Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
969/21.1T8VFX-B.L1-3
Relator: ISABEL CRISTINA GAIO FERREIRA DE CASTRO
Descritores: MEDIDA TUTELAR EDUCATIVA
REVISÃO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
AGRAVAMENTO DA MEDIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– O despacho de revisão de medida tutelar educativa que refere a medida tutelar aplicada ao menor, a qualificação penal dos factos praticados e respetiva moldura abstrata, a súmula do teor do relatório remetido pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais – do qual foram os sujeitos processuais, nomeadamente o menor e seus progenitores, notificados para se pronunciarem, nos termos prescritos no artigo 137º, n.º 7, da Lei Tutelar Educativa [LTE], nada tendo vindo dizer –, aludindo aos factos aí mencionados, numa remissão implícita para tal peça processual, efetuando um juízo valorativo próprio da avaliação de tais factos que foi feita por aquela entidade e, bem assim, sobre a adequação da proposta pela mesma apresentada – de substituição da medida aplicada pela de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo período de seis meses –, indicando o normativo legal em que se ancora [artigo 138º, n.º 2, al. d), da LTE], respeita o dever geral de fundamentação, em termos fácticos e jurídicos, dos atos decisórios jurisdicionais e, como tal, não padece de irregularidade.

II– Através das medidas tutelares educativas intervém o Estado perante comportamentos disruptivos por parte de jovens que, tendo já alguma maturidade intelectual e emocional, não atingiram ainda a idade a partir da qual respondem criminalmente, face ao disposto no artigo 16º do Código Penal, carecendo, porém, de serem advertidos do desvalor de tais comportamentos e de serem educados para a necessidade de se absterem de os empreenderem e repetirem e, ao invés, de adotarem condutas consentâneas com os valores axiológico normativos vigentes. Sendo a educação para a vida normativa em sociedade uma tarefa que é habitualmente desempenhada pelas famílias, a ingerência do sistema de justiça é tão mais premente e intrusiva quanto maior for o défice de supervisão parental e familiar, havendo, em regra, uma correlação direta e proporcional entre ambos os vetores.

III– Vigorando neste domínio o princípio da legalidade ou da tipicidade, as medidas tutelares são as taxativamente elencadas nas als. a) a i) do artigo 4º da LTE, perfilando-se, essencialmente, duas categorias: as institucionais – internamento em centro educativo [em regime aberto, semiaberto ou fechado] – e as não institucionais, devendo privilegiar-se estas em detrimento daquelas, sempre que se mostrem idóneas a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a sua aplicação, maxime, a socialização do menor, tendo em perspetiva, na sua determinação concreta, os critérios estabelecidos nos artigos 6º e 7º daquele diploma.


(Sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO


1.–No âmbito do processo n.º 969/21.1T8VFX-B, do Juízo de Família e Menores de Vila Franca de Xira - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, por despacho proferido em 31.01.2023, foi decidido, ao abrigo do disposto no artigo 138º, n.º 2, al. d), da LTE, substituir a medida de Acompanhamento Educativo aplicada a FMS, com os demais sinais identificativos dos autos, pela medida de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo período de 6 (seis) meses.
2.–Inconformado com tal decisão, dela veio JC, progenitor de FMS, interpor recurso, apresentando, para o efeito, após a respetiva motivação, as seguintes conclusões e petitório [transcrição[1]]:
«1.-Questão Prévia da Tempestividade do Recurso Interposto na presente data 15 de Fevereiro de 2023.
2.-Descendo ao caso em apreço, a sentença foi notificada apenas ao requerido, por carta registada em 7 de Fevereiro de 2023.
3.-Este considera-se notificado no terceiro dia útil posterior ao registo, ou seja, 10 de Fevereiro de 2023.
4.-Dispõe de prazo de 5 dias para interpor recurso, ou seja, até à presente data – 15 de Fevereiro de 2023.
5.-Face ao exposto, e como facilmente se alcança, o recurso agora interposto é absolutamente tempestivo.

6.–DA NULIDADE DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA:
7.-Entende o recorrente que na decisão recorrida não são indicados os fundamentos concretos de facto e de direito, pelo quais se altera a medida, e não se lançou mão a outras medidas menos gravosas. Nomeadamente as medidas, previstas no art.º 57º da LTE:
8.-Estabelece o art.º 615º n.º 1 al. b) que a decisão é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direitos, que justificam a decisão. – NULIDADE QUE DESDE JÁ SE ARGUIU E REQUER PARA OS DEVIDOS EFEITOS LEGAIS.
9.-Efetivamente, a decisão recorrida que aplicou a medida tutelar de internamento em Centro Tutelar Educativo em regime semiaberto, e embora não consubstancie a primeira decisão de aplicação de uma medida tutelar a favor do Jovem nos presentes autos.
10.-É a primeira decisão que aplica uma medida de internamento em centro tutelar educativo.
11.-Tratando-se de uma decisão de aplicação de uma medida, ainda que, a título de revisão, como se procede à alteração e substituição por medida mais gravosa, deveriam ter sido indicados, os concretos fundamentos pelos quais não se lançou mão à aplicação de qualquer outra medida.
12.-Não contendo a decisão impugnada a enumeração dos factos em que se fundava, a mesma não pode deixar de ser considerada NULA.
13.-Aliás, a decisão recorrida não indica qualquer facto concreto pelo qual se procede à revisão, limitando-se a referir que a medida aplicada tem vindo a ser incumprida.
14.-Não mencionando, o motivo pelo qual não aplicou qualquer outra medida, nomeadamente junto do Pai recentemente libertado.
15.-Limitando-se a decisão a matéria conclusiva, remetendo para os factos mencionados no relatório de 22 de Novembro, contudo, não se elencando quais, nem descrevendo os mesmos em circunstâncias de tempo, modo e lugar.
16.-Não referindo, sequer em suma o teor do mesmo, mas apenas concluindo que o mesmo termina com a proposta de aplicação de medida de internamento em centro tutelar educativo.
17.-Sendo que ao recorrente não foi facultada cópia do relatório, razão pela qual a decisão é até ininteligível, na medida em que não específica quais os factos concretos em que se baseia para concluir que o Menor incumpriu a medida aplicada.
18.-Como facilmente se alcança, também, não se encontra enunciado um único facto pelo qual não foi aplicada qualquer outra medida, mas apenas matéria meramente conclusiva.
19.-Face ao exposto, é nula a decisão que aplique uma medida cautelar de internamento em Centro Educativo, em regime semiaberto, sem conter os factos em que se fundamenta, como sucede na decisão recorrida.
20.-Mais acresce que não é também dado qualquer fundamento, para a não aplicação de internamento em instituição.
21.-Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […]
22.-Crucial é a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento.
23.-Com o devido respeito, não pode este Alto Tribunal da Relação de Lisboa, reconhecer à decisão recorrida tais requisitos de clareza e precisão na indicação da matéria de facto não provada, para lá da omissão de fundamentação dessa decisão, pelo que enferma de nulidade, nos termos do art.º 615º, nº1 b e 684º, nº2, do Código de Processo Civil e, como tal, não poderá manter-se, devendo o mesmo ser anulado.

