Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24746/16.2T8LSB.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: NULIDADE DO NEGÓCIO
FRAUDE À LEI
NEGÓCIO INDIRECTO
PERMUTA E DOAÇÃO EM PREJUÍZO DAS FILHAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Conforme o disposto no art.º 294.º do Código Civil, são nulos os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo.
II- Na fraude à lei há a considerar como pressupostos indispensáveis: a regra jurídica que é objeto de fraude (a norma a cujo imperativo se procura escapar); a regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante; a atividade fraudatória pela qual o fraudante procura modelar artificiosamente uma situação coberta por esta segunda regra, e - para alguns autores, pelo menos, uma intenção fraudatória.
III- É nula, por fraude à lei, uma escritura de permuta e doação de imóveis através da qual a Ré, previamente, transferiu para a esfera jurídica da sua irmã, sem descendentes, a propriedade de um imóvel que pretendia doar a duas das suas filhas, em detrimento das outras duas filhas. Após, foi a sua irmã que procedeu à doação do imóvel às suas sobrinhas. Desta forma, foi obtida a finalidade de afastar a aplicabilidade das normas imperativas relativas à sucessão legitimária.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
I-RELATÓRIO

TB, intentou a presente ação declarativa de condenação, na forma comum, contra:
1.ª- MF (por si e na qualidade de Herdeira Universal de sua irmã, AF),
2.ª- BR e
3.ª- CR (na qualidade de únicas Herdeiras de IB),
4.ª- MB e
5.ª- PB, pedindo que seja declarada a nulidade da escritura de permuta e doação outorgada em 20 de março de 2002, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, por a mesma estar ferida do vício de fraude à lei, de simulação absoluta ou de simulação relativa, bem como o cancelamento dos registos efetuados com base em tal instrumento notarial.
Para tanto, alegou muito em síntese que a referida escritura está ferida de nulidade pois as partes não quiseram permutar os imóveis que eram de valor bastante distinto, mas apenas tiveram a intenção de criar um mecanismo que permitisse deserdar parcialmente a Autora, afectando a legítima da mesma.
Regularmente citadas as 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés contestaram, alegando entre o mais a existência de conluio entre a A. e a 1ª R., requerendo a sua absolvição do pedido. A 1ª R. nada requereu a final que não justiça, tendo, no entanto, apresentado uma versão dos factos parcialmente coincidente com a Autora.
A R. PB, embora requeira a sua absolvição do pedido, apresenta uma versão dos factos também parcialmente coincidente com a Autora.
*
Foi realizada audiência prévia, na qual, entre o mais, se indeferiu a ilegitimidade passiva da 1ª e 5ª RR., se identificou o objeto do litígio e se fixaram os temas da prova.
Decorridos todos os trâmites legais, realizou-se o julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as Rés do pedido.
Inconformada com esta sentença, a Autora veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:    
Vem o presente recurso interposto sobre a Sentença que julgou a acção intentada pela ora Recorrente, totalmente improcedente, absolvendo assim as RR. dos pedidos deduzidos.  
B) Por entender que tal Sentença, se V.ª Exas. o permitem, simplista Sentença, não reflecte a matéria de facto dada como provada (mormente a confissão por parte da R. MF), por parecer que a Sentença não percebeu o objecto do litígio e por entender que há erro na aplicação do direito, não pode a ora Recorrente conformar-se apresentando assim o presente Recurso.        
C) Não deu no Tribunal “a quo” como provados factos que são de extrema e necessária importância para uma Decisão diferente que se impunha e que se impõe.
D) A Sentença sob recurso considera provados uma série de factos, mas omite, acredita-se que por descuido de negligência e não de forma propositada, uma série de outros que são, na humilde opinião da Recorrente, de extrema importância para uma boa Decisão da causa e, consequentemente, para uma boa Decisão do presente Recurso.         
E) Foi emitido e notificado às partes, em 12 de Fevereiro de 2018, o Despacho Saneador (refª. Citius 373552289) requerendo-se desde já a junção desde Despacho Saneador à presente Apelação, nos termos do disposto no art.º 646º do CPC.
F) Remete-se para tal documento, destacando, contudo, as seguintes alíneas de tal Despacho para efeitos do presente Recurso: A), B) E), F), G), H), I), J) e M).
