apreciando globalmente todos os indiciados elementos factuais, à luz das regras de experiência comum, é possível fazer um juízo de prognose acerca do comportamento futuro do arguido e da reiteração criminosa com tráfico de drogas (considerado como de “criminalidade altamente organizada”) e em colaboração com associação criminosa para o tráfico de drogas, pondo em risco a saúde pública na dupla vertente física e moral. Tanto mais tratando-se de cocaína que é uma droga especialmente perigosa em termos de adição e de efeitos nocivos para a saúde. Tanto mais tratando-se de um negócio altamente lucrativo, neste caso envolvendo mais de 240 quilos de cocaína com valor superior a 8 milhões de euros.
E havendo risco realmente provável de perturbação do inquérito, através de represálias ou chantagens ou subornos que afectem a conservação ou veracidade de certos meios de prova existentes nos autos e/ou destruição ou falsificação de documentos e/ou outras fontes probatórias que possam vir a ser obtidas.
Em suma, no caso em apreço há indícios suficientes para se poder concluir pela existência real ou concreta de um juízo de perigosidade relativamente a todos e cada um dos aludidos perigos e reportando-nos ao momento da aplicação ao arguido da medida de coacção em apreço.

4ª Questão – Há desproporcionalidade da medida de coação aplicada de prisão preventiva?

Aqui chegados, resta saber se (para além do aplicado termo de identidade e residência) a prisão preventiva aplicada ao arguido recorrente era a medida de coação necessária e a única ajustada face à gravidade dos sobreditos crimes e da respectiva sanção e face às sobreditas exigências cautelares – conforme exigem os art.ºs 191º, nº 1, 193º, 195º, 202, nº 1, e 204º, nº 1, do CPP.
A prisão preventiva é a medida de coacção mais gravosa pois limita, totalmente, a liberdade pessoal na acepção de liberdade ambulatória da respectiva pessoa.
Como sabemos, o direito a essa liberdade individual é um direito fundamental da pessoa humana que está consagrado quer na Constituição da República Portuguesa (art.27º, nºs 1 e 2, deste diploma), quer na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art.ºs III e IX deste diploma), quer no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art.º 9º deste diploma) e quer na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 5º deste diploma). 
Mas (também, conforme todos esses diplomas ressalvam nos respectivos preceitos, sendo a CRP no seu art.º 27º, nº 3 e a DUDH no seu art.º XXIX), este direito basilar/ fundamental não é um direito absoluto.
Pois, pode sofrer restrições, desde que, estas obedeçam às exigências legalmente previstas para o efeito (a título excepcional), visando a prossecução do respeito de outros direitos de outrem, inerentes às justas exigências da ordem pública, como condição (excepcional e indispensável) à realização da justiça.  
 Ora (conforme tão bem refere Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. II, pág. 254,): As medidas de coação e, em especial a prisão preventiva, são precisamente meios legais processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no tocante ao desenvolvimento deste quer no tocante à execução das decisões condenatórias.
Pelo que, a aplicação de qualquer medida de coação está dependente do cumprimento ou observância, em cada caso concreto, das respectivas exigências legais.
Desde logo, só pode ser aplicada uma ou várias medidas de coação das que estejam, expressamente, previstas na lei (conforme o art.º 191º, nº 1, do CPP que consigna o princípio da legalidade ou tipicidade).