24.–DA INADEQUAÇÃO DA MEDIDA APLICADA
25.-A Lei Tutelar Educativa aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001 e sucedeu à Organização Tutelar de Menores (na redacção do DL n.º 314/78, de 27 de Outubro) onde as medidas de promoção e protecção e as medidas “reeducativas” surgiam a par e se interligavam, como se retira da simples leitura do art.º 18.º da referida OTM.
26.-O art.º 1.º da Lei Tutelar Educativa (doravante designada LTE) prevê que a prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa em conformidade com as disposições da presente lei.
27.-E no art.º 2.º da mesma lei lê-se que as medidas tutelares educativas visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.
28.-O que nos parece, que não irá acontecer no interior de um Centro Tutelar Educativo.
29.-Cujos relatos que chegam ao exterior, é de que se tratam de locais onde impera enorme violência, sendo comum, ver esses jovens inclusivé com membros fraturados.
30.-Existindo inúmeras contendas no interior dos Centros, contendas extremamente violentas, entre jovens que ali se encontram e que não se ressocializam.
31.-Pelo contrário, muitos destes jovens acabam por ingressar nas prisões, ainda com tenra idade.
32.-Sendo que estes Centros Educativos, são muitas vezes apelidados de “Escolas de Crime”.
33.-Está, pois, em causa a educação do menor. Mas uma educação com um fim específico.
34.-A educação é um fenómeno social complexo, integrado por diversas dimensões e aspectos, visando a construção do futuro; em termos sociológicos define-se como toda a acção concertada dos adultos que visa adaptar a criança a uma determinada sociedade, assumindo e aceitando os valores culturais e característicos da sociedade em que está inserida.
35.-Nos presentes autos foi aplicada Medida tutelar de internamento em centro tutelar educativo sem que se tenham esgotado, todas as outras possibilidades.
36.-As medidas tutelares são, de acordo com a enumeração taxativa do art. 57.º da LTE, e por ordem crescente de gravidade, a entrega do menor aos pais, representante legal, pessoa que tenha a sua guarda de facto ou outra pessoa idónea, com imposição de obrigações ao menor — al. a) —, a guarda do menor em instituição pública ou privada — al. b) — e a guarda do menor em centro educativo — al. c). Estão pois consagrados o princípio da tipicidade e da legalidade.
37.-A aplicação de uma medida tutelar está sempre sujeita aos princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade, ligando-se directamente com as exigências preventivas ou processuais, sendo que segundo Anabela Rodrigues/Duarte Fonseca, in Comentário da Lei Tutelar Educativa, Coimbra Editora, 2003, (fls. 160), “a consideração das exigências preventivas releva para a aplicação de uma medida cautelar somente quando ligada à finalidade processual de restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa com a prática do facto”.
38.-Já as exigências processuais visam acautelar a averiguação da prática do facto e das necessidades educativas do menor.
39.-As medidas cautelares são sempre aplicadas pelo juiz — art.º 59.º, n.º 1, da LTE.
40.-Afinal uma medida cautelar de guarda em centro educativo tem que visar sempre a educação do menor para o direito sob pena de violação do art. 27.º, al. e), da CRP e, embora também prossiga exigências de paz pública, visa essencialmente a descoberta da verdade material e a educação do menor para o direito.
41.-O que entendemos, que na boa realidade não sucede efetivamente.
42.-Sendo muitos os casos de tremendo insucesso, em que os Jovens acabam de sair de Centros Tutelares Educativos, e dentro de pouco tempo ingressam em prisões.
43.-Dispõe o art.º 1.º, n.º 2, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, em consonância com o art.º 9.º do Código Penal (o qual dispõe que aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial), que é considerado jovem para efeitos do diploma em causa o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
44.-Estabelece o art. 4.º desse Decreto-Lei que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos arts. 72.º e 73.º do CPenal, atenta a versão actual, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem.
45.-Esperamos sinceramente que, em nome da coerência do sistema e da prossecução dos deveres do Estado em relação às crianças e jovens, se dê um novo fôlego aos fins de educação para o direito e de reinserção na comunidade e não se acentue a tónica de um “direito penal dos pequeninos”, no presente processo.
46.-Seria importante dar-lhe uma oportunidade.
47.-Desde logo este Jovem, viu o seu Pai ser recentemente libertado em Janeiro deste ano, o que acarretou mudanças a todo o agregado familiar.
48.-Sendo de dar a oportunidade, quer ao Menor quer ao Pai, que se encontrava afastado do agregado aquando dos factos e da elaboração do relatório, de demonstrarem que juntos são capazes.
49.-Sendo que o Pai, por via da situação de reclusão em que se encontrou, foi alheio a todo este processo.
50.-Os Pais deverão ser devidamente orientados por associação de apoio à família.
51.-E o Jovem deveria estar ainda sujeito à condição de frequentar alguma actividade, fosse esta desportiva ou cultural.
52.-Que lhe despertasse interesse e no fundo o “tirasse da rua”, que o ajude a ter novos horizontes e conhecer novas pessoas.
53.-Sujeitar o Menor a uma medida tutelar de internamento em Centro Educativo, não o fará ser conforme com a sociedade e o direito.
54.-Importa sim aplicar-lhe uma medida que em sociedade e junto da sua família consiga surtir um efeito ressoacializador.
55.-O recorrente, neste momento está a sentir o que é estar privado da liberdade, e concerteza irá dar-lhe um valor bem diferente.
56.-Importa trazer este Jovem para junto dos Pais, dar-lhe uma oferta escolar adequada, motivá-lo para praticar desporto, fazê-lo descobrir algo que goste e que o motive.
57.-E isto, jamais se conseguirá num Centro Tutelar educativo, o que poderá ainda vir a tornar-se um factor criminogéneo.
58.-Neste momento, o agregado com o regresso do Pai, tem a possibilidade de ir residir para o Entroncamento, um meio mais pequeno e menos citadino.
59.-Assim, a medida aplicada revela-se desadequada e desproporcional, podendo e devendo ser substituída pela - na pessoa do Pai - medida de entrega do menor aos Pais com imposição de obrigações e acompanhamento educativo.
60.-Devendo o presente recurso, SER JULGADO PROCEDENTE nos exatos termos supra expostos, devendo decidir a final, REVOGAR A MEDIDA TUTELAR DE INTERNAMENTO EM CENTRO TUTELAR EDUCATIVO EM REGIME SEMIABERTO, devendo tal medida de imediato alterada e substituída por outra que entregue o Menor à guarda do Pai com imposição de obrigações e acompanhamento educativo.

DAS NORMAS VIOLADAS:
  • Art.º 57º da LTE
  • Art.º 615º n.º 1 al. b)
  • Art.º 208º, nº1, da Constituição da República
  • Art.º 615º, nº1 b e 684º, nº2, do Código de Processo Civil
  • Art.º 18.º da referida OTM.
  • Art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa
  • Art.º 57.º da LTE
  • Art.º 205.º da CRP
  • Art.º 71.º, n.º 5, da LTE
  • Art.º 27.º, al. e), da CRP
Devendo o presente recurso, SER JULGADO PROCEDENTE nos exatos termos supra expostos, devendo decidir a final, REVOGAR A MEDIDA CAUTELAR DE INTERNAMENTO EM CENTRO TUTELAR EDUCATIVO
Para que, pela vossa douta palavra, se cumpra a consueta Justiça.»

