Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1455/21.5YLPRT.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
ABUSO DE DIREITO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE A APELAÇÃO DA AUTORA E IMPROCEDENTE A DO RÉU
Sumário: 1- O conhecimento da impugnação da decisão de facto, no que respeita aos factos que não assumem qualquer relevo para a questão de direito a conhecer na sede recursiva, mais não se trata que da prática de acto inútil e, nessa medida, de acto que o tribunal de recurso está impedido de praticar, em observância do disposto no art.º 130º do Código de Processo Civil.
2- Os factos instrumentais não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
3- As restrições de circulação decretadas ao longo da pandemia de Covid-19 devem ser caracterizadas como eventos imprevistos que impediram a arrendatária de levar a cabo a sua actividade de exploração do alojamento local na fracção arrendada, por falta de clientes para tanto, durante o tempo dessas restrições.
4- Se a regra que emerge do nº 1 do art.º 437º do Código Civil tem carácter genérico e indeterminado, carecendo de ser interpretada de acordo com a especificidade revelada pelo caso concreto, e se a situação em que se integra o caso concreto (a ocorrência da pandemia de Covid-19 e suas consequências) demandou uma produção legislativa de carácter excepcional, qualquer norma daí emergente que preveja situação idêntica à do caso concreto sempre se há-de considerar como norma interpretativa daquela norma de carácter indeterminado, na medida em que densifica a mesma.
5- A aplicação do disposto no nº 1 do art.º 437º do Código Civil, interpretado com o auxílio do art.º 8º da Lei 4-C/2020, de 6/4, não permite a modificação do contrato de arrendamento no sentido da extinção da obrigação de pagamento da renda, enquanto duraram os impedimentos de exploração da actividade do alojamento local pela arrendatária, mas apenas o diferimento desse pagamento para momento posterior, em que a arrendatária já havia retomado a sua actividade por completo, já que só esta modificação é que assegura o respeito pela boa fé que deve enformar a execução do contrato.
6- Estando demonstrado que a conduta do senhorio sempre foi no sentido de assegurar a efectividade do seu direito de crédito, correspondente ao pagamento das rendas vencidas, mas sem que isso significasse necessariamente a manutenção do contrato de arrendamento, a conduta do mesmo subsequente à não assinatura de um aditamento ao contrato apresentado pelo arrendatário (onde se previa, para além do mais, a extinção da obrigação de pagamento de cinco rendas vencidas), requerendo a notificação judicial avulsa do arrendatário para lhe comunicar a resolução contratual por falta de pagamento de rendas, não integra o exercício abusivo desse direito à resolução.
7- Assiste ao senhorio o direito à resolução do contrato tanto no caso em que o arrendatário não pague uma renda na data do seu vencimento e se mantenha em mora com essa obrigação de pagamento da renda por três ou mais meses, como no caso em que se verifica o não pagamento de mais de quatro rendas, num período de doze meses, e a mora se mantém por mais de oito dias.
8- Em qualquer uma destas situações caduca o direito do senhorio à resolução no prazo de três meses contado do conhecimento da mora relevante, mas na segunda situação esse termo inicial do prazo de caducidade há-de corresponder ao decurso do referido prazo de doze meses em que ocorreu o não pagamento de mais de quatro rendas e em que a mora se prolonga por mais de oito dias.
9- Não carecendo a resolução do contrato por falta de pagamento das rendas de ser declarada judicialmente, já que opera pela comunicação do senhorio ao arrendatário, nos termos previstos no nº 2 do art.º 1084º do Código Civil, e resultando do art.º 1087º do Código Civil o momento em que a restituição do local arrendado é devida, ainda que diferidamente (um mês) em relação ao momento do fim do contrato, está-se perante um dos casos a que alude a al. a) do nº 2 do art.º 805º do Código Civil, quanto ao momento a considerar para a constituição em mora da obrigação de restituição, que releva para elevar ao dobro a indemnização devida pela ocupação do local arrendado após o fim do contrato, nos termos do nº 2 do art.º 1045º do Código Civil.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Clarisse B. (A.) apresentou contra P., Ld.ª (R.) procedimento especial de despejo, através de requerimento onde peticiona:
- O despejo da R. da fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito (…) em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., da freguesia de São Sebastião da Pedreira, e inscrito na matriz sob o art.º ... da freguesia de Avenidas Novas;
- O pagamento das rendas vencidas e não pagas, bem como o pagamento da indemnização devida pelo atraso na entrega do locado, ambas acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das rendas até ao seu efectivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, que em 21/10/2019 celebrou com a R. um contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma em questão e que a R. não procedeu ao pagamento das rendas vencidas entre 1/4/2020 e 1/6/2021, motivo pelo qual, através de notificação judicial avulsa apresentada em juízo em 2/6/2021, resolveu o contrato, pedindo a entrega do locado, a par do pagamento das rendas em atraso. Mais alega que a R.  não entregou o locado nem pagou os montantes em dívida.
Notificada a R., apresentou oposição onde, em síntese, confirma a celebração do contrato de arrendamento e alega que destinou o locado à actividade do alojamento local destinado a turistas, mais alegando que em finais de Março de 2020 deixou de pagar as rendas, em razão da pandemia de Covid-19, pois que a sua actividade foi afectada pela inexistência de turistas, passando a apresentar prejuízos na sua actividade. Alega ainda que até ao momento em que recebeu a notificação judicial avulsa foram realizadas várias tentativas de negociação, que se revelaram infrutíferas, e invoca a ilicitude da resolução operada pela A., por alteração superveniente das circunstâncias, abuso do direito e caducidade do direito de acção, concluindo pela subsistência do contrato de arrendamento. Mais pede a condenação da A. como litigante de má fé, por ter usado indevida e abusivamente o procedimento especial de despejo.
Tendo os autos sido distribuídos como acção especial de despejo, a A. exerceu o contraditório quanto às excepções peremptórias suscitadas na oposição da R., bem como quanto ao incidente de litigância de má fé, concluindo pela improcedência daquelas e deste.
Após realização da audiência final foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Nestes termos, julga-se parcialmente procedente o presente procedimento especial de despejo e, em consequência decide-se:
a) Decretar o despejo da Ré (…) da fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano subordinado ao regime de propriedade horizontal, (…), condenando-se a mesma à entrega do locado, devoluto de bens;
b) Condenar a Ré (…) no pagamento da quantia de € 18.499,95 (dezoito mil quatrocentos e noventa e nove euros e noventa e cinco cêntimos) a título de rendas vencidas e não pagas respeitantes às rendas que se venceram desde Abril de 2020 até Junho de 2020 [rectificado para Junho de 2021, nos termos adiante referidos].
c) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Maio a Novembro de 2020 e Abril a Junho de 2021 condenar a Ré (…)  no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o seu vencimento até efectivo e integral pagamento;
d) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Abril de 2020, Dezembro de 2020 e Janeiro a Março de 2021 condenar a Ré (…) no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o dia 01/07/2021 até efectivo e integral pagamento;
e) Condenar a Ré (…) no pagamento de € 9.866,64 (nove mil oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) pela indemnização ao abrigo do artigo 1045.º do Código Civil
f) Condenar a Ré (…) a pagar à Autora mensalmente, a título de indemnização nos termos do artigo 1045.º do Código Civil, o valor da renda estipulada (€ 1.233,33), até ao momento da efectiva restituição e entrega do locado.
g) Absolver a Autora (…) como litigante de má-fé.
(…)
Custas pela Autora e Ré, na proporção do decaimento, fixado em 1% e 99% respectivamente.
Custas pelo incidente de litigância de má-fé pela Ré (…) no mínimo legal de 1 (uma) UC”.
A A. recorre desta sentença, com respeito às al. e) e f) do dispositivo respectivo, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem na íntegra:
1ª Vem o presente recurso interposto da decisão que, entre o mais, condenou a Ré (…) no pagamento de 9.866,64 € (nove mil, oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de indemnização devida à Autora por força do disposto do artigo 1.045º do Código Civil, (alínea e) da Decisão) e, outrossim, que, seguindo o entendimento que conduziu à predita condenação, condenou a Ré (…) a pagar à Autora, mensalmente, a título de indemnização nos termos do artigo 1.045º do Código Civil, o valor da renda estipulada (1.233,33 €), até ao momento da efectiva restituição e entrega do locado (alínea f) da mesma Decisão).
2ª Não obstante a questão fundamental que pretende submeter-se à cognição deste Tribunal Superior seja a da fixação do quantum indemnizatório devido à Autora em consequência do incumprimento culposo da Ré da obrigação de restituição do locado, impõe-se, contudo, tratar previamente da questão atinente à correcção do lapso material de que a sentença agora posta em crise padece, desta feita através da correcção do lapso material traduzido na inscrição do mês de Junho de 2020 no texto decisório vertido sob a alínea b), dele devendo passar a constar a indicação de Junho de 2021.
3ª Com efeito, a pronúncia quanto à condenação da Ré no pagamento de tais rendas foi vertida sob a alínea b) do segmento decisório que compõe a sentença proferida nos autos, sendo que, ao invés de ali se escrever que a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 18.499,95 € diz respeito às rendas vencidas e não pagas desde Abril de 2020 até Junho de 2021, conforme resulta da conjugação da factualidade dada como provada sob os pontos 5, 8 e 10 do correspondente acervo, se escreveu, por mero lapso como bem evidenciam os demais termos da mesma, que as rendas vencidas e não pagas seriam as de Abril de 2020 até Junho de 2020.
4ª O inconformismo da Autora circunscreve-se, como se referiu, à componente decisória vertida sob as alíneas e) e f) da decisão proferida pelo Tribunal a quo, desta feita quanto à concreta questão da indemnização devida à Autora a partir da data em que, validamente produzidos os efeitos da resolução contratual promovida através de notificação judicial avulsa, a Ré incumpriu culposamente a obrigação de restituir o locado.
5ª A questão que importa dilucidar é, pois, a da determinação do quantum indemnizatório que, por força do disposto no artigo 1.045º do Código Civil, se mostra devido na situação que constitui o objecto dos presentes autos.
6ª Nos termos do disposto no artigo 1.022º o contrato de arrendamento é o acordo mediante o qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição; do qual emergem, para cada uma delas, obrigações, de entre as quais avultam, para o senhorio, a de entregar a coisa e assegurar o gozo desta para os fins a que se destina prevista no artigo 1.031º e para o arrendatário, a de restituir a coisa locada findo o contrato prevista sob a alínea i) do artigo 1.038º.
7ª O nº 1 do artigo 1.081º preceitua que “A cessação do contrato torna imediatamente exigível (...) a desocupação do local e a sua entrega”, sendo que uma tal desocupação do locado, nos termos do artigo 1.087º “é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução (...)”.
8ª Os fundamentos de resolução em matéria de arrendamento de prédios urbanos encontram-se vertidos sob o artigo 1.083º, sendo que, tal como previsto no nº 2 do artigo 1.084º, no caso da resolução pelo senhorio fundada na causa prevista no nº 3 do dito artigo 1.083º aquela opera por comunicação à contraparte onde fundadamente se invoque a obrigação incumprida, isto é, os efeitos da resolução promovida pelo senhorio produzem-se no momento da comunicação feita ao arrendatário com observância da disciplina prevista no artigo 9º do NRAU.
9ª Em consequência da predita resolução extrajudicial do contrato, o arrendatário pode continuar a ocupá-lo, sem incorrer em mora quanto à obrigação de restituição do mesmo, durante o período previsto no artigo 1.087º - período de ocupação pelo qual será devido ao senhorio, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 1.045º, o valor correspondente ao da renda.
10ª Se, entretanto e decorrido que seja o período previsto no artigo 1.087º, o arrendatário não proceder à entrega voluntária do locado, antes mantendo a sua ocupação, mostra-se configurada uma situação de mora quanto à obrigação de restituição do locado, o que determina - atento o estatuído no nº 2 do mencionado artigo 1.045º - o vencimento de uma indemnização equivalente ao dobro do mês de renda.
11ª Quer a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quer a mais avalizada Doutrina doutamente produzida sobre a questão preconizam, sem hesitações, que a indemnização em valor correspondente ao dobro da renda contratualmente estabelecida prevista no nº 2 do artigo 1.045º se distingue da prevista no nº 1 em consequência de naquela se estar perante uma situação de mora culposa do arrendatário na restituição do locado, enquanto nesta se estabelece tão somente uma específica medida de compensação pecuniária, que afasta a necessidade de recurso às regras do enriquecimento sem causa.- Cfr. Acórdão do STJ de 12.06.2012, Revista nº 14/06.7TBCMG.G1.S1 – 6ª, www.stj.pt Sumários de Acórdãos; Acórdão TRL de 19.11.2020, Processo nº 5.508/20.9T8SNT-AL1-2, www.dgsi.pt e Maria Olinda Garcia in “Arrendamentos para Comércio e fins equiparados, Coimbra Editora, 2006, página 59.
12ª Da factualidade dada como provada sob os pontos 3, 5, 8 e 10 do correspondente elenco, extrai-se que, por meio de notificação judicial avulsa apresentada em juízo em 02.06.2021 e notificada em 29.06.2021, a Autora comunicou à Ré a resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, com produção imediata de efeitos.
13ª No momento da realização da notificação judicial avulsa, a Autora resolveu o contrato de arrendamento que havia celebrado com a Ré em 21 de Outubro de 2019, ficando esta obrigada - nos termos do preceituado no artigo 1.087º- a restituir-lhe o locado até 30.07.2021.
14ª Porque não restituiu o locado à A. até 30.07.2021 a Ré entrou, então, em mora no cumprimento da obrigação de restituição do locado.
15ª Em consequência do predito comportamento venceu-se: i) com referência ao período decorrido entre a data da extinção do contrato (29.06.2021) e a fixada nos termos do artigo 1.087º (30.07.2021) uma indemnização correspondente ao valor em singelo da renda fixada contratualmente (1.233,33 €); ii) a partir do momento da incursão em mora (30.07.2021), uma indemnização mensal equivalente ao dobro do mês de renda contratualmente convencionada (2.466,66 €).
16ª A liquidação realizada no âmbito do pedido de pagamento de rendas deduzido ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 15º do NRAU, que a Autora formulou cumulativamente com o PED com que se iniciaram os autos, considerou já uma tal contabilização no valor global de 7.399,98 €, realizada no quadro do artigo 1.045º.
17ª A decisão proferida pelo Tribunal a quo desconsiderou que em 30 de Julho de 2021 a Ré entrou em mora na obrigação de entregar à Autora a fracção autónoma cujo arrendamento se extinguira em 29.06.2021, e condenou aquela primeira a pagar a esta última uma indemnização, ao abrigo do artigo 1.045º do Código Civil, que no presente momento (leia-se na data de prolação da decisão, isto é, em 22.04.2022) se fixa em 8 meses, ou seja, € 9.866,64 €, sem prejuízo da sua condenação, nos mesmos termos, nos meses que se vencerem até efectiva desocupação e entrega do locado, assim o exarando, respectivamente sob as alíneas e) e f) do identificado ponto IX- Decisão da sentença.
18ª A operação aritmética que conduziu ao cálculo da indemnização no valor de 9.866,64 € resulta do produto dos 8 meses pelo valor mensal de 1.233,33 €, isto é, pelo valor equivalente à renda em singelo, o que, face aos argumentos que anteriormente se expenderam quanto ao quadro de aplicação do artigo 1.045º constitui ostensiva violação das normas que o integram.
19ª Diferentemente do decidido sob a alínea e) da sentença posta em crise e face ao estatuído nos nºs 1 e 2 do artigo 1.045º, pelos 8 meses de atraso na entrega do locado, a Ré (…) deveria ter sido condenada (naquela data de 22.04.2022) a pagar à Autora uma indemnização no valor de 18.499,95 €, resultante do somatório do valor de 1.233,33 € correspondente ao da renda em singelo com referência ao período de 29.06.2021 (a data de extinção do contrato) e 30.07.2021 (a fixada nos termos do artigo 1.087º); com o valor de 17.266,62 €, correspondente aos 7 meses decorridos desde a data de incursão em mora à razão mensal de 2.466,66 €, equivalente ao dobro do mês de renda contratualmente convencionada.
20ª Em consonância com o precedentemente exposto, deve a mesma Ré, e também diferentemente do decidido sob a alínea f) da sentença cuja apreciação ora se requer, ser condenada a pagar mensalmente à Autora, a título de indemnização nos termos do nº 2 do artigo 1.045º o valor de 2.466,66 €, equivalente ao dobro do mês de renda contratualmente convencionada, até ao momento da efectiva restituição e entrega do locado.
21ª Ao decidir com decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nas normas contidas sob os artigos 1.083º, nº 3; 1.084º, nº2; 1.081º, nº1; 1.087º e 1.045º, nºs 1 e 2 do Código Civil, razão pela qual deve a sentença posta em crise ser revogada quanto aos segmentos decisórios vertidos sob as suas alíneas e) e f), proferindo-se, em sua substituição, decisão conforme aos termos da alegação anteriormente desenvolvida.
Pela R. foi apresentada alegação de resposta, aí concordando com a verificação do lapso de escrita invocado pela A. e sua subsequente rectificação e, no mais, sustentando a improcedência do recurso da A.
