Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10835/19.5T8LRS.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: PARTES COMUNS DO PRÉDIO
DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO
OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO
VENDEDOR E CONSTRUTOR
INEXISTÊNCIA DE ADMINISTRADOR DE CONDOMÍNIO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Padecendo as partes comuns de um prédio de defeitos de construção, está a vendedora e construtora do mesmo obrigada a repará-los nos termos do art.º 1225º do CC.
2. No contrato de empreitada, ao dono da obra incumbe a prova da existência do defeito, presumindo-se, nos termos do art.º 799º do CC, a culpa do empreiteiro, o qual, para se eximir da sua responsabilidade, tem de provar que o cumprimento defeituoso não lhe é imputável, ou seja, tem de provar a causa do defeito, que lhe deve ser completamente estranha, por ser imputável ao próprio dono da obra, a terceiros, ou a fatores de ordem natural.
3. É ao condomínio (aos condóminos) que incumbe o dever de conservação das partes comuns do prédio.
4. A inexistência de administrador nomeado pela assembleia de condóminos implica a existência de um administrador provisório, nos termos do art.º 1435º-A do CC.
5. Nada tendo sido alegado sobre a qualidade da R. como administrador provisório do condomínio, nem tendo sido demandada nessa qualidade, não pode ser responsabilizada pelos vícios de que o edifício padece resultantes da falta de manutenção do mesmo ou dos respetivos bens móveis.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                   
RELATÓRIO
Em 8.11.2019, Condomínio do Prédio Sito Na Rua …, nº …, Odivelas intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra ………– Sociedade de Construções, Lda. pedindo (i) o pagamento de €36.267,06 para a realização de obras ou, se assim não se entender, condenada a eliminar/reparar os danos e anomalias a expensas suas, e nos termos dos orçamentos juntos; (ii) caso assim não se entenda deve ser nomeada cada uma das empresas que apresentou orçamento como responsável pela realização das obras, devendo a R. ser condenada no respetivo pagamento, (iii) fixação de prazo máximo não superior a 30 dias para o início dos trabalhos de reparação e de 60 dias para a sua conclusão, (iv) condenação da R. numa indemnização a fixar equitativamente pelo tribunal por abuso de direito, (v) fixação de uma sanção pecuniária compulsória no valor de €250,00 diários por cada dia de atraso no cumprimento, pela R., de todo o peticionado.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
A R., cujo objeto é a construção civil, foi a construtora e vendedora do prédio sito na Rua …, nº …, em Odivelas, o qual foi constituído em propriedade horizontal em 30.5.2006, tendo o condomínio sido instituído na assembleia de 8.11.2018.
A deficiente construção do prédio originou graves anomalias quer a nível interno, quer externo, tendo a R. solicitado a elaboração de um relatório que identifica as patologias verificadas.
Na sequência da elaboração do referido relatório, a mandatária do A. interpelou, em 8.9.2019, a R. para se responsabilizar pela reparação dos danos causados, não tendo obtido resposta.
Foram apresentados à R. quatro orçamentos, que esta não aceitou.
A reparação dos danos orça em €36.267,06, que a R. está obrigada a pagar.
Nos termos do art.º 914º do CC, a R. é responsável pela reparação dos defeitos indicados, tendo o A. denunciado atempadamente os mesmos.
A R. atua em abuso de direito, ao ter conhecimento das anomalias e ao ignorar as suas obrigações, devendo ser condenada a indemnizar o A.
Citada, a R. contestou, por exceção, invocando a ilegitimidade do A., e por impugnação, e termina pedindo que o A. seja considerada parte ilegítima, com a consequente absolvição da R. da instância, ou caso assim não se considere, seja considerada improcedente a ação, com a sua consequente absolvição dos pedidos.
O A. replicou, pugnando pela improcedência da exceção invocada, e pela condenação da R. como litigante de má fé.
Dispensou-se a realização de audiência prévia, e proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção invocada, fixaram-se o objeto do litígio [1] e os temas da prova [2].
Realizou-se julgamento, e em 11.5.2022, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condenou a R. …… - Sociedade de Construções, Lda. a pagar ao A. Condomínio do Prédio Sito Na Rua …, Nº …, Odivelas a quantia de € 36.267,06 (trinta e seis mil, duzentos e sessenta e sete euros e seis cêntimos), absolvendo-a do demais peticionado.
Inconformada com a decisão, apelou a R., apresentando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que, em parte [3], se reproduzem:
a) Na redação o facto nº 10 o Tribunal a quo fez menção ao substantivo “anomalia”. Ora, salvo melhor e mais douto entendimento, partindo-se do pressuposto de que uma “anomalia” é algo que se desvia da norma ou que é irregular a utilização deste substantivo não nos parece ser a mais correta face ao rol dos factos referidos entre as alíneas a) a o) desse facto provado e ao facto de muitas das situações aí descritas não serem anomalias relativas ao edifício, mas a simples constatação de factos sem qualquer qualificativo. Pelo exposto, entende-se que na redação deste facto provado deve retirar-se o substantivo em causa, o qual não tem qualquer suporte fatual, passando tal facto a ter no seu corpo a seguinte redação, seguida pelas alíneas constantes deste facto provado: “Em 5.06.2019 e em 6.05.2021 o edifício referido em 1 apresentava-se da seguinte forma: ….”.
A douta sentença padece, assim, de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados devendo ser alterada em conformidade a decisão da matéria de facto nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, ambos do CPC.
b) (1) Face o que foi alegado pela recorrida no artigo 14.º da petição inicial relativamente à existência de pedras de capeamento em todas as fachadas - com exceção de um local concreto na fachada frontal referido a fls. 8 do relatório junto com o documento 6 da petição inicial; (2) face ao que resulta a fls. 9, 10 e 11 do relatório junto com o documento 6 da petição inicial; (3) face ao que resulta a fls. 5 a 8 do relatório pericial junto aos autos em 29 de junho de 2021 e que se encontra no autos com a referência CITIUS n.º 11090240 - no qual não é referida a existência de qualquer defeito de obras mas apenas de falta de manutenção no edifício; (4) face ao que foi referido perito J - no dia 9-12-2021 - …; (5) face ao que foi referido pela testemunha A – …, temos de concluir que os problemas existentes nas fachadas do prédio derivam de falta de manutenção - especialmente, naquela - virada a Norte, não existindo qualquer defeito construtivo que seja causa das fachadas se encontrem sujas, sendo certo que na data em que foram efetuadas as visitas ao prédio este já estava pintado há mais de 15 anos, sendo certo que o próprio perito – Eng. J - refere aos 6m28s e aos 35m39s das suas declarações e na resposta ao quesito 6 a fls. 8 do seu relatório pericial que um prédio virado a norte deverá ser pintado, pelo menos, de 8 em 8 anos, pelo que na data em que foram efetuadas as visitas já deveria estar na terceira pintura e ainda só tem a primeira !!! Diga-se quanto, a este aspeto que o próprio Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, no seu artigo 89.º impõe o dever geral de conservação das edificações de, pelo menos, uma vez em cada período de 8 anos!!!!
Existe, assim, tão só falta de manutenção do prédio que é causador, como nos parece ser óbvio face ao decorrer do tempo e como acontece na esmagadora maioria dos prédios que compõe o nosso parque urbano, de sujidades nas fachadas, mas tal facto não é, seguramente, um defeito de construção.
Aqui chegados temos de concluir que mal andou o Tribunal a quo quando deu como provado o facto n.º 11, com a sua atual redação, devendo o mesmo ser reformulado da seguinte forma: O verificado em 10.a deve-se à falta de manutenção do prédio
A douta sentença padece, assim, de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados devendo ser alterada em conformidade a decisão da matéria de facto nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, ambos do CPC.
c) (1) Da análise das fls. 3, 4, 5, 6, 10, 11, 12, 15, 16, 18, 20 e 22 do projeto de arquitetura e especialidade do edifício constante do documento 1 junto com o requerimento da recorrente, de 15-10-2020, com a referência CITIUS n.º 10127475 resulta a existência de pedras de capeamento com a menção 2B nas legendas e pedras de revestimento com a menção 2A nas legendas; (2) tendo em conta a análise das fls. 3 a 10 (última fotografia) do relatório junto como documento 5 da petição inicial, bem como das fotografia que se encontram a cores, na fls. 10, relativamente ao alçado nascente e norte e poente no relatório pericial, que está na plataforma CITIUS com a referência 11090240, de 29-06-2021, verificamos que a alheta horizontal encontra-se na pedra de revestimento que tem a menção 2A, sendo que esta alheta nada tem que ver com qualquer pingadeira prevista no projeto.
d) Tal facto é, igualmente, confirmado pelo depoimento testemunha A - …. Isto é, o Tribunal a quo ao concluir como concluiu olvidou, claramente, toda a restante prova produzida – documental, testemunhal e pericial.
e) Mas não é só, já que o Tribunal a quo, ao dar como provado o facto n.º 12 na redação que lhe deu, olvidou ostensivamente os próprios factos alegados pela recorrida no artigo 14.º da douta petição inicial, já que neste articulado apenas é referida a falta de capeamento numa parte precisa da fachada frontal – referida pelo item b) na página 8 do relatório junto como documento 6 com a douta petição inicial, sendo certo que em todos os outros alçados do prédio não é referida a falta de capeamento, mas apenas é referido que o capeamento existente não tem pingadeiras. Neste sentido vide alínea c) da página 9, 10 e 11 do relatório junto como documento 6 com a douta petição inicial, bem como o alegado na alínea c) do artigo 14.º da petição inicial no que concerne aos itens referidos quanto à Fachada Lateral Direita, à Fachada Posterior e à Cobertura.
f) Isto é, resulta insofismavelmente, quer do alegado pela recorrida, quer da prova produzida, que não existe qualquer falta de capeamento – por tal não ser sequer alegado - quanto à Fachada Lateral Direita, à Fachada Posterior e à Cobertura.