O elenco das várias medidas de coacção, expressamente, previstas neste diploma consta desde o art.º 196º até ao art.º 202º inclusive [seguindo uma ordem de crescente gravidade/crescente restrição de direitos do arguido]: começando no termo de identidade e residência; seguido da caução; da obrigação de apresentação periódica; da suspensão do exercício de profissão, actividade e direitos; de proibição e imposição de condutas; de obrigação de permanência na habitação; até à prisão preventiva.
Sendo a prisão preventiva a medida de coação mais gravosa para o arguido, compreende-se que o legislador a tenha consagrado com natureza subsidiária e excepcional, isto é, só pode ser aplicada pelo juiz como “extrema ratio” – cfr. os art.ºs 18º, 27º e 28º, da Constituição da República Portuguesa.
Quer isto dizer que a prisão preventiva só pode e deve ser aplicada se e quando todas as restantes medidas de coacção se mostrarem inadequadas ou insuficientes para a salvaguarda das exigências processuais, de natureza cautelar, que o caso concreto requeira. Em face da ponderação das concretas circunstâncias e do respectivo juízo de prognose (nomeadamente para garantir a presença do arguido nos demais actos processuais; para assegurar que o arguido não se exima a execução de condenação futura ou já decretada mas ainda não definitiva; para garantir a aquisição e conservação dos meios de prova; e/ou para garantir que o arguido não reitere essa prática delituosa).
Pelo que, seguindo os ensinamentos doutrinais de Maia Costa (na 3ª edição revista do “Código de Processo Penal Comentado”, págs. 796-798), de Germano Marques da Silva (em “Curso de Processo Penal”, 2ª edição, vol. II, pág. 250) e de Leal Henriques e Simas Santos (em “Código de processo Penal Anotado”, vol. 1, 3ª edição, pág. 1270):
A aplicação de qualquer uma das medidas de coacção e, em especial da medida de coacção de prisão preventiva, é sempre regida pelos seguintes princípios:
. O princípio da necessidade ou exigibilidade significa que só através da aplicação daquela concreta medida de coação, e não outra menos gravosa para o arguido, se consegue assegurar as exigências cautelares do caso concreto;
. O princípio da adequação significa que é necessário haver uma correspondência entre os interesses cautelares a tutelar no caso concreto e a concreta medida de coação imposta ou a impor no caso concreto, como sendo a mais idónea;
. O princípio da proporcionalidade significa que deve ser escolhida e aplicada aquela medida de coação por ser a que melhor garante tais exigências cautelares na justa medida, isto é, sem ser excessiva porque proporcional à gravidade do crime e às respectivas sanções previsivelmente aplicáveis.
Desta forma, o legislador pretendeu que, perante cada caso concreto, se encontre sempre um ponto de equilíbrio entre dois direitos em confronto [o direito à liberdade individual e o direito da realização da justiça penal], pois só assim se garante o respeito pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade e se impede o livre arbítrio.
Aliás, todas estas garantias emanam do princípio jurídico constitucional da presunção de inocência (consagrado no art.º 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), configurando uma compressão deste mesmo princípio jus-constitucional e justificada pela realização da justiça penal.
Quer isto dizer que o constitucional princípio da presunção de inocência não obsta à aplicação de medidas de coacção, pois é a própria CRP que prevê (no seu art.º 28º, nºs 2 e 3) a possibilidade de aplicação de prisão preventiva e de outras medidas de coação, privativas ou não da liberdade.
Simplesmente, a realização da justiça penal só legitima a aplicação de uma medida de coação concreta se a medida de coação que a antecede [no sobredito elenco ou escala de gravidade crescente] já não assegurar o visado fim cautelar.