A R. apresenta igualmente recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem na íntegra:
1ª Pelas razões que se expuseram a páginas 1 e 2 das anteriores alegações, deve ser alterada a redacção do Facto 8 da relação dos factos provados, de modo a que essa redacção passe a ser a seguinte:
“8. Até à data da presente sentença (22-4-2022), a Ré pagou as rendas que se venceram no dia 1 de cada um dos meses de Dezembro de 2021 e Janeiro, Fevereiro, Março, e Abril de 2022, respeitantes aos meses de Janeiro a Maio de 2022”.
2ª Pelas mesmas razões, deve aditar-se um novo facto, que, por razões de sistematização, pode ser o 7-A ou 8-A, com a seguinte redacção:
“Com a oposição, a R. juntou comprovativo do pagamento da caução, pelo valor de 7.399,98 €, correspondente a 6 rendas, nos termos do disposto no nº 3 do art. 15º-F do NRAU.”
3ª Não obstante a relevância do princípio da imediação e a vantagem que dele advém para o Tribunal de 1ª instância, perante quem a prova é produzida, caberá sempre ao Tribunal de segunda instância, ponderando a prova efectivamente produzida, concluir, atenta a sua própria convicção, se ocorreu um erro, por acção ou omissão (como sucede no caso dos presentes autos), na decisão de facto, justificando as alterações que lhe ocorrerem, utilizando para o efeito as regras da experiência comum e considerando critérios de probabilidade séria e de razoabilidade.
Pelas razões e fundamentos que se expuseram de páginas 3 a 6 das anteriores alegações,
4ª … devia e deve ser considerado como provado o seguinte facto, que, por razões de inserção sistemática, seria o facto 2.A:
“2.A.- A Ré apenas se tem dedicado à actividade do chamado ALOJAMENTO LOCAL, com base em imóveis por si tomados de arrendamento para o efeito, tendo-o feito, pelo menos desde 2019, nas cidades de Porto, Aveiro e Lisboa.”
5ª Com fundamento nos depoimentos das testemunhas ALEJANDRO O. e CLAUDIA D., cujos extractos parciais foram transcritos a páginas 7, 8 e 9 das anteriores alegações, deve também ser considerado adicionalmente provado um outro facto – a que, por razões de inserção sistemática no conjunto dos “Factos provados”, logo a seguir ao facto 14, devia ser atribuído o número 14.A. - com o seguinte teor:
“14.A.- Na sequência dos contactos a que se refere o facto anterior, a Ré chegou a acordo com todos os seus senhorios, à excepção da Autora, nuns casos obtendo o perdão de vários meses de renda e noutros pondo termo aos contratos de arrendamento.”
6ª O interesse desse facto é demonstrar a seriedade, o empenho, a confiança e a boa-fé que a Ré depositou na obtenção de um acordo de repartição dos efeitos e consequências da Covid-19 em relação ao contrato de arrendamento celebrado com a Autora, uma vez que o ter chegado a acordo com todos os seus restantes senhorios era um indicativo de que lhe assistia razão, de que acabaria também por fechar um acordo com esta sua senhoria e de que, portanto, estava certa em confiar na obtenção final desse acordo.
7ª Com fundamento nos depoimentos (nessa parte uma verdadeira confissão) da Autora, cujo extracto parcial foi transcrito de páginas 9/10 e seguintes das anteriores alegações, e da testemunha ALEJANDRO, também ali parcialmente transcrito, devem ainda ser considerados adicionalmente provados os dois seguintes factos – a que, por razões de inserção sistemática no conjunto dos “Factos provados”, logo a seguir ao facto 26, deviam ser atribuídos os números 26-A. e 26-B - :
26-A: Em Setembro de 2020, a Autora e a Ré chegaram entre si a um acordo mediante o qual terminariam o contrato de arrendamento e aquela daria a sua fracção de arrendamento a terceiros, através dos serviços de intermediação da própria R., acordo esse que não chegaram a concretizar.
26-B:“Em Outubro de 2020, a Autora, na sequência das negociações a que se referem os factos 15 a 26 e do acordo não concretizado a que se refere o facto 26-A, procurou o Dr Bruno S., advogado, mandatando-o para, em seu nome, continuar aquelas negociações”
8ª Com fundamento nos depoimentos da própria Autora e da testemunha ALEJANDRO (nas suas partes transcritas a páginas 10 e seguintes das anteriores alegações), deve também ser considerado adicionalmente provado um outro facto – a que, por razões de inserção sistemática no conjunto dos “Factos provados”, devia ser atribuído o número 33-A. - com o seguinte teor:
“O aditamento ao contrato de arrendamento referido no facto anterior é o que se mostra junto como doc. 7 da oposição”
9ª Ainda com fundamento nos mesmos depoimentos, devem também ser considerados adicionalmente provados dois outros factos – a que, por razões de inserção sistemática no conjunto dos “Factos provados”, deviam ser atribuídos os números 35-A e 35-B. - com o seguinte teor:
35-A
Após o referido nos factos 34 e 35, a Ré ficou a aguardar, quanto à assinatura do aditamento, a resposta prometida pelo advogado da Autora.
35-B
Surpreendentemente, a Autora, por decisão unilateral, inesperada e sem qualquer explicação, abandonou o seu referido advogado e as negociações conduzidas por intermédio deste e procedeu à resolução extrajudicial do contrato de arrendamento.
10ª Como corolário lógico do que se considera provado nos dois referidos factos 35‑A e 35-B, deve ser alterado o facto 36, passando a sua redacção a ser a seguinte:
36. Devido ao referido nos factos 35, 35-A e 35-B, as partes não subscreveram o aditamento ao contrato de arrendamento.
11ª Por constituir uma “ilação de facto” que deve ser extraída dos factos 35-A e 35‑B, estar implicitamente alegado no artº 59º da oposição, e ter sido expressamente confessado pela Autora nas suas declarações ao tribunal, transcritas a páginas 18 e seguintes das antecedentes alegações, deve também ser considerado adicionalmente provado um outro facto – a que, por razões de inserção sistemática no conjunto dos “Factos provados”, devia ser atribuído o número 36‑A. - com o seguinte teor:
36-A.- Entre o referido nos factos 35-A e 35-B e a notificação judicial a que se refere o facto 10 (de resolução do contrato de arrendamento), a Autora não mais contactou a Ré.
12ª Os referidos factos – 26-A, 26-B ….. - têm interesse, designada e particularmente, para, em conjunto com os demais factos provados, avaliar a questão do abuso do direito no modo como a Autora resolveu o contrato de arrendamento, já invocado na oposição.
Conforme melhor se expôs a páginas 22 e seguintes das antecedentes alegações,
13ª … a Mma Juiz foi induzida em erro na apreciação e no confronto que fez entre os depoimentos das testemunhas Cláudia D. e Rita N., na medida em que não notou que eram testemunhas com habilitações e funções diferentes, a falar de coisas diferentes, sendo, por isso, os seus depoimentos incomparáveis do ponto de vista do seu conteúdo, na medida em que falaram sobre realidades diferentes, ou seja (i) a Cláudia D. sobre as contas anuais da Ré, constantes dos documentos 2, 3 e 4 da oposição, e sobre os factos provados 11 a 13, e (ii) a Rita N. sobre os números das reservas da Ré e respectivas percentagens, com o cuidado, aliás, de esclarecer “que nada sabia de dinheiros”.
14ª Não sendo os seus depoimentos comparáveis nos seus conteúdo e substância, isso não quer dizer que, tendo falado sobre coisas diferentes, o depoimento de uma – a Rita – seja menos credível do que o da outra – a Cláudia -, como aliás resultará da sua audição.
15ª Com os fundamentos expostos de páginas 20 a 25 das anteriores alegações (nisso incluindo o teor das notas de rodapé e o depoimento da testemunha RITA N.), o teor dos Factos 53 deve ser alterado de modo a que passe a ser o seguinte:
53. Enquanto nos meses de Janeiro e Fevereiro do ano 2020, a actividade de alojamento da Ré representava cerca de 90% de ocupação dos seus apartamentos, nos restantes meses desse ano, em consequência da crise pandémica da Covid-19, essa actividade desceu extraordinariamente, tendo sido de 30% em Março, chegou aos 10% nos meses seguintes de Abril a Junho e, até ao final desse ano, nunca chegou a ultrapassar os 30%.
54. No ano de 2021, com excepção dos meses de Verão, a actividade da Ré manteve-se nos níveis referidos no facto anterior, também em consequência da crise pandémica da Covid-19.
16ª Extrai-se da conjugação dos nºs 1 e 2 do art.º 1085º do Código Civil que é de três meses o prazo de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento quando o fundamento de resolução seja o previsto no nº 3 do art.º 1083º, a contar do conhecimento, pelo senhorio, não da falta de pagamento da renda, mas do facto que serve de fundamento à resolução, sendo que esse facto-fundamento não é a simples falta de pagamento da renda que o senhorio fica, por regra, a conhecer na data do seu vencimento, mas o decurso de um prazo igual ou superior a três meses no pagamento da renda vencida, ou seja, três meses após o início da mora (falta de pagamento atempado da renda e o decurso posterior do referido prazo).
17ª Pretendendo a senhoria recorrer à via da resolução extrajudicial do contrato de arrendamento, o prazo de caducidade do direito de o fazer conta-se a partir do fim da mora de (três) meses no pagamento da renda.
18ª A resolução do contrato de arrendamento com fundamento em mora igual ou superior a três meses, previsto no nº 3 do art. 1083º do CC deve ser efectivada dentro do prazo de três meses a contar do conhecimento da completude desse período de mora, sob pena de caducidade do direito à resolução do contrato, sendo que cada uma das rendas vencidas tem, nesse caso, autonomia para a contagem do prazo de caducidade.
19ª De acordo com esse entendimento, no caso presente, tendo-se iniciado a falta de pagamento da renda em 1 de Abril de 2020 e continuado pelos meses subsequentes, a caducidade do direito de resolução ocorreu ao fim de três meses (nº 2 do art. 1085º) sobre os três meses de não pagamento (nº 3 do art. 1083º), ou seja, em Setembro de 2021.
20ª Passados esses três meses após a falta de pagamento de qualquer renda, o senhorio, neste caso a Autora, perdeu o direito à resolução, apenas podendo instaurar acção executiva para pagamento de rendas em dívida, ao abrigo do art.º 14º-A do NRAU.
21ª Após a verificação dessa caducidade, esta mantém-se enquanto se mantiver o não pagamento das rendas, não renascendo o direito à resolução com o não pagamento das rendas posteriores,
21ª -A.…sem que, como é sabido, essa caducidade exonere o arrendatário do pagamento das rendas ou impeça o senhorio de reclamar o seu pagamento, o que pode fazer a qualquer momento, designadamente pela via executiva ou injuntiva.
22ª Há abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium, quando uma pessoa, como a Autora, enquanto senhoria, ao longo de um longo processo negocial ou de conversações com outra, como a Ré, enquanto arrendatária, para chegar a acordo sobre o perdão ou não de parte das rendas em falta e o pagamento das restantes, não manifeste a intenção de ir praticar determinado acto ou exercer determinado direito – neste caso a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas que acolá estavam em vias de acordo, mostrando-se interessada e acordando mesmo noutra solução – o acordo -, incompatível com aquele acto e o exercício daquele direito, e, depois – em total contradição com a posição que vinha adoptando naquelas conversações -, pratique aquele acto ou exerça aquele direito, procedendo à resolução do contrato de arrendamento com fundamento, justamente, no não pagamento das rendas cujo perdão/pagamento acolá estava a ser discutido, fazendo-o, ainda por cima, sem, antes disso, fazer qualquer aviso ou advertência do que se propunha fazer e portanto de modo totalmente surpreendente para a arrendatária.
23ª Tendo a Autora, como senhoria da Ré, sido por esta contactada, logo em Março de 2020, no contexto das consequências da crise pandémica da Covid-19 para a actividade turística do alojamento local a que se dedicava e se destinava o contrato de arrendamento, no sentido de lhe perdoar algumas das rendas, e tendo embora a Autora, inicialmente, recusado esse perdão, mas tendo continuado as conversações entre ambas, na sequência das quais evoluindo para diversas soluções de acordo, admitindo como possível esse perdão ou até a rescisão amigável do contrato, e vindo mesmo, meses depois (em Outubro do mesmo ano) a contratar um advogado que passou a representá-la nessas negociações, e tendo este advogado, em nome dela, acordado com a arrendatária o perdão de 5 meses de renda a formalizar por aditamento contra cuja assinatura seriam pagas a totalidade das restantes rendas em falta, não podia a senhoria, abandonando inopinadamente esse advogado – só porque não lhe agradara o texto do aditamento (já que dele não constava o pagamento que o seu advogado tinha acordado que seria feito contra a assinatura daquele aditamento (cfr facto 32), o que a levou a desconfiar do seu próprio advogado) – e enquanto a Ré aguardava pela assinatura do aditamento para pagar o resto das rendas em falta, ir procurar outro advogado e por meio deste, de surpresa e sem aviso prévio, notificar judicialmente a arrendatária da resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas que eram o objecto daquelas negociações,
24ª … fazendo-o mesmo sem qualquer informação ou advertência prévia à Ré, sua arrendatária, entre o momento em que esta ficara a aguardar a resposta do advogado dela e o momento em que acabou por ser surpreendida com a referida notificação.
25ª Não tendo a Autora, alguma vez, durante as longas conversações de mais de um ano, avisado sequer a Ré de que era sua intenção resolver o contrato com fundamento no não pagamento das rendas em discussão, então, no contexto das conversações e sucessivos acordos, a que se referem não só os factos provados mas também a troca de e-mails junta aos autos, essa sua actuação, a resolver o contrato de arrendamento de surpresa e sem aviso prévio, foi frontalmente contraditória com o comportamento que vinha adoptando naquelas conversações e no qual a arrendatária confiou, como caminho para a solução por acordo que procuravam e chegaram até a alcançar por intermédio do advogado da Autora, aliás, com o acordo desta – acordo que ela só não concretizou, repete-se, por não ter gostado do texto do aditamento, já que dele não constava o pagamento das rendas em falta, que, segundo o acordo daquele seu advogado com a própria Ré, seria feito contra a assinatura daquele documento.
26ª A Autora, sendo em princípio livre de mudar de opinião e de conduta, certo é que, no circunstancialismo concreto de negociações que resulta dos factos provados e da longa troca de e-mails juntos aos autos, e até já com acordo final conseguido, ela, Autora, já não era livre de mudar de opinião e de conduta, e de recorrer à resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas, sem, pelo menos, interpelar previamente a Ré, dando-lhe a possibilidade de pagar as rendas em falta em prazo certo e razoável, com advertência de que, não o fazendo, iria resolver o contrato.
27ª Ocorre aqui, da parte da Autora, ao resolver inopinadamente o contrato de arrendamento, um comportamento contraditório com o comportamento por ela adoptado ao longo do percurso de negociações que o antecedera, durante o qual aceitou procurar um acordo com a Ré, no qual esta, manifestamente, confiara, e que até chegou a ser conseguido.
28ª Por mais longas que fossem as negociações (e admite-se que o foram), por mais cansada que a Autora estivesse (e admite-se que estivesse) e por mais falta que lhe estivesse a fazer o dinheiro das rendas (e admite-se que estivesse), não podendo ela duvidar da confiança (manifestamente) cega, da boa-fé e seriedade da Ré em relação aos contactos que vinham desenvolvendo, não podia agir como agiu, voltando as costas ao advogado que colocara a representá-la nas negociações com a Ré, e indo à falsa-fé, sem aviso nem uma só palavra, exercer o direito de resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas que tinham vindo a ser o tema e o objecto daquelas conversas, já que com isso traiu a confiança e a boa-fé da sua arrendatária.
29ª No contexto dos factos provados, nada tendo sido dito ou informado pela Autora à Ré, entre o dia 23 de Março de 2021, em que o seu mandatário informara a Ré que se encontrava a aguardar indicações daquela sua cliente com vista à assinatura do acordo (facto 35) e a notificação judicial avulsa de 29/6/2021 mediante a qual ela resolveu o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento de rendas, o certo é que, tendo com isso exercido um direito que lhe assistia, fê-lo, contudo, abusivamente, porque traiu a confiança que nela depositara a Ré de que isso não viria a ser feito, muito menos sem aviso nem prazo prévio.
30ª Uma pessoa normal, colocada na posição concreta da recorrente, após o longo período de contactos e negociações que resultam dos autos, depois de ter chegado a acordo com o mandatário expressamente constituído pela Autora, de ter elaborado e enviado para esse mandatário o aditamento mediante o qual aquela prescindiria de 5 rendas e contra cuja assinatura ela, Ré, pagaria as restantes rendas vencidas e não pagas, podia objectivamente confiar que, em tais circunstâncias, a Autora não iria – “por detrás da cortina” e à “falsa-fé”, portanto, sem qualquer aviso nem advertência - resolver o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento de todas as rendas que estavam incluídas naquele acordo.
31ª Era tão forte (e cega, diga-se!!) a confiança da Ré que, mesmo após a resolução, continuou a querer negociar e chegar a acordo com a nova mandatária da Autora, como resulta dos factos 37 a 42, chegando até ao ponto de lhe propor o pagamento de todas as rendas (facto 42).
32ª Tendo a Ré a confiança legítima (porque baseada, primeiro, no comportamento da Autora e nas expectativas que esta lhe criou, e depois no acordo alcançado com o mandatário dela) de que a Autora não iria, como fez, resolver o contrato de arrendamento, ou, pelo menos, de que nunca o faria sem prévio aviso e concessão de prazo razoável, é óbvio que aquela, a Autora, agiu de forma abusiva ao resolver o contrato de arrendamento.
