Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
80/22.8T8CSC-A.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: PESSOA COLECTIVA
CITAÇÃO
FORMALIDADES
ASSINATURA DO AVISO DE RECEPÇÃO
DILAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A citação de uma sociedade por carta registada com aviso de recepção, nos termos do artigo 246.º, 228.º, 223.º, n.ºs 1 e 3 e 225.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, em que o aviso é assinado nas instalações da sua sede, por uma pessoa devidamente identificada, é uma citação pessoal (e não uma citação pessoal indirecta, tal como se estabelece para as pessoas singulares, nos artigos 228.º, n.ºs 2 a 4, 230.º, n.ºs 1 e 2, e 232.º, n.º 2, alíneas b), n.º 3, n.º 4 e n.º 6).
II – Nesse caso não pode considerar-se que a sociedade foi citada em pessoa diversa da ré, mas na sua própria pessoa, pelo que, nem há que proceder à advertência prevista no artigo 233.º, nem ao prazo de defesa acresce a dilação de 5 dias prevista pelo artigo 245.º, n.º 1, alínea a).
III – A pessoa que assina o aviso de recepção nas instalações da sede da Ré (aí em exercício de funções e devidamente identificada) tem-se como empregada/funcionária desta, independentemente do seu tipo de vinculação formal em termos contratuais (contrato de trabalho, prestação de serviços ou outro), coincidindo este conceito como o de “funcionário da citanda” que consta do n.º 3 do artigo 246.º.
IV – Uma pessoa colectiva pressupõe uma estrutura, uma organização (por mínima que seja) e ela tem de ver-se nomeadamente na questão da sede (que é centro da sua actividade e ponto de contacto com o exterior) e de quem nela recebe a sua correspondência, o que constitui um seu ónus básico, compreensível e natural (sem comparação possível como o que sucede com as pessoas singulares).
V - Este regime não padece de arbitrariedade ou tratamento desigual injustificado, decorrendo apenas da ponderação feita pelo legislador no sentido de que o regime previsto no artigo 246.º está desenhado à imagem das pessoas colectivas e reflecte a sua especial natureza, reconhecendo que a sua criação e actividade comporta ónus e deveres, subjectivamente imputáveis ao ente colectivo (como o registo obrigatório da sede societária para efeitos de citação em processo civil e o efeito do recebimento de citações pelos seus empregados nas instalações da sua sede).
VI - A dilação prevista pela alínea a) do n.º 1 do artigo 245.º não está prevista para as pessoas colectivas que são citadas na sua sede, na pessoa de um seu empregado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decide-se na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
P, A, J, AV e O, intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum, contra O…, S.A. , pedindo o reconhecimento e declaração de validade e eficácia do contrato de seguro ramo vida titulado pela apólice/certificado n.º RKA0031205 à data do óbito de JB, ocorrido a 15 de Janeiro de 2017 e bem assim, o risco coberto pelo mencionado contrato de seguro (morte do segurado) e consequentemente ser condenada a Ré O…, S.A a assumir a responsabilidade da cobertura do risco e:
A) Amortizar/pagar ao Banco mutuante, M…, SA, com efeito retroactivo à data do falecimento do segurado JB o montante do crédito hipotecário em dívida na data daquele evento(15.01.2017), no valor de €64.372,51(sessenta e quatro mil, trezentos e setenta e dois euros e cinquenta e um cêntimos), a que deverá acrescer juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data do sinistro e vincendos até efectivo e integral pagamento
B) Assim como, deve ser a Ré responsabilizada pelo pagamento aos ora AA, do remanescente do dito contrato à data do falecimento do segurado JB, no valor de €627,49, quantia a que deverá acrescer juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data do respectivo pagamento, sem prejuízo dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
C) Reembolsar aos ora AA. pelas prestações mensais indevidamente debitadas pelo banco mutuante- M…, SA, concretamente:
c.1) a reembolsar os Autores da importância de €272,37 (capital e juros) e €1,87(comissões e impostos) indevidamente debitadas na conta de depósitos à ordem nº45486271111, referentes às amortizações mensais (prestação de Fevereiro de 2017) do empréstimo à habitação titulado pelo contratos (mútuo com hipoteca) nº1605226823, quantia a que deverá acrescer juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data do respectivo pagamento, sem prejuízo dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento
c.2) a reembolsar os Autores do montante de €67,02, indevidamente, debitado na conta de depósitos à ordem nº nº45486271111, referentes aos prémios do seguro de vida, titulado pela apólice/certificado individual de seguro nº RKA0031205, vencidos em Fevereiro e Março de 2017, quantia a que deverá acrescer juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data do respectivo pagamento, sem prejuízo dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento,
D) No pagamento da sanção pecuniária compulsória no valor de €500 por cada dia de atraso nos citados cumprimentos da sentença que vier a ser proferida nestes autos, tudo cfr. o supra peticionado.

