Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2390/07.5TBALM.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: PLURALIDADE DE EXECUÇÕES
PENHORA DE IMÓVEL
CASA DE HABITAÇÃO
DUPLA PENHORA
EXECUÇÃO FISCAL
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–Para efeitos do estatuído no artigo 794.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, execução pendente será aquela que se encontra a correr os seus termos normais, por contraposição à que não atingiu a fase do pagamento da quantia exequenda, nem se perspectiva que a possa alcançar, como sucede com a execução fiscal parada, por impossibilidade de venda do bem imóvel penhorado, quando se trate de habitação efectiva própria e permanente do devedor, nos termos do disposto no artigo 244º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

II–Nessa situação, verificando-se a existência de penhora anterior incidente sobre imóvel com tal destino, em sede de execução fiscal que não pode prosseguir para a fase de venda, a execução comum que haja sido sustada, deve prosseguir, havendo lugar à citação da Fazenda Nacional para, querendo, reclamar os seus créditos.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–RELATÓRIO


A [Banco Santander Totta, S. A.], em cuja posição foi, entretanto, habilitada a B […..,GESTÃO E DESENVOLVIMENTO, S.A.] deduziu, em 27 de Abril de 2007, execução ordinária para pagamento de quantia certa contra C [.., Lda.] , D [ANTÓNIO....]. e E [HELENA.....], ambos residentes à Rua ..... ....., …., P..... C____C____ e ainda F [Olívia…..], com base em título executivo constituído por contrato de mútuo bancário para regularização de responsabilidades, celebrado em 30 de Junho de 2006, garantido por hipoteca, estando o capital vencido e em débito desde 30 de Julho de 2007, sendo o valor da quantia exequenda, contabilizados os juros vencidos, de 123 842,79 € (cf. Ref. Elect. 966097).
Em 23 de Abril de 2013, foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre a moradia composta por rés-do-chão, primeiro andar, garagem e logradouro, destinada a habitação, sita em P....., Rua ..... ....., n.º …, freguesia da C____C____, concelho de A____, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de A_____ sob o número 2../1......9 e inscrita na matriz predial daquela freguesia sob o artigo 1...9, da titularidade dos executados D e E, penhora registada conforme Ap. 1744 de 2013/04/23, para garantia do pagamento da quantia exequenda de 123 842,79 € (cf. Ref. Elect. 2988971).

Conforme certidão junta aos autos em 18 de Março de 2015, sobre tal prédio incidiam três penhoras anteriores a favor da Fazenda Nacional realizadas em 11 de Junho de 2007, conforme AP. 84 de 2007/09/18, para garantia do pagamento de 154 417,99, processo de execução fiscal n.º 2.............01 - Serviço de Finanças de A____ - 1; 27 de Maio de 2008, conforme AP. 53 de 2008/05/30, para garantia do pagamento de 59 466,15 €, processo de execução fiscal n.º 2..............55 - Serviço de Finanças de A____ - 1 e 17 de Agosto de 2010, conforme AP. 3259 de 2010/08/20, para garantia do pagamento da quantia exequenda de 115 214,83 €, processo de execução fiscal n.º 2.................01 - Serviço de Finanças de A____ - 1 (cf. Ref. Elect. 4003679).

Em 12 de Outubro de 2015 foi proferido despacho judicial que sustou a execução, ao abrigo do disposto no art.º 794º do Código de Processo Civil[1], no que a tal bem diz respeito (cf. Ref. Elect. 340027920).

Os autos prosseguiram com a indicação de novos bens à penhora, que veio a incidir sobre o vencimento da executada E, conforme notificação efectuada à sua entidade patronal em 26 de Outubro de 2017 e, bem assim, o crédito da executada sobre a Autoridade Tributária por IRS, sendo que, quanto à primeira, ficou a aguardar a realização da penhora já ordenada no âmbito de outro processo (cf. Ref. Elect. 16720566,18950650 e 19370014 de 18 de Junho de 2018).
Em 10 de Outubro de 2019 a exequente e os executados foram notificados, nos termos do art.º 750º do CPC, para indicarem bens à penhora, nada tendo vindo requerer (cf. Ref. Elect. 24243698, 24243718, 24243772, 24243782).

Em 21 de Novembro de 2019 o agente de execução notificou a exequente da extinção da instância executiva, nos termos do disposto no art.º 750º, n.º 2 do CPC (cf. Ref. Elect. 24714367).

Por requerimento de 24 de Fevereiro de 2022 a exequente veio solicitar a renovação da execução argumentando que, não obstante a subsistência de uma penhora fiscal precedente, conforme Ap. 53 de 2008/05/30, o Serviço de Finanças de A____ 1 está impedido de realizar a venda do imóvel, por se tratar de habitação própria e permanente dos executados, nos termos do art.º 244º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário[2], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, na redacção dada pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, pelo que a realização da venda do imóvel penhorado deve ter lugar neste processo executivo, não se verificando o circunstancialismo do art.º 794º do CPC, pois só assim a exequente poderá obter a satisfação do seu crédito, conforme a jurisprudência vem sustentando, devendo a Fazenda Nacional ser citada para reclamar os seus créditos (cf. Ref. Elect. 31791209).

Em 27 de Setembro de 2022 foi proferida a seguinte decisão (cf. Ref. Elect. 418544418):
“Caso o Exequente pretenda prosseguir com a venda do imóvel dos autos deverá reclamar créditos na execução fiscal e aí promover a venda do prédio sub judice para ver satisfeito o seu crédito (cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 24.10.2017, disponível em www.dgsi.pt).
Nada obsta a que o Exequente, na execução fiscal, ali requeira o prosseguimento da execução para ressarcimento do seu crédito, uma vez que o impedimento que a Lei 13/2016 de 23.05 faz referência diz respeito unicamente à Autoridade Tributária.
A venda do imóvel nos presentes autos de execução viola frontalmente o disposto no artº 794º, nº 1 do NCPC, disposição legal de carácter imperativo.
Pelo exposto, indefiro ao levantamento da sustação da execução relativamente ao referido imóvel.
Sem prejuízo de a Exequente poder nomear outros bens à penhora e prosseguir a execução.
Custas do incidente pelo Exequente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (artº 7º e Tabela II do RCP).
Notifique.”