33ª Como (talvez) melhor se defendeu nas anteriores alegações, havendo, como de facto há, abuso, a inibição (ou ilicitude) do exercício, contra a recorrente, do direito à resolução é meramente consequencial.
34ª “A pandemia da COVID-19 constituiu a materialização de um dos mais nefastos exemplos de escola em matéria de perturbações da grande base do negócio, preenchendo plenamente o pressuposto e os requisitos dos arts 437º e 438º do Código Civil para que a parte lesada pela alteração das circunstâncias possa requerer a resolução do contrato, ou a sua modificação segundo juízos de equidade” (citando a Prof. MARIANA FONTES DA COSTA, num seu trabalho de Abril de 2021, acessível em www.portal.oa.pt).
35ª Assim sendo, vistos os factos provados considerados provados nos autos e o mais que, sobre os efeitos da chamada crise da Covid‑19 é do conhecimento público e notório, ocorrem, no caso concreto destes autos, sem margem para dúvidas, os requisitos gerais da alteração anormal das circunstâncias nos termos do art. 437 do CC.
36ª No contexto dessa pandemia, do referido art.437º emerge o direito, para os lesados, de resolver ou modificar o contrato, uma vez verificados os requisitos de que isso depende, é mesmo um verdadeiro direito potestativo (cfr referido Ac STJ de 6/4/2021).
37ª A questão que de seguida se coloca, no presente caso em concreto, é a de saber se a Ré, como arrendatária, no contexto geral da referida crise pandémica e dos factos provados, preenchia os requisitos para, com base naquela norma, e, portanto, como lesada, lhe assistir o direito de exigir da Autora, como sua senhoria, a modificação do contrato de arrendamento, designadamente através de um perdão temporário de rendas.
38ª Tendo a actividade da Ré - o alojamento local, que, por definição, é a prestação de serviços de alojamento e pernoita a turistas (convencionais ou de negócios) – sido, em geral, directa e profundamente prejudicada pela referida crise pandémica (como é facto notório), e tendo essa sua actividade, em consequência daquela crise e em concreto, sofrido os efeitos a que se referem os factos provados nos presentes autos (factos 12/13 e 53 e 54), a resposta àquela questão deverá ser – não poderá mesmo deixar de ser - positiva.
39ª Conforme resulta daqueles factos, tendo a Ré passado a estar, de facto, impedida de usar e fruir o local arrendado, de retirar desse uso e fruição os rendimentos que legitimamente expectava, por efeito da referida crise, quer por imposição legal (que a obrigava a estar encerrada) quer por falta de clientes/turistas (que deixaram de aparecer, quer, numas fases, por proibição legal de viajar e circular, quer, nas fases seguintes, pelo receio subsequente de contaminação e doença), mas continuando, não obstante isso, obrigada a pagar as rendas contratuais, não era justo, à luz do princípio da repartição do risco contratual e da proporcionalidade, que assim fosse.
40ª Como corolário daquela resposta positiva, existia e existe, para a Ré, como arrendatária, o direito, e para a Autora, como senhoria, o concomitante dever, de renegociação do contrato de arrendamento, em termos proporcionais, em nome da boa-fé e em prol da defesa dos interesses de ambas as partes e da tutela das suas expectativas contratuais.
41ª Foi por isso que a Autora, embora inicialmente recusando qualquer tipo de acordo que visasse o perdão ou suspensão temporária do pagamento de rendas, acabou por com isso se conformar, quando passou a ser patrocinada e representada por profissional forense, aceitando finalmente perdoar o pagamento de 5 rendas contra o pagamento das restantes.
42ª Tendo, entretanto, a Autora, depois de abandonar inopinadamente o seu anterior mandatário e passado a patrocinada por novo mandatário, recusado aquele acordo e procedido à resolução do contrato com fundamento no não pagamento de todas as rendas que haviam sido objecto daquele acordo, a questão de saber se ela estava ou não constituída no dever de aceitar a modificação do contrato e, na afirmativa, em que termos, passou para as mãos dos Tribunais.
43ª Da resposta que os Tribunais derem a essa questão, resultará uma outra resposta sobre a licitude ou ilicitude da resolução: se o Tribunal decidir pela afirmativa, ou seja, no sentido de que assistia à Ré (como esta defende) o direito a requerer a modificação do contrato e à Autora o dever de concorrer para essa modificação, então a resolução terá sido ilícita, devendo a oposição da Ré proceder e o despejo improceder.
44ª No contexto da referida pandemia, em geral, e dos seus efeitos para actividade da Ré, conforme resulta dos presentes autos, a recusa pura e simples, por parte da Autora, que acabou por se reflectir na resolução do contrato de arrendamento, em aceitar a modificação do contrato de arrendamento, através do perdão de rendas (mesmo depois de ter recuado no acordo mediante o qual aceitara o perdão de 5 rendas contra o pagamento das restantes), foi ilícita e indevida, por violar o seu dever de concorrer para a modificação do contrato nos termos do citado art. 437º do CC.
45ª A resolução do contrato de arrendamento, por parte da Autora, na sequência da recusa a que se refere a alínea anterior, foi ilícita e ou inválida, por não estar verificado o incumprimento definitivo da parte da Ré, uma vez que esta tinha invocado perante ela a alteração anormal das circunstâncias decorrente da crise da Covid-19 e as consequências que essa crise lhe trouxera, tendo, a partir daí, aquela ficado a obrigada a negociar e concorrer para a modificação do contrato.
46ª Subsistindo, assim, do direito da Ré a ver modificado o contrato de arrendamento segundo juízos de equidade, o correspondente dever da Autora de concorrer para essa modificação, como impõe o citado art. 437º, deve a resolução do contrato, levada a cabo pela própria Aurora e que está na base da presente acção, ser considerada ilícita, decidindo-se que, no seu lugar, ela está constituída no dever de concorrer para a modificação do contrato segundo juízos de equidade.
47ª A regra da “equidade” imposta por aquele art. 437º, obriga a que o presente caso seja apreciado e decidido de acordo com a natureza e fim específico do contrato e com os efeitos provocados em cada uma das suas partes – senhoria e inquilina – pelas consequência da referida crise pandémica
48ª Ora, confrontando as consequências da situação jurídica de ambas as partes do presente caso, numa perspectiva de repartição do risco, constata-se que a alternativa se situa entre remeter a locatária, ora Ré, para a situação injusta de ter de pagar a totalidade das rendas e, no limite (como sucederia se, atenta a sua actividade específica, tivesse de pagar todas as rendas a todos os seus senhorios) uma situação ruinosa de insustentabilidade económica, acumulando dívida e prejuízo – ou seja, a posição que, no limite, decorreria do procedimento da requerente com a resolução do contrato pura e simples e o pagamento da totalidade das rendas - , ou impor à Autora o dever de concorrer com a Ré para a modificação do contrato,
49ª … de modo a que a Autora, como locadora, prescinda de parte das rendas e a Ré, como locatária, suporte a outra parte.
50ª De acordo com esse critério, num período que abrange 15 meses, de Abril de 2020 ao fim de Junho de 2021, a senhoria prescindiria de 5 rendas e a inquilina pagaria as restantes 10, conforme resulta da posição insistentemente pedida pela requerida e que foi aliás objecto do acordo, entre ambas as partes, que a requerente depois se recusou a subscrever, precipitando-se, em vez disso, para a inesperada resolução unilateral do contrato de arrendamento.
51ª Numa perspectiva de divisão do risco de uma forma equitativa, se impõe concluir que a resolução do contrato (solução adoptada pela requerente) foi e é uma solução que viola o equilíbrio da situação jurídica de ambas as partes, pois a locadora, ao recuperar o seu activo imobiliário que pode rentabilizar imediatamente com um novo arrendamento, bem como ao receber a totalidade das rendas (já que é essa a situação que decorreria da procedência da posição que defende e da improcedência da oposição), manter-se-ia 100% imune aos efeitos de pandemia e endossaria para a locatária a totalidade do risco, levando-a, no limite (como já se disse na conclusão 48ª), para uma situação ruinosa e insustentável de acumulação de dívida sem possibilidade de compensação no futuro.
52ª Para finalizar este capítulo (e em linha com o que já se disse nas anteriores alegações, na oposição e com o decidido na jurisprudência aí citada), a aplicação, no presente caso, do regime do art.º 437º do CC não foi nem está afastada pela legislação publicada no período pandémico, destinada a apoiar os cidadãos e a recuperação económica das empresas.
53ª A douta sentença recorrida, ao limitar-se a diferir o vencimento dos juros de mora relativamente às prestações que se venceram em Abril de 2020 e Dezembro de 2020 a Março de 2021, para a data de 1 de Julho de 2021, viola, manifestamente, no contexto das circunstâncias concretas do presente caso, o princípio da repartição proporcional do risco contratual, segundo os critérios anteriormente defendidos e o critério da equidade imposto pelo citado artº 437º do CC.
54ª Idêntica violação, por parte da douta sentença recorrida, ocorre, aliás por maioria de razão, no que respeita à condenação da Ré no pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora contados desde cada vencimento, bem como da indemnização, ao abrigo do artigo 1045º, nº 2 do Código Civil, no valor de 8 meses, ou seja, € 9.866,64, sem prejuízo da sua condenação, nos mesmos termos, nos meses que se vencerem até efectiva desocupação e entrega do locado, apenas contribui para reforçar e agigantar a injustiça e a desproporcionalidade do assim decidido.
55ª Depois, em concreto, não se compreende o decidido sob a alínea b) da parte decisória da sentença, porquanto as rendas aí mencionadas, “de Abril de 2020 até Junho de 2020”, são apenas quatro rendas que, no valor de 1.233,33 € cada uma, perfazem o total de (1.233,33 € x 4) 4.933,32 €.
A A. apresentou alegação de resposta, sustentando a improcedência do recurso da R.
O tribunal recorrido apreciou a questão do lapso de escrita suscitado pela A. e procedeu à rectificação do mesmo, no sentido de, na al. b) do dispositivo da sentença recorrida, se passar a ler Junho de 2021, onde se lê Junho de 2020.
***
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, em cada um dos recursos, prendem‑se com:
i. A alteração da matéria de facto;
ii. A aplicação do instituto da modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias;
iii. O exercício abusivo do direito à resolução do contrato;
iv. A caducidade do direito à resolução do contrato;
v. A determinação da indemnização pela não restituição do locado.
***
Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto:
1. A A. é legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano subordinado ao regime de propriedade horizontal (…).
2. A R. é uma sociedade que tem como objecto social o arrendamento, a gestão de bens imobiliários e sua administração; a compra e venda de imóveis ou de direitos sobre os mesmos e a revenda dos adquiridos para esse fim; a urbanização de terrenos e a prestação de serviços conexos com as actividades prosseguidas por si.
3. A A. e a R. celebraram entre si, em 21 de Outubro de 2019, um contrato de arrendamento com o objectivo de destinar a fracção arrendada a subarrendamento ou alojamento local.
4. O contrato referido supra foi celebrado pelo prazo de quinze anos, renovável automática e sucessivamente por períodos de cinco anos.
5. No mencionado contrato de arrendamento ficou estipulado que a renda mensal a pagar pela R. à A. era de € 1.233,33, montante esse que seria actualizado anualmente de acordo com o n.º 1 do artigo 1077º do Código Civil.
6. O prédio urbano, anteriormente identificado, onde se situa a referida fracção autónoma objecto do contrato de arrendamento é designado por POP SALDANHA.
7. Além da fracção da A., a R. tomou aí de arrendamento, também na segunda metade de 2019, mais 33 apartamentos, ficando aí com um total de 34 apartamentos para o exercício da sua referida actividade do chamado alojamento local para turistas.
8. A R. não pagou a renda referente ao mês de Maio de 2020, que se venceu em 01/04/2020, nem as que se venceram nos meses seguintes, incluindo a renda que se venceu em Novembro de 2021.
9. A R. depositou à ordem dos presentes autos as rendas respeitantes a Janeiro a Abril de 2022.
10. Por meio de notificação judicial avulsa, apresentada em juízo em 02/06/2021 e notificada à R. em 29/06/2021, a A. comunicou à R. a resolução do contrato de arrendamento por falta do pagamento de rendas.
11. No ano de 2018 a R. apresentou um resultado líquido positivo de € 68.259,47.
12. No ano de 2019 a R. apresentou um resultado líquido positivo de € 187.177,27.
13. No ano de 2020 a R. apresentou um resultado líquido negativo de € 62.091,33.
14. A partir dos finais de Março de 2020 a R. contactou os seus senhorios, incluindo a A., no sentido de obter deles acordo para uma redução ou suspensão temporárias das respectivas rendas.
15. Em Abril de 2020 a R. propôs à A. um perdão de cinco meses de renda.
16. Em Abril de 2020 A. recusou o perdão, suspensão ou redução de qualquer renda.
17. A R. enviou um e‑mail à A. em 5 de Maio de 2020 com o seguinte conteúdo:
(…) Ex.mo Senhora Clarisse (…),
Desde já, esperamos que se encontre bem.
No seguimento da nossa última comunicação, reiteramos que o panorama actual é de uma paragem completa da nossa actividade e respectivas vendas devido ao cancelamento da totalidade das reservas para os meses que se avizinham, por consequência da pandemia Covid-19.
Voltamos a apelar ao vosso apoio e compreensão nesta fase critica, solicitando que em alternativa à vossa decisão da não isenção do pagamento das rendas dos próximos meses, que compreendemos, seja feito um acerto das contas destes meses em atraso, prolongando o mesmo número de meses no final do contrato.
Propomos seis meses. Significa que não existe isenção de renda mas sim que no final do contrato ficaremos a pagar 6 meses estas rendas. Só com um acordo favorável para ambas as partes, conseguiremos manter a actividade em aberto e, dessa forma, evitar a insolvência e término de actividade futura, uma vez que seguindo as condições propostas pela lei não teremos capacidade de continuar no mercado.
Solicitamos mais uma vez a vossa cooperação, já que não existindo abertura da vossa parte neste sentido, será impossível garantir a continuação da actividade da empresa e a sua viabilidade.
Esperamos contar com a V/ cooperação e que esta solicitação encontre a V/ concordância.
Despedimo-nos apresentando os nossos mais sinceros cumprimentos.”
18. No dia 7 de Maio de 2020 a A. enviou uma carta à R. com o seguinte conteúdo:
Assunto: Resposta ao vosso email de 5 de Maio de 2020
Seguimento de:
- vossa carta datada de 3 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 6 de Abril de 2020
- minha carta datada de 7 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 7 de Abril de 2020
Exma. Senhora Carla T., 
Antes de mais espero que V. Exa. e todos os colaboradores da P. e da C. se encontrem bem de saúde.
Agradeço a sua comunicação por email, no dia 5 de Maio de 2020. Na nossa conversa telefónica do dia 15 de Abril de 2020 comprometeu-se a telefonar‑me no dia 24 de Abril, para que concretizássemos um acordo relativamente ao pagamento da renda em atraso pela vossa parte. Tenho estado a aguardar o seu telefonema e tenho estranhado a demorada do seu contacto. Relembro que, a vossa empresa deixou de pagar as rendas a partir do dia 1 de Abril de 2020 e só me comunicaram que deixariam de pagar por carta datada de 3 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 6 de Abril de 2020.
Informe que neste momento há 2 rendas em atraso: a renda que venceu no dia 1 de Abril de 2020 e agora também que venceu no dia 1 de Maio de 2020. Gostaria de mencionar alguns pontos no seu email do dia 5 de Maio de 2020, que me deixaram negativamente surpreendida:
1. No seu email é mencionado que não há cooperação e abertura da minha parte, o que não corresponde à verdade. Tenho estado sempre receptiva para falarmos não só por email, mas também telefonicamente. Aliás, já ocorreu por 2 vezes que a Sra. Carla T. fica de me ligar num determinado dia e não me telefone, como combinado. No meu email e carta do dia 7 de Abril de 2020 e também nas conversas telefónicas dos dias 8 e 14 de Abril reiterei que necessito da renda. Como é do seu conhecimento, comprei o apartamento à empresa do vosso grupo, C., através de empréstimo. Tenho que fazer mensalmente pagamentos da prestação e dos seguros associados. Estas despesas correspondem a 88% do valor da renda recebido mensalmente e não estou a incluir outras despesas, como por exemplo, despesas de condomínio. É de salientar que estas rendas já não estão a ser pagas há 2 meses. Contudo, todos os meses eu tenho que fazer os pagamentos mencionados, de forma a não incorrer em incumprimento bancário. Saliento, novamente, a urgência de receber as rendas em atrasado.
2. Faz-me confusão que o vosso modelo de negócio esteja dependente de eu não receber rendas para que a vossa empresa não vá à falência.
3. Também acho estranho que me tenham proposto pagar as rendas em atraso no final de um contrato de 15 anos!!! A Sra. Carla mencionou.me em conversa telefónica que aceitou que vários senhorios desistissem dos contratos e a outros senhores a Sra. Carla acordou pagar as rendas em atraso em duodécimos. Contudo, a mim, sabendo que necessito da renda, ofereceu-se para pagar as rendas em atraso daqui a 15 anos!!!! Faço a pergunta taxativamente, o porquê de tal proposta?