A Ré foi citada, por carta registada com aviso de recepção, assinado a 25 de Fevereiro de 2022, nos seguintes termos:  


A 04 de Abril de 2022, a Ré apresentou a sua Contestação, defendendo a sua tempestividade, por resultar de um documento dos CTT que a carta foi entregue à “M…”, por a M… ter sede no mesmo local da Ré e porque, deste modo, não foi citada na sua pessoa, pelo que, nos termos do artigo 245.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil acrescem cinco dias ao seu prazo para contestar.
A Ré junta um documento do CTT relativo ao acompanhamento do registo em causa, onde consta o seguinte:


A 07/04/2022, foi proferido o seguinte Despacho:
“Na presente acção declarativa sob a forma de processo comum, veio a R. deduzir contestação em 4 de Abril de 2022, defendendo a sua tempestividade.
Para o efeito, alegou, em síntese, que a citação foi feita em terceira pessoa, que não a R. e, como tal, é aplicável o prazo de 5 dias de dilação previsto no artigo 245.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
Estabelece o artigo 569.º, n.º 1 do Código do Processo Civil que O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da citação, começando o prazo a correr desde o termo da dilação, quando a esta houver lugar; no caso de revogação de despacho de indeferimento liminar da petição, o prazo para a contestação inicia-se com a notificação em 1.ª instância daquela decisão.
No presente caso, a citação foi expedida para a sede da R., tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado no dia 25/02/2022 (vide ref. ª Citius 20604152).
Analisado o referido AR, do mesmo consta inequívoca a identificação da R., sendo certo que dele também resulta que o mesmo seria assinado ou pelo destinatário ou por pessoa que se comprometa a entregá-la prontamente ao destinatário, que aliás, consta perfeitamente identificada.
Ora, diferentemente do entendimento da R., o prazo previsto no artigo 245.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil não é aplicável às pessoas colectivas, já que tal normativo é aplicável somente às pessoas singulares, como resulta da expressa remissão para os artigos 228.º e 232.º.
Também assim se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-03-2017, processo n.º 2387/16.4T8CBR-B.C1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03-05-2007, processo n.º 2646/06-3, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim sendo, o prazo para contestar terminou no dia 28/03/2022 (artigo 138.º, n.º 2 do Código do Processo Civil), sendo que, nos termos do artigo 139.º, n.º 5 do Código do Processo Civil, a contestação poderia ainda ser deduzida até ao dia 31/03/2022, porque o 3.º dia útil após o termo do prazo.
Deste modo, não sendo aplicável qualquer dilação ao prazo previsto no artigo 569.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a dedução de contestação em 4 de Abril de 2022 é extemporânea.
Nestes termos, face ao exposto, julgo extemporânea a contestação apresentada.
Notifique e, após trânsito, desentranhe e devolva ao Réu a contestação”.
É deste Despacho que a Ré veio apresentar Recurso, juntando Alegações, que culminam com as seguintes Conclusões:
“1) O presente recurso visa submeter à apreciação do Tribunal Superior a matéria de direito considerada pelo douto despacho recorrido, na medida em que a Recorrente considera, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal, que, no caso concreto, é aplicável a dilação de 5 dias prevista no artigo 245º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
2) Resulta do documento nº 1 junto com a contestação que a nota de citação foi entregue a M …, S.A. e não à Recorrente.
3) A citação foi entregue a Pessoa Coletiva distinta da Recorrente, pelo que é patente que não se pode considerar que a Recorrente foi citada nos seus legais representantes ou na pessoa de qualquer empregado.
4) Não é pelo simples facto do artigo 245º, nº 1 do Código de Processo Civil remeter para os artigos 228º e 232º do Código de Processo Civil, que o mesmo não tem aplicação à citação das Pessoas Coletivas.