g) O projeto de execução do prédio em causa não prevê a colocação de capeamento no exato local da Fachada Frontal onde foi apontado pela recorrida a sua, suposta, falta. Ao analisarmos as folhas fls. 5, 4, 5 e 6 do documento 1 junto com requerimento da recorrente com a referência CITIUS n.º 10127475 verificamos que o alçado frontal – que é aquele que tem a porta de entrada principal do prédio – é representado no projeto como sendo o alçado nascente, alçado este que é aquele que está representado na fotografia que consta a fls. 8 do relatório junto como documento 6 com a douta petição inicial. Ao verificarmos no projeto o local onde o relatório diz faltar o capeamento – que é junto às janelas do r/c que ficam do lado direito da porta principal cujo projeto – concluímos que este não faz menção à existência de qualquer pedra de capeamento no local indicado na fotografia, já que inexiste no mesmo a menção à legenda 2B tal como existe, a título de exemplo, nos pisos superiores da fachada frontal representado a fls. 3 do documento 1 junto com requerimento da recorrente com a referência CITIUS n.º 10127475.
h) Isto é, resulta, sem qualquer dúvida do projeto do edifício que não estava previsto no mesmo a existência de qualquer pedra de capeamento no local mencionado pela recorrida na sua douta petição inicial, razão pela qual, como bem se compreenderá, nunca poderia a recorrente ter efetuado o mesmo, nem tinha qualquer obrigação de o fazer, por não estar previsto no projeto de arquitetura aprovado pela Câmara Municipal de Odivelas
i) Face ao exposto e face à prova que na nossa modesta ótica é inolvidável temos de concluir o seguinte: (1) foram colocadas pela recorrente no seu prédio as pedras de capeamento previstas no projeto; (2) a pedra de capeamento a que alude o artigo 14.º relativamente à fachada frontal não está previsto nesse mesmo projeto, logo não foi efetuado; (3) a alheta horizontal colocada nas fachadas – a que se refere o ponto 2A do projeto – nada tem que ver com qualquer pingadeira, nem tem essa função, sendo apenas um elemento decorativo existente nas pedras de revestimento ou forra constante do projeto, elemento esse que se encontra, claramente, colocado no local próprio, entre as pedras de forra; e (4) Não está previsto no projeto, nem este faz qualquer menção quanto a isso, a existência de qualquer pingadeira.
Aqui chegados temos de concluir que mal andou o Tribunal a quo quando deu como provado o facto n.º 12, com a sua atual redação, devendo o mesmo ser reformulado da seguinte forma: O projeto de arquitetura e especialidades do prédio em causa prevê a existência de pedras de capeamento em todos os locais referidos no ponto 2B dos projetos juntos aos autos, sendo que esse mesmo projeto não prevê no local apontado pela recorrida no artigo 14.º da fachada principal a colocação de qualquer pedra de capeamento. O projeto em causa não prevê, igualmente, a colocação de quaisquer pingadeiras.
A douta sentença padece, assim, de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados devendo ser alterada em conformidade a decisão da matéria de facto nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, ambos do CPC.
j) Pelos mesmos fundamentos probatórios a que fizemos alusão quanto à impugnação dos factos provados n.º 11 e 12 temos de concluir que o projeto de construção do edifício em discussão os presentes autos não obriga à execução de qualquer pingadeira, pelo que, tendo tal projeto sido aprovado pela Câmara Municipal de Odivelas e emitida a competente licença de utilização – facto provado n.º 3 – dúvidas não existem que na construção do edifício em causa a recorrente não estava obrigada, nem o poderia fazer para cumprir o projeto aprovado, qualquer pingadeira.
De igual forma, entre os 11m57s e os 12m06s do seu depoimento o perito J acaba por referir que em cerca 80% dos prédios construídos não é colocada qualquer pingadeira, admitindo o mesmo, aos 17m21s do seu depoimento que a simples existência de capeamento diminui claramente a existência de manchas escuras, bem como aceita entre os 00h43m10s e os 00h45m01s do seu depoimento que é, inclusivamente, admissível a não colocação de capeamentos.
No sentido de que a existência de capeamentos e pingadeiras depende dos projetos e que as boas normas de construção não obrigam à sua existência foi prestado depoimento pela testemunha A, …
Aqui chegados temos de concluir que mal andou o Tribunal a quo quando deu como provado o facto n.º 13, com a sua atual redação, devendo o mesmo ser reformulado da seguinte forma: A edificação do prédio identificado em 1 cumpriu, no geral, as boas práticas de construção.
A douta sentença padece, assim, de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados devendo ser alterada em conformidade a decisão da matéria de facto nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, ambos do CPC.
k) Os factos provados n.ºs 16, 17 e 18, bem como os documentos que os suportam foram impugnados pela recorrente no artigo 40.º e 41.º contestação, sendo que a recorrida não fez qualquer prova adicional quanto à veracidade e ao teor desses mesmos orçamentos, sendo certo que a recorrida não alegou qualquer conexão entre tais orçamentos e quaisquer problemas que fossem da responsabilidade da recorrente. Assim sendo, salvo melhor e mais douto entendimento, mal andou o Tribunal a quo quando considerou como provados os factos n.ºs 16 a 18 porquanto não existe, nem foi alegada e muito menos provada, qualquer conexão entre estes e quaisquer problemas que fosse responsabilidade da recorrente, pelo que tais factos deverão ser considerados como não provados.
A douta sentença padece, assim, de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados devendo ser alterada em conformidade a decisão da matéria de facto nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, ambos do CPC.
l) (1) Tendo em conta a fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo para dar como não provado o facto A; (2) tendo em atenção o que foi alegado pela recorrente nos artigos 20.º, 25.º, 26.º, 29.º, 32.º, 33.º, 34.º, 37.º a 39.º na sua contestação quanto ao facto dos problemas encontrados terem origem na falta de manutenção; (3) tendo em conta o teor de fls. 8 do relatório pericial; (4) tendo em conta o depoimento prestado pelo perito entre os 00h19m02s e as 00h33m42s , salvo melhor e mais douto entendimento, deverá ser aditado ao rol dos factos provados o facto n.º 25, com a seguinte redação:
Os problemas a que alude o facto provado n.º 10 derivam da falta de manutenção do edifício
A douta sentença padece, assim, de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados devendo ser alterada em conformidade a decisão da matéria de facto nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, ambos do CPC.
m) Resulta, claramente, provado que a licença de construção do edifício foi emitida em 17-08-2006 – facto provado n.º 3 - pelo que, certamente, nessa data já estava concluída a construção, facto este que o próprio Tribunal a quo refere a fls. 11 da douta sentença onde diz: “Podemos daqui concluir que nesta data a construção do prédio já se encontrava finalizada e que este estava apto a ser utilizado.
Assim sendo, salvo melhor e mais douto entendimento, entende-se que este facto deverá ser aditado ao rol dos factos provados como facto n.º 26, com a seguinte redação: “Em 17-08-2006 a construção do prédio já estava finalizada
A douta sentença padece, assim, de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados devendo ser alterada em conformidade a decisão da matéria de facto nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, ambos do CPC.
n) Na douta sentença o Tribunal a quo entendeu responsabilizar a recorrente pelas anomalias encontradas no edifício e referidas no facto provado n.º 10, com exceção daquelas a que alude as alíneas c), g) e m) desse mesmo facto provado. Para tal o Tribunal entendeu que todas as situações encontradas nas restantes alíneas do facto provado n.º 10 são defeitos de construção, situação esta que, salvo melhor e mais douto entendimento, conflitua com o rol dos factos provados e não provados, tanto mais que resultará dos mesmos que todas as situações aí indicadas resultam tão só de falta de manutenção, situação esta que, como bem se compreenderá, não constitui qualquer defeito de construção. Efetivamente, como supra já se teve oportunidade de referir, é o próprio Tribunal a quo que refere, na sua douta fundamentação que resulta contraditória com a sua conclusão, que não se provou – facto não provado A - que tais problemas se devessem a deficiente construção do prédio pela recorrente, mas sim à falta de manutenção. Olvidou, assim, na nossa modesta ótica, o Tribunal a quo o conceito de defeito de construção a que alude o disposto nos artigos 913.º e 1225.º do Código Civil, já que tal normativo estabelece que, cristalinamente, que terá de existir um defeito na construção, que resulta de uma deficiente construção, o que não resulta provado nos autos.
o) Da prova produzida não resultou que o edifício tivesse qualquer defeito construtivo, mas que os problemas encontrados eram derivados de falta de manutenção do edifício pelo próprio condomínio. Não resultando provado dos autos a existência de qualquer defeito de obra e resultado apenas provado que os problemas encontrados no edifício derivam, tão só, de falta de manutenção, salvo melhor e mais douto entendimento, na nossa modesta ótica sempre teria de improceder a presente ação, com exceção das anomalias a que alude o artigo 20.º do rol dos factos provados, as quais a recorrente sempre esteve disponível para reparar, desde o primeiro dia, tal como resulta da contestação por si apresentada.
Ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação os artigos 913.º e 1225.º todos do Código Civil.
p) Quanto à eliminação dos defeitos existentes, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo resulta, cristalinamente, da contestação apresentada que a recorrente sempre esteve disponível para os reparar logo que deles teve conhecimento – com a sua citação – sendo certo que, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, não resulta do rol dos factos provados: (1) a existência qualquer oposição da recorrente à reparação dos mesmos; (2) que a recorrente tenha sido interpelada para proceder à reparação dos defeitos elencados; (3) qualquer culpa da recorrente quanto à não reparação dos defeitos ou sequer quanto ao não recebimento de qualquer carta; (4) que a recorrente sequer tenha sido convocada para a assembleia a que alude o facto provado n.º 8 ou que dela tenha tido sequer conhecimento.
Pelo que, contrariamente ao que é afirmado pelo Tribunal a quo não se pode concluir, como este o fez, que a recorrente não cumpriu, definitivamente, a sua obrigação como empreiteira de reparar quaisquer defeitos que existissem.
Razão pela qual, tal como resulta do disposto no artigo 1221.º do Código Civil e não tendo a recorrente incumprido definitivamente a sua obrigação, tem esta o direito de proceder à reparação dos defeitos existentes e que são referidos no artigo 20.º do rol dos factos provados, às suas expensas, pelo que nunca poderia o Tribunal a quo condenar a mesma a pagar à recorrida as quantias em que foi condenada, sem lhe dar previamente o direito de as reparar.
Ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação os artigos 224.º n.º 2, 798.º e 1221.º e ss. todos do Código Civil.
q) O Tribunal a quo entendeu, face aos factos dados como provados, que a recorrente deveria indemnizar a recorrida no valor de € 36.267,06, o qual resulta, segundo parece, embora tal não seja sequer referido, do somatório dos factos provados n.º 16, 17 e 18.
Acontece que, salvo melhor e mais douto entendimento, o Tribunal a quo, contrariamente ao que seria a sua obrigação, não fundamenta, nem não faz qualquer conexão entre os alegados problemas existentes e os orçamentos apresentados, isto é, não faz qualquer conexão entre o problema e o prejuízo dele decorrente. Não foi, assim, feita qualquer prova de qualquer nexo de causalidade entre os orçamentos a que aludem os factos provados n.º 16 a 18 e qualquer problema, anomalia ou outro, relativamente ao qual a recorrente estivesse obrigada a indemnizar a recorrida, nem tal nexo de casualidade foi alegado, nem sequer o Tribunal a quo tentou fundamentá-lo na sua tomada de decisão.
r) Não estando a forma como o Tribunal a quo chegou ao cálculo da indemnização em que condenou a recorrente minimamente fundamentada, salvo melhor e mais douto entendimento, terão V. Exas. de concluir, nesta parte, pela nulidade da douta sentença ao abrigo do disposto no artigo 615.º n.º 1 b) do CPC, com os devidos efeitos legais.
s) Sem prejuízo do supra referido quanto à nulidade, entende-se que não estando estabelecido qualquer nexo de causalidade entre os valores orçamentados e quaisquer problemas que sejam da responsabilidade da recorrente, a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação o artigo 798.º do Código Civil, porquanto resulta deste mesmo artigo a necessidade de se estabelecer um nexo de causalidade entre o dano e o prejuízo, o que na nossa modesta ótica, não foi estabelecido e nem sequer tentado.
t) In casu a ação apresentada pela recorrida foi uma ação de defeitos de obra, com uma causa de pedir específica, claramente conexionada com a existência ou não de defeitos de obra, tal como resulta do douto despacho saneador com a referência CITIUS n.º 147673589. Por esta mesma razão, salvo melhor e mais douto entendimento, nunca poderia tal causa de pedir vir a ser, agora, alterada, em violação do princípio do contraditório previsto no artigo 4.º CPC e do princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva a que alude o CRP. O mesmo é dizer que não podemos ser tentados a confundir responsabilidade civil – que tem uma causa de pedir específica e requisitos específicos que se têm de preencher para estar preenchida – com a existência de defeitos de obra, isto é de problemas inerentes a conceção e execução da obra. A falta de manutenção de um edifício por parte um condomínio não cai, certamente, no campo relativo a defeitos de obra, já que é algo que é externo à obra e à sua execução, sendo que tal situação é responsabilidade do condomínio constituído em propriedade horizontal, seja este representado por quem quer que seja.
Como nos parece ser uniforme na nossa jurisprudência a falta de manutenção de um edifício de um condomínio cai no âmbito da responsabilidade civil e no disposto no artigo 493.º n.º 1 do Código Civil, sendo certo que, como supra já se teve oportunidade de referir, o próprio Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, no seu artigo 89.º impõe o dever geral de conservação das edificações de, pelo menos, uma vez em cada período de 8 anos.
Pelo exposto, conclui-se que inexistindo qualquer defeito de obra no edifício construído pela recorrente – salvo aqueles que a recorrente, expressamente, se comprometeu a resolver e que resulta do facto provado n.º 20 – mal andou o Tribunal a quo quando condenou a recorrente nos termos em que o fez.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua consequente absolvição do pedido.
O A. contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir são:
a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) da inexistência de defeitos de construção;
c) da eliminação dos defeitos ou pagamento da sua reparação;
c) do valor da indemnização arbitrada; nulidade da sentença.
d) da alteração da causa de pedir.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1.  A apelante impugna a decisão do tribunal recorrido sobre os pontos 10, 11, 12, 13, e 16 a 18 dos factos provados, e A e B dos dados como não provados.
Tendo dado suficiente cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, cumpre apreciar e decidir, depois de ouvida a prova gravada e analisada a prova documental e pericial junta aos autos.
1.1. A apelante pretende a alteração da redação do ponto 10 dado como provado (“10. Em 5.06.2019 e em 6.05.2021 o edifício referido em 1 apresentava as seguintes anomalias: …”), devendo passar a constar “Em 5.06.2019 e em 6.05.2021 o edifício referido em 1 apresentava-se da seguinte forma: ….”, sustentando que “a “anomalia” é algo que se desvia da norma ou que é irregular”, pelo que a utilização deste substantivo não se afigura a mais correta face ao rol dos factos referidos entre as alíneas a) a o).
“Anomalia” é o que se desvia da norma, da generalidade, é uma irregularidade, deformidade, monstruosidade, exceção à regra, singularidade, estado do que é anómalo, coisa anormal, falha (dicionários Priberam, Infopédia e Léxico online).
Percorrendo as várias alíneas do ponto 10 conclui-se que o que se mostra elencado foge à generalidade, ao normal, pelo que não nos merece censura o termo utilizado, que sempre terá de ser considerado no seu sentido corrente.
Como lapidarmente escrevia Manuel de Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, pág. 187, a propósito da formulação do questionário, mas com plena aplicação no que ora importa, “por vezes o mesmo termo é usado na linguagem jurídica e na linguagem comum. Na formulação do questionário deve arredar-se o emprego desses termos. Quando todavia lá figure algum deles, deve entender-se que foi tomado no seu sentido vulgar, pelo menos quando este seja (como tal) bem claro e preciso. Assim os termos “pagar”, “emprestar”, “vender”, etc.”.
Também Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma de Processo Civil, II Vol., 4ª ed. rev. e atual., pág. 240, se pronuncia no mesmo sentido, embora a propósito da decisão sobre a matéria de facto, escrevendo que “as respostas que contenham expressões que simultaneamente tenham um significado jurídico e utilização na linguagem corrente terão sempre esta significação que, de resto, não é vinculativa para o juiz da sentença” [4].
Improcede, pois, a pretensão da apelante, mantendo-se a redação do facto impugnado.
1.2. Pretende a apelante que o ponto 11 (“11. O verificado em 10.a deve-se à inexistência de capeamento e à pedra de topo não ter pingadeira.”) seja alterado, passando a constar “O verificado em 10.a deve-se à falta de manutenção do prédio”, fundamentando a sua pretensão no alegado pelo A. na PI, no doc. 6 junto com a PI (Relatório de análise efetuado pelo arquiteto G), no relatório pericial, nos esclarecimentos do sr. perito J prestados em audiência de julgamento, e no depoimento da testemunha A.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre o facto impugnado nos seguintes termos: “Relativamente às anomalias descritas no ponto 10, constam do relatório remetido pelo A. e que dos autos é fls. 34, e foram confirmadas pelo relatório pericial apresentado em 29.06.2021 (fls. 299). Os autores destes relatórios, J e G, foram inquiridos em sede de audiência de julgamento, tendo descrito o que visualizaram, respondendo de forma clara, lógica, espontânea e revelando conhecimento das questões, razão pela qual mereceram credibilidade, e bem assim os relatórios que produziram, e que confirmaram ser de sua autoria. Ambos fizeram referência ao facto de a sujidade visível nas fachadas ser resultante da inexistência de capeamento ou pingadeiras, situação que decorrer igualmente das regras de lógica, já que um escoamento de águas pluviais direcionado por uma pingadeira necessariamente reduziria em muito a sujidade na fachada que, a existir, teria outra configuração. Também o capeamento alteraria a forma de escorrência das águas pluviais e como tal, considerando-se provado o facto 11. Pelo Perito J foi visualizado o projeto do edifício que foi junto aos autos pela R., tendo concluído não prever a existência de pingadeiras, ou pedras de capeamento. Contudo, G verificou no projeto a existência de pingadeiras, ali denominadas “alheta horizontal”, situação visível nos projetos juntos, razão pela qual se mostra provado o facto 12.”, referindo, ainda, quanto à prova em geral que “Todas as testemunhas arroladas pelo A. revelaram conhecimento direto dos factos e prestaram o seu depoimento de forma clara, lógica, coerente, sem denunciar qualquer intenção de prejudicar a R., ainda que entendam ser ela responsável pelas reparações necessárias no edifício. Tal entendimento por todas perfilhado não afetou a veracidade do relatado, razão pela qual mereceram credibilidade. Já a testemunha arrolada pela R., A, não esteve envolvido na construção do imóvel ou no seu projeto, tendo visitado o edifício por sua livre iniciativa, na sequência de ter sido arrolado como testemunha pela R. e após conversa com alguém da empresa, circunstâncias que conferem pouca fiabilidade ao seu depoimento. Deu a sua opinião relativamente às boas práticas construtivas, a qual se revelou diversa da explanada pelo Perito J e por G, revelando estes uma isenção bastante superior, razão pela qual teve o tribunal em consideração a posição por este veiculada, afastando a posição da testemunha A …” (sublinhados nossos).
Vejamos.
Consta do facto impugnado que o verificado em 10.a (ou seja, “Em 5.06.2019 e em 6.05.2021 o edifício referido em 1 apresentava as seguintes anomalias: a. As fachadas principal, lateral e posterior apresentavam zonas de reboco e de pedra de revestimentos sujas pelo escorrimento de águas pluviais;”) deve-se à inexistência de capeamento e à pedra de topo não ter pingadeira.
No art.º 14º da PI, o A. alegou (por referência a Relatório de Análise que juntou) as seguintes patologias verificadas, no que ora releva:
- na FACHADA FRONTAL – identificam-se “zonas de reboco e de pedra de revestimento sujas pelo escorrimento de águas pluviais”, b) inexistência de capeamento; d) Pedra de topo sem pingadeira potenciando escorrimento”;
- na FACHADA LATERAL DIREITA – “as mesmas patologias”, “zonas de reboco e de pedra de revestimento sujas pelo escorrimento de águas pluviais”, “c) Pedra de capeamento sem pingadeira, o que potencia escorrimento pela fachada”;
- na FACHADA POSTERIOR - “as mesmas patologias”, “zonas de reboco e de pedra de revestimento sujas pelo escorrimento de águas pluviais”, “c) Pedra de capeamento sem pingadeira, o que potencia escorrimento pela fachada”.