4. A Sra. Carla refere que de acordo com as condições propostas pela lei não há forma da vossa empresa continuar no mercado. O governo português tem feito um esforço continuado para responder à situação gerada pelo COVID‑19. Está à disposição das empresas várias medidas como moratórias, layoffs, créditos bancários, linhas de crédito de apoio à tesouraria e até apoios a fundo perdido. Cabe às empresas usarem estas opções para poderem ultrapassar esta situação.
Por outro lado, está também aprovado a nível comunitário subvenções directas a Portugal, que irão ser brevemente anunciadas como serão executadas.
Acho de facto muito estranho que, de todos os esforços feitos a nível comunitário e nacional, não hajam medidas que beneficiem a vossa empresa, mas que são louváveis para tantos milhares de outras.
Face ao exposto e usando as vossas palavras, apelo ao vosso apoio e compreensão, para que cumpram com o pagamento das rendas atempadamente, pois como já referi inúmeras vezes, necessito delas para cumprir com as minhas obrigações financeiras.
Proponho o seguinte esquema de pagamento para acerto das 2 rendas em atraso:
- no dia 1 de Junho de 2020 pagamento da renda que vence neste dia e também o pagamento da renda que venceu no dia 1 de Abril de 2020. O total a receber na minha conta bancária no dia 1 de Junho de 2020 será de 1850 euros (dado que a vossa empresa faz retenção de IRS na fonte de 25%).
- no dia 1 de Julho de 2020 pagamento da renda que vence neste dia e também pagamento da renda que venceu no dia 1 de Maio de 2020. Ou seja, o total a receber na minha conta bancária no dia 1 de Junho de 2020 será de 1850 euros.
Agradeço a confirmação do acordo sobre este plano de pagamento das 2 rendas em atraso.
(…)
19. No dia 21 de Maio de 2020 a A. enviou uma carta à R. com o seguinte conteúdo:
Assunto: Resposta ao vosso telefonema de 21 de Maio de 2020
Seguimento de:
- vossa carta datada de 3 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 6 de Abril de 2020
- minha carta datada de 7 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 7 de Abril de 2020
- minha carta de resposta (o vosso email de 5 de Maio de 2020), datada de 7 de Maio de 2020 e enviada por email no dia 7 de Maio de 2020
Exmo. Senhor Alejandro (…),
Espero que V. Exa. e todos os colaboradores da P. e da C. se encontrem bem de saúde.
Tenho estado a aguardar resposta ao meu acordo para pagamento das rendas em falta, proposto na minha carta de 7 de Maio de 2020. Relembro que se encontram em atraso as seguintes rendas: a renda que venceu no dia 1 de Abril de 2020 e a renda que venceu no dia 1 de Maio de 2020.
Agradeço o seu telefonema de hoje, dia 21 de Maio de 2020. O Sr. Alejandro (…) propôs o seguinte:
- Perdão das rendas por 6 meses pela proprietária (de Abril a Setembro de 2020) começando a vossa empresa a pagá-las a partir de Outubro de 2020. Prolongamento do prazo do contrato de arrendamento por mais 6 meses. A vossa empresa C. S.A. comprometeu-se a fazer o pagamento de juros do empréstimo e do condomínio da fracção R durante estes 6 meses (Abril a Setembro de 2020).
A lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, prevê o diferimento do pagamento das rendas vencidas nos meses que vigora o estado de emergência e no primeiro mês subsequente. As rendas em atraso deverão ser pagas nos 12 meses seguintes a este período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total e juntamente com a renda do mês em causa. A lei prevê um diferimento das rendas, não uma isenção do seu pagamento. Como já referi anteriormente não posso conceder um perdão das rendas. Fiquei bastante surpreendida que hoje, um mês e meio depois da minha primeira carta, de 7 de Abril de 2020, onde referi que não posso conceder perdão de rendas, seja mais uma vez proposto que eu perdoo rendas.
A minha resposta é a mesma que há 1 mês e meio atrás: não posso conceder perdão de rendas.
O estado de emergência terminou no dia 2 de Maio de 2020. Assim, de acordo com a lei, a vossa empresa só poderá diferir 3 meses de renda: a renda vencida em 1 de Abril de 2020, a renda vencida a 1 de Maio de 2020 e a renda que irá vencer a 1 de Julho de 2020. Assim, de acordo com a lei, estas rendas deverão começar a ser pagas em prestações mensais a partir de 1 de Julho de 2020.
Excepcionalmente, e com grande dificuldade da minha parte, venho propor o seguinte para poder ajudar-vos nesta fase:
- diferimento de 6 meses de renda. A vossa empresa começará a fazer o pagamento das rendas a partir de 1 de Outubro de 2020. Em relação aos meses em atraso (de Abril a Setembro de 2020) estas rendas deverão ser pagas, em prestações mensais, por um período de 12 meses, de montante não inferior a um duodécimo do montante total em dívida, juntamente com a renda do mês em causa. Assim, a partir de 1 de Outubro de 2020, deverá ser pago a renda mais um duodécimo das rendas em atraso. Esta minha posição reflecte uma grande compreensão e esforço da minha parte. Este período é muito longo e, dado que tenho obrigações financeiras, não vou poder pagar o condomínio. Aceito a vossa oferta de pagamento de condomínio durante 6 meses (Abril a Setembro de 2020), como faz parte da vossa proposta. Por outro lado, a minha posição reflecte abertura e flexibilidade, dado que não estou a exigir o pagamento das penalizações pelo atraso das rendas.
(…)”.
20. No dia 7 de Julho de 2020 a A. enviou uma carta à R. com o seguinte conteúdo:
Assunto: Falta de pagamento de 4 rendas: renda vencida a 1 de Abril de 2020, a renda vencida a 1 de Maio de 2020, a renda vencida a 1 de Junho de 2020 e a renda vencida de 1 de Julho de 2020.
Seguimento de:
- vossa carta datada de 3 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 6 de Abril de 2020
- minha carta datada de 7 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 7 de Abril de 2020
- minha carta de resposta (o vosso email de 5 de Maio de 2020), datada de 7 de Maio de 2020 e enviada por email no dia 7 de Maio de 2020 (que não teve resposta por partes das empresas Primetierra e Civilria) – minha carta datada de 21 de Maio de 2020 e enviada por email no dia 21 de Maio de 2020 (que não teve resposta por partes das empresas P. e C.)
Exmo. Senhor Alejandro (…), 
Espero que V. Exa. e todos os colaboradores da P. e da C. se encontrem bem de saúde.
Na minha carta anterior, datada de 21 de Maio de 2020, apresentei proposta de pagamento das rendas em falta pela vossa empresa e solicitei resposta até ao final de Maio. Contudo, não recebi qualquer resposta da vossa parte, pelo que essa hipótese de negociação está caducada. Assim, aplicar-se-á a lei vigente sobre esta situação. Neste momento, estão em atraso as seguintes rendas: a renda que venceu no dia 1 de Abril de 2020, a renda que venceu no dia 1 de Maio de 2020, a renda que venceu no dia 1 de Junho de 2020 e agora a renda que venceu no dia 1 de Julho de 2020.
A legislação aprovada recentemente, no contexto do COVID-19, prevê o diferimento do pagamento das rendas vencidas nos meses que vigora o estado de emergência e no primeiro mês subsequente. As rendas em atraso deverão ser pagas nos 12 meses seguintes a este período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total e juntamente com a renda do mês em causa. O estado de emergência terminou no dia 2 de Maio de 2020. Assim, de acordo com a lei, a vossa empresa só pode diferir 3 meses de renda: a renda vencida em 1 de Abril de 2020, a renda vencida a 1 de Maio de 2020 e a renda vencida em 1 de Junho de 2020. A partir deste mês de Julho, a vossa empresa deverá pagar um duodécimo destas 3 rendas em falta, juntamente com a renda de 1 de Julho de 2020. Até à data, 7 de Julho de 2020, não recebi qualquer pagamento da vossa parte. Relembro que, de acordo com o contrato de arrendamento, a partir do dia 8 de Julho o atraso no pagamento das rendas acarreta agravamento. Agradeço que seja dada solução com maior celeridade possível da vossa parte para este assunto pendente desde há 4 meses. Aguardo resposta com urgência sobre a vossa solução.
(…)”.
21. A A. enviou um e‑mail à R. no dia 21 de Maio de 2020 com o seguinte teor:
(…)
Exmo. Sr. Alejandro (…),
Agradeço o telefonema de hoje. Junto envio, em anexo, carta com a minha resposta a vossa proposta comunicada por telefone hoje dia 21 de Maio de 2020”.
22. A A. enviou um e‑mail à R. no dia 7 de Julho de 2020 com o seguinte teor:
(…)
Exmos. Senhores,
Espero que V. Exas se encontrem bem de saúde. Não obtive qualquer resposta à minha última carta datada de 21 de Maio de 2020 e enviada por email nesse mesmo dia. Junto envio em anexo a minha comunicação sobre o assunto da falta de pagamento, por parte da vossa empresa, das rendas desde 1 de Abril de 2020”.
23. A A. enviou um e‑mail à R. no dia 9 de Julho de 2020 com o seguinte teor:
(…)
Exmo. Sr. Alejandro (…), 
Agradeço o telefonema de hoje, dia 9 de Julho de 2020. Solicito, por favor, que coloque a proposta apresentada no telefonema de hoje, por escrito, para que eu e o meu marido possamos analisá-la. Dada a urgência da situação chegaremos a um acordo rápido para ambas as partes, agradeço que me envie email com a proposta até ao dia 13 de Julho de 2020”.
24. A R. enviou um e‑mail à A. no dia 15 de Julho de 2020 com o seguinte teor:
(…)
Olá Clarisse,
Como conversado telefonicamente passo a descrever o que propus telefonicamente:
Rescisão do contrato de arrendamento com data de Julho e em compensação deixamos o mobiliário para acerto de contas não havendo nada a pagar.
Vamos ao mercado tentar arranjar um inquilino que dê garantias de bom pagamento. Fazemos todas as visitas e “filtramos” pedindo recibos de vencimento e IRS.
Os valores médios de arrendamento são:
T0 – 1.000€/1.100€ Mobilado
T1 – 1.300€/1.400€ Mobilado.
É pedido ao cliente 2 meses de renda (um actual e um adiantado) e dois meses de caução para garantia do bom estado do apartamento e será devolvido quando sair após vistoria ao imóvel.
Em anexo segue também o contrato de arrendamento que costumamos usar.
(…)”.
25. A A. enviou um e‑mail à R. no dia 17 de Julho de 2020 com o seguinte teor:
(…)
Boa tarde Sr. Alejandro (…), 
Agradeço, por favor, que seja o mais pormenorizado possível na sua proposta. Agradeço também que corrija a sua proposta. Tanto no telefonema de 9 de Julho e no telefonema de 15 de Julho falámos sobre as rendas que estão em falta. Referi em ambos os telefonemas que não estou interessada no imobiliário e necessito do pagamento das rendas em falta. O Sr. Alejandro disse-me que em vez de deixarem o imobiliário pagariam as rendas em falta. Agradeço que corrija o seu email nesse sentido e que o envie, por favor, ainda hoje, para que eu e o meu marido possamos analisar a sua proposta durante este fim de semana”.
26. No mesmo dia 17 de Julho de 2020 a A. enviou outro e‑mail a Alejandro O. referindo que escreveu imobiliário por lapso e que no email que enviou nesse dia se deveria ler mobiliário sempre que escreveu imobiliário.
27. Durante o período que mediou entre Novembro de 2020 e Março de 2021 a A., representada pelo seu mandatário naquelas datas, continuou as negociações com a R.
28. No dia 26 de Novembro de 2020, Bruno S., à data mandatário da A., enviou email à R. com o seguinte teor:
(…)
Exmo. Sr. Alejandro (…),
Conforme combinado, falei com a nossa cliente Dra. Clarisse (…) que, face ao teor da nossa reunião apresenta a seguinte proposta:
Perdão da indemnização de 20% devida pela mora no pagamento das rendas;
Perdão de 4 meses de renda, correspondente a metade dos meses que são devidos (havendo assim uma distribuição equitativa e proporcional do prejuízo entre ambas as partes);
Pagamento de uma caução correspondente a 2 meses de renda para garantir o cumprimento das obrigações contratuais;
Retoma do pagamento das rendas nos termos previstos no contrato.
Uma vez que o presente acordo será efectuado mediante a elaboração de uma adenda ao contrato de arrendamento em vigor, foi igualmente proposto pela nossa Cliente a alteração dos pontos 2, 3 e 4 da cláusula terceira. Relativamente aos pontos 2 e 3 por serem contrários ao desta cláusula pretende-se conformar o teor do contrato com a lei. Quanto ao ponto 4, o objectivo seria retirar a “penalização” dos € 7.500,00.
(…)”.
29. No dia 15 de Dezembro de 2020, Bruno S., à data mandatário da A., enviou e‑mail à R. questionando a ausência de resposta à proposta apresentada no e‑mail de 26 de Novembro de 2020.
30. No dia 5 de Janeiro de 2021 a R. enviou e‑mail a Bruno S., na qualidade de mandatário da A., com o seguinte teor:
(…)
Como combinado telefonicamente passo a descrever a proposta formal que passei telefonicamente:
* perdão de 5 meses de renda
* fazer adenda esta semana com assinatura da mesma e pagamento do acordado ainda esta semana
* retirada da penalização de 7.500 € do contrato de arrendamento.
(…)”.
31. No dia 18 de Fevereiro de 2021 a R. enviou e‑mail a Bruno S., na qualidade de mandatário da A., questionando se este tinha alguma resposta em relação à proposta apresentada no email de 5 de Janeiro de 2021.
32. No dia 9 de Março de 2021, Bruno S., à data mandatário da A., enviou e‑mail à R. com o seguinte teor:
(…)
Exmo. Sr. Alejandro (…),
A nossa cliente aceita a proposta apresentada no dia 5 de Janeiro que passa pelo perdão de 5 meses de renda, com a respectiva adenda ao contrato de arrendamento e a eliminação da penalização de 7.500 € do contrato de arrendamento.
Assim, poderão preparar a adenda ao contrato de arrendamento nos referidos termos que se possível ainda será assinada no final desta semana ou princípio da próxima contra o pagamento do montante em dívida de € 8.633,31.
(…)”.
33. No dia 12 de Março de 2021 a R. enviou e‑mail a Bruno S., na qualidade de mandatário da A., no qual enviou o aditamento ao contrato de arrendamento.
34. No dia 23 de Março de 2021 a R. enviou e-mail a Bruno S., na qualidade de mandatário da A., questionando se este tinha alguma resposta em relação à assinatura do aditamento ao contrato de arrendamento.
35. No dia 23 de Março de 2021 Bruno S., à data mandatário da A., enviou e‑mail à R. informando que se encontrava a aguardar indicações da Autora em relação ao documento.
36. As partes não subscreveram o aditamento ao contrato de arrendamento.
37. As partes continuaram negociações após o envio, e recepção, da notificação judicial avulsa datada de 02/06/2021.
38. No dia 12 de Julho de 2021 a R. enviou email a Teresa L., mandatária da A., com o seguinte teor:
(…)
Boa tarde Dra. Teresa (…), 
Como combinado telefonicamente passo a descrever a proposta formal para o processo com a Dra. Clarisse (…):
Disponibilidade imediata para o acordo
* Perdão de 5 meses de renda
* Valor dos restantes meses de renda em falta pagos no acto de assinatura do acordo
(…)”.
39. No dia 29 de Julho de 2020 a mandatária da A. enviou e‑mail à R. declinando a proposta apresentada no e‑mail de 12 de Julho de 2021 informando, porém, que a A. tinha disponibilidade para apreciar outra proposta que quisessem apresentar.
40. No dia 1 de Setembro de 2021 a R. enviou e‑mail à mandatária da A., com o seguinte teor:
(…)
Bom dia Dra. Teresa (…),
Peço desculpa no atraso da resposta mas entre férias e falar com a administração da Primetierra só agora consegui enviar uma resposta.
Derivado aos vários confinamentos que fomos todos, a nível mundial, obrigados a fazer apenas propúnhamos a compreensão da cliente com um perdão de renda de 5 meses fazendo o pagamento das rendas atrasadas no momento do acordo e a continuação do contrato de arrendamento.
Visto essa proposta não ter sido aceite, existe alguma proposta da parte da sua Constituinte para chegar a um acordo?
A nossa pretensão é chegar a um acordo para não termos este processo em andamento e começar a pagar as rendas do contrato de arrendamento.
Pedimos apenas alguma compreensão para o impacto que o Covid veio trazer ao turismo a nível mundial.
(…)”.
41. No dia 29 de Julho de 2021 a mandatária da A. enviou e‑mail à R. com o seguinte teor:
(…)
Sr. Alejandro (…),
Na sequência da sua mais recente comunicação solicitei à minha Constituinte que tomasse posição sobre a questão colocada, tendo-me sido transmitido que, aqui chegados, entende que, por forma a evitar o incremento de encargos com as acções judiciais destinadas a efectivar as pretensões vertidas na notificação judicial avulsa que vos foi notificada, a única via que se afigura possível é a de entrega imediata do locado e de realização do pagamento de todos os valores em dívida.
Assim, agradeço que me seja comunicado em que termos pretende dar satisfação a tais obrigações, pois que, tal não sucedendo, serei forçada a apresentar em juízo as preditas acções judiciais.
(…)”.