5) De acordo com o disposto no artigo 246º, nº 1 do Código de Processo Civil à citação das pessoas coletivas, aplica-se, com as necessárias adaptações o regime da citação das pessoas singulares.
6) O próprio artigo 228º, nº 2 do Código de Processo Civil é aplicável às Pessoas Coletivas, caso contrário não seria possível entregar a nota de citação de uma Pessoa coletiva a pessoa distinta desta, ou seja, que não seu legal representante ou seu funcionário.
7) Não existe qualquer motivo para que a dilação prevista no artigo 245º, nº 1 do Código de Processo Civil não seja aplicável à citação das Pessoas Coletivas.
8) Na génese da existência desta dilação está o pressuposto, correto, que a pessoa citada não terá imediato conhecimento da nota de citação, o qual se aplica igualmente às Pessoas Coletivas.
9) A não ser assim, ou seja, vedando-se, logo à partida, que as Pessoas Coletivas pudessem beneficiar da dilação de 5 dias quando a sua citação fosse efetuada em pessoa diferente, colocar-se-ia estas em clara desvantagem quando comparado com Pessoas Singulares.
10) Não se pode considerar à partida que, por a citação ser efetuada na sede de uma Pessoa Coletiva, nesse local se encontre a operar apenas uma Pessoa Coletiva.
11) Quando a citação da Pessoa Coletiva for efetuada num terceiro, ao prazo de defesa destas acresce a dilação de 5 dias prevista no artigo 245, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
12) A douta sentença proferida viola o disposto nos artigos 245º, nº 1 e 246º do Código de Processo Civil”.
13) Com o que, concedendo provimento ao recurso, revogando a sentença, substituindo-a por outra nos exatos termos defendidos, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA”.
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Não foram apresentadas Contra-alegações.
Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente importa verificar da tempestividade da Contestação apresentada em função da aplicabilidade às pessoas colectivas do prazo de dilação de cinco dias previsto no artigo 245.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Cumpre decidir, cumpridos que foram os Vistos.

Os Factos
A factualidade a considerar é a que resulta do Relatório.
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O Direito
O Código de Processo Civil dedica os artigos 219.º a 258.º (que constam do Livro I- “Processo em geral”, Título I-“Actos processuais”, Capítulo II-“Actos especiais, Secção II-“Citação e notificações”), à matéria das citações e notificações.
Em três subsecções, são definidas as regras gerais (Subsecção I-“Disposições comuns” – entre os artigos 219.º e o 224.º), as que relevam para citação das pessoas singulares (Subsecção II – entre os artigos 225.º e o 245.º) e as que se aplicam à citação de pessoas colectivas (Subsecção III – apenas com o artigo 246.º[2]).
Para resolver a situação recursal que se coloca a este Tribunal importa ter em consideração que:
  - a Ré-Recorrente é uma pessoa colectiva e tem sede na morada em que foi citada, mostrando-se cumprida, desde logo, a regra que decorre do n.º 2 do artigo 246.º, de acordo com a qual a carta registada com aviso de recepção destinada a citar a pessoa colectiva é endereçada para a sede inscrita no Registo Nacional de Pessoas Colectivas;
 - o aviso de recepção foi devidamente assinado e identificada a pessoa que o assinou (A… CC xxxxxx).
Do artigo 246.º, aliás, apenas aqui relevarão os seus n.ºs 1 e 2, que nos remetem para os artigos:
- 228.º[3];
- 223.º, n.º 3, onde se que estabelece que as “pessoas colectivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração”;
- 225.º, n.º 2, alínea b) (“A citação pessoal é feita mediante: (…)Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção(…)” e n.º 4 (“Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento”).
- 230.º, n.º 1, que estabelece ainda que a “citação postal efectuada ao abrigo do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”.