Tendo em conta a motivação da decisão do tribunal recorrido sobre o ponto impugnado, apenas se pode concluir que o facto provado não espelha aquela motivação, tendo ficado aquém do que se pretendia escrever.
Certo é que, como refere o tribunal recorrido, tanto o sr. perito como a testemunha G referiram que a sujidade visível nas fachadas devido ao escorrimento das águas pluviais era resultante da inexistência de capeamento, no caso da fachada frontal ao nível do r/c (confrontados com as fotografias juntas ao Relatório de Análise – concretamente fls. 307), e de pedra de topo (também na fachada frontal ao nível do r/c) sem pingadeiras, e de pedras de capeamento (nas fachadas lateral direita e posterior – fls. 308 e 309) sem pingadeiras.
As patologias indicadas no Relatório de Análise foram confirmadas pelo sr. perito no relatório pericial, embora sem referir expressamente aquela questão, limitando-se a responder aos quesitos que lhe foram colocados em termos manifestamente generalistas, dando respostas também pouco concretizadas.
E o facto de ter feito constar do relatório pericial que “a construção em geral cumpriu as boas regras de construção”, e que “apresenta algumas patologias decorrentes da falta de manutenção e conservação”, e que o prédio “tem uma parte significativa da fachada do prédio exposta aos ventos de norte, acelerando a sua degradação”, não põe em causa o entendimento que expressou quanto às sujidades nas fachadas devidas pelo escorrimento de águas pluviais.
Por outro lado, sufragamos o entendimento do tribunal recorrido relativamente à testemunha A [5], nenhum argumento tendo a apelante avançado para o pôr em causa.
Nesta conformidade, não pode proceder a pretensão da apelante, afigurando-se-nos, porém, que a redação do facto impugnado deve ser completada tendo em conta a prova produzida referida, passando a ter a seguinte redação:
“11. O verificado em 10.a deve-se, na fachada frontal, à inexistência de capeamento e à pedra de topo não ter pingadeira, e, nas fachadas lateral direita e posterior, à pedra de capeamento não ter pingadeira.”.
1.3. Pretende a apelante que o ponto 12 dado como provado (“12. O projeto de arquitetura e especialidades do prédio em causa não prevê a existência de capeamento mas prevê a execução de pingadeiras.”) seja alterado passando a constar “O projeto de arquitetura e especialidades do prédio em causa prevê a existência de pedras de capeamento em todos os locais referidos no ponto 2B dos projetos juntos aos autos, sendo que esse mesmo projeto não prevê no local apontado pela recorrida no artigo 14.º da fachada principal a colocação de qualquer pedra de capeamento. O projeto em causa não prevê, igualmente, a colocação de quaisquer pingadeiras.”.
Fundamenta a sua pretensão na análise do projeto junto aos autos, conjugado com o depoimento da testemunha A.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre o facto impugnado nos termos já reproduzidos em 1.2.
Face à alteração introduzida no ponto 11 provado, impõe-se alterar o ponto 12 em conformidade, concretizando que o projeto de arquitetura e especialidades do prédio não prevê a existência de capeamento na fachada frontal.
E no que respeita às previsão no projeto de execução de pingadeiras na pedra de topo (na fachada frontal) e nas pedras de capeamento (nas fachadas lateral direita e posterior), não sufragamos a análise da prova feita pelo tribunal recorrido, analisando o que consta do projeto – doc. 1 junto a fls. 101 e ss. -, ponderados os depoimentos da testemunha G, bem como do sr. perito, nos termos constantes da motivação do tribunal recorrido.
Confrontadas com o projeto junto aos autos, a testemunha G disse que no projeto se previa a execução de pingadeiras, identificadas naquele como “alhetas horizontais”, enquanto o sr. perito concluiu que aí não se previa a existência de pingadeiras.
Analisado o projeto (fls. 101 e ss.) verifica-se que as mencionadas “alhetas horizontais” [6] se reportam às pedras de revestimento do edifício, e não às pedras de capeamento (ou à pedra de topo na fachada frontal), estas enquadráveis na legenda 2b (“Pedra calcária tipo “moleanos” amaciado”) onde não se prevê a existência de qualquer “alheta”, ou pingadeira, como resulta de fls. 102, 105vº, 106, 106vº, 108, 108vº, 109vº e 111vº.
Nesta conformidade, procede a pretensão da apelante, embora a redação a introduzir não possa ser a proposta, porque pouco clara e precisa.
Assim, altera-se o ponto 12 da fundamentação de facto que passa a ter a seguinte redação:
“12. O projeto de arquitetura e especialidades do prédio em causa não prevê a existência de capeamento na fachada frontal, nem de pingadeiras na pedra de topo (na fachada frontal) ou nas pedras de capeamento (nas fachadas lateral direita e posterior).”.
1.4. Pretende a apelante que a redação do ponto 13 (“13. A edificação do prédio identificado em 1 cumpriu, no geral, as boas práticas de construção, com exceção da ausência de pingadeira, cuja execução constitui uma boa prática construtiva.”) seja alterada, retirando-se a parte final (a partir de “com exceção …”).
Fundamenta a sua pretensão repristinando o alegado aquando da impugnação dos pontos 11 e 12, e ainda nas declarações da testemunha A, e esclarecimentos do sr. perito.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre o facto impugnado nos seguintes termos: “O facto 13 resulta da conclusão retirada pelo Sr. Perito J e constante do relatório pericial, que foi confirmada durante a inquirição, respeitando exclusivamente à edificação do prédio, e não ao que posteriormente veio a suceder. Este perito esclareceu não ter presenciado qualquer circunstância anómala em matéria estrutural do edifício, e que as anomalias verificadas respeitam a falta de manutenção. Acrescentou, no entanto, que a falta de pingadeiras constitui uma má técnica construtiva. Também G foi da mesma opinião, considerando boa técnica construtiva a execução de pingadeiras, ainda que tal não possa acontecer sem que constem do projeto aprovado pela edilidade. Com base em tais elementos probatórios considera-se provado o facto 13.”.
No relatório pericial fez-se constar: “Do que se pode observar das partes comuns do prédio, mesmo com situações suscetíveis de correção e melhoria, a construção no geral cumpriu as boas regras de construção. Agora, se a alusão ao cumprimento das regras de construção ocorre após construção, estas não foram satisfeitas na totalidade. Primeiro, durante a garantia da obra, a necessidade de efetuar algumas correções e melhoramentos, tais como, poço dos elevadores, caixa de esgotos e segurança contra incêndios. Segundo, providenciar todas as medidas para a conservação e manutenção do prédio” (sublinhado nosso).
Em julgamento, o sr. perito referiu, efetivamente, que a falta de pingadeiras constitui uma má técnica construtiva, mas admitiu que 80% não as fazem, o que considera errado, porque as mesmas permitem diminuir a ocorrência da escorrência de águas pela parede levando ao aparecimento de manchas de escorrência.
Também a testemunha G declarou que é uma boa regra construtiva a existência de pingadeiras, mas sublinhou que a sua falta não é imputável ao construtor se esse elemento não constar do projeto.
O que resulta dos referidos depoimentos é que os mesmos assentam no entendimento pessoal/profissional do que é uma boa regra construtiva nesta matéria, admitindo que dos projetos não conste a existência de pingadeiras, o que vai obrigar a uma manutenção das paredes (com pinturas) num menor espaço temporal.
Conforme resulta da alteração introduzida no ponto 12 da fundamentação de facto, o projeto do prédio em causa não previa a existência de pingadeiras.
Nessa conformidade, ponderados os depoimentos referidos, afigura-se-nos dever proceder a pretensão da apelante retirando-se do ponto 13 a parte final (a partir de “com exceção …”).
1.5. Pretende a apelante que sejam considerados não provados os pontos 16., 17. e 18. da fundamentação de facto (“16. O A. solicitou orçamento para a reparação de elevador, o qual tem o valor global de €3.868,35. 17. O A. solicitou orçamento para reparação de sistema de segurança contra incêndios, o qual tem o valor de €936,65. 18. O A. solicitou orçamento para limpeza, reparação de fissuras, aplicação de betume em juntas, pinturas e impermeabilização das fachadas, e bem assim pintura de chaminés, muretes e núcleo de elevadores e de escadas situado na cobertura, o qual tem o valor de €31.462,06.”), na medida em que impugnou nos art.ºs 40º e 41º da contestação os factos alegados nesse sentido, bem como os documentos juntos, não tendo o apelado feito qualquer prova adicional quanto à veracidade e teor dos orçamentos juntos.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos impugnados nos seguintes termos: “Os orçamentos referidos em 16 a 18 foram juntos aos autos a fls. 62 a 65, tendo o Sr. Perito atestado que tais valores se encontram dentro da normalidade do mercado, razão pela qual se considera também provado o facto 19.”
Apreciemos.
De fls. 62 a 65 dos autos mostram-se juntos 4 orçamentos relativos aos elevadores (os 2 primeiros), ao sistema de segurança e à reabilitação da fachada, onde se discriminam os trabalhos a efetuar (ou bens a fornecer).
É um facto que nos art.ºs 40º e 41º da contestação a R. impugnou o alegado no art.º 21º da PI (onde se fazia referência aos orçamentos juntos), e aos documentos juntos, “quer quanto à veracidade, quer quanto ao seu teor”, mas ao contrário do que alega a apelante, nas suas declarações de parte José, administrador do condomínio desde a sua constituição, confirmou o pedido dos referidos orçamentos, e a sua existência, explicando-os, tendo-o feito de forma clara, elucidativa e isenta.
Por outro lado, e como refere o tribunal recorrido, no relatório pericial sr. perito pronunciou-se no sentido de tais valores se encontrarem dentro da normalidade do mercado.