Inconformada com esta decisão, vem a exequente interpor o presente recurso, cuja motivação conclui do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 33838621):
A)-O presente recurso interposto pela Apelante tem por objecto o despacho proferido pelo Tribunal “a quo” no dia 27/09/2022, na parte em que indeferiu o levantamento da sustação da execução relativamente ao imóvel penhorado nos autos e o prosseguimento da execução para realização da venda do referido imóvel, face à existência de anterior penhora registada a favor da Fazenda Nacional.
B)-A Recorrente considera que o referido despacho não procedeu a uma correcta interpretação e aplicação dos artigos 547º e nº 1 do artº 794º, ambos do C.P.C. e do nº 2 do artº 244º do C.P.P.T., considerando ainda que o mesmo violou direitos e garantias do exequente constitucionalmente consagrados nos artºs 62º, nº 1, 18º e 20º nºs 1 e 4, da C.R.P.
C)-No âmbito da presente execução hipotecária instaurada inicialmente pelo Banco Santander Totta, SA., entretanto substituído pela ora Recorrente, foi penhorado o prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de A____ sob o nº 2.., da freguesia de C____C_____, inscrito na matriz sob o artº 1...1, o pertence e constitui habitação própria e permanente dos executados D e E.
D)-O imóvel penhorado encontrava-se onerado com três penhoras anteriores a favor da Fazenda Nacional - respectivamente Ap. 84 de 2007/09/18; Ap. 53 de 2008/05/30 e Ap. 3259 de 2010/08/20, pelo que, por despacho proferido em 12/10/2015 a execução foi sustada em relação ao imóvel, nos termos do disposto no artº 794º do C.P.C., tendo a ora Apelante, reclamado créditos na execução fiscal que deu origem à primeira penhora registada sobre o imóvel - Ap. 84 de 2007/09/18.
E)-Em face da impossibilidade de se apurar a existência de outros bens penhoráveis, por decisão proferida em 21/11/2019, o Sr. Agente de execução extinguiu a instância executiva nos termos do nº 2 do artº 750º do C.P.C.
F)-Na sequência da prescrição da dívida da execução fiscal e seus apensos, na qual a B reclamou os seus créditos, procedeu-se ao cancelamento de duas das penhoras da Fazenda anteriores (Ap. 84 de 2007/09/18 e Ap. 3259 de 2010/08/20), tendo-se mantido sobre o imóvel uma penhora fiscal anterior (Ap. 53 de 2008/05/30), respeitante à execução fiscal nº 2.............55, na qual o crédito exequendo da presente execução comum já tinha sido reclamado pelo titular originário dos créditos, nos termos do artigo 240º, nº 1 do C.P.P.T.
G)-Não obstante a execução fiscal que originou a penhora registada pela Ap. 53 de 2008/05/30 se encontrar activa, o Serviço de Finanças encontra-se legalmente impedido de realizar a venda do imóvel penhorado, nos termos do disposto no artº 244º, nº 2 do C.P.P.T., pelo que, a ora Apelante requereu a renovação e o prosseguimento da presente execução, com vista à realização da venda do imóvel penhorado, já que esta era a única via possível de se recuperar o crédito exequendo.
H)-Porém e apesar da Apelante ter requerido também a citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos, o Tribunal “a quo” indeferiu o levantamento da sustação relativamente ao imóvel, alegando que nada obsta a que a exequente, na execução fiscal, ali requeira o prosseguimento da execução para ressarcimento do seu crédito, uma vez que o impedimento a que a Lei 13/2016 de 23.05 faz referência diz respeito unicamente à Autoridade Tributária”, tendo ainda referido que “A venda do imóvel nos presentes autos de execução viola frontalmente o disposto no artº 794º, nº 1 do NCPC, disposição legal de carácter imperativo”.
I)-Sendo certo que o crédito exequendo já se encontra reclamado na execução fiscal há mais de doze anos, a mesma, apesar de activa, mantém-se suspensa, não podendo o credor impulsioná-la, pelo que, a Recorrente não se conforma com o despacho recorrido, que a manter-se, a colocará numa situação de impasse inultrapassável, ficando impedida de ser ressarcida do crédito exequendo.
J)-Desde logo, o tribunal “a quo” incorreu num erro de interpretação do disposto no nº 2 do artº 244º do C.P.P.T., ao considerar que a impossibilidade aí prevista, vale apenas para a Autoridade Tributária.
K)-Na verdade, a lei tributária não prevê a possibilidade da execução fiscal prosseguir por impulso do credor reclamante, quando se verifique a situação prevista no nº 2 do artº 244º do C.P.P.T., cujo teor é taxativo (“não há lugar à realização da venda”), o que significa que o Serviço de Finanças nunca irá prosseguir com a execução fiscal que deu origem à penhora fiscal que ainda se mantém registada.
L)-Ao considerar que a venda do imóvel nos presentes autos de execução violaria frontalmente o disposto no artº 794º, nº 1 do CPC, o tribunal “ a quo” incorreu também num erro de interpretação e aplicação daquele dispositivo legal, já que o regime aí previsto, pressupõe a inexistência de causa legalmente impeditiva do prosseguimento normal da execução fiscal e venda do bem aí penhorado.
M)-Contrariamente à posição defendida pelo tribunal “a quo”, a tese maioritária na jurisprudência tem entendido que, se numa execução comum for penhorado um imóvel que constitua casa de morada de família do executado e sobre esse imóvel se encontrar registada penhora anterior realizada em execução fiscal, não deverá ser sustada a execução cível, nos termos do artº 794º, nº 1 do C.P.C., uma vez que o imóvel não pode ser vendido na execução fiscal, dada a impossibilidade legal imposta pelo artº 244º, nº 2 do C.P.C., devendo o mesmo ser vendido na execução comum mediante prévia citação da Fazenda Nacional para aí reclamar os seus créditos.

N)-Como é referido no Acordão do S.T.J. de 23-01-2020 – Processo nº 1303.17.0T8AGD.B.P1.S1:
II.- A ratio legis da norma do artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, a possibilidade do dinamismo da execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre o mesmo bem e em que o credor deve fazer a reclamação do seu crédito.
III.-Não está nessa situação de dinamismo processual a execução fiscal em que a Autoridade Tributária está impedida, nos termos do disposto no artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de promover a venda do imóvel penhorado por este constituir a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.
IV.- Tendo sido suspensa, nos termos do disposto no artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil, a execução comum em que foi penhorado imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar e sobre o qual incide penhora com registo anterior realizada em execução fiscal e encontrando-se esta execução parada por a Autoridade Tributária não poder promover a venda deste imóvel, em virtude do impedimento legal constante do artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impõe-se determinar o levantamento da sustação da execução comum, que deve prosseguir os seus termos, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na execução comum.