3.–A Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando as conclusões que infra se transcrevem:
«1ª-A notificação ao progenitor do despacho recorrido foi elaborada no dia 6 de Fevereiro de 2023.
2ª-Contudo, conforme consulta no site dos CTT, essa notificação apenas foi entregue nos correios no dia seguinte, ou seja, no dia 7.
3ª-De acordo com o artº 113º, nº 2 do C.P.P. (aplicável in casu ex vi do artº 128º, nº 1 da Lei Tutelar Educativa), quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, devendo a cominação aplicável constar do ato de notificação.
4ª-Assim sendo e tendo em conta que o prazo de recurso é de 5 dias, em conformidade com o disposto no artº 121º da LTE, conclui-se que o presente recurso foi tempestivamente interposto.
5ª-Alega o recorrente que a decisão recorrida é nula, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, al. b) do C.P.C., por falta de fundamentação, e não conter os motivos da substituição da medida e bem assim da opção pela medida de internamento em centro educativo.
6ª-A decisão recorrida não se trata de uma sentença, mas sim de um despacho.
7ª-Em conformidade com o disposto no artº 128º, nº 1 da LTE, aos processos tutelares educativos aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código de Processo Penal, sendo que, nos termos do disposto no nº 2 daquele preceito legal, apenas nos casos omissos se observam as normas do processo civil que se harmonizem com o processo tutelar.
8ª-As eventuais nulidades ou irregularidades dos despachos são as que se encontram previstas no Código de Processo Penal, que contém normas a este propósito, e não as normas do Código de Processo Civil.
9ª-Conforme decorre do artº 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, os despachos têm de ser fundamentados de facto e de direito.
10ª-Essa exigência decorre também do disposto no artº 97º, nº 5 do C.P.P.
11ª-A falta de fundamentação dos despachos constitui uma mera irregularidade, nos termos do disposto no artº 123º do mesmo diploma legal, a qual tem de ser arguida no prazo de 3 dias.
12ª-Sucede que o recorrente não arguiu tempestivamente a irregularidade do despacho ora em causa, motivo pelo qual essa questão não deverá ser conhecida.
13ª-No entanto, sempre se dirá que, analisando a decisão recorrida, consideramos não se verificar qualquer irregularidade.
14ª-Com efeito, a decisão em causa mencionou os motivos pelos quais se determinou a substituição da medida tutelar aplicada ao FMS, remetendo para o relatório elaborado pela DGRSP.
15ª-O recorrente teve acesso ao relatório elaborado pela DGRSP previamente à prolação do despacho recorrido, tendo-lhe sido conferida a possibilidade de se pronunciar acerca do mesmo, o que não fez.
16ª-O recorrente alega que o tribunal a quo aplicou uma medida tutelar educativa inadequada, sem que antes tenha esgotado outras, mormente as indicadas no artº 57º da LTE.
17ª-O artº 57º da LTE refere-se às medidas cautelares, que, in casu, não foram aplicadas ao FMS, motivo pelo qual não se descortina a alusão a esta norma.
18ª-Acerca do critério de escolha das medidas, rege o artº 6º da LTE, segundo o qual na escolha da medida tutelar aplicável o tribunal dá preferência, de entre as que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja susceptível de obter a sua maior adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto.
19ª-O nº 3 do artº 6º da LTE prevê que a escolha da medida tutelar aplicável é orientada pelo interesse do menor.
20ª-O artº 2º da LTE prevê que as medidas tutelares educativas visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.
21ª-Tendo em conta as finalidades da aplicação das medidas tutelares educativas, qual seja a educação do jovem para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, dúvidas não restam de que, atentos os factos constantes no relatório elaborado pela DGRSP, a única medida adequada e suficiente é a medida de internamento em centro educativo.
22ª-Alega o recorrente que ao FMS deveria ser aplicada a entrega ao pai com imposição de obrigações, que constitui uma medida cautelar, conforme resulta do artº 57º, al. a) da LTE.
23ª-In casu e conforme resulta das disposições conjugadas dos artºs 56º a 66º da LTE, conclui-se não se poder aplicar ao FMS uma medida cautelar, uma vez que já foi proferida decisão, transitada em julgado, que lhe aplicou uma medida tutelar educativa.
24ª-Quanto à medida de acompanhamento educativo conclui-se, à saciedade, que não deverá ser mantida, por ter sido a medida inicialmente aplicada ao FMS e ostensivamente incumprida pelo mesmo, o que motivou a sua revisão.
25ª-O FMS sempre foi sujeito a uma educação excessivamente liberal, sem imposição de regras e limites, pelo que não se vislumbra que uma medida não institucional seja apta a educá-lo para o direito.
26ª-Os centros tutelares educativos são os locais onde é cumprida a medida de internamento (cfr. artº 17º, nº 1 da LTE).
27ª-A única medida adequada à situação do FMS é a medida tutelar de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, conforme foi decidido pelo tribunal a quo.
28ª-O presente recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se o despacho recorrido, o qual não violou nenhuma das normas indicadas pelo recorrente, nem qualquer outra.
Este o nosso entendimento.
V. Excelências, contudo, decidirão de JUSTIÇA!»

4.–Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
« (…)
O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou douta Resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela confirmação da decisão recorrida.
Examinados os fundamentos do recurso do progenitor do menor, consideramos que a Exmª Magistrada do Ministério Público na Resposta ao recurso que apresentou identificou correctamente as questões nele suscitadas, que tratou de forma bem fundamentada e argumentando com rigor jurídico, demonstrando a nosso ver a sem-razão do Recorrente.
Em reforço da posição do MºPº apenas nos permitimos acentuar que, tal como bem referido pela Magistrada do MºPº em 1ª instância, o Recorrente confunde as medidas cautelares previstas no artº 57 da LTE, a serem aplicadas a título preventivo e com os pressupostos referidos no artº 58 da LTE, com as medidas tutelares educativas previstas no artº 4º da LTE a serem aplicadas no final do inquérito – artº 89 e segs da LTE.
E podemos adiantar que o Recorrente labora em manifesta confusão entre o sistema tutelar educativo e o direito penal, ao considerar que os Centros Educativos são verdadeiras “escolas de crime”
Sucede, porém, que o sistema tutelar educativo e o direito penal não se confundem.
Não estamos, ao contrário do que alguns possam pensar, perante um “direito penal de menores”.
Com efeito, não podemos perder de vista que o sistema tutelar educativo visa a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (artigo 2.º, n.º 1 da LTE).
A medida tutelar educativa não visa, à semelhança do sistema penal, a punição do jovem, antes visando, tal como na Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo - ( doravante apenas LPCJP), a protecção do menor, mas numa vertente dupla, mais exigente – educação para o direito e protecção.
Na verdade, mais do que precaver e dirimir situações de perigo, protegendo, assim, o jovem, a medida tutelar educativa visa, essencialmente, incutir-lhe valores e padrões de conduta, educando-o para o sentido de dever-ser e para uma salutar vivência em comunidade que, neste momento, lhe é alheia.
Com efeito, a medida tutelar educativa avoca a si a necessidade de protecção do menor, consumindo o efeito útil visado pela aplicação de uma medida de promoção e protecção, já que a medida tutelar educativa, ao educar e formar para uma vida responsável em sociedade, necessariamente, protege.
Só que não podemos perder de vista que, quando necessário, a medida tutelar educativa protege num espaço com características contentoras, como sucede nos centros educativos, que não se equiparam aos estabelecimentos prisionais e com estes não se confundem.
O que acima de tudo se pretende é que este jovem, já um verdadeiro produto da “vivência de rua”, não seja a esta novamente devolvido, evitando-se, assim, que, possa, a curto prazo, cair nas teias do poder punitivo do Estado e na reacção criminal da sociedade.
Ora, a evolução da personalidade do jovem, bem como o quadro de relações positivas ou negativas que, doravante, estreitar, ou não, com a sua família, serão pelo Tribunal analisados e estudados através dos relatórios sociais a elaborar pela DGRSP, no âmbito do acompanhamento da execução da medida tutelar educativa que lhes incumbe efectuar – cfr artº 132 e 139, da LTE.
A sociedade e o Estado não podem temer e viver com a sombra do perigo adormecido, aguardando, de forma empedernida, que o mesmo renasça e irrompa na vida do jovem, posteriormente, o remediando através da via da promoção e da protecção, cuja aplicação se torna cada vez mais difícil á medida que o jovem vai crescendo.
É preciso, por isso, combater a ameaça do perigo e optar por uma via preventiva e de plena integração social do jovem, ao invés da assunção de uma postura, a posteriori, no sentido de aniquilar o perigo, posteriormente, instalado.
Essa intervenção educativa, formativa e, de certa forma, preventiva, do reaparecimento do perigo cabe á DGRSP assegurar, através do acompanhamento da execução da medida tutelar educativa.
Acresce que “a vida nos centros educativos deve, tanto quanto possível, ter por referência a vida social comum, minimizando os efeitos negativos que o internamento possa implicar para o menor e seus familiares, favorecendo os vínculos sociais, o contacto com familiares e amigos, bem como a participação de entidades públicas ou particulares no projecto educativo e de reinserção social” (artigo 159.º, n.º 2 da LTE).
De igual modo, incumbe á DGRSP traçar para cada menor, a título individual, um projecto educativo pessoal, no prazo de trinta dias após a sua admissão no Centro Educativo, com especial enfoque não só para as necessidades educativas e de acompanhamento psicológico, como objectivos a assegurar na reinserção social do jovem (artigo 164.º da LTE).
Dúvidas, por isso, não subsistem de que, como diz a Exmª Magistrada do MºPº em 1ª instância, e resulta da própria LTE, a medida tutelar educativa é orientada pelo interesse do menor e, no caso em apreço, a medida de internamento em centro educativo afigura-se, neste momento, como a mais adequada aos interesses do jovem FMS.
Somos, por isso, de parecer que o presente recurso não merece provimento.»