Assim, não nos restam dúvidas de que a citação da Ré, ora Recorrente, foi feita na sua própria pessoa[4], pois não foi recusada, tendo de entender-se o identificado A… como seu empregado:
 - “o conceito de ‘empregado’ a que se reporta o n.º 3[5] abrange qualquer pessoa relacionada com a pessoa coletiva, mesmo como mero prestador de serviços de segurança”[6];
 - por “empregado deve entender-se não apenas o subordinado com vinculação formal em termos de contrato de trabalho, mas também qualquer pessoa ligada à pessoa colectiva (lato sensu) por um vínculo, de natureza civil (maxime de prestação de serviços) ou outro, que a constitua no dever de lhe comunicar a ocorrência de actos praticados por terceiro que a tenham por destinatário ou lhe digam respeito”[7];
 - a citação tem-se “como verdadeiramente pessoal, estendendo para o efeito ao empregado o conceito de representante”, sendo que, “nunca seria de ter por aplicáveis ao caso disposições como as dos arts. 228-2 (necessidade da declaração de estar em condições de entregar prontamente a carta ao citando), 228-4 (advertência do dever de pronta entrega ao citando), 233 (envio de carta registada ao citando, advertindo-o de que a citação se fez na pessoa de terceiro) e 245-1-a (dilação de cinco dias quando a citação é realizada em pessoa diversa do réu), disposições estas que, de acordo com a sua própria letra, têm o âmbito de previsão definido pelos arts. 228-2 e 232, nºs 2-b e 4”[8];
 - “O preceito refere-se a “qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração”. Este “empregado” coincide certamente com o “funcionário da citanda” referido no art. 246.º, n.º 3. Não se deixa de pressupor que o distribuidor do serviço postal tem o bom senso de escolher o “empregado” ou o “funcionário” com o perfil adequado para transmitir a citação ou notificação à administração da pessoa colectiva. (c) O disposto no n.º 3 (“As pessoas colectivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas [...]”) permite concluir que citação da pessoa colectiva nos termos do número é uma citação pessoal (e não uma citação pessoal indirecta, tal como se encontra estabelecido, para as pessoas singulares, nos art. 228.º, n.º 2 a 4, 230.º, n.º 1 e 2, e 232.º, n.º 2, al. b), 3, 4 e 6)”[9].
 
Por outro lado, há que sublinhar que a Ré, honra lhe seja feita[10], também não argumenta que o dito A… não era seu empregado, defendendo apenas que a carta foi entregue à M…, assim procurando aproveitar-se da informação que consta de um documento dos CTT onde se diz que a entrega foi a “M…”. Mas esta referência é uma referência interna e não passa qualquer efeito para o processo, sendo que se trata, de facto, de uma sociedade que também tem sede no mesmo local, por fazer parte do mesmo grupo.
Só que esse documento é absolutamente irrelevante em face da ausência de outro tipo de invocação e da circunstância de, no aviso de recepção (único documento relevante para o efeito inexistindo dúvidas que necessitassem de esclarecimento ou complemento), constar a informação clara e objectiva de quem foi - naquele local que, repete-se, é a sede da Ré - a pessoa física que recebeu a carta.
Assim e mantendo-nos nesta linha de argumentação, vale na plenitude o que resultou expendido no Acórdão da Relação do Porto de 12 de Setembro de 2022 (Processo n.º 12960/21.3T8PRT-B.P1-Mendes Coelho), quando assinala que, considerando “a previsão do art. 223º nº3 do CPC quanto à citação pessoal das sociedades comerciais na pessoa de qualquer empregado e os termos da previsão da dilação de 5 dias no art. 245º nº1 a) do mesmo diploma, compete à sociedade citada, para usufruir de tal dilação por força da situação prevista no art. 228º nº2 do CPC, ex vi do art. 246º nº1, fazer prova de que a pessoa que recebeu a carta para citação não é sua empregada mas sim apenas uma terceira pessoa a quem a mesma foi entregue com a incumbência de lha transmitir”.
Na mesma linha, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 08 de Maio de 2007 (Processo n.º 1486/04.0TBAVR.C1-Garcia Calejo) afirma que “não se pode colocar em dúvida a qualidade de funcionário da R., da pessoa que recebeu a citação, visto que o acto foi realizado na” sua sede, assinou e até colocou um carimbo com o seu nome e número do Cartão de Cidadão: “uma pessoa que se encontra em funções num estabelecimento, agência ou delegação, por presunção natural, deve ser considerado empregado ou funcionário do titular desse espaço”.
Assumimos, portanto, com o Acórdão da Relação de Coimbra de 07 de Março de 1017 (Processo n.º 2387/16.4T8CBR-B.C1-Vítor Amaral), que a “citação de uma sociedade nos termos do disposto no art.º 223.º, n.ºs 1 e 3, do NCPCiv, é considerada citação pessoal dessa sociedade” e que, como tal, nessa “citação de sociedade, operada por via postal, por ser considerada na própria pessoa societária, não tem aplicação a advertência do art.º 233.º nem a dilação do art.º 245.º, n.º 1, al.ª a), ambos do NCPCiv”.