O)-Também, diversamente do entendimento do tribunal recorrido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 09-09-2021 – Proc. 5766/20.9T8ALM-A.L1-6 entendeu que: - “… o credor cível que tenha ido reclamar créditos no âmbito da execução fiscal, não pode, também, requerer nessa execução fiscal, a venda do imóvel penhorado que seja casa de morada de família. Até porque, em rigor, não existe no processo de Execução Fiscal norma semelhante ao artº 850º nº 2 do CPC de resto, o acórdão do STA, de 03/02/2016 (Ana Paula Lobo) decidiu que não tendo ocorrido a venda dos bens penhorados o credor reclamante não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal ao abrigo do artº 920º nº 2 do CPC (actualmente artº 850º, nº 2 do CPC).
Note-se que a Autoridade Tributária que tenha reclamado créditos na execução cível não está impedida de, nos termos gerais do artº 850º nº 2 do CPC, poder requerer o prosseguimento da execução promovendo a venda de imóvel penhorado ainda que constitua casa de morada de família do executado, o que vem confirmar, rectius, reforçar o entendimento de que o impedimento à venda estabelecido no artº 244º nº 2 do CPPT não é estabelecido subjectivamente, em função do credor, mas objectivamente em função do processo (execução fiscal).
… respondendo à questão colocada pelo Prof. Teixeira de Sousa – “ … saber em que execução, se na fiscal, se na cível, se vai realizar a venda do imóvel penhorado …” – dizemos que a venda terá lugar (só pode ter lugar) na execução cível.
P)–O Mmo. juiz “a quo” não cumpriu o dever decorrente do princípio da adequação formal, previsto no artº 547º do CPC, já que, face à situação de facto existente, deveria ter adequado o processo à sua mais célere e justa resolução, assegurando um processo equitativo.
Q)–De facto, o Mmo. Juiz “a quo” deveria ter ordenado o levantamento da sustação e o prosseguimento dos autos para a venda do imóvel penhorado, bem como a convocação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na presente execução, tendo, ao invés, colocado a exequente numa situação de impasse quanto à possibilidade de exercício dos seus direitos.
R)–A posição acolhida no douto despacho recorrido não respeitou pois o direito de propriedade privada, a garantia do credor à satisfação do seu crédito e a realização de uma justiça efectiva e célere, conforme constitucionalmente consagrado nos artºs 62º, nº 1, 18º e 20º nºs 1 e 4, da C.R.P.
S)–Se o artº 244º do C.P.P.T., na sua actual redação, for interpretado, como o fez o tribunal “a quo”, no sentido de resultar no impedimento da venda em acção executiva instaurada pelo credor hipotecário de bem imóvel destinado a habitação própria do devedor ou do seu agregado familiar, que tenha sido anteriormente penhorado em execução fiscal, será de declarar a referida norma inconstitucional, por violação do artº 20º da C.R.P.
T)–Ainda que por hipótese se aceitasse a posição defendida no despacho recorrido, atendendo ao caso concreto, sempre teria que ser afastada a aplicação do nº 1 do artº 794º do CPC, ordenando-se o levantamento da sustação da execução relativamente ao imóvel por forma a possibilitar a sua venda na presente execução.
U)–Com efeito, a penhora fiscal que ainda se mantém registada sobre o imóvel, foi efectuada em 30/03/2008, tendo o crédito exequendo sido reclamado na respectiva execução fiscal em 14/09/2009, mais de seis anos antes da entrada em vigor do artº 244º, nº 2 do C.P.P.T., na redação da Lei nº 13/2016, de 23.05, sem que tenha ocorrido a venda do imóvel até à data da sua entrada em vigor, o que deveria ter levado o tribunal “a quo” a concluir que aquela penhora não respeitava a uma execução fiscal com um curso processual normal, mas a uma execução “parada”.
V)–Impõe-se a revogação do douto despacho proferido, devendo o mesmo ser substituído por outro que defira o levantamento da suspensão da sustação da presente execução relativamente ao imóvel penhorado e o prosseguimento dos autos, com vista à realização da venda do prédio em causa, devendo ser ainda ordenada a citação da Fazenda Nacional para, se assim o entender, vir reclamar os seus créditos à execução cível.
Termina pugnando pela procedência do recurso e pela revogação do despacho recorrido.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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II–OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação da exequente/recorrente há que apreciar se, não obstante a existência de uma primeira penhora incidente sobre o imóvel acima identificado no âmbito de um processo executivo fiscal, estes autos de execução devem prosseguir com a venda do referido bem, levantando-se a sustação da execução.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Questão Prévia – Admissibilidade de junção de documentos
Juntamente com as suas alegações de recurso a apelante apresentou seis documentos:
comprovativo da reclamação de créditos deduzida em 21 de Outubro de 2015, no âmbito da execução fiscal n.º 2...............01;
certidão emitida pelo Serviço de Finanças de A____ 1, com data de 15 de Setembro de 2020, dando conta do cancelamento de duas das penhoras incidentes sobre o prédio acima identificado;
certidão do registo predial emitida com data de 28 de Setembro de 2020;
comprovativo da reclamação de créditos deduzida em 1 de Setembro de 2009, no âmbito da execução fiscal n.º 2................55;
dois documentos contendo troca de mensagens entre o Serviço de Finanças e a ilustre mandatária da recorrente, com datas de 29 de Outubro de 2021 e 22 de Abril de 2022.

A apelante não aduziu, porém, qualquer justificação para a sua apresentação neste momento.

Como é sabido os momentos normais para a junção dos documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção e da defesa são: 1)-com o articulado respectivo (cf. art. 423º, n.º 1 do CPC); 2)-até ao encerramento da discussão em 1ª instância com multa (ou sem ela, se feita a prova da indisponibilidade no primeiro momento) – cf. n.º 2 do art. 423º do CPC.
Depois do encerramento da causa, a junção de documentos apenas é admissível para aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior (art. 425º do CPC).

Dispõe o art.º 651º, n.º 1 do CPC: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”

Por sua vez, o art.º 425º do CPC estatui que Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

Da conjugação destas normas resulta que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é considerada apenas a título excepcional) depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:
a)-a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remissão do artigo 651º, n.º 1 para o artigo 425º;
b)- o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.
A impossibilidade de apresentação anterior legitima as partes a utilizar no recurso, juntando-os com a motivação deste, documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, ou seja, até ao julgamento em primeira instância, o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objectiva ou subjectiva do documento pretendido juntar, impondo-se que a parte demonstre a referida superveniência – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 313; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5-05-2016, processo n.º 788/13.9TBSTR.E1[3].

Quanto à impossibilidade de apresentação anterior, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem que “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação (n.ºs 2 e 3) o de o documento se encontrar em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação nos termos do art. 429 ou 432, só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objectiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjectiva]. Acresce o caso em que o documento, com que se visa provar um facto já ocorrido e alegado, só posteriormente se tenha formado (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial desse facto).”cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pp. 240 e 241.

No que tange à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» - cf. Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pp. 533-534.

Como tal, não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença, ou seja, não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.

Por outro lado, uma vez que a junção de documentos tem em vista a prova de factos que hajam sido alegados, a possibilidade de junção de documentos, em sede de recurso, não poderá ter como objectivo ou finalidade a prova de factos que não hajam sido alegados. “Se os documentos visam a prova de factos alegados apenas no recurso e se, neste, o tribunal ad quem não pode atender a esses factos, não se vê qualquer utilidade na junção dos documentos com o recurso.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-09-2010, processo n.º 304/08.4TTPRT.P1 disponível em www.colectaneadejurisprudencia.com.

Na situação em apreço, é patente que os documentos oferecidos pela apelante não são objectivamente supervenientes, pois que foram produzidos antes da decisão proferida em 1ª instância.
Por outro lado, porque se trata, alguns, de requerimentos produzidos pela própria recorrente ou pela entidade cedente do crédito exequendo e, outros, documentos emitidos a solicitação da própria, não são seguramente subjectivamente supervenientes.
Logo, a admissibilidade da junção só poderia, por princípio, fundar-se no facto de a apresentação ser necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância – cf. art. 651º, n.º 1, segunda parte do CPC.
Alguma doutrina sustenta que a junção do documento será admissível sempre que a decisão se baseie numa norma jurídica com cuja aplicação as partes não tivessem contado.

De acordo com outra, a admissibilidade da junção dos documentos prevista na norma referida destina-se a contraditar, pelo documento, meios probatórios introduzidos de surpresa no processo, que venham a pesar na decisão, que determinem, embora não necessariamente de forma exclusiva, o seu sentido; ou seja, considerando a amplitude do Tribunal no tocante à indagação e interpretação das regras de direito, a junção é admissível sempre que a aplicação da norma jurídica com que as partes justificadamente não contavam seja o reflexo da introdução no processo, pelo juiz, de um meio de prova com que as partes foram, inesperadamente, surpreendidas (cf. art.º 5, n.º 3 do CPC). Quando isso suceda, a junção será sempre possível; se, pelo contrário, a aplicação, pela sentença, de norma com que as partes não contavam, não resulta da consideração de um novo meio de prova, a apresentação deve ter-se por inadmissível.

Uma outra doutrina defende que o legislador quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário fazer a prova de um facto ou factos com cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, contar antes do proferimento da decisãoC:\Data\fa00140\Desktop\Jurisprudência\Cível\3ª Sec\Dr. Henrique Antunes\Apelação n┬║ 2996-12-0.docx - _ftn6.
Um ponto comum em todas estas orientações é o de que aquela previsão não abrange o caso de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da causa e visar, com esse fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e de deveria ter oferecido na 1ª instância – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-01-2015, processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1.