5.–Foi cumprido o estatuído no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

6.–Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
*

II.–FUNDAMENTAÇÃO

1.–De acordo com o preceituado n artigo 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 128º, n.º 1, da Lei Tutelar Educativa [doravante, designada LTE] aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14.09, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões – deduzidas por artigos –, já que é nelas que o recorrente sintetiza as razões – expostas na motivação – da sua discordância com a decisão recorrida.
Contudo, o tribunal de recurso está, ainda, obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afetem o recorrente, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do mesmo diploma, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito [cfr. Acórdão do Plenário das Secções do STJ n.º 7/95, de 19.10.1995, e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2005, de 20.10.2005[2]].
O objeto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior são, assim, definidos e delimitados pelas referidas questões, umas, suscitadas pelo recorrente, e, outras, de conhecimento oficioso[3].

Tendo em perspetiva as conclusões formuladas pelo recorrente, e não se vislumbrando quaisquer nulidades, nem (outros) vícios, de conhecimento oficioso, as questões a decidir reconduzem-se, essencialmente, às seguintes:
- Vício de falta de fundamentação;
- (In)adequação da medida tutelar aplicada.

2.–Incidências processuais relevantes para a apreciação das sobreditas questões:
- Em 09.06.2023, em sede de audiência prévia, foi proferida a seguinte sentença:
«Considerando a concordância de todos os intervenientes e a sua legitimidade, homologo a proposta do Ministério Público, que se mostra adequada e proporcional aos factos em apreço e, em consequência, aplico a FMS a medida tutelar educativa de Acompanhamento Educativo, prevista no artigo 4º, nº1, alínea h) e 16º, ambos da Lei Tutelar Educativa, pelo período de um ano, como forma de interiorizar as consequências das suas condutas, com vista a que não se repitam, bem como a adquirir hábitos de trabalho, sentido de responsabilidade e se preparar para gerir, com qualidade e dignidade, a sua vida futura.
Atenta a idade do jovem, custas a cargo dos progenitores.
Notifique e deposite.
Comunique-se à D.G.R.S.P.
Após trânsito remeta boletins.»

Em 28.09.2022, foi junto aos autos o projeto educativo pessoal referente a FMS, elaborado pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em 22.09.2022, para homologação judicial, nos termos do artigo 16º, n.º 3, da LTE.
Por despacho de 19.10.2022, foi homologado o aludido projeto educativo pessoal.
Em 22.11.2022 foi remetido aos autos relatório para revisão de medida tutelar de acompanhamento educativo, nos termos do artigo 136º, n.º 1, da LTE, donde consta, além do mais, a seguinte:

«2.–Contextualização das alterações verificadas

FMS integra o agregado de origem constituído pela mãe (38 anos, desempregada) e três irmãos germanos (Jorge de 22 anos, desempregado, Miguel de 17 anos, desempregado, e Maiara, de 10 anos de idade, estudante). Há referência a mais um irmão (Bruno, de 20 anos), no presente a residir na zona do Entroncamento. O pai do jovem encontra-se a cumprir pena efetiva de prisão no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, há cerca de 3 anos.
De referir que tanto o irmão Bruno como o irmão Miguel têm contactos com o sistema de justiça, atualmente com medidas aplicadas.
O agregado reside num apartamento camarário T4, situado num bairro social com associação a problemáticas de marginalidade e exclusão social, motivo pelo qual tanto o jovem como a mãe afirmaram não se identificarem com os outros moradores. Neste contexto, o jovem tem adotado igualmente comportamentos de autonomia disfuncional, gerindo de forma independente o seu quotidiano, sem uma supervisão parental adequada por parte dos adultos e privilegiando a companhia de um grupo de jovens com rotinas semelhantes.
A dinâmica familiar foi caracterizada pela progenitora como pautada por uma boa qualidade relacional, com sentimentos de afetividade e pertença do jovem à família. FMS tem crescido num contexto de total permissividade em termos educacionais, onde beneficia de uma liberdade excessiva e onde não só são praticamente inexistentes regras e limites definidos, como a progenitora reforça e desvaloriza as atitudes do jovem, identificando-as como sendo devido às atitudes racistas dos outros relativamente aos ciganos. Assim, o jovem está sujeito a práticas parentais inadequadas, sem monitorização das suas rotinas.
Desde o início do acompanhamento e no seguimento do acompanhamento de outras medidas (medida de imposição de obrigações e três medidas de acompanhamento educativo) o jovem apresentou uma atitude de fraca colaboração face à medida aplicada, de contestação face às questões colocadas e de contestação e revolta pelo facto de estar constantemente a ser convocado para entrevistas na DGRSP.
Da articulação efetuada com a técnica do Núcleo de Infância e Juventude (NIJ) de Vila Franca de Xira, fomos informados de que, relativamente ao processo de promoção e proteção, tendo em conta (1) não se terem verificado quaisquer alterações e/ou permeabilidade à intervenção por parte do jovem e da progenitora, e (2) a existência do presente processo tutelar educativo, foi considerada ineficaz a sua continuidade pelo que foi proposta a cessação do mesmo e o consequente arquivamento.
No que concerne ao percurso escolar, este tem-se vindo a pautar pela baixa adesão ao sistema de ensino. De acordo com a informação prestada pela diretora de turma, FMS encontra-se a frequentar a turma (…) do 6ºano na Escola Básica (…) e desde o início do ano letivo apresentou uma assiduidade muito irregular e comportamentos desajustados que punham constantemente em causa o bem-estar físico e emocional dos seus pares. Não respeitou colegas, professores ou assistentes operacionais e provocou situações de tensão dentro do recinto escolar.
O jovem tem revelado uma atitude crescente de desrespeito, desafio e provocação da autoridade do professor e dos restantes membros da comunidade educativa.
No ano letivo passado foi alvo de várias participações disciplinares tendo-lhe sido aplicada a medida disciplinar corretiva de três dias de suspensão das atividades letivas por agressões físicas a um colega e já no terceiro período foi novamente sancionado pelos seus comportamentos agressivos com uma suspensão de 7 dias por ofensas e ameaças ao Coordenador da escola, entre outras.
No presente ano letivo, que teve início em 16 de setembro, FMS apresenta o mesmo registo de comportamentos, tendo já averbado um total de cinco participações de ocorrência por parte de colegas e funcionários. Durante os intervalos, aquando de alguma situação de conflito verbal ou físico entre alunos, o jovem intromete-se e fomenta a violência entre colegas. Também reage de forma autoritária e ameaçadora quando algum colega olha para si ou para quem o acompanha, também da mesma etnia, arranjando logo justificação para despoletar situações de violência. Quando é chamado à atenção pelos auxiliares, reage de forma agressiva e ameaçadora, levanta o tom de voz e bate com violência no equipamento que o rodeia (portas, cacifos e demais material escolar).
Em contexto de sala de aula é um aluno que demonstra falta de atenção/concentração, total desinteresse pelas atividades escolares e ausência de hábitos e métodos de trabalho e de estudo. Não é participativo nas aulas, não expõe as suas dúvidas, desiste facilmente quando não é capaz de fazer algo e não regista nada no caderno diário, para além de estar constantemente a manobrar o telemóvel.
FMS intimida os seus colegas mais novos e os adultos, pois a sua postura altiva e sem receio das consequências leva a um mal-estar na comunidade educativa.