42. No dia 1 de Setembro de 2021 a R. enviou e‑mail à mandatária da A., com o seguinte teor:
(…)
Boa tarde Dra. Teresa (…)
(…)
Como combinado segue a nossa proposta com intuito de fecho do processo:
- pagamento imediato do valor das rendas em atraso em singelo.
- manter o contrato de arrendamento em vigor.
- disponíveis para assinar acordo esta semana e efectuar pagamento.
- Dra. Clarisse retira o processo instaurado à P.
(…)”.
43. No dia 29 de Novembro de 2021 a mandatária da A. enviou e‑mail ao mandatário da R. informando que a A. declinou a proposta apresentada no e‑mail de 23 de Novembro de 2021.
44. A R. recebeu do Instituto da Segurança Social, em Maio e em Julho de 2020, o valor de € 16.142,10 a título de benefício por redução de horário de trabalho.
45. A R. recebeu do Turismo de Portugal, em 19/03/2021 e 09/07/2021, no âmbito do “Programa Apoiar” a que se candidatou em 27/01/2021, o valor global de € 68.750,00.
46. A A. recorreu à moratória legal prevista no Decreto-Lei nº10-J/2020, de 26 de Março relativamente às prestações mensais decorrentes do mútuo contraído para aquisição da fracção autónoma junto do Banco Millennium BCP.
47. A A. não pagou as prestações condominiais vencidas no ano de 2021.
48. Em Março de 2020 surgiram em Portugal os primeiros casos de doença causados por um vírus denominado Sars-Cov-2, sendo a doença comumente designada por Covid-19.
49. No dia 19 de Março de 2020 foi decretado Estado de Emergência em Portugal que foi sucessivamente renovado e apenas terminou em 2 de Maio de 2020.
50. No dia 6 de Novembro de 2020 foi decretado Estado de Emergência em Portugal que foi sucessivamente renovado e apenas terminou em 30 de Abril de 2021.
51. Durante alguns períodos dos Estados de emergência decretados, nomeadamente quando foram decretados confinamentos gerais e obrigatórios, apenas era permitida a circulação de cidadãos portugueses para determinadas actividades.
52. Foram decretados confinamentos gerais e obrigatórios nos períodos de Março a Abril de 2020 e Janeiro a Março de 2021.
53. O volume de negócios da R. diminuiu nos meses de Março a Maio de 2020, sendo tal diminuição directamente causada pela pandemia da Covid-19.
54. O volume de negócios da R. diminuiu nos meses de Janeiro a Março de 2021, em proporção não concretamente apurada, sendo tal diminuição directamente causada pela pandemia da Covid-19.
55. O volume de negócios da R. foi aumentando, em proporção não concretamente apurada, com a sucessiva diminuição das restrições impostas relativas à pandemia da Covid-19.
***
Na sentença recorrida ficou ainda afirmada a inexistência de factos que devessem ser considerados como não provados.
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Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”.
E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas. É que, face ao disposto no nº 1 do art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto tem por objecto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas. Todavia, e porque do nº 2 do mesmo art.º 5º resulta que o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que na decisão da matéria de facto devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721),  quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só devam constar do elenco de factos provados e não provados, no respeito pelo disposto no art.º 5º, nº 1 e nº 2, al b), do Código de Processo Civil, mas igualmente correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso.
Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718‑719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, verifica-se que nas conclusões do seu recurso a R. identifica os pontos 8., 36., 53. e 54. dos factos provados como devendo ser objecto de alteração, mais identificando os nove pontos que concretiza nas conclusões 2ª, 4ª, 5ª, 7ª a 9ª e 11ª do seu recurso, para que sejam aditados à factualidade provada.
***
Relativamente à alteração da redacção do ponto 8. e ao aditamento especificado na conclusão 2ª, prendem-se as alterações em questão com a questão dos pagamentos efectuados pela R., incluindo a caução a que alude o nº 3 do art.º 15º-F do NRAU.
Estando em causa a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre A. e R., por falta de pagamento de rendas, declarada pela A. à R. através da notificação judicial avulsa concretizada em 29/6/2021, logo se antevê que a factualidade que releva para a questão de direito se prende com as rendas que a R. não pagou, até ao momento da declaração resolutiva da A., e não com os montantes que a R. entregou à A. a título de rendas, após tal momento, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15º, nº 8, do NRAU.
Do mesmo modo, o pagamento da caução a que alude o nº 3 do art.º 15º-F do NRAU apenas releva para a admissibilidade da oposição, como resulta do nº 4 do mesmo art.º 15º-F, em nada contendendo com o pedido da A., fundado na falta de pagamento das rendas vencidas até 2/6/2021.
Ou seja, da factualidade provada não há que constar o pagamento das rendas vencidas em 1/12/2021 e no dia 1 de cada um dos meses subsequentes, até à prolação da sentença, do mesmo modo que não há que constar o pagamento do valor da caução acima referida, porque se trata de factualidade estranha à causa de pedir e ao pedido da A., do mesmo modo que em nada releva para o conhecimento das excepções peremptórias invocadas pela R.
***
Relativamente ao aditamento especificado na conclusão 4ª do recurso da R., tal matéria corresponde (com ligeira diferença de redacção) à que foi alegada no art.º 2º da oposição, entendendo a R. que a mesma resulta da prova testemunhal que identifica e que releva para avaliar o impacto e a relevância dos efeitos da pandemia de Covid-19 na concreta actividade da mesma.
Foi dado como provado que a R. se dedica ao arrendamento de imóveis (ponto 2. dos factos provados, que não mereceu qualquer impugnação) e que no exercício dessa sua actividade tomou de arrendamento à A. uma fracção autónoma do edifício designado por POP SALDANHA, com o objectivo de destinar a mesma a alojamento local (ponto 3. dos factos provados, que não mereceu qualquer impugnação). Também está dado como provado que nesse edifício a R. tomou de arrendamento mais 33 fracções autónomas, sendo todas essas 34 fracções autónomas destinadas ao “exercício da sua referida actividade do chamado alojamento local para turistas” (ponto 7. dos factos provados, que não mereceu qualquer impugnação).
Do mesmo modo, está dado como provado que após o início do estado de emergência decretado em consequência do surgimento da pandemia de Covid-19 (Março de 2020) a R. contactou os seus senhorios (incluindo a A.), para obter dos mesmos acordos para redução ou suspensão das respectivas rendas (ponto 14. dos factos provados, que não mereceu qualquer impugnação).
Tal factualidade decorre, desde logo, do depoimento da testemunha identificada pela R. (Alejandro P., colaborador de uma empresa do grupo económico a que pertence a R.), o qual, quando questionado sobre as questões relativas à situação dos arrendamentos das 34 fracções, em razão do surgimento da pandemia de Covid-19, afirmou a existência dos contactos com os senhorios e as propostas apresentadas pela R., mais acrescentando que, não obstante a R. também exercer a actividade do alojamento local em Aveiro e no Porto, em Lisboa tal actividade era exercida apenas nas referidas 34 fracções autónomas, não tendo outra actividade no âmbito do seu amplo objecto social, para além da referida exploração de alojamento local.
Ou seja, a afirmação de que a R. apenas se dedica a explorar alojamento local, e igualmente em Aveiro e no Porto, para além de Lisboa, não passa de um instrumento factual, retirado da prova testemunhal em questão, para afirmar a matéria factual contida nos referidos pontos 3. (aqui apenas no que respeita ao destino a dar à fracção arrendada), 6. e 7., do mesmo modo que serve apenas de instrumento para a afirmação da conduta da R., aquando do início da pandemia de Covid-19.
E, nessa medida, não ganha relevância para figurar autonomamente no elenco de factos provados, face ao acima exposto quanto à desnecessidade de enunciação dos factos instrumentais.
Assim, não há que aditar à factualidade provada a matéria especificada na conclusão 4ª do recurso da R.
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Relativamente ao aditamento especificado na conclusão 5ª do recurso da R., tal matéria corresponde (com ligeira diferença de redacção) à que foi alegada no art.º 31º da oposição, entendendo a R. que a mesma resulta da prova testemunhal que identifica e que releva para afirmar o “empenho, a seriedade, a confiança e a convicção que a Ré depositava na perspectiva de um acordo com a Autora, uma vez que o facto de ter chegado a acordo com todos os seus restantes senhorios era um indicativo de que assistia razão, de que acabaria também por fechar um acordo com esta sua senhoria de que, portanto, estava certa em confiar na obtenção final desse acordo”.
O que está em causa é a factualidade que se prende com o conhecimento da excepção do abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium, tal como a R. a invocou na sua oposição, onde igualmente afirmou (em termos que não merecem qualquer controvérsia, nos termos adiante melhor explicitados) que “há abuso de direito (…) quando uma pessoa manifeste a intenção ou crie na outra parte a convicção de não ir praticar determinado acto e, depois, o pratique” (art.º 98º).
O que é o mesmo que dizer que, para a apreciação da conduta abusiva da A., no exercício do direito à resolução do contrato por incumprimento da obrigação da R. de pagamento das rendas, se torna irrelevante a conduta dos restantes senhorios da R., dado que apenas a conduta da A. releva para a formação da situação de confiança numa actuação de sinal contrário à ocorrida (ou seja, a invocada conduta abusiva).
Dito de forma distinta, ainda que não esteja em causa que as testemunhas identificadas pela R. (o referido Alejandro P. e Cláudia D., responsável financeira da R.) confirmaram a abordagem da R. aos seus 34 senhorios e a existência de acordos com todos, à excepção da A., quer no sentido do perdão de meses de renda, quer no sentido da cessação de contratos de arrendamento, na medida em que não está afirmada qualquer ligação funcional ou de grupo entre os mesmos 33 senhorios (ou mesmo apenas alguns deles) e a A., não há qualquer forma de afirmar que a actuação desta última estava “sintonizada” ou “sincronizada” com a actuação dos referidos 33 senhorios, em termos de criar na R. a convicção de que a actuação destes últimos determinava actuação semelhante da A. Pelo que se afigura irrelevante estar a convocar a factualidade relativa aos resultados dos contactos identificados em 14., mantidos com os referidos 33 senhorios, no âmbito do relacionamento mantido entre a A. e a R., após o contacto inicial do final de Março de 2020.
Assim, não há que aditar à factualidade provada a matéria especificada na conclusão 5ª do recurso da R.
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Relativamente aos aditamentos especificados na conclusão 7ª do recurso da R., tais matérias não correspondem a qualquer alegação constante dos articulados das partes, antes resultando, segundo a R., das declarações prestadas pela A. na audiência final.
E a R. defende que as mesmas devem passar a integrar a factualidade provada porque têm interesse “para avaliar a questão do abuso do direito no modo como a Autora resolveu o contrato de arrendamento, já invocado na oposição (arts 97º e seguintes)”.
Desde logo não pode deixar de se notar que a posição da R., expressa nos termos acima reproduzidos, escapa ao dever de boa fé processual que está obrigada.
Com efeito, em parte alguma da sua oposição a R. alegou que tivesse chegado a acordo com a A. no sentido da cessação do contrato de arrendamento, antes alegando (repetidamente) que todas as suas propostas foram no sentido da manutenção do mesmo e do perdão de rendas em dívida. E como a existência de um acordo tendente à cessação do contrato de arrendamento sempre conduziria a um fim contrário ao que a R. visa com a sua defesa (a manutenção do contrato de arrendamento, face à ilicitude da resolução declarada unilateralmente pela A.), nem se alcança que relevância seria possível retirar da factualidade em questão, tal como a R. pretende que a mesma seja afirmada (para concluir pela formação da convicção de que a A. não pretendia resolver o contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas).
Por outro lado, a afirmação que a R. pretende que constitui um facto a integrar o elenco de factos provados encerra, em si mesma, uma contradição insanável, que lhe retira a possibilidade de se afirmar como realidade de um facto.
É que a R. pretende que se dê como provado que em “Setembro de 2020, a Autora e a Ré chegaram entre si a um acordo mediante o qual terminariam o contrato de arrendamento e aquela daria a sua fracção de arrendamento a terceiros, através dos serviços de intermediação da própria R., acordo esse que não chegaram a concretizar”. E mais pretende que se dê como provado que as negociações continuaram, através de um advogado mandatado pela A. para tanto. Ou seja, a expressão de um “acordo (…) que não chegaram a concretizar”, interpretada no contexto de umas negociações que continuaram (de acordo com os pontos 27. a 32., que não foram objecto de qualquer impugnação), só pode ter o significado de um acordo que não foi alcançado, porque não ocorreu o necessário encontro de declarações de vontade de cada uma das partes (A. e R.).
Pelo que, nessa medida, também não há que afirmar que A. e R. “chegaram entre si a um acordo”, como invocado pela R. na primeira parte da afirmação que pretende constituir um facto a integrar no elenco dos factos provados.
O que equivale a afirmar que não há que aditar à factualidade provada a primeira das matérias especificadas na conclusão 7ª do recurso da R.
Quanto à segunda das matérias aí especificadas, no sentido de que em “Outubro de 2020, a Autora, na sequência das negociações a que se referem os factos 15 a 26 e do acordo não concretizado a que se refere o facto 26-A, procurou o Dr Bruno (…), advogado, mandatando-o para, em seu nome, continuar aquelas negociações”, é certo que a A. confirmou, nas suas declarações de parte, que teve de recorrer aos serviços do referido advogado, Dr. Bruno S., situando a contratação desses serviços de advogado após o final de Setembro de 2020, e mais confirmando que o mesmo continuou as negociações com a R., enquanto seu mandatário.
Só que tal factualidade já resulta suficientemente reflectida nos aludidos pontos 27. a 32. dos factos provados, pelo que se torna desnecessário o aditamento visado pela R., que mais não representa que uma repetição factual.
Assim, também não há que aditar à factualidade provada a segunda das matérias especificadas na conclusão 7ª do recurso da R.
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Relativamente ao aditamento especificado na conclusão 8ª, visa a R. que se acrescente à factualidade que consta do ponto 33. que o aditamento aí referido é o que se mostra junto com a oposição como documento 7.
É sabido que os documentos não são factos, por si só, mas meios de demonstrar factos, designadamente as declarações que estejam expressas nos mesmos. Ou seja, não é relevante saber que há uma declaração corporizada num documento, mas antes qual é o teor dessa declaração.
No caso concreto é conhecido o teor do aditamento identificado no ponto 33., pois que no conteúdo do e-mail de 9/3/2021 (reproduzido no ponto 32.) está referido que tal aditamento (a “adenda”) corresponde ao “perdão de 5 meses de renda” e à “eliminação da penalização de 7.500 € do contrato de arrendamento”.
Tanto basta para concluir pela desnecessidade de completar o ponto 33. dos factos provados, referindo que o aditamento em questão “é o que se mostra junto como doc. 7 da oposição”.
Assim, não há que aditar à factualidade provada a matéria especificada na conclusão 8ª do recurso da R.
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Relativamente à alteração do ponto 36. e aos aditamentos especificados nas conclusões 9ª e 11ª do recurso da R., as matérias em questão correspondem (com ligeira diferença de redacção) ao que se mostra alegado nos art.º 55º e 59º da oposição, sendo acompanhadas de juízos conclusivos, quer no sentido da afirmação da causa da não subscrição do aditamento acima referido (não subscrição essa dada como provada no ponto 36.), quer no sentido da falta de qualquer contacto da A., entre 23/3/2021 e 29/6/2021.
Recordando a cronologia dos factos em questão, tal como resulta da factualidade apurada pela instância recorrida, verifica-se que:
- em 12/3/2021 a R. enviou ao mandatário da A. o aditamento ao contrato de arrendamento, para ser assinado pela A.;
- em 23/3/2021 a R. questionou o mesmo mandatário sobre se tinha alguma resposta da A. relativamente à assinatura do aditamento;
- no mesmo dia o referido mandatário informou a R. que se encontrava a aguardar indicações da A. em relação ao aditamento enviado;
- em 2/6/2021 a A. deu entrada em juízo da notificação judicial avulsa da R., subscrita por nova mandatária;
- em 29/6/2021 foi realizada a notificação da R.
Das declarações da A. resulta ainda que a mesma deixou de confiar no seu anterior mandatário (o referido Dr. Bruno S.), porque o aditamento que o mesmo lhe apresentou para assinar não correspondia ao que tinha falado com o mesmo, razão porque mudou de mandatário.
Ou seja, no âmbito do relacionamento mantido entre a A. e a R. as questões relativas ao cumprimento (ou incumprimento) das instruções da A., pelo mandatário da mesma, apresentam-se como irrelevantes, tendo presente que competia à A. a “palavra final” na obtenção de um acordo, que seria corporizado na assinatura de um aditamento ao contrato de arrendamento.
Pelo que, desde logo, é irrelevante que o referido mandatário da A. possa ter “prometido” à R. uma assinatura da A. no aditamento apresentado pela R.
Do mesmo modo que é irrelevante, da perspectiva da R., o motivo pelo qual a A. mudou de mandatário, dado que apenas a esta podia competir essa decisão.
Ou seja, se é certo que a R. ficou a aguardar a assinatura do aditamento, e ainda que tal assinatura lhe possa ter sido “prometida” pelo então mandatário da A., tal não apresenta qualquer relevo para a qualificação da conduta da A., no âmbito da excepção do abuso de direito, tendo presente o já acima exposto.