Neste caso, é evidente que não se verifica nenhuma dessas situações tendo em conta que os documentos agora apresentados visam corroborar os factos alegados no requerimento de 24 de Fevereiro de 2022 (cancelamento de penhoras, subsistência de uma delas, utilização do imóvel como casa de morada de família e impossibilidade de venda na execução fiscal), que demonstrariam o impedimento da venda do imóvel no âmbito da execução fiscal, justificando, desse modo, a pretensão de levantamento da suspensão desta execução comum, o que foi indeferido pelo despacho ora objecto de recurso.
De todo o modo, não se pode deixar de considerar que a decisão recorrida foi proferida subsequentemente à apresentação do requerimento de 24 de Fevereiro de 2022, a que o recorrente se limitou a juntar a certidão do registo predial e da caderneta predial, tendo o tribunal recorrido indeferido a sua pretensão aderindo ao entendimento de que o impedimento de venda do imóvel na execução fiscal diz respeito apenas à Autoridade Tributária, nada impedindo que o exequente ali requeira o prosseguimento da execução para cobrança do seu crédito.
Logo, o Tribunal recorrido não abordou sequer a questão da verificação dos pressupostos do impedimento da venda na execução fiscal, assumindo que, a existir, ainda assim tal não obstava a que o exequente requeresse o prosseguimento daquela execução para alcançar o pagamento do seu crédito. Ou seja, não foi por falta de demonstração dos factos alegados que a pretensão da recorrente não foi atendida, mas por adesão a tese diversa da por si propugnada, sem apreciação, no caso concreto, da verificação do alegado impedimento de prosseguimento da execução fiscal.
A apelante insurge-se contra esse entendimento e vem sustentar que é a execução comum que deve prosseguir, não podendo promover o prosseguimento da execução fiscal, por ausência de norma legal que o preveja.
Ora, caso esta Relação sufrague a posição da apelante, sempre a apreciação da questão e a ponderação sobre a possibilidade de não aplicação, in casu, da norma prescrita no n.º 1 do art.º 794º do CPC, depende da comprovação da verificação do impedimento da venda na execução fiscal, para o que relevam os documentos juntos com o presente recurso.
Serve isto para dizer que, não sendo admitidos os documentos apresentados com as alegações de recurso, ficaria esta Relação despojada dos elementos probatórios necessários para aferição dos factos invocados pela recorrente no seu requerimento de 24 de Fevereiro de 2022 e, mesmo admitindo a possibilidade de prosseguimento da execução comum, teria de ordenar que 1ª instância diligenciasse pelo apuramento desses factos ou que apreciasse a questão à luz dos documentos que já constam dos autos.
Ora, atendendo ao princípio da economia processual que enforma o processo civil, de acordo com o qual os meios disponíveis devem ser utilizados de molde a optimizar o fim do processo, evitando a perda de tempo e os custos escusáveis, o que propende para a necessidade de desonerar os tribunais de processos desnecessários e conferir andamento célere aos processos pendentes, com proibição de actos inúteis[4], designadamente, aqueles que nada acrescentam ao que já está adquirido no processo e considerando também o reforço dos poderes do juiz no campo da gestão processual (cf. art.º 6º, n.º 1 do CPC), que acentua a necessidade de accionar os mecanismos de simplificação e de agilização, com vista a alcançar a desejada celeridade da resposta judiciária, justifica-se, no caso em apreço, atender, desde já, aos documentos apresentados, quer porque a sua junção foi notificada à contraparte, que assim teve oportunidade de exercer o contraditório, quer porque permitirá ao tribunal de recurso, sendo esse o caso, discordando do entendimento assumido pela 1ª instância, tomar, desde já, posição, quanto ao eventual prosseguimento da execução comum.
Ademais, sempre poderia esta Relação ordenar a junção destes precisos documentos, tendo-os por necessários à apreciação do mérito do recurso, nos termos do disposto no art.º 662º, n.º 2, b) do CPC.
Com tais fundamentos, decide-se pela admissibilidade dos documentos apresentados com as alegações de recurso.
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III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.–FUNDAMENTOS DE FACTO
A decisão recorrida não elencou quaisquer factos provados ou não provados.
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e, bem assim, em função dos elementos documentais existentes nos autos, considerando que nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectem a decisão da matéria de facto[5], os seguintes factos:
1.–Com data de 21 de Outubro de 2015, a Finangeste, S. A. reclamou o seu crédito, a que se reportam os presentes autos, no âmbito da execução fiscal n.º 2.............01, onde foi realizada a penhora incidente sobre o imóvel descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de A____ sob o número 2../1.....9 e inscrito na matriz predial daquela freguesia sob o artigo 1...9, da titularidade dos executados D e E, inscrita sob a Ap. 84 de 2007/09/18.
2.–Por despacho do Chefe de Serviço de Finanças A____ 1 de 3 de Setembro de 2020, proferido na execução fiscal referida em 1., foi ordenado o cancelamento das penhoras de imóvel existentes, em virtude do montante que se encontrava em dívida se encontrar prescrito, tendo sido ordenado o levantamento da penhora do artigo matricial n.º 1...1 (ex artigo 1...9 da freguesia da C____ C___) da União das Freguesias de C____C____ e S_____ e o cancelamento das Ap. 84 de 2007-09-18 e Ap. 3259 de 2010-08-20, que incidem sobre aquele artigo.
3.–Sobre o referido imóvel mantém-se registada uma penhora fiscal, conforme Ap. 53 de 2.....5/..0, realizada no âmbito da execução fiscal n.º 2..............55.
4.–Em 14 de Setembro de 2009, o Banco Santander Totta, Lda., titular originário do crédito exequendo, reclamou-o no âmbito da execução fiscal n.º 2................55, onde foi realizada a penhora incidente sobre o imóvel descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de A____ sob o número 2..1/1.....19 e inscrito na matriz predial daquela freguesia sob o artigo 1...9, da titularidade dos executados D e E, inscrita sob a Ap. 53 de 2008/05/30.
5.–Por mensagem de correio electrónico de 29 de Outubro de 2021, o Serviço de Finanças Almada 1 informou a ilustre mandatária da recorrente que a execução fiscal n.º 2...............55 se encontra activa, não estando agendada a venda do imóvel, indicando, por mensagem de correio electrónico de 22 de Abril de 2022, que, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 244º do CPPT, destinando-se o imóvel penhorado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, não haverá lugar à realização da venda, desde que não se verifique alguma das excepções previstas nos n.ºs 3 e 6 do referido normativo legal, dando conta que continua a manter-se a situação anterior, ou seja, o domicílio da executada coincide com o da localização do imóvel penhorado.
6.–O valor patrimonial tributário do imóvel penhorado, determinado no ano de 2020, é de 182 960,14 €.
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O facto descrito sob o ponto 1. baseou-se no conteúdo do documento n.º 1 junto com as alegações de recurso, que constitui certidão da reclamação de créditos apresentada junto do processo de execução fiscal ali identificado.
Os pontos 2. e 3. resultaram do conteúdo dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos com as alegações de recurso, que constituem certidão emitida pelo Serviço de Finanças A____ 1 dando conta do cancelamento de duas das penhoras e certidão do registo predial.
O ponto 4. baseou-se no documento n.º 4 junto com as alegações de recurso (reclamação de créditos apresentada pelo Banco Santander Totta, S. A).
O ponto 5. resulta do conteúdo das mensagens de correio electrónico que constituem dos documentos n.ºs 5 e 6 juntos com as alegações de recurso.
O facto descrito sob o ponto 6. emerge do conteúdo da caderneta predial, documento n.º 2 junto com o requerimento de 24 de Fevereiro de 2022.
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3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Vem o presente recurso interposto da decisão da 1ª instância que, em face da pretensão deduzida pelo exequente no sentido do prosseguimento da execução relativamente ao imóvel penhorado sob a verba n.º 1 do auto de penhora de 23 de Abril de 2013 - a moradia composta por rés-do-chão, primeiro andar, garagem e logradouro, destinada a habitação, sita em P....., Rua ..... ....., n.º ..., freguesia da C____C____, concelho de A____, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de A____ sob o número 2..1/1......9 e inscrita na matriz predial daquela freguesia sob o artigo 1...9 -, da titularidade dos executados D e E, entendeu que a venda do imóvel nos presentes autos de execução comum violaria o disposto no art.º 794º, n.º 1 do CPC, norma de carácter imperativo, devendo o exequente requerer o prosseguimento da execução fiscal, onde foi realizada a penhora mais antiga, para ressarcimento do seu crédito, pois que apenas a Autoridade Tributária está impedida de proceder a tal venda, indeferindo o visado levantamento da sustação da execução.
A exequente/recorrente visa alcançar a revogação de tal decisão argumentando que a lei tributária não prevê a possibilidade da execução fiscal prosseguir por impulso do credor reclamante, quando se verifique a situação prevista no n.º 2 do art.º 244º do CPPT, sendo que o Serviço de Finanças nunca irá prosseguir com a execução fiscal, mais referindo que o regime do n.º 1 do art.º 794º do CPC pressupõe a inexistência de causa legalmente impeditiva do prosseguimento normal da execução fiscal e venda do bem aí penhorado, pelo que, não podendo o bem penhorado ser vendido na execução fiscal, como é o caso, a venda deverá ter lugar na execução comum.
Sustentou ainda a inconstitucionalidade do art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal a quo, por violação do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, para além de invocar a circunstância de a execução fiscal, ainda que activa, estar, em rigor, «parada» pois a penhora foi efectuada há mais de 14 anos e o crédito foi reclamado em 2009, sem que tenha ocorrido a venda do imóvel.
Na presente execução comum encontra-se registada a favor da apelante a penhora do imóvel acima identificado e sobre o qual incide penhora anterior, registada a favor da Fazenda Nacional, no âmbito da execução fiscal n.º 2..............55 pendente contra os executados, razão pela qual foi determinada, em 12 de Outubro de 2015, a sustação dos seus termos, conforme ao disposto no artº 794º, nº 1 do CPC.
Em 14 de Setembro de 2009, foi apresentada a reclamação do crédito exequendo na referida execução fiscal.
Apesar de activa, a execução fiscal em referência não prosseguiu para a fase de venda do imóvel penhorado, considerando que este tem como finalidade exclusiva a habitação própria permanente dos executados.
A exequente veio requerer que cesse a suspensão da execução e que esta prossiga para venda do imóvel penhorado, alegando que não se verifica a pendência de duas execuções dinâmicas sobre o mesmo bem, para além de não estar prevista na lei tributária a possibilidade de prosseguimento de uma execução fiscal a requerimento de qualquer credor reclamante, pelo que só com o prosseguimento desta acção executiva poderá obter a satisfação do seu crédito.