G) O Meritíssimo Juiz “a quo” esquece, senão integralmente, quase todos os temas da prova (quesitos) que estavam consolidados, chegando até ao ponto de não se pronunciar sobre alguns deles, quando há prova suficiente e bastante, mais que suficiente e bastante dizemos nós, para os considerar provados.          
H) Vejamos, cada um destes temas da prova e respectivas provas produzidas.
I) Sobre a alínea A) dos temas da prova todo o depoimento prestado pela R. MF, já transcrito e indicado no presente Recurso, foi no sentido de que estava zangada com as suas filhas (A. e 5ª R.) por estas terem ido viver para Inglaterra e que, portanto, queria dar o seu prédio que era o mais valioso, às suas outras filhas I (Mãe da 2ª e 3ª RR.) e C (4ª R.).
J) Fica ABSOLUTAMENTE claro que a intenção da R. MF era uma e única: “dar”, doar directamente às filhas C e I o prédio sito na Rua …, n.º 111, em Lisboa (denominaremos por questão de simplicidade por Prédio 3 conforme também vem descrito no relatório pericial junto aos Autos).
K) O que a R. MF disse e afirmou categoricamente é que queria doar às suas filhas C e I o referido prédio (Prédio 3) mas que por razões, alegadamente jurídicas, foi aconselhada a não o fazer directamente, preferindo antes um esquema enviusado desimular uma permuta com a sua falecida  irmã para depois esta doar então o Prédio 3 às filhas C e I.
L) A referida R. MF chegou mesmo a confessar que nos negócios em causa “Não houve uma realidade”.
M) Perante o depoimento confessório da R. MF de que não houve uma realidade no negócio, o Tribunal “a quo” decidiu, ainda assim, julgar o negócio (permuta e doação) válido.    
N) Isto é Direito Venerandos (as) Desembargadores(as)? Isto é Justiça? Humildemente, não nos parece.
O) Perante este depoimento que, constando da assentada, é uma confissão plena, este tema da prova (A)) tinha que ser considerado como não provado, no sentido de que a permuta e subsequente doação não foi um negócio querido e desejado por ambas as outorgantes, nos exactos termos em que a escritura o descreve e tinha que conduzir necessariamente a dois factos provados nos seguintes termos:
X - “A R. MF confessou que a sua intenção era doar directamente o prédio sito na Rua …, n.º 111, em Lisboa, às suas filhas I e C, tendo porém sido aconselhada a formalizar tal doação, primeiro por uma escritura de permuta com a sua irmã AF sendo depois esta que iria doar o referido prédio às filhas da R. MF, I e C.”
Y – “A escritura de permuta e posterior doação foi sugerida para evitar que as restantes filhas da R. MF, a A. e a R. PB viessem a anular a doação.”
P)  De facto, Venerandos Desembargadores, foi isto que sobre esta matéria a R. MF depôs e tendo-o feito no âmbito do depoimento de parte, este depoimento tem, necessariamente, de ser considerado uma confissão expressa dos factos alegados e, portanto, excluída do princípio da livre apreciação da prova pois tem força probatória plena (art.º 463º do CPC).
Q) Assim desde já se pede e requer a V. Exas. que considerem como não provado o tema sob a alínea A) dos temas da prova e que se dignem a considerar provados dois factos nos precisos termos referidos nas alíneas X) e Y) da alínea O) destas Conclusões.
R) Relativamente às alíneas “B”) “H”) “I”) e “J”) do Saneador parece-nos humildemente que a R. MF foi também clara e confessória no respectivo depoimento.
S) Disse a referida R. não aceitou bem a decisão das filhas irem viver para Inglaterra (A. e 5ª R), estava zangada com as mesmas em virtude dessa decisão e que, por isso, decidiu dar às outras filhas (a Mãe das 2ª e 3ª RR. e à 4ª R.) o prédio mais valioso.
T) O que motivou aquele esquema concretizado numa permuta, falsa permuta, seguida de uma doação, foi precisamente um castigo que a R. MF quis dar às suas filhas T (ora Recorrente) e P (ora Recorrida) por estas terem ido viver para fora de Portugal e aí terem constituído a sua família.
U) No fundo, quis a R. MF, através do esquema implementado, prejudicar as suas filhas T (ora Recorrente) e P (ora Recorrida), preterindo-as em prol e benefício das suas outras duas filhas (a 4.ª Ré e a falecida I Mãe das 2.ª e 3.ª RR.)