Ora, é precisamente por isso que, no caso em apreço, se nos afigura que a única medida de coação ajustada é a prisão preventiva.
Não se justificaria sequer a medida de coacção imediatamente menos gravosa, isto é, a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, em detrimento da prisão preventiva a que está sujeito o arguido recorrente.
A este propósito, não podemos deixar de salientar que – contrariamente ao entendimento do arguido recorrente – o princípio da presunção de inocência tão somente impõe que qualquer limitação à liberdade do arguido, antes do trânsito em julgado de condenação, tenha uma natureza excecional.
Mas, não impede a aplicação da medida de coação mais gravosa ou mais limitadora dessa liberdade, se e quando esta (prisão preventiva) seja (para além do termo de identidade e residência) a única medida de coação necessária adequada, proporcional e ajustada perante a gravidade dos indiciados crimes e respectiva sanção e perante os concretos e reais perigos indiciados.

Pois, perante o caso em apreço [em que há fortes indícios de que o arguido recorrente, em co-autoria com mais arguidos e na forma consumada, praticou um crime de tráfico de estupefacientes agravado e um crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes, previstos e puníveis nos art.º 21º, nº 1, 24º, al. c) e 28º, nº 2, do D.L. nº 15/93, de 22-1, e, também, está suficientemente indiciado quer o perigo de fuga deste arguido recorrente, quer o perigo de continuação dessa mesma actividade criminosa por parte do arguido recorrente, quer o perigo de perturbação do inquérito por parte do arguido], a medida de coação de obrigação de permanência do arguido na habitação, mesmo que com vigilância electrónica através da vulgarmente designada “pulseira electrónica” (ainda que não antecipadamente consentida por este para essa fiscalização) não seria proporcional à gravidade daqueles crimes e à respectiva sanção, nem seria suficientemente idónea para acautelar aqueles perigos concretos e reais e sairiam comprometidas as necessidades de natureza cautelar, ínsitas às finalidades do processo penal e da justiça penal no caso concreto.
Pois a vigilância electrónica (da obrigação de permanência do arguido na habitação), através da aludida pulseira electrónica, teria como única função dar a conhecer uma, eventual e concreta, violação de permanência na habitação por parte do arguido.
Mas, nem sequer teria a virtualidade de monitorizar o que sucede com o arguido dentro da residência e, muito menos, de impedi-lo da inutilização desse meio de vigilância com imediata fuga.
Mesmo que o arguido se mantivesse confinado a uma residência, tal não o impediria de repetir comportamentos de tráfico de estupefacientes, nomeadamente, não teria a virtualidade de impedir os contactos e transações com fornecedores e clientes de droga e de colaborar com a indiciada associação criminosa para o tráfico de estupefacientes. Nomeadamente, fazendo uso do telemóvel, da internet, das redes sociais e/ou de familiares e/ou de terceiros, poderia diligenciar pela importação, transporte, venda e/ou distribuição de produtos estupefacientes e até diligenciar para que alguém lhos trouxesse a casa para guardar e/ou os poder vender a quem o contatasse e se deslocasse, por si ou por interposta pessoa, à habitação.
E assim tem sido entendido pelos Tribunais da Relação, sendo de assinalar os seguintes constantes de www.dgsi.pt: o acórdão desta Relação de Lisboa de 11/6/2019 proferido no processo 1534/17.3T9TVD-A.L1-5 e de 17/6/2020 proferido no processo 130/18.2SWLB-A; os acórdãos da Relação de Coimbra de 2/3/2015 proferido no processo 6/15.5GASRTC.C1 e de 7/10/2009 proferido no processo 14/09.5GAOVR-A.C1; o acórdão da Relação do Porto de 9.6.2010 no processo 3/10.7SFPRT-A.P1; o acórdão da Relação de Évora de 31/1/2012 no processo 8/11.0TESTB-B.E1; e o acórdão da Relação de Guimarães de 8/9/2008 no processo 1853/08-1.
Cremos assim que, no caso concreto, aplicar a medida de coação de permanência na habitação mediante vigilância eletrónica não surtiria qualquer efeito útil, nomeadamente em termos de impedir a continuação da atividade de tráfico.
As condutas que integram o crime de tráfico de estupefacientes constituem criminalidade altamente organizada, que urge combater e que o arguido poderia continuar a praticar a partir da residência, pois a implementação dos meios de vigilância eletrónica, por motivos óbvios, não tem a virtualidade de impedir que o arguido pratique condutas que integram essa actividade de tráfico de estupefacientes.
Em face de tudo o exposto, atenta a gravidade dos indiciados ilícitos, da respectiva sanção aplicável e dos indiciados perigos que urge acautelar, é manifesto que (cumulativamente ao termo de identidade e residência) a medida de coação de prisão preventiva é a única que respeita todos os princípios acima expostos.
Pelo que, sem necessidade de outras considerações, não tendo sido violada nenhuma das normas legais e/ou constitucionais invocadas pelo arguido recorrente, nenhuma censura merece a decisão recorrida, que se confirma, sendo manifesta a improcedência do presente recurso.

Decisão          
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A, mantendo-se o despacho recorrido, devendo o arguido continuar a aguardar os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coação de prisão preventiva.
Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (art.º 513º, nº 1, do CPP e art.º 8º, nº 9, do RCP e Tabela III anexa a este último diploma).
Notifique.
Comunique-se de imediato ao tribunal a quo a presente decisão, remetendo cópia da mesma.
D.n.
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(Texto elaborado pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)

Lisboa, 9 de março de 2023 
Paula de Sousa Novais Penha
Carlos da Cunha Coutinho
Raquel Correia de Lima