Nesta conformidade, nenhuma censura nos merece a decisão do tribunal sobre a factualidade impugnada, sendo questão diversa aquilatar, em momento próprio, da conexão entre os orçamentos e os problemas da responsabilidade da apelante.
1.6. Pretende a apelante que o facto A) dado como não provado (“A. Todas as anomalias referidas em 10 se devem a deficiente construção do prédio pela R.”) seja alterado, dando-se como provado que “Os problemas a que alude o facto provado 10 derivam da falta de manutenção do edifício”.
Sustenta a sua pretensão no teor do relatório pericial, e nas declarações do sr. perito, tendo em conta a factualidade por si alegada nos art.ºs 20º, 25º, 26º, 29º, 32º a 34º, 37º a 39º da contestação.
O tribunal recorrido motivou a decisão sobre o ponto impugnado nos seguintes termos: “Já no que respeita aos factos não provados, é forçoso concluir que nem todas as anomalias identificadas no ponto 9 [7] resultam da deficiente construção do prédio, já que muitas delas se devem a falta de manutenção ou fatores externos, como seja a falta de manutenção do sistema de molas de portas de segurança antifogo do piso 3, o sistema de iluminação de emergência queimado ou pinturas de grafite no exterior. Também o problema de isolamento verificado na fachada lateral foi atribuído pelo Perito J à falta de manutenção, tendo afirmado a este respeito que o que se vê nesta fachada ver-se-ia sempre já que está virada a norte, pelo que sujeita a condições atmosféricas mais rigorosas e menos sol. G acabou por concluir de forma semelhante, ao afirmar que encontrando-se a fachada virada a norte, é necessário proceder a nova pintura decorridos 10 anos sobre a anterior. O Sr. Perito adiantou que o mesmo se aplica aos fungos existentes na cobertura que, no entender deste perito, se devem igualmente às condições atmosféricas adversas a que tal zona está sujeita. De referir que G enunciou como problemas construtivos a ausência de capeamento, o problema do tubo de queda, o poço do elevador inundado e a má colocação das telhas, entendendo que o restante constitui falta de manutenção do edifício. Não pode, por isso, considerar-se provado o facto A.”.
Apreciemos.
Na PI, o A. elencou as “patologias” que se verificam nas partes comuns do prédio, concluindo que todas surgiram em virtude da deficiente construção do mesmo (art.º 15º).
Na contestação, a R. alegou, no que ora releva:
“20.º É falso alegado nos artigos 9.º a 11.º da douta petição inicial porquanto, para além dos problemas que infra melhor se irão referir e que se pretendem solucionar, o prédio construído pela R. não padece de quaisquer anomalias ou defeitos.
25.º Sem prejuízo do supra referido, não se compreende em que medida é que a alegada existência de sujidade e escorrimentos no prédio derivado das chuvas e a existência de pinturas de grafite é um defeito de obra, já que, certamente, não compete ao construtor – aqui R. - efetuar limpeza do edifício, já que esta é, salvo o devido e merecido respeito, da obrigação de todos os condóminos.
26.º De igual forma, não se compreende em que medida é que a inexistência de uma ou diversas pingadeiras é um defeito de obra.
29.º De igual forma a existência de sujidade na cobertura e fungos nada tem que ver com qualquer defeito de obra, mas com a falta de manutenção do condomínio, porquanto, certamente, a A. não desconhecerá que é importante proceder à limpeza das telhas e de todas as superfícies e revestimentos do prédio.
32.º De igual forma, a existirem telhas partidas – o que não se concede – os danos nas mesmas não são, certamente, imputáveis à R. mas sim a terceiros – condóminos ou outros – que ao longo destes 13 longos anos habitam as frações do prédio em causa e que, por razões diversas, ter-se-ão deslocado à cobertura e pisado as telhas.
33.º Não é, igualmente, um defeito de obra o facto o sistema de iluminação de emergência estar queimado em alguns locais – o que não se concede – já que o mesmo, dada a sua especificidade, deve ser alvo de manutenção anual periódica, o que, certamente, não ocorreu por parte dos condóminos ou por parte da A..
34.º É que este tipo de sistemas não é efetuado para ter uma validade de 13 anos, já que as baterias do sistema de iluminação de emergência têm uma duração nunca superior a 5 anos, necessitando de manutenção periódica e regular, mormente através da substituição das baterias que estão ciclicamente em carga.
37.º A A. vem, ainda, imputar à R. a falta de manutenção do sistema de molas de segurança antifogo, a existência de um elevador parado e de um elevador sem inspeção periódica.
38.º Ora, como é sabido, não compete à R. – mas sim à A. – proceder à manutenção do prédio e de todos os seus componentes (ex: portas, telhados, sistema de iluminação, sinalética, sistema de segurança contra incêndios), bem como solicitar as inspeções periódicas obrigatórias.
39.º Sendo certo que todas estas imputações à R. de falta de manutenção e inspeção, não são, certamente, defeitos de obra.”.
O facto impugnado resulta de alegação do A., sendo certo, porém, que o mesmo foi dado como não provado por ter sido contrariado pela prova pericial, conforme motivação do tribunal recorrido.
Contudo, não se ter provado que “Todas as anomalias referidas em 10 se devem a deficiente construção do prédio pela R.” não demonstra o contrário, ou seja, que todas as anomalias referidas em 10 não se devem a deficiente construção do prédio pela R. [8]
No contrato de empreitada (e a R. foi demandada, também, na sua qualidade de empreiteira), ao dono da obra incumbe a prova da existência do defeito, presumindo-se, nos termos do art.º 799º do CC, a culpa do empreiteiro, o qual, para se eximir da sua responsabilidade, tem de provar que o cumprimento defeituoso não lhe é imputável, ou seja, tem de provar a causa do defeito, que lhe deve ser completamente estranha, por ser imputável ao próprio dono da obra, a terceiros, ou a fatores de ordem natural.
Nesta conformidade, independentemente de se manter o ponto de facto impugnado (al. A) como não provado, há que aquilatar se dos autos resulta prova dos factos invocados pela R. na contestação, devendo ser aditados à factualidade provada.
Não existe prova do facto que a apelante pretende ver aditado – (todos) os problemas a que alude o facto provado 10 derivam da falta de manutenção do edifício.
Desde logo, da prova pericial, e do depoimento do sr. perito resulta a deficiência/inexistência do sistema de segurança contra incêndios (pontos 10, als. e., h., i., j., k., e o., e 23.), em incumprimento das normas e regulamentos em vigor, não associadas a problemas de manutenção.
Por outro lado, a própria R. assumiu a responsabilidade relativamente às anomalias elencadas no ponto 20 da factualidade provada - respeitantes às als. e (rachas nos pisos 3 e 4, e peitoril de janelas com humidades e tinta desgastada dos pisos 1, 2, 4 e 5), h. (peitoril de janela com humidades e tinta desgastada do piso 0), e j. (infiltrações em tubo de queda e respetiva parede no piso -2).
Relativamente ao sistema de iluminação e sinalética de emergência (als. e., h., i., j., e k.)  já consta da factualidade provada que o mesmo necessitava de manutenção - ponto 10.n.
Falta, então, ver se resulta provado que os factos enunciados nas als. b., d., e. (para além do que já se referiu supra), f., i. (para além do que já se referiu supra), j. (para além do que já se referiu supra), k. (para além do que já se referiu supra), e l., resultam da falta de manutenção do edifício.
Relativamente à al. b., o sr. perito foi esclarecedor ao referir que a situação apontada (fraco isolamento/impermeabilização) se resumia a falta de nova pintura, uma vez que se trata de uma fachada virada a norte, exposta a ventos o que acelera a sua degradação, como consta, aliás, do relatório. A “anomalia” verificada resulta, pois, da falta de manutenção do edifício, como se deduz, também, do depoimento da testemunha G.
Relativamente à al. d), mais uma vez o sr. perito esclareceu que o levantamento de algumas telhas se terá ficado a dever a eventual intempérie, nada tendo de estrutural. E os fungos existentes nas telhas e nas pedras de capeamento, resultam do facto da cobertura estar virada a norte, favorecendo o aparecimento daqueles, e que se deve a falta de manutenção.
A testemunha G também referiu que a existência dos fungos resulta da falta de manutenção, mas quanto às telhas opinou no sentido de que as mesmas se tinham descolado,   não tendo, porém, um depoimento convincente nesta matéria, por falta de assertividade, o que nos leva a desvalorizá-lo perante o declarado pelo sr. perito em termos convincentes.
Assim, conclui-se que a “anomalia” verificada resulta da falta de manutenção do edifício.
Relativamente à al. e. (rachas em paredes no interior dos pisos 1, 2 e 5), o sr. perito afirmou que a sua verificação não está associada a qualquer problema estrutural, de má execução das paredes, mas à natureza e oscilação dos próprios materiais, tratando-se de pequenas rachas normalíssimas num edifício com 16 anos, que se resolvem com pintura, com manutenção das paredes. A “anomalia” verificada resulta da falta de manutenção do edifício.
Relativamente à al. e. (peitoril de janela com humidades e tinta desgastada do piso 3), não se alcança porque a R. assumiu a responsabilidade desta situação relativamente aos pisos 0, 1, 2, 4 e 5, e não a assumiu relativamente ao piso 3, inexistindo qualquer prova de que a situação não seja a mesma. Não está, pois, em causa, uma situação de falta de manutenção.
Relativamente à al. f., o sr. perito confirmou estar em causa uma situação de falta de manutenção, explicando que o último piso tem mais amplitude térmica, sendo normal o aparecimento de pequenas rachas.
Relativamente à al. i. (rachas em paredes), remete-se para o já referido quanto às demais rachas na parede.
Relativamente à al. j. (rachas em paredes), remete-se para o já referido quanto às demais rachas na parede.
Relativamente à al. j. (paredes exteriores com infiltrações), mais uma vez o sr. perito explicou que as situações que verificou são usuais em pisos térreos ou enterrados (“o que vi lá não é nada de chocante”), que se resolve com a aplicação de uma tinta adequada.
Nesta conformidade, pode concluir-se que está em causa uma situação de falta de manutenção.
Relativamente à al. k. (rachas em paredes e paredes exteriores com infiltrações), remete-se para o já referido quanto às demais rachas na parede e quanto às infiltrações nos pisos enterrados.