3.–Avaliação

Face ao exposto, atendendo ao incumprimento reiterado ou grosseiro dos deveres estabelecidos, assim como à manifesta falta de adesão do jovem às obrigações a que está vinculado, somos de parecer de que deixaram de estar reunidas as condições necessárias e suficientes para a continuidade da execução da medida de acompanhamento educativo aplicada, pelo que propomos a revisão desta medida.
Os anteriores contactos com o sistema de justiça, bem como a instauração dos presentes autos, não tiveram qualquer impacto na atitude do jovem, que mesmo perante a DGRSP assumiu uma postura provocatória e de desafio, sem preocupação com as consequências das suas atitudes.
Assim, e salvo melhor opinião, em nosso entender o jovem carece de integração num contexto contentor, afigurando-se-nos como ajustada à sua situação a medida de internamento em centro educativo, nos termos do art.138.º, n.2, d), da LTE, caso estejam preenchidos os requisitos aí definidos para este internamento.»
Por despacho de 12.12.2022, foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 137º, n.º 7, da LTE, isto é, que se notificasse o FMS e os seus progenitores para, querendo, se pronunciarem acerca da proposta constante do aludido relatório, o que foi feito, nada tendo aqueles aduzido.
Em 31.01.2023, foi proferido o seguinte despacho [recorrido]:
«Nos presentes autos foi aplicada ao jovem FMS a medida tutelar de Acompanhamento Educativo (artº 4º, nº 1, al. h) e 16 ambos da LTE) pelo período de um ano, pela prática de factos qualificados pela lei penal como um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 143º, nº 1 e 145º, nºs 1 e 2, al. a), com referência ao artº 132º, nº 2, al. l) do Código Penal, punível com pena de prisão até quatro anos.
No relatório elaborado pela DGRSP vem esta entidade sugerir que se proceda à revisão desta medida, uma vez que o FMS não tem cumprido os deveres estabelecidos, manifestando falta de adesão às obrigações a que está vinculado, afigurando-se ser de lhe aplicar a medida de internamento em centro educativo.
Tendo em conta os factos mencionados no relatório enviado pela DGRSP no dia 22.11.2022 é por demais evidente que a medida tutelar educativa aplicada ao FMS tem de ser revista.
Na verdade, o jovem não tem cumprido os deveres estabelecidos, manifestando falta de adesão às obrigações a que está vinculado, motivo pelo qual se conclui que a medida tutelar educativa que lhe foi aplicada não está a surtir o efeito pretendido.
Assim sendo, e por concordar com a proposta da DGRSP, ao abrigo do disposto no artº 138º, nº 2, al. d) da LTE, procedo à substituição da medida de Acompanhamento Educativo aplicada ao FMS, pela medida de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo período de 6 meses.
D.N..»

3.–Apreciação do recurso

O recorrente começa por se insurgir contra o despacho recorrido em virtude de este, na sua ótica, não se encontrar devidamente fundamentado, nem de facto nem de direito. Alega, em síntese, que o despacho não contém os factos em que se funda, nomeadamente os que determinaram a decisão de revisão, limitando-se a referir que a medida aplicada tem vindo a ser incumprida, não mencionado, ademais, o motivo pelo qual não foi aplicada qualquer outra medida, nomeadamente junto do próprio [recorrente], recentemente libertado; a decisão apenas contém matéria conclusiva, remetendo para os factos mencionados no relatório de 22 de novembro, não referindo, sequer, o teor do mesmo, termina com a proposta de aplicação de medida de internamento em centro titular educativo, sendo que nem sequer lhe foi facultada cópia do relatório, razão pela qual a decisão é, até, ininteligível. Conclui, por isso, que o despacho recorrido enferma de nulidade, nos termos dos artigos 615º, n.º 1, al. b), e 684º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Convém, antes de mais, clarificar que a LTE apenas prevê, no seu artigo 111º, a nulidade da decisão final [proferida na sequência da audiência], nomeadamente nos casos em que não contenha as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 110º, que contempla os requisitos da mesma, em termos muito similares aos estabelecidos para a sentença penal pelo artigo 374º do Código de Processo Penal.
Ora, estabelece o artigo 128º da LTE que aos processos tutelares educativos se aplicam subsidiariamente as disposições do Código de Processo Penal [n.º 1] e, apenas, nos casos omissos se observam as normas do processo civil que se harmonizem com o processo tutelar [n.º 2].
Assim sendo, as eventuais nulidades ou irregularidades das demais decisões proferidas nos processos tutelares educativos são as que se encontram previstas no Código de Processo Penal, que contém normas próprias a este respeito, e não as normas do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal que “[o]s atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”, em concretização do comando geral contido no artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “[a]s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Esclarece o n.º 1 do artigo 97º que “[o]s atos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a)-Sentenças, quando conhecerem a final do objeto do processo;
b)-Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior”.

É, pois, inquestionável que, quer se trate de sentenças, quer de despachos [interlocutórios ou finais], os atos decisórios dos juízes têm que conter os respetivos motivos, de facto e de direito.

No caso vertente, o ato decisório em causa configura um despacho de revisão da medida tutelar educativa, proferido após a decisão final que aplicou a medida que estava em execução. Apenas em casos pontuais está prevista a nulidade de despachos, de que é exemplo o despacho de aplicação de medida de coação, com exceção do termo de identidade e residência, a lei também comina de nulidade quando não contenha todos os elementos ali discriminados [cfr. artigo 194º, n.º 6, do Código de Processo Penal].

Em face do exposto, conclui-se que a alegada falta de fundamentação do despacho recorrido não configura uma nulidade, sanável ou insanável, uma vez que não se encontra elencada nos artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, nem é expressamente cominada como tal em qualquer outra disposição legal.

Com efeito, atento o princípio da tipicidade ou da legalidade consagrado em matéria de nulidades no artigo 118º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a violação ou infração das leis de processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”, dispondo o n.º 2 que “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular”.

Significa isto que só constituem nulidades as expressamente previstas na lei como tal, ficando submetidas ao regime previsto nos artigos 119º a 122º do Código de Processo Penal, sendo os demais casos de violação ou inobservância das normas processuais meras irregularidades, sujeitas ao regime previsto no artigo 123º do mesmo código, que assim dispõe:
“1-Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado.
2-Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado.”

Nesta conformidade, conclui-se que nem todas as irregularidades merecem tutela legal, sendo unicamente relevantes para o efeito aquelas que possam afetar o ato praticado.
Por seu turno, o regime regra da declaração da irregularidade é o de que esta seja feita a requerimento do interessado, nos estritos termos e prazos previstos na lei, ficando sanada se não for tempestivamente arguida.
A arguição da irregularidade está, porém, sujeita ao apertado regime de tempestividade previsto no n.º 1 do citado artigo 123º do Código de Processo Penal: assistindo o interessado à prática do ato a que se refere a irregularidade, terá de a invocar no próprio ato; se a irregularidade se reportar a ato a que o interessado não assista – como sucede no caso em apreço, uma vez que o despacho recorrido foi proferido por escrito nos autos e posteriormente notificado aos sujeitos processuais –, aquele dispõe do prazo de três dias após o conhecimento efetivo ou presumido da prática da irregularidade que, na segunda hipótese, poderá ser extraído da notificação para qualquer termo do processo ou da intervenção no primeiro ato que tenha lugar após a ação ou omissão e em que ele se aperceba da mesma.
Caso a irregularidade não seja arguida nos sobreditos moldes, o ato produzirá todos os seus efeitos jurídicos como se fosse perfeito.
No caso vertente, foi expedido ofício para notificação via postal do recorrente, que deve considerar-se notificado do teor do despacho recorrido em 10.02.2023 [cfr. artigo 113º, n.º 2, do Código de Processo Penal], como convergem, aliás, quer aquele, quer o Ministério Público, que nesse sentido se pronunciaram a respeito da contagem do prazo para interposição do recurso.
Contudo, o recorrente não invocou a irregularidade do despacho perante o tribunal que o proferiu, no prazo de três dias após essa notificação, como se impunha que fizesse, antes tendo optado por interpor o presente recurso em 15.02.2023, invocando, antes, o vício de nulidade nos moldes supra assinalados.
Ora, salvo os casos de nulidade da sentença, que são suscetíveis de, por si só, serem fundamento de recurso (artigo 379º, n.º 2, do Código de Processo Penal), todas as demais nulidades e, também, as irregularidades devem ser previamente suscitadas perante o tribunal que as cometeu, que as apreciará em primeira instância, só havendo recurso da decisão que delas conhecer [neste sentido, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.05.2016[4]].
Não tendo assim procedido, não pode agora o recorrente, em sede de recurso, vir pedir a revogação do despacho com fundamento em vício de falta de fundamentação do mesmo, sobre a qual não há qualquer decisão do tribunal de primeira instância.
No entanto, o n.º 2 do citado artigo 123º prevê uma válvula de escape, admitindo a declaração e reparação oficiosa de irregularidades que possam afetar o valor do ato praticado, obviamente limitadas pelo campo de proteção da norma que deixou de observar-se.
Assim, se a norma se destina a proteger unicamente interesses de determinado interveniente/sujeito processual e este não se tiver prevalecido da faculdade de invocar o vício, a irregularidade fica definitivamente sanada, não sendo possível declará-la oficiosamente.
Porém, se estiver em causa norma ordenadora ou que tenha subjacente a concretização de valores inerentes a um Estado de Direito material, já a irregularidade pode ser declarada oficiosamente sem qualquer restrição.
Conforme refere Maia Gonçalves, apesar de as irregularidades serem consideradas em geral vícios de menor gravidade do que as nulidades, a grande variedade de casos que na prática se podem deparar impõe que se não exclua a priori a possibilidade de ao julgador se apresentarem irregularidades de muita gravidade, mesmo suscetíveis de afetar direitos fundamentais dos sujeitos processuais[5].
Daí a grande margem de apreciação que se confere ao julgador, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 123º, que vai desde considerar a irregularidade inócua e inoperante, até à invalidade do ato inquinado pela irregularidade e dos atos subsequentes que possa afetar, passando pela reparação oficiosa da irregularidade.
Trata-se de questões a decidir pontualmente pelo julgador, com muita ponderação pelos interesses em equação, maxime as premências de celeridade e de economia processual e os direitos dos interessados.
Conforme resulta do anteriormente exposto, no caso em apreço a irregularidade traduzir-se-á na alegada falta de fundamentação do despacho recorrido.
Assim sendo, cumpre aquilatar se tal irregularidade foi efetivamente cometida e, em caso afirmativo, se é de molde a justificar a sua reparação oficiosa.
É inquestionável que a fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do direito processual e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extra processual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinam a decisão; em outra perspetiva (intra processual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos – para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007[6]].