V) Pelo depoimento da R. MF, considerado no seu todo, percebe-se que a mesma ficou magoada, triste, revoltada com o facto de as filhas T (ora Recorrente) e P (ora Recorrida) terem casado e ir viver para o estrangeiro e, para as castigar, para retaliar esta decisão, decidiu doar o Prédio 3 às filhas C e I, fazendo-o da forma enviusada descrita nos Autos, para que aquelas (T e P) não pudessem reclamar ou colocar em causa o esquema feito pela R. MF.
W) Foi isto e tão só isto que aconteceu Venerandos Desembargadores e é isto que resulta de todo o depoimento da referida R. MF.
X) Bem se sabe que a R. MF depôs também no sentido de que pretendia que o imóvel ficasse na família e, portanto, também essa ideia pesou na sua intenção.
Y) Mas isso foi já um raciocínio posterior da referida R. MF que, entendendo ou depreendendo unilateralmente que se as filhas T e P tinham ido viver para o estrangeiro, queriam vender o Prédio 3.
Z) No fundo, a R. MF faz um raciocínio justificativo para tentar, sem conseguir, justificar a decisão de doar o referido Prédio 3 a favor de duas das suas filhas, quando sabe e confessou que o fez para castigar e, consequentemente, prejudicar, as suas filhas T (ora Recorrente) e P (ora Recorrida).
AA) Afirmou ainda a R. MF que estava profundamente arrependida por ter tomado aquela atitude.
BB)  Aliás, esta convicção do arrependimento mostra da R. MF demonstra, pelo menos, que o negócio (permuta e doação) não foi desejado e querido, mas antes, e isso sim, um negócio simulado (em sentido genérico e não jurídico) que visava castigar duas filhas em benefício das outras duas filhas.
CC)  Nesse sentido, entende-se humildemente que os temas da prova sob as alíneas B), H), I e J) deveria ter conduzido a dois factos provados por confissão no sentido em que:
Z - “O referido negócio de permuta e subsequente doação apenas visou castigar as filhas T e P por estas terem ido viver para Inglaterra, retirando o Prédio 3 da esfera patrimonial da 1ª R., o que conduziu à atribuição de um benefício patrimonial a duas das suas filhas, que tinham ficado a viver em território nacional, em detrimento da Autora e da 5.ª Ré, assim afastando qualquer direito destas sobre o prédio urbano permutado pela 1.ª Ré, evitando a respectiva partilha.”
S – “A R. MF está arrependida desta solução realizada e tentou já reverter o mesmo, mormente após a morte da sua filha I.”
DD)  É o que neste ponto se pede e requer a V.ª Exa. que, atendendo ao depoimento departe da R. MF e ao seu teor confessório, seja aditado aos factos provados dois factos nos precisos termos das alíneas Z) e S) na alínea CC) destas Conclusões.
EE)    Sobre a alínea E) dos temas da prova, confessou ainda a R. MF que o rendimento mensal dos prédios permutados era diferente, sendo substancialmente superior o rendimento mensal do Prédio 3 (aquele que deu em permuta) relativamente aos prédios que recebeu da sua irmã na mesma permuta.
FF)    Disse a R. MF que o rendimento do Prédio 3 (que denominou por 111) era de cerca de €29.500,00 (vinte e nove mil e quinhentos euros) em 2002 e que o rendimento dos outros dois prédios (Prédio 1 e 2 do relatório pericial) juntos era de cerca de €19.000,00 (dezanove mil euros).
GG)   Ora, percebe-se que o valor dos prédios permutados, em termos de rendimento mensal, era substancialmente diferente o que é um indício, forte indício, de que a escritura de permuta não foi querida, não foi verdadeira, não foi, a final, honesta.
HH)    Este facto decorre igualmente do relatório pericial junto aos Autos em 11 de Outubro de 2021 (refª. Citius 30481469), requerendo-se desde já a junção do mesmo à presente Apelação, nos termos do disposto no art.º 646º do CPC.
II) E isto Venerandos (as) Desembargadores(as) é de extrema importância para a aferição da legalidade e honestidade de uma permuta, de um prédio com um rendimento mensal superior, por dois outros que, em conjunto, têm e tinham um rendimento mensal inferior, sendo que a permuta é feita pelo mesmo valor.