Não se trata de nada de arbitrário, mas apenas da ponderação feita pelo legislador – para usarmos palavras de Paulo Ramos de Faria-Ana Luísa Loureiro – no sentido de que “o regime previsto neste artigo [246.º] está desenhado à imagem das pessoas colectivas, refletindo a sua natureza especial. A criação de uma pessoa coletiva – ou a participação numa – comporta ónus e deveres, subjectivamente imputáveis ao ente colectivo, assim se explicando a relevância aqui dada ao registo obrigatório da sede”[11], mas também – acrescentamos nós – a relevância dada a quem recebe a correspondência na sua sede.
Repare-se que mesmo um interessante Acórdão como o proferido pela Relação de Lisboa a 10 de Fevereiro de 2022 (Processo n.º 5716/21.5T8LRS-A.L1-2-Pedro Martins), em que a alínea a) do n.º 1 do artigo 245.º foi aplicada à citação de uma pessoa colectiva (ainda que com um voto de vencido muito bem fundamentado da Juíza Desembargadora Laurinda Gemas), apenas o foi porque a sociedade foi citada na pessoa de um empregado que se encontrava num local diverso da sua sede[12] e, como tal, não podia considerar-se citada na sua pessoa[13].
Uma pessoa colectiva pressupõe uma estrutura, uma organização, por mínima que seja, e ela tem de ver-se nomeadamente nesta questão da sede (que é o seu centro de actividade e ponto de contacto com o exterior) e de quem recebe a sua correspondência[14]. É um ónus básico, compreensível e natural (sem comparação possível como o que sucede com as pessoas singulares, o que retira margem a arbitrariedade do entendimento ou de assim ocorrer um tratamento desigual injustificado). Que in casu, não se mostra concretizado.

Parece ser ainda de sublinhar que o mesmo entendimento que subjaz à decisão recorrida e com o qual concordamos (como o exposto até aqui dito deixa entrever), foi já formulado - ainda na vigência do anterior Código de Processo Civil - no Acórdão da Relação de Évora de 03 de Maio de 2007 (Processo n.º 2646/06-3-Manuel Marques), onde se assinalou que a “dilação de 5 dias a que alude o art.º 252º-A, n.º 1, al. a) do C.P.C. [que actualmente corresponde ao 245.º, n.º 1, alínea a)], por a citação ter sido realizada em pessoa diversa do réu, só se aplica às pessoas singulares e não às colectivas (vide n.º 2, do art. 236º)”.
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Em face de tudo o exposto só podemos concluir que a Ré foi citada pessoalmente, na pessoa de um seu empregado (no sentido abrangente acima referido), não havendo qualquer fundamento para beneficiar da dilação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 245.º do Código de Processo Civil.
Assim sendo, tendo a citação ocorrido a 25 de Fevereiro de 2022, nos termos do n.º 1 do artigo 569.º, o prazo para apresentação da Contestação terminou no dia 28 de Março de 2022 (artigo 138.º, n.º 2), sendo que, poderia ainda ter sido apresentada até ao 3.º dia útil posterior, nos termos do artigo 139.º, n.º 5 (até ao dia 31 de Março de 2022).
A Contestação foi apresentada a 04 de Abril de 2022. Extemporaneamente.

A decisão constante do Despacho recorrido foi clara, muito bem fundamentada, merecendo concordância e, em conformidade, terá de ser confirmada, julgando-se improcedente o recurso.
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DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos dos artigos 663.º e 656.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida às disposições legais citadas, julgar improcedente o recurso e, em conformidade confirmar o Despacho recorrido.
Custas a cargo da Recorrente.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 14 de Março de 2023
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
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[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] Artigo 246.º (Citação de pessoas colectivas)
“1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.

2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.

4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.
5 - O disposto nos n.os 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória.
6 - Quando a citação for efetuada por via eletrónica, nos termos do n.º 5 do artigo 219.º, não é aplicável a dilação a que se refere o artigo anterior”
.
[3] Artigo 228.º (Citação de pessoa singular por via postal)
1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.
2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
3 - Antes da assinatura do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.
4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando.
5 - Não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado.