Estatui o art.º 794º do CPC:
1- Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
2- Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
3- Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4- A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º.”

No art. 219º, nº 5 do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, vem previsto:
“A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no artigo 244.º.”

E no art. 244º, n.ºs 1 a 6 do CPPT estabelece-se:
1-A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.
2-Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.
3- O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.
4- Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.
5- A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.
6-O impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado.
7-Pode ser suspensa, mediante decisão fundamentada do órgão de execução fiscal, a realização da venda, sempre que for do interesse da execução, nomeadamente quando o valor dos créditos reclamados pelos credores referidos nos artigos 240.º e 242.º for manifestamente superior ao da dívida exequenda e acrescido, podendo a execução prosseguir em outros bens.”

A redacção do n.º 2 do art.º 244º do CPPT foi introduzida pela Lei n.º 13/16, de 23 de Maio, que veio proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art. 1º).
Tal regime veio criar um problema da sua articulação com o art. 794º do CPC nos casos em que a penhora prioritária da habitação própria e permanente tenha ocorrido na execução fiscal, questionando-se se tal regime vincula o credor comum.
Não podendo o imóvel penhorado previamente na execução fiscal ser vendido e inviabilizada, desse modo, a reclamação e satisfação do crédito do credor comum com penhora ulterior, deverá prosseguir a execução comum, por não existir razão para a sustação prevista no n.º 1 do art.º 794º do CPC ou, pelo contrário, deverá manter-se a suspensão?
O problema que se impõe solucionar é o de evitar que o impedimento da autoridade fiscal decorrente do disposto no n.º 2 do art.º 244º do CPPT, que exclui a venda do imóvel na execução fiscal, conduza à impossibilidade efectiva de o credor comum satisfazer o seu crédito, através da venda do imóvel na execução comum, sob pena de se frustrar a finalidade última do processo executivo.
Isto é, se a execução comum com penhora posterior à da execução fiscal foi sustada para que o crédito seja reclamado nesta última (art.º 794º, nº 1 do CPC), como poderá o credor comum ser satisfeito se naquela está vedada a venda do imóvel penhorado (quando se trate de habitação própria permanente - morada de família)?
Consideram uns, efectuando uma interpretação restritiva do art.º 244º, nº 2 do CPPT e atendendo a que a impossibilidade legal de venda do imóvel penhorado só ocorre nos casos em que a Autoridade Tributária seja o único interveniente no processo fiscal, que o processo executivo fiscal é o local próprio para o credor comum requerer o prosseguimento da execução e a venda do imóvel.
Pelo contrário, entendem outros que a norma expressa do mencionado n.º 2 do art.º 244º do CPPT impede o credor comum reclamante de prosseguir, por seu impulso, a execução fiscal sustada, sendo que a protecção da casa de morada de família que aquele normativo pretende prosseguir é de exclusiva aplicação aos processos de execução fiscal, não tendo a virtualidade de impedir que outro credor com penhora, ainda que posterior, sobre o mesmo imóvel, promova na execução comum a realização da venda. Ou seja, verificada a suspensão da execução fiscal (ou o impedimento da sua prossecução para a fase da venda), não há que aplicar o regime do n.º 1 do art.º 794º do CPC, pois que este prevê a ausência de impedimento legal ao prosseguimento das execuções concorrentes sobre os mesmos bens e à sua venda e pagamento em qualquer das execuções.

De modo sintético e claro se dá conta no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2019, processo n.º 2270/07.4TBVFX-B.L1-7 destas duas soluções divergentes:
“Uma primeira posição, segue de perto as reflexões de Delgado Carvalho, “As alterações introduzidas pela Lei n.º 13/16, de 23/5, no CPPT e na Lei Geral Tributária, e as suas repercussões no concurso de credores no caso de venda de imóvel destinado a habitação própria e permanente na execução fiscal”, em www.blogippc.blogspot.com, segundo qual o art. 244º, nº 2, do CPPT, deve ser interpretado restritivamente no sentido de que a impossibilidade legal de venda do imóvel penhorado só ocorre nos casos em que a Autoridade Tributária seja o único interveniente no processo fiscal.
Nas suas palavras: « (…) o impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no nº 2 do art. 244º do CPPT só opera em função do tipo de garantia real (em sentido impróprio) invocada pela administração fiscal: se esta garantia for a que alude o art. 822º, nº 1 do CC, não há lugar à realização da venda; mas se houver concurso do crédito fiscal com os créditos dos outros credores do executado, seja qual for a natureza (fiscal ou não fiscal) do processo executivo em que for admitido o concurso de credores, já a venda daquele imóvel pode realizar-se. Neste caso, o imóvel é vendido para cobrança de créditos não fiscais e o crédito do Estado, invocando este último os privilégios creditórios. Só esta solução mantém a coerência do sistema, que é uma exigência do art. 9º, nº 1, do CC, a respeito da interpretação da lei, sendo também compatível com o disposto no nº 4 do art. 794º do CPC, que determina a extinção da execução comum, no caso de não serem identificados outros bens penhoráveis.” (…)