JJ) Ora é evidente, claro e insofismável Venerandos(as) Desembargadores(as) que se a permuta em causa fosse verdadeira, legal e desejada, nunca o valor dos prédios poderia ter sido igual, pois o valor do rendimento mensal de um deles (Prédio 3) é superior ao dos outros dois em conjuntos (Prédios 1 e 2).
KK)     Assim sendo, como ora se pede e requer, o tema da prova em análise (E)) deveria ter sido respondido nos seguintes termos:
W – O rendimento das rendas dos imóveis permutados, antes e depois de20deMarço de 2002, era consideravelmente diferente, sendo superior no Prédio 3 (Rua …, n.º 111), aproximadamente €29.500,00 (vinte e nove mil e quinhentos euros) do que o rendimento conjunto das rendas dos Prédios 1 e 2 (Rua …, n.º 235 e Rua …., n.º 113), aproximadamente €19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), diferença que se mantém actualmente.
LL)  Aliás, a Sentença sob recurso considera provados valores de rendimento mensal a título de rendas completamente desfasados da prova produzida, do relatório pericial, esquecendo até o rendimento mensal de rendas do prédio sito na Rua …, n.º 235.
MM)  Pelo que, e em consequência e nos mesmos termos, devem ser alterados os factos considerados provados nos pontos 5., 6. e 8. da Sentença sob recurso, o que ora se pede e requer.
NN)  Respondendo positivamente a este ponto concreto dos temas da prova, temos um facto que demonstra, somado a todos os outros, que a permuta realizada foi ilícita, ilegal e simulada.
OO)   Alínea F) dos temas da prova.
PP) Ficou provado que para além da diferença ao nível do rendimento mensal, há ainda uma enorme diferença dos valores de mercado entre os Prédios 3, por um lado, e os Prédios 1 e 2, por outro.
QQ) Relembre-se que no âmbito da permuta as partes (1ª R. e a sua irmã) decidiram atribuir ao Prédio 3 o valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros) e a cada um dos Prédios 1 e 2 o valor de € 100.000,00 (cem mil euros), eliminando assim as eventuais tornas (veja-se doc. 15 junto com a Petição Inicial).
RR)   Segundo o relatório pericial (pág. 6), para onde se remete, de facto, à data de 20 de Março de 2002 o valor de mercado do Prédio 3 era de €3.661.500,00 (três milhões seiscentos e sessenta mil e quinhentos euros) e a soma do valor de mercado dos Prédios 1 e 2 era de €2.331.850,00 (dois milhões trezentos e trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros).
SS)  Sem falar já das questões fiscais que aqui não nos ocupamos (mas que confirmam, pelo menos, uma simulação), como é possível perante estes factos, insofismáveis, ter o Tribunal “a quo” entendido que o negócio (permuta e doação) é válido, legal e lícito?
TT)  Bastaria isto, Venerandos (as) Desembargadores(as), para perceber que este negócio (permuta e doação) foi simulado (em sentido genérico), restando saber se há uma fraude à lei ou uma simulação (absoluta ou relativa).
UU)   Mas simulação, no sentido de que as outorgantes (1ª R. e a sua irmã) não queriam aquele negócio, essa há sempre.
VV) Aliás, Venerandos(as) Desembargadores(as), se nos permitam ainda, a diferença de preço actual é ainda maior, de acordo com o relatório pericial (págs. 37, 38 e 39), facto que, por si só, também demonstra que a A. e a sua irmã PB (5ª R.) foram e estão a ser prejudicadas.
WW)   Ou seja, o Prédio 3 vale sozinho quase o dobro dos Prédios 1 e 2.
XX)  E o que disse sobre isto a Sentença sob recurso?
YY)  Nada. Absolutamente nada. Nem uma palavra, esquecendo em absoluto este tema da prova (F)), sem que consigamos descortinar a razão desse esquecimento.
ZZ) Assim sendo, Venerandos(as) Desembargadores(as) como ora se pede e requer, deve ser aditado aos factos provados, em resposta positiva ao tema da prova (F)) dois factos com a seguinte redacção:
V – À data de 20 de Março de 2002 o valor de mercado do Prédio 3 (Rua …., n.º 111) era de €3.661.500,00 (três milhões seiscentos e sessenta mil e quinhentos euros) e a soma do valor de mercado dos Prédios 1 e 2 (Rua …, n.º 235 e Rua …, n.º 113) era de €2.331.850,00 (dois milhões trezentos e trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros).