Já as restantes matérias que a R. pretende ver enunciadas no elenco de factos provados mais não representam que conclusões, a retirar da factualidade já aí elencada, como é o caso do lapso de tempo em que não houve contactos da A. com a R., ou como é o caso da circunstância de o aditamento não ter sido assinado porque a A. não concordou com o seu teor, dado que não expressava a sua vontade (apesar de poder resultar da negociação havida entre o seu mandatário e a R., mas em discordância com a referida vontade).
Assim, não há que aditar à factualidade provada a matéria especificada nas conclusões 9ª e 11ª do recurso da R., do mesmo modo que não há que alterar a redacção do ponto 36. dos factos provados.
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Por último, e relativamente à alteração do teor dos pontos 53. e 54. dos factos provados, entende a R. que deve ser referida a medida da redução de utilização do alojamento local explorado pela R., tal como a mesma foi indicada pela testemunha Rita N., funcionária da mesma com a categoria de recepcionista e que, por isso, é a pessoa melhor colocada no seio da organização da R. para explicar as quebras de exploração, durante os diversos períodos da pandemia de Covid-19.
Com efeito, a testemunha em questão, perguntada sobre “números que possa dar ao Tribunal”, referiu taxas de ocupação de 97%, em Fevereiro de 2020, que desceram para 30% em Março, e para entre 10% e 15% entre Abril e Junho de 2020.
Todavia, e como bem se refere na sentença recorrida, o seu depoimento carece do rigor que se impunha, para a afirmação de realidades desta natureza, desde logo quando colocado em confronto com o depoimento de Cláudia D. que, na sua qualidade de responsável financeira da R., conseguiu estabelecer termos de comparação entre a diminuição do volume de negócios (que, face ao tipo de actividade em questão, está directamente ligado ao volume de reservas) e os diferentes momentos da pandemia de Covid-19 (designadamente os momentos em que houve confinamentos gerais e total ausência de turistas, em resultado das restrições de circulação impostas), em termos tais que não coincidem com os momentos e as percentagens indicadas por Rita N.
Acresce que, assentando a actividade da R. de exploração de alojamento local em reservas, a constar dos respectivos suportes documentais (físicos e digitais), não seria difícil à mesma apresentar tais suportes, como forma de confirmar (ainda que com algum grau de desvio) as percentagens de quebra de reservas em cada um dos meses indicados por Rita N., o que não logrou fazer, como constituía seu ónus.
Assim, a diminuição da actividade da R. em razão da pandemia de Covid‑19 apenas pode ser seguramente afirmada por relação à diminuição do seu volume de negócios nos termos explicados pela referida Cláudia D., e apenas durante os dois períodos de confinamento geral e obrigatório (Março a Maio de 2020 e Janeiro a Março de 2021), por serem aqueles que se apresentam como necessariamente aptos a impedir a actividade do turismo e da consequente utilização de alojamento local, sendo de afastar o recurso às percentagens de diminuição de reservas afirmadas pela testemunhas Rita S.
Deste modo, também não há que alterar a factualidade provada sob os pontos 53. e 54.
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Em suma, na total improcedência das conclusões do recurso da R. relativamente à impugnação do julgamento da matéria de facto, mantém-se inalterada a decisão de facto constante da sentença recorrida.
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Da aplicação do instituto da modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias
Relativamente a esta questão, na sentença recorrida reconheceu-se a existência de fundamento para a modificação do contrato, mas tão só no que respeita aos juros de mora relativos às rendas vencidas em Abril de 2020, Dezembro de 2020 e Janeiro a Março de 2021, diferindo-se o início da contagem desses juros de mora para 1/7/2021, data que se considerou corresponder à da cessação das medidas legislativas excepcionais e temporárias que contendiam com os contratos de arrendamento.
Já a R. continua a defender que a modificação do contrato passa pelo perdão temporário de rendas, concretamente correspondente às rendas de cinco meses.
Recorde-se o que, a este respeito ficou referido na sentença recorrida, e que para aqui releva:
É entendimento deste Tribunal que o presente caso preenche os requisitos do instituto da alteração superveniente das circunstâncias, tendo o mesmo aplicação, motivo pelo qual se impõe aferir qual a modificação a determinar.
Tudo visto e considerado, cremos que a modificação a operar deve ser edificada tendo por base a legislação excepcional e temporária criada para esse efeito e durante esse período. E isto não só porque o caso concreto se encontra abrangido pelo âmbito objectivo da referida lei, mas também porque se entende que esse diploma legal espelha a capital garantia do princípio da boa fé e da repartição do risco contratual que se impõe acautelar.
Assim, a modificação em causa nunca poderá implicar o não pagamento das rendas de Março a Setembro de 2020 por parte da Ré, uma vez que não só o Estado de Emergência não esteve em vigor até Setembro de 2020, mas, e sobretudo, porque nunca fora criada legislação nesse sentido.
Aliás, decidir que a Ré não seria obrigada a pagar as rendas vencidas entre Abril e Setembro de 2020 seria uma completa subversão do instituto em análise: por um lado, descurava-se totalmente a posição da Autora, em flagrante desrespeito pelo princípio da boa fé, pois que nesse período temporal correria apenas sobre si o ónus de toda a situação associada à covid-19; por outro lado, seria uma decisão que contrariava o espírito patente na legislação excepcional e temporária criada durante a pandemia.
Deste modo, aquilo que se afigura como plausível passará sempre pelo pagamento integral das rendas vencidas, incluindo as que se venceram durante os períodos em que vigorou o Estado de Emergência, apenas sendo necessário atentar no momento em que se inicia a contagem dos juros de mora vencidos relativamente às rendas em atraso.
No acórdão citado pela Ré na sua oposição, foi decidido que deveriam ser pagas na totalidade as rendas vencidas, mesmo durante o Estado de Emergência, mas que o vencimento dos juros de mora deveria ser diferido, tendo como critério para a determinação de tal data, o início e a cessação de cada um dos Estados de Emergência decretados.
A nosso ver, a decisão referida alcança o equilíbrio perfeito entre as posições das partes, sem descurar a situação real e concreta da economia e da sociedade, provocada pela circunstância da pandemia da Covid-19.
Todavia, o caso dos autos distancia-se da situação aí em análise.
Não podemos olvidar que a Ré continuou a utilizar o locado, continuou a sua actividade e ficou assente que após o fim do último Estado de Emergência começou a ver melhorias significativas nas suas verbas (factos 53 a 55).
De facto, desde o Verão de 2021 que a actividade da Ré foi paulatinamente demonstrando índices positivos (facto 55), sendo essa, aliás, a realidade patente em todo o mundo que, nos dias de hoje, começa a voltar à normalidade – vulgo, circulação massiva de cidadãos e, em consequência, turistas.
Todavia, nem com esse aumento de actividade procedeu ao pagamento das rendas que se foram vencendo.
Acresce que, a Ré recebeu apoios do Estado (factos 44 e 45).
Dito de outro modo, as circunstâncias que provocaram uma alteração à exigência da prestação nos meses em que foi decretado o Estado de Emergência não se mantiveram durante todo o período em que a Ré não pagou as rendas à Autora.
E nestes meses, nomeadamente em todos os meses em que não foi decretado confinamento geral e obrigatório (factos 48 a 52), crê o Tribunal que a Ré não assegurou a igualdade do contrato entre as partes, mantendo a Autora numa situação de dificuldade, sem que tivesse tentado mitigar a mesma.
Por este motivo, é entendimento deste Tribunal que apenas as rendas vencidas durante o período de Estado de Emergência e no mês subsequente às respectivas cessações, e já não as restantes, devem ser atendidas para o cálculo de juros de mora com diferimento.
A este propósito, cumpre atentar que a partir de 1 de Julho de 2021 cessaram algumas das medidas excepcionais e temporárias criadas em virtude da pandemia da Covid-19, nomeadamente aquelas que contendiam com os contratos de arrendamento.
Ora, considerando que não se apurou concretamente a evolução da actividade da Ré durante os meses de Setembro de 2020 a Abril de 2021, tendo apenas sido referido que o ano de 2021 apresentou um balanço positivo, constatando-se, portanto, as melhorias significativas na sua actividade e volume de negócios (factos 53 a 55), crê o Tribunal que a solução equitativa passará por diferir o vencimento dos juros das rendas vencidas durante os meses em que foi decretado confinamento geral e obrigatório e, bem assim, no mês subsequente à sua cessação.
E isto porque, não obstante o término dos confinamentos gerais e obrigatórios certo é que não foram cessados imediatamente os Estados de Emergência decretados e, por essa razão, pelo menos no mês subsequente a tais cessações continuaram em vigor medidas restritivas à circulação de pessoas e que, consequentemente, tinham impacto directo na actividade da Ré.
Assim, os juros de mora relativos às rendas vencidas em Abril de 2020 e as rendas vencidas em Dezembro de 2020 a Março de 2021, apenas deverão ser contados a partir do dia 1 de Julho de 2021.
Por oposição, as restantes rendas vencem juros de mora desde o seu dia de vencimento.
Em face do expendido, e na esteira de tudo quanto foi supra-referido, é entendimento deste Tribunal que a pandemia provocada pela Covid-19 constituiu um evento imprevisível e que afectou a base do contrato de arrendamento em causa nos autos.
Perante tal consideração, impõe-se a modificação do contrato ao abrigo do artigo 437.º do Código Civil, determinando-se que é devido o pagamento de todas as rendas vencidas desde Abril de 2020, devendo, apenas, diferir-se o vencimento dos juros de mora das rendas vencidas durante os períodos de confinamento geral e obrigatório dos Estados de Emergências decretados em Portugal (nos períodos de Março a Abril de 2020 e Janeiro a Março de 2021), e, de igual modo, no mês subsequente à sua cessação, sendo os mesmos contabilizados desde 1 de Julho de 2021.
Com efeito, cremos que a data de 1 de Julho para início do vencimento dos juros de mora relativos às rendas vencidas no mês de Abril de 2020 e as rendas vencidas em Dezembro de 2020 a Março de 2021 se afigura equitativo, acautelando o princípio da boa fé, uma vez que pelo menos a partir de tal data a actividade da Ré começou a desenvolver-se de forma gradual, tendo recuperado muito com o decorrer do tempo (factos 53 a 55) e as medidas excepcionais e temporárias previstas para os contratos de arrendamento cessaram nessa data”.
Como há muito explica Menezes Cordeiro (Da alteração das circunstâncias, Lisboa, 1987, pág. 63), “o problema último da alteração das circunstâncias reside na existência de um contrato válido e, como tal, querido pelo Direito mas que, mercê de superveniências, entra em contradição com postulados básicos do sistema, expressos, por tradição românica, pela locução «boa fé». Tais postulados, podem compreender vectores diversificados, tais como as ideias de colaboração, de igualdade ou, até, certos direitos fundamentais. A colaboração apela para o escopo dos contratos, a prosseguir por ambas as partes e que perde o sentido quando modificações ambientais o distorçam. A igualdade sugere que a manutenção, da mesma regulação, em circunstâncias diferentes, conduz ao arbítrio do acaso. Os direitos fundamentais recordam que, em caso algum – mas tal sucederá em hipóteses limite – podem, pela execução de um contrato, ser postos em causa os valores fundamentais do ordenamento, consagrados, em regra, nas constituições modernas”.
Mais explica (pág. 65-66) que a expressão legal “circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar” indica que “não relevam superveniências a nível de aspirações subjectivas extra-contratuais das partes” e que “é o contrato – e logo os contratantes – que está em causa, e não as esperanças de lucro – ou de não perda – de somente um dos intervenientes, quando a lógica do negócio não esteja em causa”.
Por outro lado constitui entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina que a alteração anormal se prende com a ocorrência de um evento que as partes não podiam ter previsto, quando o contrato foi concluído.
Com efeito, e como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, 1987, pág. 413), “a lei não exige (…) que a alteração seja imprevisível, mas o requisito da anormalidade conduzirá praticamente aos mesmos resultados”.
Ou seja, não sofre qualquer controvérsia que a pandemia de Covid-19 constitui um evento imprevisível, na medida em que as partes (ou qualquer outra pessoa, colocada no lugar das mesmas) não podiam supor, sequer, a sua ocorrência. ao tempo da celebração do contrato.
E, nessa mesma medida, os efeitos da pandemia reconduzem-se a eventos que não era possível antecipar, quando o contrato foi celebrado.
Por outro lado, resulta da factualidade apurada que o contrato de arrendamento foi celebrado tendo em vista a utilização da fracção arrendada para o alojamento local, que constituía a actividade económica desenvolvida pela R.
E, do mesmo modo, da correspondência trocada entre as partes (tal como a mesma está expressa na factualidade provada) resulta que a A. adquiriu a fracção a uma sociedade do grupo económico da R., com recurso a um empréstimo bancário, e tendo exactamente em vista o seu arrendamento à R., para que esta aí desenvolvesse a referida actividade da exploração do alojamento local.
Ou seja, o motivo determinante da celebração do contrato de arrendamento foi a obtenção de proventos económicos por ambas as partes, sendo que, por parte da A., tais proventos haveriam de corresponder (idealmente) à diferença entre o valor das rendas recebidas e o valor das prestações a pagar pelo empréstimo e, por parte da R., tais proventos haveriam de corresponder (idealmente) à diferença entre os valores cobrados pelas estadias dos seus clientes e as rendas pagas à A.
É certo que sempre existia a possibilidade de a R. não lograr obter clientes para o alojamento na fracção arrendada, em volume tal que lhe permitisse cobrar as quantias necessárias ao pagamento da renda devida à A.
Mas essa flutuação do volume de clientes da R., porque inerente à natureza da actividade económica desenvolvida pela mesma, não permite afirmar que a mesma R. só estaria obrigada a pagar a renda acordada na medida da obtenção de um determinado volume de clientes (ou, se se quiser, da realização de uma determinada remuneração com a utilização da fracção como alojamento local).
Ou, dito de outra forma, constituía um risco próprio do contrato de arrendamento a não realização, pela R., de uma remuneração com a sua actividade de exploração do alojamento local na fracção arrendada, que sustentasse o pagamento da renda à A.
E, nessa medida, a verificação dessas alterações de remuneração constitui um risco próprio do contrato celebrado entre as partes, a determinar a impossibilidade de utilização do instituto da modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, à face do preceituado na parte final do referido nº 1 do art.º 437º do Código Civil.
O que equivale a afirmar que a ocorrência da pandemia de Covid-19, não obstante o seu carácter imprevisto e anormal, não desencadeia, sem mais, a possibilidade de utilização do referido instituto jurídico.
Pelo contrário, apenas na medida em que as consequências desse evento se reflictam na impossibilidade de a R. explorar o alojamento local na fracção da A. é que se pode afirmar a possibilidade de resolução ou modificação do contrato, como forma de recuperar os princípios da colaboração, da igualdade e, no limite, da protecção de direitos fundamentais, ínsitos ao princípio da boa fé enformador da execução contratual, afectado com gravidade pelas referidas “modificações ambientais” (utilizando a expressão de Menezes Cordeiro).
Ora, tal impossibilidade de exploração apresentou-se como manifesta durante os períodos da pandemia de Covid-19 em que estiveram em vigor confinamentos gerais e obrigatórios, estando proibida a livre circulação de pessoas (de Março a Abril de 2020 e de Janeiro a Março de 2021, como resulta da factualidade provada).
Com efeito, é sabido que foi nesses períodos que à actividade turística, em todas as suas vertentes (passando pela hotelaria tradicional e pelo alojamento local), a par da actividade da restauração, foram impostas regras de funcionamento que, na prática, corresponderam a uma cessação forçada de actividade.
Do mesmo modo, foi nesses períodos que as fronteiras se fecharam e foram suspensos voos comerciais de e para Portugal, o que representou, na prática, a interrupção do fluxo turístico estrangeiro em que assenta boa parte da economia nacional.
Ou seja, torna-se evidente que nos períodos em questão existe um evento imprevisto e anormal (as referidas restrições de circulação) que impediu a R. de levar a cabo a sua actividade de exploração do alojamento local, por falta de clientes para tanto.
E isso mesmo está reflectido na diminuição do seu volume de negócios, tal como resulta dos pontos 53. e 54. dos factos provados, nos meses de Março a Maio de 2020 e nos meses de Janeiro a Março de 2021.
Todavia, está igualmente provado que nos restantes períodos da pandemia de Covid-19 o volume de negócios da R. foi aumentando, a par da diminuição das referidas restrições.
Ou seja, não se pode afirmar, como pretende a R., que a pandemia de Covid-19 que se iniciou em 2020 (e ainda se mantém) a impediu de poder explorar o alojamento local na fracção arrendada à A. durante os 15 meses que se seguiram a Março de 2020, mas apenas que esse impedimento se verificou nos meses de Março a Maio de 2020 e de Janeiro a Março de 2021.
Por outro lado, e se esses impedimentos assim localizados temporalmente se devem caracterizar como uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, há que verificar de que modo a manutenção do programa contratual, durante os períodos em questão, é susceptível de afectar gravemente os referidos princípios da boa fé, para efeitos de encontrar a medida da modificação do mesmo programa contratual, em termos tais que recupere os princípios afectados.
Com efeito, não está em causa a resolução contratual, porque não é esse direito que a R. reclama não ter sido atendido pela A., mas o direito a obter a modificação do contrato, através da afirmação da extinção da sua obrigação de pagar as cinco rendas que se venceram em 1/4/2020 e em cada um quatro meses subsequentes (respeitantes aos meses imediatamente subsequentes).