Uma vez expostas estas proposições, importa retirar a seguinte conclusão: a administração tributária não pode vender o imóvel afeto a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar no âmbito de uma execução por si instaurada, mas já pode ser paga pelo produto da venda desse imóvel no concurso com outros credores do mesmo devedor, dado que a limitação legal criada apenas se aplica no âmbito da execução instaurada para satisfação de créditos fiscais. Daqui decorre que a administração fiscal pode apresentar-se a reclamar créditos de impostos no âmbito de processos de execução comum, na hipótese de a casa de morada de família ter sido primeiramente penhorada numa execução comum, mesmo que o seu crédito seja graduado em primeiro lugar (como acontece quando o imposto devido é IMI ou IMT) e ainda que arrecade a totalidade do produto da venda. Note-se que, em tal caso, a casa de morada de família não é objeto de venda para satisfação de um crédito de natureza fiscal, nem a garantia invocada pela administração fiscal é a penhora. No concurso com os demais credores do devedor, a administração fiscal faz valer os privilégios creditórios, gerais ou especiais, que por lei lhe são reconhecidos (...)
Uma vez que é de admitir que a administração fiscal se possa apresentar a reclamar créditos para fazer valer os privilégios creditórios de que beneficia quando em concurso com os credores comuns do devedor, então há que entender que é indiferente o processo de execução no qual se realiza o concurso de credores. Dito de outra forma, não funcionando a proibição da venda quando esta seja realizada para satisfazer conjuntamente créditos fiscais e créditos não fiscais, a fase de concurso de credores tanto pode ser aberta no âmbito da execução fiscal como no âmbito da execução comum. Tudo depende do processo em que a penhora seja mais antiga. Em suma, não se verifica o impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar quando, citados os credores comuns (isto é, não fiscais) do devedor na sequência da penhora de imóvel abrangido pela sua garantia, estes se apresentem a reclamar créditos no processo de execução fiscal, por ser este o processo em que a penhora é mais antiga. O regime instituído pela Lei n.º 13/2016 não pode implicar nem isentar os credores comuns do concurso da fazenda nacional (o que, aliás, teria como consequência um injustificado favorecimento dos particulares em detrimento do Estado), nem isentar esta fazenda do concurso dos credores comuns. […]»
Na jurisprudência, esta posição foi seguida designadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.10.2017, Sílvia Pires, 249/13 […]
No mesmo sentido, cf. o Acórdãos da Relação do Porto de 8.3.2019, Anabela Dias da Silva, 11128/11, da Relação de Coimbra de 8.4.2019, Falcão de Magalhães, 1325/16.
Nos termos da corrente oposta, o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, nomeadamente requerer o prosseguimento da execução e diligências de venda, a qual está legalmente impedida no âmbito desse processo fiscal pelo art. 244º, nº2, do CPPT, devendo prosseguir a execução comum, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos […]

Os principais argumentos desta posição são os seguintes:
i.-A ratio legis da norma do art.º 794º, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de protecção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual;
ii.-Atento o teor taxativo do nº 2 do art. 244º do CPPT (“não há lugar à realização de venda”), o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, nomeadamente requerer o prosseguimento da execução e diligências de venda, a qual está legalmente impedida no âmbito desse processo fiscal, independentemente de ser requerida por qualquer credor comum;
iii.-O CPPT não prevê o prosseguimento da execução fiscal por impulso dos credores reclamantes, não tem norma equivalente ao art. 850º, nº2, do Código de Processo Civil;
iv.-Estando suspensa a execução fiscal, não pode funcionar o regime previsto no art.º 794º, nº1, que tem como pressuposto a ausência de qualquer impedimento legal ao prosseguimento normal da execução fiscal e venda do bem penhorado;
v.-O art.º 244º do CPPT encontra-se inserido na Secção VIII, sob a epígrafe “Da convocação dos credores e da verificação dos créditos”, o que constitui um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado, donde se infere que nada vale reclamar na execução fiscal o crédito se a sua satisfação só poderia ser obtida pela venda do imóvel hipotecado, venda que está expressamente interdita na execução fiscal.
vi.-A regra da preferência resultante da penhora (art. 822º do Código Civil) não pode impedir a venda do imóvel no processo onde a penhora é posterior, visto que a Autoridade Tributária pode reclamar o seu crédito nesta execução (art. 786º), sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir.”
A doutrina encontra-se também dividida quanto ao modo de compatibilização das normas em presença.

Tal como decorre do trecho do acórdão supra transcrito, Delgado Carvalho, in As alterações introduzidas pela Lei n.º 13/16, de 23/5, no CPPT e na Lei Geral Tributária, e as suas repercussões no concurso de credores, pp. 7-12[6], sustenta que, embora o art. 1.º da Lei n.º 13/2016 proteja a casa de morada de família, proibindo a sua venda em processo de execução fiscal, a penhora da casa de morada de família é permitida, mas o Estado fica impedido de proceder à venda do imóvel no âmbito da execução por si instaurada. Logo, a penhora não é proibida; o que é proibido é a venda; a venda executiva fiscal fica suspensa quando é feita por iniciativa do Estado, ou seja, quando a venda é realizada para satisfação de um crédito fiscal. Assim, o impedimento legal à realização da venda daquele imóvel só opera quando a garantia real (em sentido impróprio) invocada pela administração fiscal for a penhora.
Acrescenta que, não podendo a administração tributária vender o imóvel afecto a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar no âmbito de uma execução por si instaurada, pode, contudo, ser paga pelo produto da venda desse imóvel no concurso com outros credores do mesmo devedor, dado que a limitação legal criada apenas se aplica no âmbito da execução instaurada para satisfação de créditos fiscais.
E conclui:
“não funcionando a proibição da venda quando esta seja realizada para satisfazer conjuntamente créditos fiscais e créditos não fiscais, a fase de concurso de credores tanto pode ser aberta no âmbito da execução fiscal como no âmbito da execução comum. Tudo depende do processo em que a penhora seja mais antiga.
Em suma, não se verifica o impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar quando, citados os credores comuns (isto é, não fiscais) do devedor na sequência da penhora de imóvel abrangido pela sua garantia, estes se apresentem a reclamar créditos no processo de execução fiscal, por ser este o processo em que a penhora é mais antiga. O regime instituído pela Lei n.º 13/2016 não pode implicar nem isentar os credores comuns do concurso da fazenda nacional (o que, aliás, teria como consequência um injustificado favorecimento dos particulares em detrimento do Estado), nem isentar esta fazenda do concurso dos credores comuns. […]
[…] o impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 do art. 244.º do CPPT só opera em função do tipo de garantia real (em sentido impróprio) invocada pela administração fiscal: se esta garantia for a penhora, não há lugar à realização da venda; mas se houver concurso do crédito fiscal com os créditos dos outros credores do executado, seja qual for a natureza (fiscal ou não fiscal) do processo executivo em que for admitido o concurso de credores, já a venda daquele imóvel pode realizar-se. Neste caso, o imóvel é vendido para cobrança de créditos não fiscais e o crédito do Estado, invocando este último os privilégios creditórios.”

O Professor Miguel Teixeira de Sousa parece propender também no sentido da venda dever ter lugar na execução fiscal referindo, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-01-2020, processo n.º 1303.17.0T8AGD.B.P1.S1, o seguinte[7]:
“Em termos práticos, a oposição entre as duas orientações em confronto não é grande, porque tudo se resume a saber em que execução -- se na fiscal, se na cível - se vai realizar a venda do imóvel penhorado.
Certo é, no entanto, que, também sob o ponto de vista prático, é muito mais simples considerar que o disposto no art. 244.º, n.º 2, CPPT não impede que o particular reclamante venha a obter a satisfação do seu crédito na execução fiscal (que está - se assim se pode dizer -- "activa") do que entender que este particular está impedido de obter essa satisfação nessa execução e que, por isso, não ocorre a suspensão da execução cível determinada pelo estabelecido no art. 794.º, n.º 1, CPC. No sentido preferível decidiu RC 25/5/2020 (367/16.9T8CVL-C.C1).