Outrossim se afigura de meridiana clareza que o ónus de fundamentação não se impõe em todos os casos da mesma maneira. Defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros[7] que a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão, perspetivada nas vertentes endo processual e extra processual.
Com efeito, embora seja sempre exigível um substrato mínimo de enquadramento factual e jurídico, o dever de fundamentação de um despacho não reveste a mesma complexidade e grau de exigência que o de uma sentença. Ademais, o dever de fundamentação também variará consoante o tipo de despacho – interlocutório ou final –, se decide a questão pela primeira vez no processo ou se se reconduz a mera reapreciação do antes decidido, a fase do processo; se, em consequência do cumprimento do princípio do contraditório, há dialética argumentativa a apreciar, a maior ou menor controvérsia da questão de facto e/ou de direito a decidir, a natureza, mais ou menos, nuclear dos direitos, liberdades e garantias dos afetados envolvidos e o maior ou menor grau de compressão dos mesmos pela decisão, enfim, uma multiplicidade de fatores que relevam para aferir do grau de profundidade da fundamentação exigível.
Ocorre que, não raras vezes, motivada por compreensíveis e desejáveis razões de economia e celeridade processual, a fundamentação da decisão judicial é efetuada por remissão para peças processuais, elaboradas pelos diversos intervenientes processuais, e/ou documentos que constam dos autos, da autoria de diversas entidades.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre a conformidade da fundamentação de determinadas por simples remissão, nomeadamente para o conteúdo de promoções do Ministério Público, à luz dos princípios constitucionais da fundamentação e da reserva de juiz, consagrados, respetivamente, nos artigos 205º, n.º 1, e 32º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, concluindo pela inexistência de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual tal forma de fundamentação pode ser adotada[8].
Também os Tribunais da Relação têm entendido que a fundamentação por remissão cumpre o dever imposto no referido normativo e é admissível [neste sentido, veja-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.09.2017 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.10.2020[9]].

Na verdade, o direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, implica que se conciliem o princípio da fundamentação das decisões judiciais com o princípio da economia e celeridade processuais, que pressupõe decisões em tempo útil, sobretudo quando se trata de processos de natureza urgente.
Assim, ainda que não corresponda à técnica de fundamentação ideal, a remissão para peças processuais, documentos e/ou atos decisórios que constem dos autos permite conciliar os referidos interesses em equação.
Contudo, o recurso a técnica remissiva não dispensa o juízo valorativo próprio e exclusivo do juiz na apreciação dos factos, dos meios de prova e do enquadramento jurídico que aqueles merecem. A fundamentação deve deixar transparecer a apreciação autónoma levada a cabo pelo juiz, circunstanciada e respaldada nos elementos constantes dos autos, ainda que por remissão para os mesmos.
No caso em apreço, importa, desde logo, ter em consideração que o despacho recorrido limita-se a proceder à revisão da medida tutelar aplicada, na sequência do relatório para o efeito enviado pela entidade competente, a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em face do violação, por parte do menor, de modo grosseiro ou persistente, dos deveres inerentes ao cumprimento da medida, em conformidade com o previsto no artigo 136º, n.º 1, al f), e 137º, n.º 1, ambos da LTE.
Tal relatório contém uma descrição circunstanciada e minuciosa dos factos que o motivaram e a indicação clara da proposta de aplicação ao menor da medida tutelar de internamento em centro educativo, nos termos do artigo 138º, n.º 2, al. d), da LTE.
Ao invés do alegado, foram os sujeitos processuais, nomeadamente o menor e seus progenitores, incluindo o ora recorrente, notificados para se pronunciarem sobre o aludido relatório, nos termos prescritos no n.º 7 do artigo 137º, nada tendo vindo dizer. Ou seja, cumprido o contraditório, nem foram impugnados os factos ali narrados, nem deduzida oposição à proposta de aplicação de medida tutelar mais gravosa, nem foi questionada a base legal em que assentava tal substituição.
Como decorrência, não havia dialética argumentativa a apreciar ou tensão entre os sujeitos processuais a dirimir – à semelhança do que sucedeu aquando da aplicação inicial da medida tutelar de acompanhamento educativo, homologada na sequência da concordância de todos os intervenientes processuais –, o que justifica menor profundidade de fundamentação.
Não obstante, no despacho recorrido não deixou o Ex.mo Juiz a quo de referir a medida tutelar aplicada ao menor, a qualificação penal dos factos praticados e respetiva moldura abstrata, a súmula do teor do relatório remetido pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, aludindo aos factos aí mencionados, numa remissão implícita para tal peça processual, efetuando um juízo valorativo próprio da avaliação de tais factos efetuada por aquela entidade e, bem assim, sobre a adequação da proposta pela mesma efetuada de substituição da medida aplicada pela de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo período de seis meses, indicando o normativo em que se ancora [artigo 138º, n.º 2, al. d), da LTE] .
Assim sendo, afigura-se-nos que o despacho cuja irregularidade foi arguida encontra-se devidamente fundamentado, em termos fácticos e jurídicos.
Improcede, assim, a primeira questão suscitada pelo recorrente.
Mais sustenta o recorrente que a medida aplicada se revela desadequada e desproporcional e que deveria antes ter sido aplicada uma medida menos gravosa de entre as previstas no artigo 57º da LTE.
Ora, cumpre, antes de mais, esclarecer que não foi aplicada, nem está em causa, qualquer medida cautelar, mas antes medida tutelar educativa.
As medidas cautelares, previstas no artigo 57º, são aplicadas a título preventivo na fase de inquérito do processo e obedecem aos pressupostos previstos no artigo 58º.
Por seu lado, as medidas cautelares são as elencadas no artigo 4º e são aplicadas na fase jurisdicional, quando, findo o inquérito, o processo deva prosseguir para aquela fase, em conformidade com o preceituado no artigo 89º e seguintes, e se conclua pela necessidade da sua aplicação. Com efeito, como decorre do artigo 92º, a fase jurisdicional, presidida pelo juiz e enformada pelo princípio do contraditório, compreende: a)-a comprovação judicial dos factos; b)-a avaliação da necessidade de aplicação de medida tutelar; c)-a determinação da medida tutelar; d)-a execução da medida tutelar.
Trata-se, pois, de medidas distintas, em termos adjetivos e substantivos.
Efetuado o enquadramento precedente, foquemos a nossa atenção nas medidas tutelares educativas.