T – À data actual, o valor de mercado do Prédio 3 (Rua …, n.º 111) era de €7.323.000,00 (sete milhões trezentos e vinte e três mil euros) e a soma do valor de mercado dos Prédios 1 e 2 (Rua …, n.º 235 e Rua …, n.º 113) é €2.331.850,00 (dois milhões trezentos e trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros).
AAA)  Relativamente à alínea G) dos temas da prova, ainda pelo depoimento da R. MF, ficamos a saber que a sua irmã dizia que gostava das suas filhas como se fossem dela e que tinha um testamento que dava tudo às suas quatro filhas.
BBB)  Para além disso e conforme constados Autos, a irmã da Ré MF, Tia da A. fez, durante a vida, três testamentos: a 19 de Março de 1986 (doc. 9 junto com a Petição Inicial), a 27 de Dezembro de 2000 (doc. 16 junto com a Petição Inicial) e a 2 de Junho de 2005 (doc. 17 junto com a Petição Inicial).
CCC)  Ou seja, antes do negócio (permuta e doação) dos Autos (Março de 2002) a irmã da R. MF fez dois testamentos e, depois do negócio, fez um testamento.
DDD)  No testamento de 19 de Março de 1986 a irmã da R. MF, deixa às suas quatro sobrinhas (a A., as 4ª e 5ª RR. e a Mãe das 2ª e 3ª RR.) “os bens imóveisque integram a sua herança”, exceptuando os prédios que se situam na Póvoa de Santo Adrião.
EEE) Nesta data, a irmã da R. MF, exceptuando os prédios sitos na Póvoa de Santo Adrião, era proprietária de apenas de dois imóveis, precisamente os Prédios 1 e 2 (Rua …, n.º 235 e Rua …, n.º 113), deixando-os, portanto, em partes iguais às suas quatro sobrinhas.
FFF)    No testamento de 27 de Dezembro de 2000, a irmã da R. MF, constitui um legado a favor da sua sobrinha 4ª R. constituído pelo estabelecimento comercial farmácia e respectivo capital social de que era proprietária.
GGG)  De resto, mantém as deixas testamentárias constantes do testamento de 19 de Março de 2006, ou seja, deixa às suas quatro sobrinhas (a A., as 4ª e 5ª RR. e a Mãe das 2ª e 3ª RR.) os Prédios 1 e 2 (Rua …,n.º 235 e Rua …,n.º 113), únicos de que era proprietária à data, com excepção de prédios sitos na Póvoa de Santo Adrião que foram deixados precisamente à R. MF que fica a ser herdeira do remanescente.
HHH)  Em Março de 2002 faz-se então o negócio simulado, na opinião da ora A..
III)      Em 2 de Junho de 2005 a irmã da R. MF, AF, faz então o seu terceiro testamento:
JJJ)      E neste testamento, a testadora AF, como se nunca tivesse existido o negócio simulado, reafirma o legado da farmácia e diz “Que mantém todas as suas outras disposições anteriores deúltima vontade, constantes do testamento público que fez em dezanove de março de mil novecentos e oitenta e seis, ”, revogando ainda o testamento de 27 de Dezembro de 2000.
KKK)  Daqui parece-nos humildemente resultarem duas realidades: a) a primeira é que a testadora AF não tinha a consciência do negócio da permuta e doação, pois, se assim não fosse, não mantinha em 2005 as deixas testamentárias que tinha feito em 1986, esquecendo, desvalorizando, desacreditando o negócio da permuta e doação; b) a segunda, conforme se prova dos sucessivos testamentos, a AF costumava tratar todas as suas sobrinhas com igualdade, no sentido de que nutria sentimentos semelhantes pelas quatro sobrinhas.
LLL) Assim sendo, não restam dúvidas que devia ter ficado provado em sede Sentença, ora sob recurso que, AF costumava tratar todas as suas sobrinhas com igualdade, no sentido de que nutria sentimentos semelhantes pelas quatro sobrinhas.