Relativamente à al. k. (pavimento muito sujo e degradado, infiltrações em tubo de queda e respetiva abertura, revestimento de parede de caixa de elevador removido e portas corta fogo abertas), nenhuma prova foi produzida no sentido destas situações se verificarem por falta de manutenção, sendo certo que das regras da experiência podemos concluir que assim é quanto ao chão sujo, não tendo a “remoção” de parede de caixa de elevador e a “abertura” das portas corta fogo qualquer relação com defeito de construção.
Relativamente à al. l. (um elevador encontra-se parado), resulta das declarações do sr. perito que tal sucede porque tem falta de uma porta e de peças, referidas no orçamento apresentado, sendo certo que essa situação ocorre desde 2015 (ponto 22. da fundamentação de facto), o nos leva a concluir, atentas as regras da experiência comum e ponderadas as declarações do administrador José Romana, que a situação se verifica por falta da devida manutenção.
Em conclusão, devem aditar-se os seguintes factos:
25. O verificado em 10.b. e 10.d. resulta da falta de manutenção do edifício.
26. O verificado em 10.e., 10.f., 10.i., 10.j., e 10.k quanto às rachas em paredes resulta da falta de manutenção do edifício.
27. O verificado em 10.j. e 10.k, quanto às paredes exteriores com infiltrações resulta da falta de manutenção do edifício.
28. O verificado em 10.l resulta de falta de manutenção dos elevadores.
1.7. Por último, a apelante insurge-se contra a decisão sobre a al. B) dada como não provada (“A construção do prédio foi concluída em 2006”), pretendendo que seja dado como provado que “Em 17.8.2006 a construção do prédio estava finalizada”, tendo em conta o facto 3. provado.
O tribunal fundamentou a decisão sobre o ponto impugnado nos seguintes termos “Também não resultou provada a data do termo da construção, mas apenas a data da emissão da licença de utilização.”.
Nenhuma censura nos merece a decisão do tribunal recorrido.
O facto que a apelante pretende ver dado como provado é a conclusão que se pode retirar do facto provado 3., uma vez que o alvará de utilização (ou licença de utilização) apenas é emitido depois do edifício estar concluído, atestando que a obra concluída está conforme com o projeto aprovado e que o edifício cumpre as condições para o fim a que se destina.
*
Nesta conformidade, resultam provados os seguintes factos:
1. O imóvel sito na Rua …, n.º …, Odivelas, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas com o n.º …/19961105 e inscrito na matriz sob o artigo …, tendo sido adquirido por compra pela R. em 04.06.1998.
2. Foi constituído em regime de propriedade horizontal em 30.05.2006, com 19 frações autónomas, constando da sua descrição que os pisos menos três e menos dois são destinados a estacionamento, o piso menos um é destinado a habitação e arrecadações, os pisos zero, um, dois, três, quatro e cinco são destinados a habitação, sendo partes comuns os terraços, ainda que afetos ao uso exclusivo das frações “A”, “B”, e “C”.
3. A Câmara Municipal de Odivelas emitiu em 17.08.2006 o alvará de utilização n.º … que titula os fogos do prédio mencionado.
4. Pela Ap. 5520 de 2009/10/23 foi registada a autorização de utilização emitida pela Câmara Municipal.
5. A R. tem como objeto social a construção civil e obras públicas, compra e venda de propriedades e bens adquiridos para esse fim.
6. A R. construiu o imóvel identificado nos pontos 1 e 2, tendo vendido as suas frações autónomas.
7. Em 15.12.2000 a R. apresentou junto da Câmara Municipal de Odivelas um Projeto de Segurança contra Riscos de Incêndio para o prédio referido em 1.
8. No dia 8.11.2018 reuniram-se os proprietários das frações autónomas A, B, C, D, F, I, J, M, N, P, S e T e fizeram constar o seguinte da ata da reunião:
«Os presentes foram informados que a partir do momento em que o imóvel passou a estar em propriedade horizontal e tendo mais do que um proprietário passou a estar em condomínio.
Face ao exposto, foi submetida à votação a proposta de entrega do condomínio aos proprietários presentes e a organização do mesmo; a proposta foi aprovada com um voto contra da fração R/c Esq. e com os restantes votos favoráveis.
Ainda no âmbito deste ponto, os condóminos presentes informaram a representante da empresa gestora, que não houve qualquer tipo de passagem do condomínio, não houve entrega de chaves, bem como dos contratos do edifício, das telas finais e dos contactos de fornecedores de materiais e equipamentos, da certidão de registo predial do edifício, assim como as chaves do mesmo, tendo a administração ficado de enviar uma carta regista a solicitar estes documentos.
(…)
Os condóminos presentes fizeram questão de deixar escrito em ata, que o edifício não foi devidamente entregue pelo construtor, existindo várias anomalias, que não foram solucionadas por este. Estando há mais de três anos um dos elevadores parado. Existindo vários problemas a nível de partes comuns bem como em frações autónomas.»
9. A R. não esteve presente em tal reunião.
10. Em 5.06.2019 e em 6.05.2021 o edifício referido em 1 apresentava as seguintes anomalias:
a. As fachadas principal, lateral e posterior apresentavam zonas de reboco e de pedra de revestimentos sujas pelo escorrimento de águas pluviais;
b. A fachada lateral apresentava um fraco isolamento/impermeabilização, o que permite identificar a zona de estrutura do edifício em contraposição com as paredes de tijolo;
c. A fachada posterior tinha uma zona de pintura grafite;
d. A cobertura apresentava telhas partidas, sujas e fungos nas telhas e pedras de capeamento;
e. O interior dos pisos 1, 2 3, 4, 5 e de acesso à cobertura apresentava rachas em paredes, sistema de iluminação de emergência queimado, peitoril de janela com humidades e tinta desgastada e sistema de segurança contra incêndios inexistente;
f. O piso de acesso à cobertura apresentava ainda rachas no teto;
g. O sistema de molas de portas de segurança antifogo do piso 3 precisava de manutenção;
h. O piso zero apresentava sistema de iluminação de emergência queimado, peitoril de janela com humidades e tinta desgastada e sistema de segurança contra incêndios inexistente;
i. O piso -1 apresentava rachas em paredes, sistema de iluminação de emergência queimado e sistema de segurança contra incêndios deficiente/inexistente;
j. O piso -2 apresentava rachas em paredes, infiltrações em tubo de queda e respetiva parede, paredes exteriores com infiltrações, sistema de iluminação de emergência queimado e sistema de segurança contra incêndios deficiente/inexistente;
k. O piso -3 apresentava rachas em paredes, pavimento muito sujo e degradado, infiltrações em tubo de queda e respetiva abertura de parede, paredes exteriores com infiltrações, sistema de iluminação de emergência queimado, sistema de segurança contra incêndios deficiente/inexistente, revestimento de parede de caixa de elevador removido e portas corta fogo abertas;
l. Um elevador encontrava-se parado;
m. Os elevadores não tinham sido sujeitos a inspeção obrigatória;
n. O sistema de iluminação e sinalética de emergência necessitava de manutenção;
o. O sistema de segurança contra incêndios era defeituoso ou inexistente.
11. O verificado em 10.a deve-se, na fachada frontal, à inexistência de capeamento e à pedra de topo não ter pingadeira, e, nas fachadas lateral direita e posterior, à pedra de capeamento não ter pingadeira.
12. O projeto de arquitetura e especialidades do prédio em causa não prevê a existência de capeamento na fachada frontal, nem de pingadeiras na pedra de topo (na fachada frontal) ou nas pedras de capeamento (nas fachadas lateral direita e posterior).
13. A edificação do prédio identificado em 1 cumpriu, no geral, as boas práticas de construção.
14. A mandatária do A. remeteu à R., para a morada onde esta foi citada nos presentes autos, uma carta datada de 8.09.2019 na qual solicitou a reparação das anomalias descritas em 10 [9] no prazo máximo de 15 dias.
15. A R. não recebeu a missiva, tendo sido devolvida com a indicação de objeto não reclamado.
16. O A. solicitou orçamento para a reparação de elevador, o qual tem o valor global de €3.868,35.
17. O A. solicitou orçamento para reparação de sistema de segurança contra incêndios, o qual tem o valor de € 936,65.
18. O A. solicitou orçamento para limpeza, reparação de fissuras, aplicação de betume em juntas, pinturas e impermeabilização das fachadas, e bem assim pintura de chaminés, muretes e núcleo de elevadores e de escadas situado na cobertura, o qual tem o valor de € 31.462,06.
19. Os orçamentos obtidos pelo A. encontram-se dentro dos valores praticados no mercado para o tipo de intervenções em causa.
20. A R. visitou o imóvel descrito em 1 e assumiu responsabilidade relativamente às seguintes anomalias:
a. existência de um buraco na parede no piso -3 (estacionamento) que tem de ser tapado e pintado;
b. tubo de queda de águas pluviais no piso -2 (estacionamento) que tem de ser corrigido e reparado;
c. peitoris que estão por baixo da janela na zona das escadas entre os pisos 0 e 1, 1 e 2, 4 e 5, que têm de ser novamente pintados; e
d. reparação e pintura de rachas existentes na parede oposta aos elevadores nos pisos 3 e 4.
21. Em Março de 2011 a R. vendeu a fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao 2.º Frente, e que constitui a décima primeira fração autónoma do imóvel a ser vendida.
22. O elevador referido em 10.l [10] deixou de funcionar em 2015.
23. Nunca foram colocados extintores no edifício.
24. Em 2016 não havia sinalética de emergência.
25. O verificado em 10.b. e 10.d. resulta da falta de manutenção do edifício.
26. O verificado em 10.e., 10.f., 10.i., 10.j., e 10.k quanto às rachas em paredes, resulta da falta de manutenção do edifício.
27. O verificado em 10.j. e 10.k, quanto às paredes exteriores com infiltrações, resulta da falta de manutenção do edifício.