Ora, face ao acima exposto quanto à delimitação temporal do primeiro dos períodos em que se verificou a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar (Março a Maio de 2020), desde logo se constata a inexistência do direito da R. a obter qualquer modificação do contrato, quanto às rendas que se venceram em 1/6/2020, 1/7/2020 e 1/8/2020.
E, do mesmo modo, no que respeita ao segundo dos períodos em que se verificou a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar (Janeiro a Março de 2021), desde logo se constata a inexistência do direito da R. a obter qualquer modificação do contrato, quanto às rendas que se venceram entre 1/8/2020 e 1/12/2020, e a partir de 1/4/2021.
Ou seja, independentemente de se dever (ou não) afirmar o direito da R. ao não pagamento das rendas vencidas em cada um dos meses em que se verificou a diminuição do seu volume de negócios por causa da pandemia da Covid-19 (Abril e Maio de 2020, e Janeiro a Março de 2021, e não estando em causa a renda vencida em 1/3/2020, certamente por ter sido paga ainda antes da primeira declaração do estado de emergência), nos restantes meses fica por verificar qualquer circunstancialismo que permita afirmar assistir à R. o direito ao não pagamento das rendas vencidas em cada um dos mesmos meses.
O que equivale a afirmar que, pelo menos relativamente às rendas que se venceram entre 1/6/2020 e 1/12/2020 e que se venceram desde 1/4/2021, estava a R. obrigada a entregar as mesmas à A., nos termos estipulados no contrato celebrado entre ambas.
Assim, e resultando demonstrado que a R. não procedeu ao pagamento em questão, à face do disposto nos nº 3 e 4 do art.º 1083º do Código Civil surgiu na esfera jurídica da A. o direito à resolução do contrato, com base no incumprimento da obrigação pecuniária em questão, direito que esse que a mesma exercitou validamente através da notificação judicial avulsa efectuada em 29/6/2021, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art.º 1084º do Código Civil.
É certo que a R. entende que, assistindo-lhe o direito a não pagar as cinco rendas vencidas entre 1/4/2020 e 1/8/2020, em razão da invocação do direito à modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, do mesmo modo não se tornaram exigíveis as rendas subsequentes. E, nesta medida, não é válida a comunicação resolutória efectuada pela notificação de 29/6/2021, assim se mantendo em vigor o contrato de arrendamento.
Todavia, e ainda que se verificasse a divergência sobre a concreta existência e configuração do direito da A. à modificação do contrato, desde logo relativamente à não obrigação de pagamento das rendas vencidas até 1/8/2020, nunca tal significaria que a R. estava desobrigada de pagar as rendas vencidas em 1/9/2020 e nos meses subsequentes.
Com efeito, mesmo estando instalada a referida divergência entre as partes sobre a (não) obrigação de pagamento das rendas vencidas até 1/8/2020, resulta da conjugação do art.º 1041º, nº 3 e 4, do Código Civil, com o art.º 15º, nº 8, do NRAU, que continuava a assistir à A. o direito ao recebimento das rendas que se fossem vencendo subsequentemente, e que a R. devia depositar, caso a A. recusasse recebê‑las (o que não está demonstrado que tenha sucedido).
Ou seja, estando demonstrado que as rendas vencidas (pelo menos) entre 1/9/2020 e 1/12/2020, e entre 1/4/2021 e 1/6/2021, não foram pagas pela R. à A., nem depositadas nos termos gerais, a circunstância de estar a ser discutida a modificação do contrato, no que respeita à extinção da obrigação de pagamento das rendas vencidas entre 1/4/2020 e 1/8/2020, permitia à R. resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas em 1/9/2020 e nos meses subsequentes, assim se podendo afirmar a validade da declaração de resolução comunicada pela notificação judicial avulsa de 29/6/2021.
E, nesta medida, improcedem as conclusões do recurso da R., no que respeita à pretendida aplicação do instituto da modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias, como forma de tornar inválido o direito à resolução do contrato que o tribunal recorrido afirmou.
Por outro lado, os efeitos da referida alteração das circunstâncias, no que respeita à modificação do contrato, nos referidos meses de Abril e Maio de 2020, e de Janeiro a Março de 2021, não poderiam conduzir à extinção do direito de crédito da A. correspondente ao recebimento das rendas no dia 1 de cada um desses meses, mas apenas ao diferimento do pagamento de cada uma das mesmas.
Com efeito, importa não esquecer que, como bem se observa na sentença recorrida, a pandemia de Covid-19 demandou uma produção legislativa de carácter excepcional e temporário, de onde avultam, entre muitas outras regras, aquelas aplicáveis aos arrendamentos, habitacionais e não habitacionais.
Assim, e de acordo com o art.º 8º da Lei 4-C/2020, de 6/4, nos contratos de arrendamento não habitacionais foi admitido ao arrendatário o diferimento do “pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa”.
Tal preceito legal, embora não aplicável directamente ao caso dos autos (desde logo porque a R. nunca declarou à A. pretender o diferimento do pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigorou o estado de emergência, mas a extinção pura e simples da obrigação de pagamento das mesmas), serve como auxiliar interpretativo para a definição dos juízos de equidade que devem estar presentes na modificação do programa contratual, durante os períodos acima referidos (Março a Maio de 2020 e Janeiro a Março de 2021).
Com efeito, se a regra que emerge do nº 1 do art.º 437º do Código Civil tem carácter genérico e indeterminado, carecendo de ser interpretada de acordo com a especificidade revelada pelo caso concreto, e se a situação em que se integra o caso concreto (a ocorrência da pandemia de Covid-19 e suas consequências) demandou uma produção legislativa de carácter excepcional, qualquer norma daí emergente que preveja situação idêntica à do caso concreto sempre se há-de considerar como norma interpretativa daquela norma de carácter indeterminado, na medida em que densifica a mesma.
Assim, e no caso concreto, há-de entender-se que a recondução dos princípios da boa fé, que foram abalados pelo evento imprevisto e anormal (as referidas restrições de circulação) que impediu a R. de levar a cabo a sua actividade de exploração do alojamento local, por falta de clientes para tanto, durante os meses de Abril e Maio de 2020 e de Janeiro a Março de 2021, passa tão só pelo diferimento do pagamento das rendas vencidas durante esses cinco meses, para o início de Julho de 2021, não só porque este é o momento em que, de facto, cessou o estado de emergência (na perspectiva da retoma completa da actividade económica, com a chegada do período estival, como foi público e notório), mas igualmente porque corresponde ao momento subsequente à notificação judicial avulsa da R. (através da qual esta não mais podia ignorar que estava em falta com o cumprimento daquelas obrigações pecuniárias).
Já a consideração da extinção da obrigação do pagamento das cinco rendas em questão (ou de quaisquer outras cinco, das rendas vencidas desde Abril de 2020 a Junho de 2021) representaria um desequilíbrio intolerável da situação de igualdade que as partes devem prosseguir na execução do contrato. Com efeito, e não obstante estar verificado que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar se prenderam com a obtenção de proventos para ambas, dispensar a R. da obrigação de pagar as rendas à A., sem que correspectivamente a A. ficasse dispensada de pagar a amortização do empréstimo (ou pudesse passar a dispor da sua fracção para a fazer frutificar por forma alternativa, mantendo o escopo contratual objectivo de obtenção de verbas para a referida amortização), significaria estar a atender à vontade da R. de não perder os seus proventos, mas com dispensa do cumprimento do seu dever contratual de contribuir para a prossecução do igual interesse negocial da A.
E é por isso que o legislador extraordinário não estatuiu no sentido da extinção da obrigação do pagamento da renda, mas apenas no diferimento desse pagamento, porque no escopo geral dos arrendamentos para fins não habitacionais só assim logrou assegurar o respeito pela boa fé que deve enformar a execução de todo e qualquer contrato, mesmo que essa execução se veja atingida por eventos imprevisíveis, como as referidas consequências da pandemia de Covid-19.
Assim, mantendo-se a obrigação de pagamento das rendas vencidas em Abril e Maio de 2020 e em Janeiro a Março de 2021, e verificado o atraso nesse pagamento, a consequência do mesmo é o pagamento de juros de mora sobre as rendas em questão, mas contados tão só desde 1/7/2021, e não desde o vencimento de cada uma das mesmas, no dia 1 de cada um dos meses em questão.
Pelo que, também nesta parte, improcedem as conclusões do recurso da R., salvo quanto à alteração das al. c) e d) do dispositivo da sentença recorrida, no que respeita à indicação dos meses a que respeitam as rendas vencidas que vencem juros desde o seu vencimento (Junho a Dezembro de 2020 e de Abril a Junho de 2021, e não Maio a Novembro de 2020 e de Abril a Junho de 2021), e no que respeita à indicação dos meses a que respeitam as rendas vencidas que vencem juros desde 1/7/2021 (Abril e Maio de 2020 e Janeiro a Março de 2021, e não Abril de 2020, Dezembro de 2020 e Janeiro a Março de 2021).
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Do exercício abusivo do direito à resolução do contrato
Relativamente a esta questão, consta da sentença recorrida a seguinte fundamentação para a afirmação da inexistência de qualquer situação de abuso de direito:
Conforme resulta da factualidade assente, foram encetadas negociações desde o início do incumprimento contratual por parte da Ré e a Autora sempre respondeu aos emails enviados (factos 14 a 37). Por outro lado, ficou provado que foram realizados vários contactos telefónicos e que as partes sempre mantiveram as conversações, mesmo quando a presente acção já se encontrava em juízo (facto 43).
Sucede que, como é do conhecimento geral, as negociações implicam o envio de propostas e contrapropostas e tempo razoável para a sua análise.
Ora, foi isso que aconteceu nos presentes autos.
As partes continuaram as negociações e, sem olvidar que em certos momentos estiveram muito perto de alcançar um acordo, a verdade é que não lograram obter o mesmo, não se podendo daí extrair que a Autora criou na Ré uma expectativa infundada de acordo, pois que foi sempre muito clara em todas as comunicações que dirigiu à Ré.
Mais, mesmo após a apresentação do presente procedimento especial de despejo, e conforme resulta do facto 43, a Autora, através da sua mandatária, informou o mandatário do Réu que aquela declinava a proposta apresentada e que iria aguardar pelo decurso da presente acção, sem prejuízo de ser alcançado acordo já durante a pendência da mesma.
Deste modo, não se vê como se pode considerar abusiva a posição da Autora no momento em que procedeu à resolução do contrato através de notificação judicial avulsa (facto 10), pois que tal facto apenas ocorreu volvidos 15 meses após o início do incumprimento por parte da Ré e sempre com comunicações entre as partes que traduziram a insatisfação da Autora perante a manutenção desta situação de inadimplemento.
Em face do aduzido, dúvidas não restam a este Tribunal que não se verificam os pressupostos do artigo 334.º do Código Civil e que a Autora não criou uma expectativa na Ré tendo, posteriormente, agido em sentido oposto, pelo que não violou o princípio da confiança e, concomitantemente, o princípio da boa fé”.
A R. reafirma o que já havia feito constar da sua oposição, no sentido de a actuação da A., em 2/6/2021, ser contraditória com a sua actuação entre Março de 2020 e Março de 2021, através da qual criou na R. a convicção da manutenção do contrato de arrendamento, através da outorga de um aditamento ao mesmo que contemplasse a modificação que se impunha em razão da pandemia da Covid-19 e suas consequência, no sentido do “perdão” de cinco meses de rendas.
Não está minimamente em causa tudo o que ficou dito na sentença recorrida, bem como na alegação de recurso da R., relativamente às circunstâncias em que deve ser afirmado o exercício abusivo de um direito, nos termos do art.º 334º do Código Civil.
Com efeito, do art.º 334º do Código Civil resulta que é abusivo (ou ilegítimo) o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé ocorre quando o titular do direito viola o princípio da confiança que nele foi depositada pela contraparte, através da prévia aquisição da expectativa de uma conduta de sinal contrário à que se mostra adoptada.
Este sentido interpretativo é aquele que é seguido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como no acórdão de 12/2/2009 (relatado por Azevedo Ramos e disponível em www.dgsi.pt), aí se referindo que “no âmbito da fórmula “manifesto excesso” cabe a figura da conduta contraditória (venire contra factum proprium), que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes actuara”. E no mesmo acórdão refere-se ainda que “o abuso do direito só deve funcionar em situações de emergência, para evitar violações chocantes do direito e da justiça”.
Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/11/2010 (relatado por Sebastião Póvoas e disponível em www.dgsi.pt), é afirmado que o abuso de direito, “tal como resulta do seu “nomen juris”, pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico (artigo 334.º do Código Civil).
Quer o preceito vigente (com redacção idêntica à do artigo 334.º do Anteprojecto do Código Civil [2.ª revisão ministerial], quer a primeira proposta – artigo 297.º - 1.ª revisão ministerial – “O exercício de um direito (…) através de factos que contrariem os princípios éticos fundamentais do sistema jurídico (…).”) têm ínsito o “qui jure sua utitur”, ou seja, que o abusador surja titular de um direito subjectivo, ou de parte dele.
E, então, ou o utiliza licitamente – dentro dos limites do direito objectivo – ou ultrapassa limites que a ética, a boa fé e o fim social não toleram.
Assim, são os casos de “venire contra factum proprium”, em que o exercício contradiz uma conduta antes presumida ou proclamada pelo agente (Cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2007 – 07 A1180, desta Conferência e de 30 de Março de 2006 – P.º 3921/05, 4.ª).
Aí, o ponto de partida é uma anterior conduta de um sujeito jurídico que “objectivamente considerada é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira.” (cf. Prof. Baptista Machado, apud “Obra Dispersa”, 1, 415 e ss).
A conduta pregressa terá criado na contraparte uma situação de confiança com base na qual esta tenha tomado disposições ou organizado planos que, gorados, lhe causarão danos.
Tem aqui ínsita a ideia de “dolus praesens”, a trair um investimento de confiança feito pela outra parte, originado por dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidas no tempo. (cf. o Prof. Menezes Cordeiro, “o primeiro – o ‘factum proprium’ – é, porém, contrariado pelo segundo”, apud, “Da Boa Fé no Direito Civil”, 45; e ROA – 58, 1998, 964)”.
Do mesmo modo, e a propósito do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (correspondente à invocada pela R.), afirmou o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 12/11/2013 (relatado por Nuno Cameira e disponível em www.dgsi.pt), que “são pressupostos desta modalidade de abuso do direito (…) os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou”.
Reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, desde logo não se verifica qualquer actuação de sinal contrário da A., no sentido de considerar que a falta de pagamento das rendas pela R. não conduzia à possibilidade de fazer uso do seu direito à resolução contratual, fazendo depois uso daquele direito.
Com efeito, o que se verifica é que a R. incumpriu com a sua obrigação de pagamento das rendas, a partir da que se venceu em 1/4/2020, e, nessa sequência, propôs à A. um “perdão” de rendas, que a A. não aceitou, pelo que lhe propôs, então, uma moratória relativa ao pagamento de seis rendas, em termos que a A. também não aceitou.
Mais se verifica que na carta de 21/5/2020 a A. continuava a afirmar à R. que a “minha resposta é a mesma que há 1 mês e meio atrás: não posso conceder perdão de rendas”, mais propondo à R. o “diferimento de 6 meses de renda”.
E como a R. não lhe deu qualquer resposta, por carta de 7/7/2020 a A. comunicou à R. que a proposta anterior estava caducada, e bem ainda que até à data não havia recebido qualquer pagamento da R. e que os pagamentos das rendas em dívida deviam ser feitos de acordo com a legislação então aprovada (ou seja, a acima referida Lei 4‑C/2020, de 6/4, já referida na carta de 21/5/2022).
Em resposta a R. propôs à A. (em 15/7/2020) rescindirem o contrato de arrendamento para que a A. arranjasse outro inquilino, com a colaboração da R., e ficando a A. com o “mobiliário para acerto de contas não havendo nada a pagar”, tendo recebido da A. a resposta de que não estava interessada no mobiliário em questão e que necessitava, antes, do valor das rendas em dívida.
Depois disso, só em Novembro de 2020 as partes retomaram o diálogo, sendo agora a A. representada por mandatário, e sendo apresentada pela R. nova proposta, em 5/1/2021 (depois de ser questionada sobre o seu silêncio, relativamente a uma proposta apresentada pela A. em 26/11/2020), que compreendia o “perdão de 5 meses de renda”, “fazer adenda esta semana com assinatura da mesma e pagamento do acordado ainda esta semana” e bem ainda a “retirada da penalização de 7.500 € do contrato de arrendamento”.
Relativamente a esta proposta, o referido mandatário comunicou à R., em 9/3/2021, que “a nossa cliente aceitava a proposta apresentada”, e que a R. poderia “preparar a adenda ao contrato de arrendamento nos referidos termos”.
E tendo a R. enviado a “adenda” em questão ao mesmo mandatário, por e-mail de 12/3/2021, o mesmo informou a R. que se encontrava a aguardar indicações da A em relação ao documento.
Ou seja, nem sequer as partes formalizaram o referido “perdão de 5 meses de renda”, já que a A. não assinou a minuta correspondente apresentada pela R., pelo e‑mail de 12/3/2021, nem sequer a A. veio declarando à R., durante o período em curso, que as rendas que se iam vencendo e não iam sendo pagas não constituíam óbice à manutenção do contrato.
Aliás, a troca de declarações de Julho de 2020 aponta no sentido contrário, visando a A. o termo do contrato de arrendamento e o pagamento das rendas vencidas.