MMM) Nesse sentido deverá ser aditado um novo facto provado, o que ora se pede e requer, segundo o qual:
U – “No seu relacionamento pessoal e/ou familiar, a falecida AF costumava tratar todas as suas sobrinhas com igualdade e nutria sentimentos semelhantes pelas quatro sobrinhas, conforme resulta dos respectivos testamentos e respectivas deixas testamentárias.”
NNN) Finalmente, nesta questão dos factos, veremos agora a alínea M) dos temas da prova.
OOO) De tudo o que fica dito, das provas produzidas, essencialmente do depoimento de parte da R. MF e do relatório pericial, torna-se por demais evidente que o objectivo claro da R. MF foi o de castigar a A. e a 4ª R. e, para conseguir tal objectivo, decidiu privilegiar as suas filhas C (4ª R.) e I entretanto já falecida (Mãe das 2ª e 3ª RR.).
PPP)    Fê-lo de forma enviusada, simulada, ilegal e ilícita pois, se assim não fosse, bastaria fazer uma doação directa às referidas filhas.
QQQ)  Tentou assim a R. MF, como aliás foi aconselhada, mal aconselhada, criar uma fórmula que impossibilitasse as filhas prejudicadas de contestar ou opor-se à aventureira tentativa de privilegiar as outras duas filhas.
RRR)  Só essa vontade de castigar umas e beneficiar outras levou a que o negócio fosse concretizado da forma como o foi, pois, se não fosse esse objectivo, nada que uma doação directa não resolvesse, como aliás era a vontade, o querer da R. MF.
SSS)   Não restam assim dúvidas, que sejam sérias, que a intenção da R. MF foi, efectivamente, privilegiar, beneficiar as duas filhas contempladas com a doação, em detrimento das suas restantes duas filhas, como aliás a própria confessou.
E isto Venerandos (as) Desembargadores(as) não é uma interpretação subjectiva de um qualquer documento ou de um qualquer depoimento, isto resulta expresso e claro do depoimento da R. MF, conforme ponto 26. infra.
UUU)  Nesse sentido, e atendendo à confissão expressa da R. MF, desde já se pede e requer a V.ª Exas. que seja aditado um novo facto provado e com a seguinte redacção:
R – “A vontade real das partes no negócio titulado pela sobredita escritura pública, sobretudo a da 1.ª Ré – à data de 20 de março de 2002 – era a de beneficiar as duas filhas contempladas com a doação relativamente às suas restantes duas filhas.”
VVV)  Assim e em conclusão sobre este ponto entende-se, humildemente e com todo o respeito, que o Tribunal “a quo”, não só olvidou em absoluto alguns dos temas da prova, como julgou incorrectamente alguns (talvez os mais relevantes) pontos da matéria de facto, não atendendo à plenitude do depoimento prestado pela R. MF, que impunham, parece-nos que de forma óbvia, uma resposta e uma decisão diferente daquela que foi proferida pelo Tribunal “a quo”.
WWW) Nesse sentido, e atendendo fundamentalmente ao depoimento da R. MF, aos testamentos juntos aos Autos e ao relatório pericial, desde já se pede e requer que sejam aditados e considerados provados os seguintes factos:
X - “A R. MF confessou que a sua intenção era doar directamente o prédio sito na Rua …, n.º 111, em Lisboa, às suas filhas I e C, tendo porém sido aconselhada a formalizar tal doação, primeiro por uma escritura de permuta com a sua irmã AF sendo depois esta que iria doar o referido prédio às filhas da R. MF, I e C.”
Y – “A escritura de permuta e posterior doação foi sugerida para evitar que as restantes filhas da R. MF, a A. e a R. PB viessem a anular a doação”.
Z - “O referido negócio de permuta e subsequente doação apenas visou castigar as filhas T e P por estas terem ido viver para Inglaterra, retirando o Prédio 3 da esfera patrimonial da 1ª R., o que conduziu à atribuição de um benefício patrimonial a duas das suas filhas, que tinham ficado a viver em território nacional, em detrimento da Autora e da 5.ª Ré, assim afastando qualquer direito destas sobre o prédio urbano permutado pela 1.ª Ré, evitando a respectiva partilha.”
S - “A R. MF está arrependida desta solução realizada e tentou já reverter o mesmo, mormente após a morte da sua filha I.”