28. O verificado em 10.l resulta de falta de manutenção dos elevadores.
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E resultam não provados:
A. Todas as anomalias referidas em 10 [11] se devem a deficiente construção do prédio pela R.
B. A construção do prédio foi concluída em Maio de 2006.
C. A R. não aceitou os orçamentos descritos em 16, 17 e 18 [12].
*
2. Fixada a factualidade provada, apreciemos do mérito da apelação.
Depois de concluir que a entrega das partes comuns ocorreu na data da instituição da administração do condomínio, o que, no caso, ocorreu em 8.11.2018, o tribunal recorrido concluiu que a R. é responsável pelos defeitos enunciados no ponto 10 dos factos provados, com exceção das als. c., g., e m., nos termos dos art.ºs 913º e 1225º do CC.
E tendo a entrega sido feita com reservas, os defeitos denunciados tempestivamente, e a R. incumprido definitivamente a sua obrigação, condenou-a no pagamento dos montantes constantes dos orçamentos apresentados.
Insurge-se a apelante contra o decidido, sustentando que, à exceção das anomalias a que alude o ponto 20. dos factos provados, as quais sempre esteve disponível para reparar (não se verificando, pois, incumprimento definitivo), todas as restantes não resultam de qualquer defeito construtivo, mas da falta de manutenção do edifício, não podendo ser alterada a causa de pedir.
Em todo o caso, ao fixar a indemnização, o tribunal recorrido não fez qualquer conexão entre os alegados problemas e os orçamentos apresentados, não tendo sido estabelecido o nexo de causalidade entre o dano e o prejuízo, padecendo a sentença recorrida de nulidade nos termos do art.º 615º, nº 1, al. b), do CPC.
Apreciemos.
O A., Condomínio do prédio sito na Rua …, nº …, Odivelas,  demandou a R., na qualidade de empresa construtora e vendedora das frações daquele prédio, invocando a verificação de várias patologias nas zonas comuns do prédio, decorrentes de deficiente construção do mesmo, e a final, pediu (para além do mais) a condenação da R. a pagar ao A. o valor dos orçamentos apresentados para realização das obras necessárias para reparar os danos verificados, ou, assim não se entendendo, a condenação da R. a eliminá-los e/ou repará-los.
A R., no âmbito da sua atividade comercial, construiu o imóvel objeto dos autos, que constituiu em propriedade horizontal, e procedeu à venda das respetivas frações autónomas.
Com a compra da fração, cada condómino passa a ser proprietário exclusivo da sua fração e comproprietário das partes comuns do edifício – art.º 1420º do CC [13].
Dispõe o art.º 913º do CC que “1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. 2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.”.
Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, vol. II, 2ª ed. rev. e atualiz., pág. 187, escrevem que o “artigo 913º cria, efetivamente, um regime especial, para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas: a) Vício que desvalorize a coisa; b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada; c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. Equiparando, no seu tratamento, os vícios às faltas de qualidade da coisa e integrando todas as coisas por uns e outras afetadas na categoria genérica das coisas defeituosas, a lei evitou as dúvidas que, na doutrina italiana por exemplo, se têm suscitado sobre o critério de distinção entre um e outro grupo de casos. Como disposição interpretativa, manda o nº 2 atender, para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria.”.
E Calvão da Silva, em Compra e venda de coisas defeituosas, Conformidade e segurança, 5ª ed., pág. 44, escreve que “…, a lei posterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente que o que importa é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera. Daí a noção funcional: vício que desvaloriza a coisa ou impeça a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art.º 913º, nº 2).”.
O comprador de coisa defeituosa goza do direito de exigir do vendedor a reparação da coisa, do direito de anulação do contrato e do direito de redução do preço, bem como do direito à indemnização do interesse contratual negativo – art.ºs 913º a 915º do CC, conjugados com os art.ºs 905º e ss. do mesmo diploma legal.
O A. invocou que o prédio não foi corretamente executado, existindo diversas anomalias/ defeitos, e que, apesar de contactada, a R. não procedeu à respetiva eliminação/reparação, pedindo a sua condenação no pagamento ou na execução dos respetivos trabalhos de reparação, atento o facto da R. ter a dupla qualidade de empreiteira e de vendedora do imóvel da R. (art.º 1225º, nº 4, do CC).
Nos termos do art.º 1208º do CC, “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.”, devendo o dono da obra verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios (art.º 1218º, nº 1, do CC).
Dispõe o art.º 1225º do CC, que “1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente. 2 - A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia. 3 - Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º [14]. …”.
Da factualidade provada resulta que no interior dos pisos 0, 1, 2, 3, 4, 5 e de acesso à cobertura o peitoril da janela apresenta humidades e a tinta desgastada; o sistema de segurança contra incêndios nos mencionados pisos, bem como nos pisos -1, -2 e -3, é inexistente; no piso -2 existem infiltrações em tubo de queda e na respetiva parede; e no piso -3 o pavimento está degradado, e existem infiltrações em tubo de queda e na respetiva parede.
Estas situações, estes vícios, em parte reconhecidos pela R. (e os restantes que esta reconhece), configuram um desvio com respeito à qualidade que seria devida, já que o imóvel está afetado de vícios materiais, não estando conforme ao contrato atenta a não correspondência às características acordadas ou legitimamente esperadas pelos compradores, sendo manifestamente possível à ré proceder à eliminação desses defeitos.
O prazo de “garantia” previsto no art.º 1225º do CC, começa a correr a partir da entrega do imóvel ao condomínio, o que ocorreu em 8.11.2018, data em que se constituiu a assembleia de condóminos [15], tendo o A. denunciado os referidos defeitos à R. tempestivamente como concluiu o tribunal recorrido.
Já no que respeita às restantes “anomalias” alegadas [16], resultou provado que as mesmas resultam de falta de manutenção do edifício (e dos elevadores), e não de deficiente construção, ou execução da obra.
Ora, é ao condomínio (aos condóminos) que incumbe o dever de conservação das partes comuns do prédio [17], recaindo sobre eles o dever de suportar as correspondentes despesas (art.º 1424º, nº 1, do CC).
Os atos de conservação são praticados com o objetivo de evitar a deterioração ou destruição dos bens comuns.
Em anotação ao art.º 1424º do CC, Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, Vol. III, 3ª rev. e atualiz. (reimpressão), pág. 431, escrevem que “Nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns devem incluir-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam, independentemente dos montantes a que, em cada caso, ascendam.”.
O DL. nº 555/99, de 16.12, que estabeleceu o regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), impõe aos proprietários o dever de conservação dos edifícios, estatuindo no nº 1 do art.º 89º, que “As edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético.”.
Também o DL nº 320/2002, de 28 (que “estabelece o regime de manutenção e inspeção de ascensores, monta-cargas, escadas mecânicas e rolantes, após a sua entrada em serviço, bem como as condições de acesso às atividades de manutenção e de inspeção”), prevê a manutenção obrigatória dos elevadores, ao estabelecer que os ascensores estão sujeitos a manutenção regular, que é assegurada por uma empresa de manutenção de ascensores (EMA), a partir do momento em que essa instalação é colocada à disposição dos utilizadores, incumbindo ao proprietário da instalação a obrigação de celebrar com a EMA o respetivo contrato de manutenção (art.º 4º), numa das modalidades a que alude o art.º 5º, sob pena do condomínio incorrer em responsabilidade contraordenacional, enquanto proprietário dessas instalações, se permitir o funcionamento do ascensor “sem existência de contrato de manutenção” (art.º 13º, nº 1, al. c).
Os atos de conservação são, em regra, praticados pelo administrador do condomínio (art.º 1436º, al. f), do CC), sem prejuízo de alguns deles, nomeadamente os que configurarem atos de administração extraordinária [18], só poderem ser praticados pelo administrador após deliberação da assembleia de condóminos.
A inexistência de administrador nomeado pela assembleia de condóminos (art.º 1435º, nº 1, do CC) implica a existência de um administrador provisório, nos termos do art.º 1435º-A do CC.
Como explicam Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, na obra referida na nota 18, pág. 519, “O administrador provisório tem uma relevância particular no período inicial da constituição do edifício em propriedade horizontal, em concreto, no momento prévio à convocação da assembleia que deve promover a eleição do administrador (cfr. artigo 1435º, nº 1).”.
Nada foi alegado sobre esta questão, nem a R. foi demandada nessa qualidade.
Em conformidade, não pode a R. ser responsabilizada, na presente ação pelos vícios de que padece o edifício resultantes da falta de manutenção do mesmo ou dos respetivos bens móveis, ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, procedendo, nessa parte a apelação.
Por outro lado, e relativamente aos defeitos de que a R. é responsável e suprarreferidos, afigura-se-nos que não ocorreu o incumprimento definitivo daquela, como entendeu o tribunal recorrido, a determinar a condenação da R. no montante indemnizatório, mas cumprimento defeituoso que obriga à reparação dos defeitos, nos termos em que a lei permite (art.º 1221º, nº 1 do CC).
O tribunal recorrido fundamentou o seu entendimento nos seguintes termos: “Analisados os factos provados, verifica-se que a R. não entregou de forma voluntária as partes comuns do edifício nem tomou a iniciativa de constituir administração de condomínio. Convocada para a reunião em que tal administração foi deliberada, não compareceu. Interpelada para proceder à reparação das anomalias verificadas nas partes comuns no prazo de 15 dias nada fez, apesar de reconhecer a responsabilidade de reparação de algumas delas. Tal comportamento leva a concluir, de forma clara, que a R. não cumpriu definitivamente a obrigação que sobre si impendia, na qualidade de empreiteira e vendedora das frações autónomas, já que nenhum ato praticou que denuncie intenção de cumprir.”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, da factualidade provada não resulta que “a R. não entregou de forma voluntária as partes comuns do edifício nem tomou a iniciativa de constituir administração de condomínio” nem que foi “Convocada para a reunião em que tal administração foi deliberada”.
O que resulta provado é que, da ata da reunião do dia 8.11.2018, consta que “os condóminos presentes informaram a representante da empresa gestora, que não houve qualquer tipo de passagem do condomínio, não houve entrega de chaves, bem como dos contratos do condomínio, não houve entrega de chaves, bem como dos contratos do edifício, das telas finais e dos contratos de fornecedores de materiais e equipamentos, da certidão de registo predial do edifício, assim como as chaves do mesmo, tendo a administração ficado de enviar uma carta registada a solicitar estes documentos”.