Estabelece o artigo 1º da LTE que “[a] prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa em conformidade com as disposições da presente lei”.
De acordo com o estatuído no artigo 2º, as medidas tutelares educativas visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, sendo as causas que excluem ou diminuem a ilicitude ou a culpa consideradas para a avaliação da necessidade e da espécie de medida.
Através das medidas tutelares educativas intervém o Estado perante comportamentos disruptivos por parte de jovens que, tendo já alguma maturidade intelectual e emocional, não atingiram ainda a idade a partir da qual respondem criminalmente, face ao disposto no artigo 16º do Código Penal, carecendo, porém, de serem advertidos do desvalor de tais comportamentos  e de serem educados para a necessidade de se absterem de os empreenderem e repetirem e, ao invés, de adotarem condutas consentâneas com os valores axiológico normativos vigentes. Sendo a educação para a vida normativa em sociedade uma tarefa que é habitualmente desempenhada pelas famílias, a ingerência do sistema de justiça é tão mais premente e intrusiva quanto maior for o défice de supervisão parental e familiar, havendo, em regra, uma correlação direta e proporcional entre ambos os vetores.
Sendo variável o grau de intervenção necessária consoante o caso, e privilegiando-se o princípio basilar da intervenção mínima do Estado, indispensável à consecução do assinalado objetivo, o artigo 4º discrimina o leque de medidas tutelares educativas aplicáveis, que assumem contornos variados visando dar resposta a uma multiplicidade de situações que as reclamam.
Vigorando também neste domínio o princípio da legalidade ou da tipicidade, as medidas tutelares são as taxativamente elencadas nas als. a) a i) do artigo 4º: a)-a admoestação; b)-a privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir ciclomotores; c)-a reparação ao ofendido; d)-a realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade; e)-a imposição de regras de conduta; f)-a imposição de obrigações; g)-a frequência de programas formativos; h) o acompanhamento educativo; i)-o internamento em centro educativo.
Perfilam-se, essencialmente, duas categorias: a institucional – internamento em centro educativo [em regime aberto, semiaberto ou fechado] – e as restantes, de natureza não institucional.

Sobre o critério de escolha das medidas dispõe o artigo 6º que “o tribunal dá preferência, de entre as que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja suscetível de obter a sua maior adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto” [n.º 1] e “é orientada pelo interesse do menor”.

Visando a intervenção tutelar e as medidas tutelares educativas a educação do menor para o direito, que permitirá a sua integração social e a interiorização do desvalor das condutas desviantes, aquelas devem ser proporcionais “à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do mesmo facto e subsistente no momento da decisão” [cfr. artigo 7º da Lei Tutelar Educativa].
O tribunal deve, em face do leque de medidas aplicáveis, escolher a que realize de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a aplicação, ou seja, a socialização do menor.
Como decorre da própria hierarquia estabelecida no artigo 4º, a lei atribui clara preferência pela medida não institucional relativamente à institucional, pois a medida de internamento é a que representa maior intervenção na autonomia de decisão e condução de vida do menor.
Na aplicação das medidas tutelares deverão observar-se os princípios da legalidade ou tipicidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