W - O rendimento das rendas dos imóveis permutados, antes e depois de 20 de Março de 2002, era consideravelmente diferente, sendo superior no Prédio 3 (Rua …, n.º 111), aproximadamente €29.500,00 (vinte e nove mil e quinhentos euros) do que o rendimento conjunto das rendas dos Prédios 1 e 2 (Rua …, n.º 235 e Rua …, n.º 113), aproximadamente €19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), diferença que se mantém actualmente.
R – “A vontade real das partes no negócio titulado pela sobredita escritura pública, sobretudo a da 1.ª Ré – à data de 20 de março de 2002 – era a de beneficiar as duas filhas contempladas com a doação relativamente às suas restantes duas filhas.”
U – “No seu relacionamento pessoal e/ou familiar, a falecida AF costumava tratar todas as suas sobrinhas com igualdade e nutria sentimentos semelhantes pelas quatro sobrinhas, conforme resulta dos respectivos testamentos e respectivas deixas testamentárias.”
V – À data de 20 de Março de 2002 o valor de mercado do Prédio 3 (Rua …, n.º 111) era de €3.661.500,00 (três milhões seiscentos e sessenta mil e quinhentos euros) e a soma do valor de mercado dos Prédios 1 e 2 (Rua …, n.º 235 e Rua …, n.º 113) era de €2.331.850,00 (dois milhões trezentos e trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros).
T – À data actual, o valor de mercado do Prédio 3 (Rua …, n.º 111) era de €7.323.000,00 (sete milhões trezentos e vinte e três mil euros) e a soma do valor de mercado dos Prédios 1 e 2 (Rua …, n.º 235 e Rua …, n.º 113) é €2.331.850,00 (dois milhões trezentos e trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros).
XXX)  Para além do que fica dito, parece-nos que a Sentença sob recurso padece de outros vícios que não a errada interpretação dos factos e a aplicação do Direito.
YYY) Não há, na humilde opinião da ora Recorrente, uma verdadeira fundamentação do Tribunal “a quo”.
ZZZ) Alega direito que depois não aprofunda e remete basicamente para um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
AAAA) Por outro lado, a referida Sentença é contraditória em si mesmo considerada, pois invoca questões de direitos que não têm aplicabilidade ao caso concreto, ou, melhor, cita disposições legais que depois não se aplicam ao caso concreto e aos factos provados.
BBBB) Por último é ambígua, porque faz juízos de prognose que jamais poderão ser aplicados, fazendo, simultaneamente, considerações absolutamente ambíguas e desfasadas da realidade dos factos.
CCCC) A Sentença sob recurso funda a respectiva decisão, quase exclusivamente, no “copy” “paste” de um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2005, proferida no âmbito do processo n.º 04A3915.
DDDD) Da lavra do Tribunal “a quo” em termos de fundamentação da Decisão que veio a ser proferida, muito pouco ou mesmo nada.
EEEE) Por outro lado, Venerandos (as) Desembargadores (as), salvo opinião diferente, as situações fácticas do Acórdão citado e dos presentes Autos são absolutamente diferentes.
FFFF)  No fundo, Venerandos (as) Desembargadores (as) o Acórdão que serviu de fundamento à Sentença sob recurso não tem qualquer semelhança fáctica com os presentes autos.
GGGG) Aliás, em termos de Direito, deveria o Tribunal “a quo” ter reparado nos pontos 3, 4, 5 e 6 do sumário do referido Acórdão, segundo os quais:
 “3 - Em vida do autor da sucessão os herdeiros legitimários apenas podem reagir em defesa da sua legítima contra negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.
4 - Ao instituir a legítima o legislador não quis limitar directamente, em vida do autor da sucessão, os seus poderes de disposição sobre os bens que lhe pertencem, mas sim garantir aos herdeiros legitimários uma certa porção de bens à data da abertura da sucessão.
 “5 - Relativamente a negócios onerosos feitos em vida do autor da sucessão que não se prove serem simulados não pode uma sua filha obter a anulação com o fundamento de que atingiram a legítima a que tem direito, ainda que se demonstre que foram concluídos com o propósito de a prejudicar.
 “6 - Decisivo para afirmar a ilicitude e consequente nulidade do negócio em fraude à lei é o resultado com ele obtido, não a intenção das partes; não fraude juridicamente relevante se o resultado não coincidir com aquele a que a norma imperativa contornada pretende obstar.
HHHH) Ora o que a A. faz nos presentes Autos é precisamente tentar garantir que a respectiva legítima não seja defraudada, não seja violada, não seja esquecida.