José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, 3º Edição, pág. 721, tomam posição em sentido contrário referindo:
“A penhora efetuada na execução tributária e registada antes de uma outra efetuada em execução civil, mas incidente sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, não obsta à prossecução da execução civil, para a qual será citada a AT para reclamar o seu crédito, uma vez que a venda daquele bem não pode ocorrer na execução fiscal, de acordo com o art.º 244º-2 CPPT, na redação dada pela Lei 13/2016, de 23 de maio. A possibilidade da penhora, embora esta não possa ser seguida de venda, conserva a utilidade da garantir à AT a conservação da prioridade decorrente da penhora, se o bem vier a ser vendido a requerimento de outro credor.”
Os autores dão conta das duas posições delineadas e acima identificadas, concluindo no sentido da correcção daquela que defende que a venda apenas pode ter lugar no processo civil, perante a inexistência na lei fiscal de norma idêntica à do art.º 850º, n.º 2 do CPC.

Também António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa opinam em idêntico sentido, ou seja, de que o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, requerendo o prosseguimento da execução e diligências de venda, devendo prosseguir a execução comum, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos, considerando que o impedimento à venda judicial do imóvel penhorado apenas vigora no âmbito do processo de execução fiscal, para além de, numa situação como a aqui tomada em consideração, as duas execuções não se encontrarem numa relação de dinâmica processual, por a Autoridade Tributária estar impedida de promover a venda do imóvel, sendo aquele um pressuposto subjacente à razão de ser da norma do art.º 794º, n.º 1 do CPC (ausência de qualquer impedimento legal ao prosseguimento normal da execução prioritária) cf. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II – Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, 2020, pág. 209.

Sustenta também o prosseguimento da execução comum, Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, 2ª Edição Revista e Aumentada, pp. 479-480:
“Na verdade, o objectivo do legislador foi o de impedir a venda da casa de morada de família no âmbito dos processos de execução fiscal, protegendo, por essa via, o executado e o seu agregado familiar.
Deste modo, se, numa execução civil, for penhorado um bem imóvel que constitua a casa de morada de família do executado e que já se encontre penhorado no âmbito de uma execução fiscal, a execução civil deveria, em princípio, ficar suspensa quanto a esse bem, reclamando o exequente o seu crédito na execução fiscal, atento o disposto no art. 794º, n.º 1.
Simplesmente, […] a sustação da execução na qual um determinado bem for penhorado sem segundo lugar visa permitir a realização de uma única venda ou adjudicação, impedindo-se, assim, a duplicação de vendas ou de adjudicações dos mesmos bens. No entanto, dado que o art. 244º, n.º 2, do CPPT, impede a venda em execução fiscal de bem imóvel penhorado que constitua a casa de morada de família, tanto o exequente, como os eventuais credores reclamantes no âmbito da execução civil ficariam irremediavelmente prejudicados em resultado desse impedimento legal, a que são absolutamente alheios, o que se torna ainda mais grave nos casos em que não seja conhecido qualquer outro bem no património do executado que permita a satisfação do crédito exequendo e dos eventuais créditos reclamados.

Nessa exata medida, afigura-se que, neste caso, a execução civil não deve ficar suspensa quanto ao bem imóvel penhorado, devendo, pelo contrário, prosseguir os seus termos tendo em vista a venda executiva desse bem, protegendo-se, dessa forma, os legítimos interesses do exequente e dos eventuais credores reclamantes.”

Embora se detectem diversas decisões dos tribunais superiores que admitem o prosseguimento da execução fiscal a requerimento do credor reclamante – cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 12-06-2018, processo n.º 2267/16.3T8STB-B.E1; da Relação de Guimarães de 13-01-2022, processo n.º 5935/17.9T8VNF-C.G1, da Relação do Porto de 8-03-2019, processo n.º 11128/11; da Relação de Coimbra de 8-04-2019, processo 1325/16; da Relação de Coimbra de 24-10-2017, processo n.º 249/13 -, a jurisprudência das Relações tem enveredado maioritariamente pelo segundo dos entendimentos enunciados – cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-05-2020, processo n.º 3911/18.3T8ALM-A.L1-6, de 20-12-2022, processo n.º 175/20.2T8AGH.L1-7, de 7-02-2019, processo n.º 985/15.2T8AGH-A.L1-6), de 12-09-2019, processo n.º 1183/18.9T8SNT.L1-2 e de 24-03- 202, processo nº 1320/11.4TBMTA-C.L1-2; do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-09-2017, processo n.º 1420/16.4T8VIS-B.C1, de 25-05-2020, processo n.º 367/16.9T8CVL-C.C1; do Tribunal da Relação do Porto de 22-10-2019, processo n.º 8590/18.5T8PRT-B.P1 e de 19-05-2020, processo n.º 2342/16.4T8AGD-B.P1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-05-2019, processo n.º 2132/17.7T8VCT-B.G1.

Por sua vez, os arestos do Supremo Tribunal de Justiça propendem, de modo essencialmente uniforme, no mesmo sentido, considerando que o prosseguimento da execução comum e venda do imóvel no âmbito da execução comum salvaguarda o interesse do credor, sem colocar em crise a razão de ser do disposto no artigo 244, nº 2 do CPPT ou o pressuposto do art.º 794º, nº 1, do CPC–cf. acórdãos de 23-01-2020, processo n.º 1303/17.0T8AGD-B.P1.S2 apud acórdão de 13-10-2022, de 2-06-2021, processo n.º 5729/19.7T8LRS-A.L1.S1 e de 14-12-2021, processo n.º 906/18.0T8AGH.L1.S1.

Disso mesmo se dá conta no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 13-10-2022, processo n.º 639/21.0T8SRE-A.C1.S1, onde se refere o seguinte:
“A matéria não parece ser objecto de controvérsia neste Supremo Tribunal de Justiça, que tem decidido uniformemente a favor da tese sustentada no acórdão recorrido (cf. Acs. S.T.J. 23/1/2020 Col.I/40, rel. Mª Rosa Tching, S.T.J. 2/6/2021, p 5729/19.7T8LRS-A.L1.S1, rel. Tibério Nunes da Silva, e S.T.J. 14/12/2021, p. 906/18.0T8AGH.L1.S1, rel. Jorge Dias).
Não vemos razões para divergir do que tem sido a orientação deste S.T.J.
A situação dos autos não pode ser equiparada à de um mero processo de execução fiscal suspenso – trata-se de um processo de execução fiscal que não pode prosseguir para venda, levando em linha de conta o fattispecie do art.º 794.º n.º1 do CPCiv.
Ora, não faz sentido aplicar a previsão do art.º 794.º n.º 1 do CPCiv a uma execução anterior que não pode prosseguir.
Tanto como é desrazoável ter que afirmar que o credor comum, numa simples situação de potencial concorrência de execuções, não encontra protecção na legislação ordinária, havendo que recorrer à norma constitucional.
A verdade é que execução pendente, para efeitos do disposto no art.º 794.º n.º 1 do CPCiv, é aquela que se encontra em movimento, isto é, a correr os seus termos normais.
Execução pendente opõe-se a execução simplesmente parada, que não chegou ao seu fim normal de pagamento da quantia exequenda, nem se perspectiva que o possa ser, na vigência da lei que lhe é aplicável – designadamente, a execução fiscal parada, por impossibilidade de venda do bem, enquanto habitação própria e permanente do devedor.