6 - Se o citando ou qualquer das pessoas a que alude o n.º 2 recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, antes de a devolver.
7 - Não sendo possível deixar aviso ao destinatário, o distribuidor do serviço postal lavra nota da ocorrência e devolve o expediente ao tribunal.
8 - No caso previsto no número anterior, se a impossibilidade se dever a ausência do citando e se, na ocasião, for indicado ao distribuidor do serviço postal novo endereço do citando, devolvido o expediente, a secretaria repete a citação, enviando nova carta registada com aviso de receção para tal endereço.
9 - No caso previsto no n.º 7, se a impossibilidade se dever a ausência do citando em parte incerta, devolvido o expediente, a secretaria dá cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 236.º e, se for apurado novo endereço, repete a citação, enviando nova carta registada com aviso de receção para tal endereço.
10 - A assinatura do funcionário judicial responsável pela elaboração da citação pode ser substituída por indicação do código identificador da citação, bem como do endereço do sítio eletrónico do Ministério da Justiça no qual, através da inserção do código, é possível confirmar a autenticidade da citação”.

[4] “A pessoa colectiva considera-se pessoalmente citada não só se o for na pessoa do seu representante (art. 223.º, n.º 1), mas também se o for na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou no local onde funciona normalmente a administração (art. 223.º, n.º 3)” - Miguel Teixeira de Sousa, CPC on line, CPC Livro II, Comentário ao artigo 246.º, Centro de Investigação de Direito Privado, Versão de 2022.09, página 122, disponível no Blog do IPPC em https://blogippc.blogspot.com/2022/10/cpc-online-13.html .
[5] Do artigo 223.º.
[6] Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 270.
[7] Lebre de Freitas-João Redinha-Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora, 1999, página 384 (considerações que continuam válidas à face do actual Código).
[8] Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª edição, Almedina, 2018, páginas 440-441.
[9] Miguel Teixeira de Sousa, CPC on line, CPC Livro II, Comentário ao artigo 223.º, Centro de Investigação de Direito Privado, Versão de 2022.09, página 99, disponível no Blog do IPPC em https://blogippc.blogspot.com/2022/10/cpc-online-13.html.
[10] É, aliás, significativo que seja a própria Ré a primeira a colocar em causa a tempestividade do seu articulado, tal a consciência da (possível) extemporaneidade.
[11] Paulo Ramos de Faria-Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, Vol. I, Almedina, 2014, página 241.
No mesmo sentido, os Acórdãos da:
- Relação de Coimbra de 12 de Dezembro de 2017 – Processo n.º 565/12.4TBSRT-A.C1-Vítor Amaral – onde se diz que a “constituição e manutenção de determinadas pessoas coletivas, como as sociedades, comporta ónus e deveres, a que está sujeito o ente coletivo, o que explica a relevância conferida ao registo obrigatório da sede societária para efeitos de citação em processo civil”;
- Relação de Lisboa de 07 de Março de 2022 – Processo n.º 891/17.6T8OER-A.L1-2-A.C1 - Arlindo Colaço Crua – onde se diz que “reflecte tal normativo a natureza especial das pessoas colectivas, num juízo em que a criação ou participação numa inculca e comporta ónus e deveres, cuja imputabilidade recai sobre o ente colectivo, o que enforma ou justifica a relevância que o mesmo normativo concede ao registo obrigatório da sede (e eventual mudança desta)”.
[12] “Se não se pode dizer que a pessoa colectiva/sociedade foi citada na pessoa dos seus representantes legais ou na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração (caso em que se verifica a citação pessoal delas), tem que se considerar que a sociedade foi citada em pessoa diversa da ré, pelo que, ao prazo de defesa acresce uma dilação de 5 dias (artigos 246/2, 223/1-3, 225 e 245/1-a, todos do CPC).
[13] Donde, se o dito empregado tivesse assinado o aviso de recepção na sede da empresa, já não haveria citação em pessoa diversa e cairíamos na citação pessoal e na inaplicabilidade da dilação do artigo 245.º, n.º 1, alínea a).
[14] Que leva, “naturalmente, a pensar que se trata de pessoa ligada à sociedade, devendo, nesse contexto, saber-se por que ali se encontrava, o que ali fazia e por que foi ele, e não outrem, a receber a carta e a assinar o A/R”, refere-se no já citado Acórdão da Relação de Coimbra de 07 de Março de 2017).