Bem como apenas resulta provado que “a R. não esteve presente em tal reunião”, não se sabendo, por não ter sido alegado, se foi convocada para a mesma.
Por outro lado, é certo que a R. foi interpelada para proceder à reparação das anomalias verificadas nas partes comuns no prazo de 15 dias e nada fez.
Não menos certo é, porém, que tal interpelação ocorreu por carta datada de 8.9.2019 (que foi devolvida por não ter sido reclamada) e a presente ação foi intentada em novembro de 2019, sem que tivesse sido feita qualquer interpelação admonitória à R., não resultando dos autos elementos que permitam concluir pela sua recusa em resolver a situação, tanto mais que reconheceu a sua responsabilidade de reparação de algumas das anomalias verificadas, como resulta provado [19].
Como se escreveu no Ac. do STJ de 6.6.2013, P. 8473/07.4TBCSC.L1.S1 (Granja da Fonseca) em www.dgsi.pt, “A lei concede ao comprador, em caso de cumprimento defeituoso, múltiplos meios de atuação, sendo certo que esses diversos meios jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito não podem ser exercidos, arbitrariamente, mas sim de forma sucessiva. Com efeito, há uma espécie de sequência lógica, estando o vendedor, em primeiro lugar, adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida. Frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço, mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato […]. A indemnização cumula-se com qualquer das pretensões com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios. Deste modo, tendo os direitos de eliminação dos defeitos e de realização de nova construção sido estabelecidos no interesse de ambas as partes, não pode o dono da obra obviar ao cumprimento das respetivas obrigações do empreiteiro, efetuando-as ele próprio ou contratando terceiro para esse efeito, sem primeiro dar essa oportunidade ao empreiteiro […]. Outro tanto não acontece, na hipótese de se verificar um incumprimento definitivo destas obrigações, imputável ao empreiteiro, nomeadamente de recusa perentória de realização das obras, de não acatamento do prazo admonitório, nos termos do artigo 808º, n.º 1 do Código Civil ou de tentativa frustrada de eliminação dos defeitos ou de reconstrução da obra, já não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder efetuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento do custo dessas obras.” (sublinhado nosso).
Não se verificando recusa no cumprimento, ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, deve a R. ser condenada a reparar os defeitos que se verificam nas partes comuns do edifício (no interior dos pisos 0, 1, 2, 3, 4, 5 e de acesso à cobertura o peitoril da janela apresenta humidades e a tinta desgastada; o sistema de segurança contra incêndios nos mencionados pisos, bem como nos pisos -1, -2 e -3, é inexistente; no piso -2 existem infiltrações em tubo de queda e na respetiva parede; e no piso -3 o pavimento está degradado, e existem infiltrações em tubo de queda e na respetiva parede, e, ainda, os referidos no ponto 20.a. e 20.d.), afigurando-se-nos suficiente para tal o prazo de 30 dias, atento o volume de trabalhos a efetuar, e o lapso de tempo já decorrido.
Fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Em conclusão, procede, parcialmente, a apelação, devendo alterar-se a sentença recorrida, condenando a R. a reparar os defeitos supra identificados que se verificam nas partes comuns do edifício, no prazo de 30 dias, absolvendo-a do demais peticionado.
As custas da ação [20] e da apelação são a cargo da apelante e do apelado, em partes iguais – art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando a R. a reparar os defeitos que se verificam nas partes comuns do edifício (no interior dos pisos 0, 1, 2, 3, 4, 5 e de acesso à cobertura o peitoril da janela apresenta humidades e a tinta desgastada; o sistema de segurança contra incêndios nos mencionados pisos, bem como nos pisos -1, -2 e -3, é inexistente; no piso -2 existem infiltrações em tubo de queda e na respetiva parede; e no piso -3 o pavimento está degradado, e existem infiltrações em tubo de queda e na respetiva parede, e, ainda, os referidos no ponto 20.a. e 20.d.), no prazo de 30 dias, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas pela apelante e apelado, em partes iguais.
*
Lisboa, 2023.05.02
Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa

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[1] “… importa decidir se a Ré tem a obrigação de proceder à realização dos trabalhos indicados na petição inicial e/ou ao pagamento das quantias peticionadas pelo Autor decorrente de ser construtora/vendedora do prédio do Autor, apreciando os alegados incumprimentos e defeitos na obra.”.
[2] Ou seja, “1. A construção e venda pela Ré do prédio descrito no artigo 1.º da petição inicial. 2. Levantamento efetuado pelo Autor dos defeitos de construção e relatório efetuado. 3. Defeitos (artigo 14.º da petição inicial). 4. Data da conclusão das obras de construção. 5. Data em que os condóminos começaram a habitar as frações. 6. Falta de manutenção do sistema de molas de segurança anti fogo e inspeção dos elevadores. 7. Interpelação da Ré e apresentação de orçamentos. 8. Custo de reparação dos defeitos/danos e orçamentos de reparação (artigos 26 a 30 da petição inicial). 9. Comportamento da Ré face ao conhecimento dos defeitos.”.
[3] No que respeita ao que deve constar das conclusões quando se impugna a decisão sobre a matéria de facto, escreveu-se, de forma clara e pertinente, no Ac. do STJ de 19.2.2015, P. 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Tomé Gomes), em www.dgsi.pt, que “… enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (negrito nosso). Em bom rigor, deveria retirar-se das conclusões todas as referências que a apelante faz aos meios de prova. Contudo, opta-se por não o fazer, para não alterar a linha conclusiva da apelante, apenas se retirando as referências às passagens da gravação, que, inquestionavelmente, não devem constar das conclusões.
[4] Com interesse nesta matéria e no mesmo sentido, ver Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (este último subscreve o presente acórdão como 2º adjunto), no CPC Anotado, Vol. I, pág. 25, nota 6.
[5] Sendo certo que o tribunal recorrido está em melhores condições para apreciar o concreto depoimento da testemunha. De acordo com o princípio consagrado no art.º 607º, nº 5, do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada, sendo, pois, as provas livremente valoradas, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas. É um facto, que os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto foram ampliados e reforçados pelo CPC de 2013, como resulta do seu art.º 662º, no confronto com o anterior art.º 712º do CPC61. Contudo, os princípios da imediação e oralidade continuam a nortear a produção de prova e a decisão sobre a matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes, em Recursos em processo civil, 7ª ed. atualiz., pág. 348/350, “… existem aspetos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas são percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. O sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a perceção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os fatores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Além do mais, todos sabemos que, por muito esforço que possa ser feito na racionalização da motivação da decisão da matéria de facto, sempre existirão fatores difíceis ou impossíveis de concretizar ou de verbalizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção formada acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos”. Por isso, conclui que “… as dificuldades que foram anteriormente apontadas e outras que poderiam ser enunciadas deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo atuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados”.
[6] Consta do projeto a legenda 2a com os seguintes dizeres: “Pedra calcária tipo “moleanos” bujardado com alheta horizontal”.
[7] O tribunal recorrido pretende referir-se ao ponto 10 – cfr. despacho referido nas notas 4 a 7.
[8] A resposta negativa a um determinado facto apenas quer dizer que o mesmo não se provou, não significando que tenha de ter-se como provado o facto inverso. Conforme ilustra Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma do Processo Civil”, II vol., 1997, pág. 214, “(…) Se existe controvérsia sobre se o condutor do veículo X passou o cruzamento com o sinal vermelho e é dada resposta negativa sobre esse facto, não significa que se possa concluir, só através dessa resposta, que o condutor transitou com o sinal verde ou amarelo. (…)”.
[9] Conforme despacho de 15.2.2023 (refª 155791730) que retificou lapsos de escrita da sentença.
[10] Conforme despacho de 15.2.2023 (refª 155791730) que retificou lapsos de escrita da sentença.
[11] Conforme despacho de 15.2.2023 (refª 155791730) que retificou lapsos de escrita da sentença.
[12] Conforme despacho de 15.2.2023 (refª 155791730) que retificou lapsos de escrita da sentença.
[13] Efetivamente, os vários contratos de compra e venda celebrados entre a R., na qualidade de vendedora, e os diversos condóminos, na qualidade de compradores, implicaram, para além do mais, a transmissão da primeira para os segundos do direito de propriedade singular e pleno sobre as respetivas frações autónomas, conjuntamente com a transmissão do direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício.
[14] Ou seja, “Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.”.
[15] E em que o vendedor deixou de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos.
[16] E em causa na presente apelação, ou seja, excluindo as elencadas nas als. c., g., e m. do ponto 10., que o tribunal recorrido decidiu, com trânsito em julgado, estarem excluídas da responsabilidade da R.
[17] Embora inexistindo norma legal expressa com tal conteúdo. Neste sentido, ver o Ac. do STJ de 12.10.2017, P. 1989/09.0TVPRT.P2.S1 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), em www.dgsi.pt.
[18] Com interesse sobre esta matéria, cfr. Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, no Comentário ao CC, Direito das Coisas, coord.de Henrique Sousa Antunes, UCE, pág. 525.
[19] O incumprimento definitivo pode revelar-se por diversos meios: - pela impossibilidade da prestação, por destruição da coisa ou pela sua alienação a terceiro, sem qualquer reserva (art.º 801º do CC); - pela perda do interesse do credor na prestação, em consequência de mora do devedor ou a sua inexecução dentro do prazo razoável que lhe for fixado por aquele (interpelação admonitória (art.º 808º do CC); - pelo decurso de prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável, o que equivale àquela perda de interesse; ou, - pela recusa perentória do devedor em cumprir, comunicada ao credor, não se justificando então a necessidade de nova interpelação ou de fixação de prazo suplementar (cfr. Antunes Varela, na R.L.J., ano 121, pág. 223).
[20] Como se escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, no CPC, Vol. I, 3ª ed., pág. 627, “…, quando o acórdão do tribunal superior revogar total ou parcial da decisão recorrida, justificar-se-á que seja redefinida a responsabilidade global pelas custas nas diversas instâncias, de acordo com as regras gerais (STJ 20-12-21, 2104/12, STJ 17-10-19, 2458/15).”