O acórdão Tribunal da Relação do Porto de 22.05.2013[10] contém uma síntese impressiva da arquitetura das medidas tutelares educativas no respetivo sumário, que aqui transcrevemos:
«I-A intervenção tutelar educativa do Estado relativamente aos jovens justifica-se quando se tenha manifestado uma situação desviante que tome clara a rutura com elementos nucleares da ordem jurídica, legitimando-se o Estado para educar o jovem para o direito, mesmo contra a vontade de quem está investido das responsabilidades parentais.
II-São pressupostos da intervenção tutelar educativa: A existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais traduzido na prática de um facto considerado por lei como crime; A exigência ao jovem do dever de respeito pelas disposições jurídico- penais essenciais à normalidade da vida em comunidade, conformando a sua personalidade de forma socialmente responsável - necessidade de ser educado para o direito; A idade mínima de 12 anos, fazendo coincidir o início da puberdade com o limiar da maturidade requerida para a compreensão do sentido da intervenção tutelar educativa.
III-E é ainda necessário que a necessidade de correção subsista no momento da decisão.
IV-Tal como acontece com as penas, exclui-se qualquer finalidade retributiva: as medidas tutelares não são um castigo, uma expiação ou compensação do mal do crime (punitur quia peccatum est), mas visam garantir que o desenvolvimento do menor ocorra de forma harmoniosa e socialmente integrada e responsável, tendo como referência o dever-ser jurídico consubstanciado nos valores juridicamente tutelados pela lei penal, enquanto valores mínimos e essenciais da convivência social
V-À semelhança do que sucede no processo penal, em que a tarefa primeira do juiz é a escolha da pena a aplicar, também no processo tutelar deve o julgador começar por ponderar e decidir qual a medida tutelar mais adequada, a que melhor serve o interesse do menor, dando-se preferência àquela que realize de forma adequada e suficiente a finalidade subjacente à sua aplicação, isto é, a socialização do menor.
VI-Na determinação da dosimetria concreta da medida a aplicar importa observar os critérios de proporcionalidade e necessidade de correção da personalidade do menor manifestada na prática do facto e que subsista no momento da decisão.
VII-Na fixação da duração da medida concretamente aplicada, o tribunal deve ter em conta a gravidade do facto cometido, a necessidade de correção da personalidade do menor, manifestada na prática do facto, e a atualidade dessa necessidade de correção.
VIII-O Tribunal deve dar preferência, de entre as medidas que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do jovem e que seja suscetível de obter a sua maior adesão e a adesão dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto.
IX-A escolha da medida tutelar aplicável é orientada pelo interesse do jovem (balizado pela proteção dos seus direitos fundamentais, assim se exigindo a observância no âmbito do processo tutelar educativo dos princípios da legalidade, tipicidade, oficialidade, obtenção da verdade material, contraditório, livre apreciação da prova e celeridade processual).
X-A medida, sempre de duração determinada, deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do jovem para o direito, manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão.»
Considerando o que vimos aduzindo, na situação dos autos, considerando as concretas circunstâncias do caso, ressalta à vista a adequação da medida tutelar aplicada no despacho recorrido.
Com efeito, conforme supra se consignou, resulta, em síntese, do relatório elaborado pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais:
-O FMS residia com a mãe e com 3 irmãos, sendo que, à data, o pai se encontrava a cumprir pena de prisão no E.P. de Alcoentre, contudo, aquele adotava comportamentos de autonomia disfuncional, gerindo de forma independente o seu quotidiano, sem uma supervisão parental adequada por parte dos adultos e privilegiando a companhia de um grupo de jovens com rotinas semelhantes;
-O FMS tem crescido num contexto de total permissividade em termos educacionais, no qual tem uma liberdade excessiva, são praticamente inexistentes regras e limites definidos, sendo que a progenitora reforça e desvaloriza as atitudes do jovem, identificando-as como sendo devidas às atitudes racistas dos outros relativamente aos ciganos, tendo dois dos irmãos contactos com o sistema de justiça, atualmente com medidas aplicadas;
-Desde o início do acompanhamento e no seguimento do acompanhamento de outras medidas tutelares aplicadas ao FMS (medida de imposição de obrigações e 3 medidas de acompanhamento educativo), este apresentou uma atitude de fraca colaboração, de contestação face às questões colocadas e de contestação e revolta pelo facto de estar constantemente a ser convocado para entrevistas na Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais;
-No que concerne ao percurso escolar, tem vindo a pautar-se pela baixa adesão ao sistema de ensino, estando matriculado no 6º ano de escolaridade na Escola Básica (…) . No entanto, desde o início do ano letivo apresentou uma assiduidade muito irregular e comportamentos desadequados que punham em causa o bem estar físico e emocional dos seus pares. Não respeitou colegas, professores ou assistentes operacionais e provocou situações de tensão dentro do recinto escolar. Tem revelado uma atitude crescente de desrespeito, desafio e provocação da autoridade do professor e dos restantes membros da comunidade educativa, sendo que no ano letivo passado foi-lhe aplicada a medida disciplinar corretiva de 3 dias de suspensão das atividades letivas por agressões físicas a um colega, e 7 dias de suspensão por ofensa e ameaça ao Coordenador da Escola, entre outras. No presente ano letivo, apresenta o mesmo registo de comportamentos, tendo já averbadas 5 participações de ocorrências por parte de colegas e de funcionários. Nos intervalos, aquando alguma situação de conflito verbal ou físico entre alunos, intromete-se e fomenta a violência entre os colegas. Reage de forma autoritária e ameaçadora quando algum colega olha para si ou para quem o acompanha, arranjando justificações para despoletar situações de violência. Quando é chamado à atenção pelos auxiliares, reage de forma agressiva e ameaçadora, levanta o tom de voz e bate com violência no equipamento que o rodeia (portas, cacifos e demais material escolar). Em contexto de sala de aula demonstra falta de atenção e de concentração, total desinteresse pelas atividades escolares e ausência de hábitos e métodos de trabalho e de estudo; não participa nas aulas, não expõe as suas dúvidas, para além de estar constantemente a mexer no telemóvel.
Em face do recorte factual transcrito, é evidente que o FMS tem violado, de modo grosseiro e persistente, os deveres inerentes ao cumprimento da medida tutelar de acompanhamento educativo a que estava sujeito, o que legitima a revisão da medida, face ao preceituado no artigo 136º, n.º 1, al. f), da LTE.
Atentos os concretos contornos da atuação do menor e do seu contexto familiar acima descritos e a circunstância de já ter sido alvo de medida de imposição de obrigações e três medidas de acompanhamento educativo é por demais evidente que as medidas não institucionais não se mostram adequadas a educá-lo para respeitar os mais elementares da vida em sociedade, nomeadamente o respeito pela integridade física e psíquica dos que o rodeiam.
Como decorrência, impunha-se substituir a medida tutelar aplicada pela de internamento em centro educativo, a única que se perfila como adequada e suficiente para alcançar as finalidades visadas – educação para o direito e a inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade –, em conformidade com o disposto no artigo 138º, n.º 2, al. d), da LTE.
Improcede, pois, em absoluto a pretensão recursiva do recorrente, que sustenta que o FMS deveria ser-lhe entregue, com imposição de obrigações, e acompanhamento educativo.
Ora, a entrega aos pais com imposição de obrigações configura uma medida cautelar, prevista no artigo 57º, al. a), da LTE, apenas aplicável na fase de inquérito, e não na fase jurisdicional em que nos encontramos, como supra esclarecemos.
No que respeita à medida tutelar de acompanhamento educativo, já explicitámos as razões pelas quais se revelou inidónea e determinou a sua substituição pela mais gravosa, de internamento em centro educativo, que se prendem com o seu reiterado incumprimento que motivou a revisão.
A demais argumentação do recorrente, de que deveria dar-se uma oportunidade ao FMS para, junto dos seus pais, ser motivado a descobrir algo que goste e que os centros tutelares educativos constituem “escolas do crime” também não pode obter acolhimento.
Foram dadas sucessivas oportunidades, ao FMS e respetiva família, para que este aprendesse a trilhar o caminho em direção a uma vivência conforme aos valores jurídicos que imperam num estado de direito democrático. Todavia, sempre teve uma educação excessivamente liberal, sem imposição de regras e limites, imprescindíveis numa fase de formação da personalidade e de consolidação dos valores ético jurídicos, sendo manifesta a incapacidade dos pais de o educarem para uma vida conforme ao Direito, do que é, aliás, sintomática a circunstância de outros dois irmãos estarem também sujeitos a medidas tutelares.
Não se vislumbrando outra medida tutelar não institucional que seja apta a alcançar tal desiderato, terá que se optar pela medida institucional. Esta executa-se em ambiente mais contentor e controlado, com imposição de regras e limites, mas, apesar de mais limitativa da liberdade do menor, em nada se assemelha a um estabelecimento prisional, tanto mais que se optou pelo regime semiaberto.
Na verdade, os centros tutelares educativos são os locais onde é cumprida a medida de internamento, que “visa proporcionar ao jovem, por via de afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável” (cfr. artigo 17º, n.º 1, da LTE).
Estabelece o artigo 159º, nos seus n.ºs 1 e 2, que “[a] atividade dos centros educativos está subordinada ao princípio de que o menor internado é sujeito de direitos e deveres e de que mantém todos os direitos pessoais e sociais cujo exercício não seja incompatível com a execução da medida aplicada” e que “[a] vida nos centros educativos deve, tanto quanto possível, ter por referência a vida social comum e minimizar os efeitos negativos que o internamento possa implicar para o menor e seus familiares, favorecendo os vínculos sociais, o contacto com familiares e amigos e a colaboração e participação das entidades públicas ou particulares no processo educativo e de reinserção social”, estando os moldes de execução da medida de internamento em regime semiaberto definidos no artigo 168º.
Cada centro educativo dispõe de projeto de intervenção educativo próprio que deve permitir a programação faseada e progressiva da intervenção, diferenciando os objetivos a realizar em cada fase e o respetivo sistema de reforços positivos e negativos, dentro dos limites fixados pelo regulamento geral e de harmonia com o regulamento interno [artigo 162º] e para cada menor é elaborado um projeto educativo pessoal, no prazo de 30 dias após a sua admissão, tendo em conta o regime e duração da medida, bem como as suas particulares motivações, necessidades educativas e de reinserção social, devendo especificar os objetivos a alcançar durante o tratamento, sua duração, fases, prazos e meios de realização, nomeadamente os necessários ao acompanhamento psicológico, por forma a que o menor possa facilmente aperceber-se da sua evolução e que o centro possa avaliá-lo [artigo 164º, n.ºs 1 e 2].
A evolução do processo educativo do menor é monitorizada pelo tribunal, com base nos relatórios de execução da medida remetidos pelo diretor nos moldes previstos no artigo 154º da LTE.
Por conseguinte, dúvidas não subsistem de que, em face das circunstâncias do caso, se impunha substituir a medida tutelar de acompanhamento e que a medida de internamento em centro educativo em regime semiaberto é a única que se mostra adequada e proporcionada.
Não, foi, pois, violado qualquer dos normativos invocados pelo recorrente, nomeadamente o artigo 18º da OTM, diploma há muito revogado, improcedendo totalmente a pretensão recursiva do recorrente.
*

III.– DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto nos autos pelo progenitor do menor, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça na quantia correspondente a 3 (três) unidades de conta [artigos 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma].
*

(Elaborado pela relatora e revisto pelos signatários, sendo assinado eletronicamente pela relatora e pela 2.ª adjunta e manualmente pelo 1.º adjunto – artigo 94º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal)
*



Lisboa, 24 de maio de 2023


Isabel Gaio Ferreira de Castro
[Assinatura eletrónica certificada no canto superior esquerdo da 1.ª página]

Rui Gonçalves

Maria Elisa Marques
[Assinatura eletrónica certificada no canto superior esquerdo da 1.ª página]



[1]Todas as transcrições a seguir efetuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correção de erros ou lapsos de escrita manifestos e a alteração, nalguns casos, da ortografia utilizada e da formatação do texto, da responsabilidade da relatora.
[2]Publicados no Diário da República, I.ª Série - A, de 19.10.1995 e 28.12.1995, respetivamente.
[3]Vide Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061
[4]Disponível em http//www.dgsi.pt
[5]In Código de Processo Penal Anotado, 9ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 312
[6]Disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
[7]Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, págs. 72 e 73
[8]Cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 223/98, 189/99, 396/2003, 391/2015 e 684/15, acessíveis in http://www.tribunalconstitucional.pt
[9]Disponíveis para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
[10]Disponível para consulta no sítio da internet http://www.pgdlisboa.pt