Pelo que é de concluir que a conduta da A. sempre foi no sentido de assegurar a efectividade do seu direito de crédito, correspondente ao pagamento das rendas vencidas, mas sem que isso significasse necessariamente a manutenção do contrato de arrendamento.
Assim, quando a A. não assinou a minuta do aditamento ao contrato que a R. apresentou e subsequentemente lhe comunicou a resolução do contrato, não praticou qualquer acto contrário à sua actuação anterior, mas antes se limitou a retirar as consequências óbvias da circunstância de estar sem receber rendas da R. há 15 meses, do mesmo modo aguardando que a R. tomasse qualquer iniciativa de entregar alguma quantia, por já lhe ter comunicado as implicações desse não recebimento.
Por outro lado, importa não esquecer o disposto no art.º 232º do Código Civil, nos termos do qual o âmbito do acordo de vontades deve abranger todas e cada uma das cláusulas sobre as quais qualquer uma das partes tenha julgado necessário o acordo.
Ou seja, tendo sido entendido entre as partes que o acordo com vista à modificação do contrato envolvia a assinatura de um aditamento ao mesmo, só com tal assinatura se podia afirmar que a vontade das partes no sentido da manutenção do contrato ficava validamente expressa, não sendo relevante a afirmação do mandatário da A. à R., no sentido da mesma ir assinar o aditamento, para criar na R. a convicção séria e fundada de que a circunstância de não pagar rendas à A. há 15 meses não mais conduzia à possibilidade de a A. lançar mão do direito à resolução do contrato, com fundamento na falta desse pagamento.
Em suma, desde logo fica por demonstrar a existência de uma conduta de sinal contrário da A., pressuposto primeiro para se afirmar que a actuação da A. de 2/6/2021 representa o exercício abusivo do direito que lhe assistia à resolução do contrato.
Por outro lado, do acima exposto quanto à conduta das partes também se pode retirar que não se verifica qualquer investimento de confiança da R., traduzido numa actuação conforme à convicção da manutenção do contrato de arrendamento.
Com efeito, e visando a R., tão só, o “perdão” de cinco das quinze rendas vencidas, não cuidou de entregar à A. o valor daquelas dez rendas remanescentes que estavam em dívida, e sobre as quais não podia subsistir qualquer dúvida que sempre foram devidas à A.
Ora, entende-se que, nas circunstâncias concretas em que decorreu a negociação entre as partes, tal actuação que a R. omitiu seria essencial para afirmar a criação de um estado de confiança da R. na manutenção do programa contratual.
Ou, dito de outra forma, a entrega do valor em questão pela R. à A. permitiria afirmar que a R. sempre acreditou que a A. visava, tão só, a manutenção do contrato, razão pela qual actuava em conformidade, mantendo a execução do contrato em tudo aquilo que não estava a ser discutido para efeitos de modificação do mesmo. O que, no caso, não ocorreu relativamente à actuação da R.
Assim, e porque também não se pode afirmar a criação do referido investimento de confiança por parte da R., fica reforçada por esta via a conclusão da improcedência da excepção do abuso de direito invocada pela mesma.
Ou seja, também quanto a esta questão improcedem as conclusões do recurso da R.
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Da caducidade do direito à resolução do contrato
Relativamente a esta questão, afirmou-se na sentença recorrida que não se verifica a caducidade a que respeita o art.º 1085º do Código Civil, na medida em que do nº 3 do referido preceito legal resulta que o prazo de caducidade aí expresso não se completa antes de decorrido um ano da cessação do facto, quando se trate de facto continuado ou duradouro, mais se entendendo que o não pagamento de rendas que conduz ao exercício do direito à resolução é um facto continuado.
A R. contrapõe que as regras sobre a caducidade do direito à resolução do contrato fundado na falta de pagamento de rendas devem ser interpretadas no sentido de a caducidade ocorrer passados três meses após a falta de pagamento de qualquer renda.
E, nessa medida, quando a A. requereu, em 2/6/2021, a notificação da R. para lhe dar conhecimento da declaração de resolução, há muito se havia esgotado o prazo de três meses, relativamente a cada uma das rendas vencidas em 1/4/2020, 1/5/2020 e 1/6/2020.
É inequívoco que do nº 2 do art.º 1085º do Código Civil resulta que o prazo de caducidade do direito de resolução pelo senhorio é de três meses, a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, quer quando tal fundamento seja a falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, e que esteja em mora igual ou superior a três meses (nº 3 do art.º 1083º do Código Civil), quer quando seja a falta de pagamento de mais de quatro rendas, seguidas ou interpoladas num período de 12 meses, e que estejam em mora superior a oito dias (nº 4 do art.º 1083º do Código Civil).
Como se afirmou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/2/2019 (relatado por Filipe Caroço, referido pela R. para fundamentar a sua posição, e disponível em www.dgsi.pt), em termos praticamente unânimes na jurisprudência e na doutrina, “o fundamento de resolução do contrato de locação previsto no art.º 1083º, nº 3, do Código Civil, corresponde a uma situação que, uma vez preenchida, torna de per se inexigível para o locador a manutenção do arrendamento. Basta que a situação de mora no pagamento da renda seja igual ou superior a três meses para se dever considerar existir, automaticamente, incumprimento grave da obrigação do locatário determinante da não exigibilidade de manutenção do contrato”. E mais se afirmou, nos mesmos termos, que “o prazo de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio, a que se refere o art.º 1085º, nº 2, do Código Civil, é de três meses a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, ou seja, a contar, não do conhecimento da falta de pagamento da renda, mas do conhecimento da existência de mora de três meses no pagamento da renda (fundamento expresso no art.º 1083º, nº 3, do Código Civil), pelo que o seu dies a quo nunca pode ser anterior ao decurso deste prazo de atraso no pagamento da renda”.
Do mesmo modo, no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 24/4/2019 (relatado por Gabriela Cunha Rodrigues e onde o ora relator intervém como segundo adjunto, disponível em www.dgsi.pt), refere-se que “a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na mora no pagamento da renda, prevista no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil, deve ser efectivada no prazo de três meses a contar do conhecimento do correspondente facto”, mais se referindo que “o período de contagem da caducidade de três meses, previsto no artigo 1085.º, n.º 2, do Código Civil tem início com o primeiro incumprimento, independentemente do mês e do ano civil em causa”, e bem ainda que “o termo a quo da contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verifica o conhecimento da situação de mora superior a 8 dias, no pagamento da renda, por mais de 4 vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, período esse que, em caso de sucessivos incumprimentos pelo locatário, se vai como que renovando a cada novo incumprimento (desde que não tenha ainda decorrido um período superior a 12 meses relativamente aos 5 incumprimentos em causa)”.
Ou seja, ao senhorio assiste o direito à resolução do contrato sempre que o arrendatário não pague uma renda na data do seu vencimento e se mantenha em mora com essa obrigação de pagamento da renda por três ou mais meses.
Mas decorridos três meses desde o vencimento da renda em dívida, inicia-se a contagem do prazo de caducidade desse direito à resolução do contrato, completando‑se o mesmo em três meses.
Assim, e relativamente a uma renda que se vença em 1 de Janeiro, nasce o direito do senhorio a resolver o contrato em 1 de Abril e caduca em 1 de Julho, se não for entretanto exercido.
Já quando está em causa o não pagamento de mais de quatro rendas, num período de doze meses, assiste ao senhorio o direito à resolução do contrato sempre que a mora, quanto ao pagamento de cada uma das rendas, se mantenha por mais de oito dias.
Todavia, neste segundo caso torna-se necessário considerar que a necessidade de existência de várias rendas em mora, para efeitos do surgimento do direito à resolução do contrato, faz com que o termo inicial do prazo de caducidade desse direito há-de corresponder ao decurso do referido prazo de doze meses em que ocorreu o não pagamento de mais de quatro rendas e em que a mora se prolonga por mais de oito dias.
Assim, e relativamente a cinco rendas que se tenham vencido em 1 de Janeiro e no dia 1 de cada um dos quatro meses subsequentes (Fevereiro a Maio), nasce o direito do senhorio a resolver o contrato em 9 de Maio e caduca em 9 de Agosto, se não for entretanto exercido.
Por outro lado, como em relação a cada uma das rendas vencidas e não pagas subsequentemente vai surgindo (renovadamente) o direito do senhorio à resolução do contrato, com fundamento nessa falta de pagamento (consoante a mora relevante, para os efeitos do nº 3 ou do nº 4 do art.º 1083º do Código Civil), bem pode suceder que esse direito se vá renovando sucessivamente, na mesma exacta medida das rendas vencidas e não pagas.
Ou seja, a falta de pagamento de cada uma das rendas não corresponde a um facto continuado ou duradouro (como referido na sentença recorrida), para efeitos da aplicação do disposto no nº 3 do art.º 1085º do Código Civil, mas a repetição da falta de pagamento, quanto a cada uma das rendas que se vão vencendo, desencadeia os mesmos efeitos que o facto continuado ou duradouro produz, no que respeita à não ocorrência do termo do prazo da caducidade.
Assim, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto, importa verificar que a R. não pagou a renda que se venceu em 1/4/2020 e as rendas que se venceram no dia 1 de cada um dos meses subsequentes, até que em 2/6/2021 a A. requereu a notificação da R. de que considerava resolvido o contrato de arrendamento, por falta de pagamento das rendas em questão.
Ou seja, tendo presente que à data da notificação da R. (29/6/2021) estavam vencidas rendas todos os meses e desde 1/4/2020, e tendo igualmente presente que em todas elas a mora se prolongou por mais de oito dias (e mesmo por mais de três meses, quanto às que se venceram anteriormente a esse prazo), não obstante se poder afirmar que já havia caducado o direito da A. à resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas em 1/4/2020, 1/5/2020 e 1/6/2020 (como defendido pela R.), não havia caducado o direito da A. à resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento das restantes rendas, desde logo aquele conjunto de cinco rendas correspondentes às vencidas entre 1/1/2021 e 1/5/2021, porque em relação a todas elas a mora perdurou por mais de oito dias e porque no seu conjunto estão compreendidas num período de doze meses cujo termo não dista mais de três meses da data da notificação da R.
Ou seja, tal basta para concluir que a A. exerceu validamente o seu direito à resolução do contrato, sendo indiferente que em relação às rendas vencidas em 1/4/2020, 1/5/2020 e 1/6/2020 o direito em questão estivesse já caducado.
Nesta medida, e sem necessidade de ulteriores considerações, também quanto a esta questão da caducidade do direito da A. à resolução do contrato improcedem na sua totalidade as conclusões do recurso da R.
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Da determinação da indemnização pela não restituição do locado
Na sentença recorrida foi reconhecido que a A. exerceu validamente o seu direito à resolução do contrato, através da notificação da R. concretizada em 29/6/2021, daí decorrendo a obrigação da R. de entrega do locado após o decurso do prazo de 30 dias contado de tal notificação, por força do disposto no art.º 1087º do Código Civil.
E mais estando demonstrado que tal entrega do locado não ocorreu até ao termo desse prazo, nem posteriormente, mantendo-se o mesmo na detenção da R., foi determinado o pagamento da indemnização a que respeita o art.º 1045º do Código Civil, desde o termo desse prazo e até efectiva desocupação e entrega do locado à A., a qual foi calculada por referência ao valor da renda mensal, em singelo.
A A. insurge-se contra o cálculo assim referido, na medida em que o nº 2 do referido art.º 1045º do Código Civil refere, no que respeita à indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, que a indemnização a que respeita o nº 1 é elevada ao dobro, logo que o locatário se constitua em mora.
Recorde-se que a indemnização a que respeita o nº 1 do mesmo art.º 1045º do Código Civil é aquela que é devida pelo locatário ao locador entre o momento em que finda o contrato e o momento da restituição, em todos os casos em que a coisa locada não é restituída assim que finda o contrato, e corresponde ao valor da renda (ou aluguer).
Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume II, 3ª edição revista e actualizada, 1986, pág. 406-407), “se findo o contrato, não houver mora do locatário quanto à obrigação de restituição da coisa locada (…), o contrato prolonga-se até à entrega da coisa, devendo o locatário continuar a pagar, agora a título de indemnização, a renda ou aluguer convencionado”, mais justificando a justeza de tal indemnização, “visto que ele continua a usar a coisa em prejuízo do locador”. E mais referem que, no caso de haver mora do locatário, “a sua responsabilidade aumenta, fixando a lei como indemnização o dobro da que resultaria no caso previsto no número anterior [o nº 1]”, explicando ainda que tal “mora no cumprimento da obrigação de restituir não tem de pautar-se, quanto ao seu regime, pela mora no pagamento das rendas”, tal como esta última está prevista no art.º 1041º do Código Civil.
Ou seja, em todos os casos em que o momento em que o contrato de arrendamento se tem por findo não coincide com o momento em que o arrendatário está obrigado a restituir o local arrendado, fica este obrigado a continuar a pagar ao senhorio o valor devido a título de renda, já não enquanto tal (porque a obrigação de pagamento da renda não subsiste mais, como efeito do fim do contrato), mas enquanto indemnização por se manter na detenção do local arrendado e assim impedir o senhorio (em bom rigor terminológico, o ex‑senhorio) de usar e fruir do mesmo.
Um dos casos em que tais momentos não são coincidentes é aquele em que o contrato cessa porque o senhorio exerceu o direito à resolução a que respeita o art.º 1083º do Código Civil, já que resulta do art.º 1087º do Código Civil que a desocupação só é exigível após o decurso do prazo de um mês a contar da resolução.
Assim, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto, logo se alcança a razão que assiste à A., no sentido da indemnização devida pela não desocupação da fracção arrendada, após o decurso do prazo de um mês contado da notificação da R. de 29/6/2021, ser elevada ao dobro daquela devida durante esse prazo.
Sustenta a R., na sua alegação de resposta ao recurso da A., não haver lugar ao pagamento de qualquer indemnização correspondente ao dobro do valor da renda, já que entende que a não restituição não lhe é imputável, porque não foi interpelada para tanto, e só se devendo considerar em mora quanto ao cumprimento da obrigação de restituição com tal interpelação, mas não quando terminou o contrato de arrendamento.
Basta atentar no teor do art.º 1087º do Código Civil para concluir pela falta de fundamento da posição da R.
Com efeito, não carecendo a resolução do contrato por falta de pagamento das rendas de ser declarada judicialmente, já que opera pela comunicação do senhorio ao arrendatário, nos termos previstos no nº 2 do art.º 1084º do Código Civil, e resultando do art.º 1087º do Código Civil o momento em que a restituição do local arrendado é devida, ainda que diferidamente em relação ao momento do fim do contrato, com a referida comunicação a R. ficou a saber o exacto momento em que tinha de desocupar o local arrendado.
Ou seja, está-se perante um dos casos a que alude a al. a) do nº 2 do art.º 805º do Código Civil, quanto ao momento a considerar para a constituição em mora, pois que se está perante obrigação que tem prazo certo para ser cumprida (neste caso, determinado por via legal), assim se prescindindo da interpelação a que alude o nº 1 do art.º 805º do Código Civil, para considerar o devedor (neste caso, a R.) constituído em mora.
Isso mesmo resulta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2012 (relatado por Garcia Calejo e disponível em www.dgsi.pt), quando aí se afirma, num caso semelhante ao dos autos, que como sobre a aí arrendatária incumbia a restituição do local arrendado, seis meses depois de findo o contrato de arrendado (por caducidade), o momento da mora nessa restituição apura-se de harmonia com o disposto no art.º 805º, nº 2, al. a), do Código Civil, excluindo tal preceito legal a necessidade de interpelação da arrendatária para entrega do local arrendado, nos termos do nº 1 do referido art.º 805º.
Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência citadas pela R. para defender a necessidade de interpelação judicial (ou extrajudicial), para efeitos de constituição em mora quanto à obrigação de restituição do local arrendado, não têm aqui aplicação, na medida em que respeitam a situações anteriores à entrada em vigor do art.º 1087º do Código Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 6/2006, de 27/2 (e alterada pela da Lei 31/2012, de 14/8).
Assim, e relativamente a esta questão do cálculo da indemnização a que alude o art.º 1045º do Código Civil, procedem na sua totalidade as conclusões do recurso da A., havendo que alterar a sentença recorrida em conformidade, no que respeita às al. e) e f) do dispositivo da mesma.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso do R. e procedente o recurso da A., alterando-se as al. c) a f) do dispositivo da sentença recorrida nos seguintes termos:
c) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Junho a Dezembro de 2020 e de Abril a Junho de 2021, condenar a R.  no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o seu vencimento até efectivo e integral pagamento;
d) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Abril e Maio de 2020 e Janeiro a Março de 2021, condenar a R.  no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o dia 01/07/2021 até efectivo e integral pagamento;
e) Condenar a R. no pagamento de € 1.233,33 (mil duzentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), a título de indemnização devida ao abrigo do disposto no art.º 1045º, nº 1, do Código Civil, pela não restituição da fracção identificada em a) entre 29/6/2021 e 30/7/2021;
f) Condenar a R. no pagamento da quantia mensal de € 2.466,66 (dois mil quatrocentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a título de indemnização devida ao abrigo do disposto no art.º 1045º, nº 2, do Código Civil, por cada mês decorrido entre 31/7/2021 e a efectiva restituição e entrega da fracção identificada em a).
Custas na acção e em cada um dos recursos pela R.

15 de Setembro de 2022
António Moreira
Carlos Castelo Branco
Orlando Nascimento