Como alertou José Alberto dos Reis, Processo de Execução, 2.º, 1985, pg. 287, “o que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar”.
No caso dos autos, a execução onde o crédito foi reclamado encontra-se parada – o bem ali penhorado, idêntico ao penhorado nos presentes autos, não poderá ser vendido.
Tanto basta para que se afirme que o art.º 794.º n.º 1 do CPCiv não é de aplicar à execução onde, num primeiro momento, se verificou a penhora de bem idêntico, mas que, posteriormente, ficou parada pela proibição, imposta por lei, da venda do bem penhorado.
Nesse caso, a execução que ficou sustada, à luz da norma do art.º 794.º n.º 1 do CPCiv, deve prosseguir os respectivos termos, sem prejuízo de a Fazenda Nacional poder reclamar os respectivos créditos na execução comum, sendo paga no lugar que lhe couber em graduação.”
Não se descortinam também razões para divergir daquele que vem sendo o entendimento maioritário da jurisprudência dos Tribunais superiores, sendo certo que a posição assumida, designadamente por Delgado Carvalho, envereda pela possibilidade de prosseguimento da execução fiscal a requerimento do credor reclamante, circunstância que não se mostra contemplada no CPPT, implicando tal solução a interpretação restritiva da norma do n.º 2 do art.º 244º CPPT, pois que ali se refere não haver lugar a venda do imóvel penhorado que seja casa de morada de família efectiva do executado ou seu agregado familiar (não se verificando as excepções previstas nos n.ºs 3 e 6 do art.º 244º), sem qualquer distinção sobre tal consequência em função de quem a há-de promover.
Ademais, parece clara a intenção do legislador de limitar o impedimento legal de venda da casa de habitação aos processos de execução fiscal, como decorre do texto do art.º 1º da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio[8], sem que se apure qualquer intenção de tal se estender às execuções comuns.
Ademais, tendo presente os fins de segurança e certeza jurídica que subjazem à previsão do art.º 794º, n.º 1 do CPC, não se pode deixar de realçar que este pressupõe a pendência de duas execuções com penhoras que incidem sobre o mesmo bem, mas que se encontram em andamento, o que não se verifica quanto à execução fiscal em causa nos presentes autos.
Com efeito, apurou-se que o imóvel constitui, efectivamente, o local de habitação habitual e permanente dos executados, a sua casa de morada de família – entendida como aquela onde, de forma permanente, estável e duradoura, se encontra sediado o centro da vida familiar dos cônjuges ou unidos de facto[9] - e que o seu valor tributário hoje (admitindo-se que o era também à data da penhora) é inferior ao valor correspondente à taxa máxima do imposto sobre transmissões onerosas de imóveis – 580 066,00 €[10] -, pelo que, não podendo a execução fiscal prosseguir para a fase de venda, importa, para salvaguarda do direito dos credores, que se determine o levantamento da sustação da execução comum e a realização da venda no processo executivo cível, por neste enquadramento deixar de se justificar a aplicação do n.º 1 do art.º 794º do CPC, concedendo-se, é certo, a oportunidade de a Autoridade Tributária aqui reclamar o seu crédito, no prazo previsto no art.º 786º, n.º 1, b) do CPC.

Cumpre ainda referir que a optar a Autoridade Tributária por reclamar o seu crédito na execução comum, não obterá o pagamento com violação da restrição legal que sobre si recai no contexto da execução fiscal, pois que na execução comum o imóvel irá ser vendido sob impulso do credor comum, e não se destina apenas à satisfação do crédito fiscal, sendo precisamente esse o âmbito restritivo da previsão do art.º 244º, nº 2 do CPTT.

Se assim não sucedesse e se se houvesse de manter a sustação da execução comum, inviabilizada a venda na execução fiscal, onde não se descortina preceito equivalente ao disposto no art.º 850º, n.º 2 do CPC, ficaria a exequente impedida de obter o pagamento do seu crédito, inviabilizando-se a finalidade do processo executivo.
A propósito da venda de imóvel destinado a habitação cumpre ainda referir que, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2022, processo n.º 175/20.2T8AGH.L1-7, “o direito à habitação do cidadão e da família, consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, não se confunde com o direito a ter casa própria, sem embargo do legislador ordinário, ciente da sua relevância, prevenir algumas formas de defesa da casa de morada de família, em contexto de cobrança de dívida, v.g., na alínea a) e b) do n.º 3 do artigo 751º do Código de Processo Civil, mas não já a respetiva impenhorabilidade. […] Acerca da conciliação entre a penhora da habitação do executado e o princípio da proporcionalidade escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 649/99, «O que se afiguraria como desproporcionado era que, no balanceamento do direito do credor a ver satisfeitas coercivamente - como no caso acontece - as obrigações assumidas pelo devedor (direito esse, repete-se, ancorado no nº 1 do artigo 62º da Constituição), e de um eventual «direito» deste último a conservar a titularidade do direito de propriedade de um imóvel onde se situa a sua habitação, o primeiro fosse postergado em nome do segundo [..]””.
Não se justifica, assim, que a pendência de penhora anterior incidente sobre habitação própria permanente do executado em execução fiscal impeça a venda do mesmo imóvel em execução comum.
Não subsistindo o pressuposto da aplicação, no caso concreto, do disposto no art.º 794º, n.º 1 do CPC, a execução deve prosseguir para a venda do imóvel, promovendo-se a citação da Fazenda Nacional para, querendo, reclamar o seu crédito e posterior graduação – cf. art.ºs 786º, n.º 1, b) e 791º do CPC.
Procede, pois, o presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida (sem necessidade de apreciação das demais questões suscitadas – cf. art.º 608º, n.º 2 ex vi art.º 663º, n.º 2 do CPC).
*

Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A pretensão que a apelante trouxe a juízo merece provimento.
Dado que os executados não influenciaram a decisão recorrida nem a decisão deste recurso, não podem ser considerados vencidos para os efeitos previstos no art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Por sua vez, quem do recurso tirou proveito e, por isso, seria responsável pelo pagamento das respectivas custas, seria a recorrente.
No entanto, estando paga a taxa de justiça devida pela interposição do recurso porque a recorrente procedeu ao seu pagamento (cf. Ref. Elect. 33838621) e ninguém contra-alegou, e como o recurso não envolveu a realização de despesas (encargos), não há lugar ao pagamento de custas em qualquer das suas vertentes (cf. art. 529º, n.º 4 do CPC).

Em face do ora decidido, impõe-se alterar a condenação em custas em 1ª instância, não havendo lugar ao pagamento de custas pela pretensão ali deduzida - – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 282 “O resultado obtido no recurso de apelação pode determinar ainda uma modificação da decisão sobre custas que tenha sido proferida no tribunal a quo.
*

IV–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em consequência:
a.-revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que ordene o levantamento da sustação da execução tendo em vista a venda do imóvel penhorado, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos.
Sem custas.
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Lisboa, 2 de Maio de 2023[11]


Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Alexandra Castro Rocha



[1]Adiante designado pela sigla CPC.
[2]Adiante designado pela sigla CPPT.
[3]Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[4]Cf. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, AAFDL 2022, pág. 112.
[5]Cf. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 245; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2015, pág. 468.
[6]In Blog IPPC acessível em file:///C:/Users/Admin/Documents/Processo%20Civil/Execu%C3%A7%C3%A3o/DELGADO%20DE%20CARVALHO,%20J.%20H.,%20As%20altera%C3%A7%C3%B5es%20introduzidas%20pela%20Lei%20n.%C2%BA%2013_2016,%20de%2023_5%20[...].pdf
[7]In Blog do IPPC, entrada de 10-11-2020, Jurisprudência 2020 (91).
[8]A presente lei protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.
[9]Cf. Art.º 10º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 83/2019, de 3 de Setembro (Lei de Bases da Habitação).
[10]Cf. Artigo 17.º, n.º 1 do Código Imposto Municipal Transmissão Onerosas de Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
[11]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.