IIII)  Por mais que se tente, com toda a sinceridade e honestidade intelectual, não se encontra nem cabimento, nem fundamento para a Sentença sob recurso, devendo a mesma ser revogada como a final se pedirá, emitindo-se Douto Acórdão, dando provimento ao presente recurso, ficando, obviamente, a questão, ou melhor, a solução de Direito muito bem entregue na pena de V. Exas.
JJJJ)     Ora, uma Sentença em que a sua parte de fundamentação, se limita, exclusivamente, a citar e a remeter para um Acórdão anterior, ainda que do Supremo Tribunal de Justiça, entende-se estar omissa na respectiva fundamentação.
KKKK) Reparem V.ª Exas. que, em termos de Direito e de fundamentação de Direito, quase nada há a recorrer da Sentença sob recurso, em termos de fundamentação, mas sim, recursos de Decisões dos Tribunais superiores já há muito transitadas em julgado e sem qualquer conexão processual com os presentes autos.
LLLL) Veja-se, sobre esta questão o defendido pelo citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 1991 (Processo n.º 042340).
MMMM) Uma coisa é citar Jurisprudência para apoiar uma fundamentação.
NNNN) Outra absolutamente diferente e geradora de nulidade da Sentença é fundamentar apenas com citações jurisprudenciais, doutrinais e legais.
OOOO) Assim sendo, entende-se humildemente que a Sentença sob recurso é nula, nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea b) do CPC, nulidade que ora se invoca, pedindo e requerendo a esta Veneranda Relação de Lisboa que a decrete emitindo Douto Acórdão que, julgando nula a Sentença, dê provimento ao presente recurso dando provimento aos pedidos da ora Recorrente.
PPPP)  Mas a Sentença é também nula na falta de fundamentação das questões de facto.
QQQQ) Como já exaustivamente alegado no ponto II. deste recurso, o Tribunal “a quo”, pura e simplesmente, esqueceu o Despacho Saneador e, consequentemente, não deu, em sede de Sentença sob recurso, resposta a todos os temas da prova que constavam daquele Despacho.
RRRR) Comparando o Despacho Saneador e a respectiva enunciação dos temas da prova, depressa e facilmente percebemos que a Sentença sob recurso omitiu, esqueceu, negligenciou a resposta as seguintes alíneas dos temas da prova: A), B), E), F), G), H), I), J) e M)
SSSS) Nenhuma resposta ou fundamentação de facto, absolutamente nenhuma, é dada pelo Tribunal “a quo” sobre estes temas da prova (quesitos).
TTTT)  Ou seja, o Tribunal “a quo” pura e simplesmente esqueceu estes temas da prova, não lhes dando resposta e logo não fundamentando essa resposta.
UUUU) Remetendo-se aqui para o ponto II. sobre a resposta dar a estas temas da prova, a verdade é que a Sentença é, completa e absolutamente, omissa relativamente aos mesmos o que, na nossa modesta opinião, constitui nova nulidade da Sentença, nulidade essa que agora se invoca nos termos do já citado art.º 615º, n.º 1, alínea b) do CPC.
VVVV) Julga-se ainda e finalmente, que a Sentença é contraditória e ambígua.
WWWW)  Diz a Sentença sob recurso, posição legal com a qual se concorda em absoluto, que é proibida a venda dos pais e avós a filhos e a netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda.
XXXX) Fica logo por perceber porque razão o Meritíssimo Juiz “a quo” faz uma referência a venda quando, nos presentes Autos, não foi esse o negócio que serviu de base à operação simulada feita pela R. MF.
YYYY) Tal referência só pode ser entendida como uma remanescência do “copy” “paste” do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça onde, aí sim, se tratava de uma venda.
ZZZZ) Depois afirma ainda a Sentença sobre recurso uma verdade “de la palisse” com a qual obviamente se concorda, no sentido de que: “A doação a filhos não é proibida, tal como não é proibida a deixa a determinados filhos da quota disponível da herança.
AAAAA)   A verdade é que, nos presentes Autos, não há nenhuma doação de pais para filhos.
BBBBB) E tanto que não foi isso que aconteceu que o próprio Tribunal “a quo”, depois de nos explicar a legalidade da doação de pais para filhos e as deixas por conta da quota disponível, afirma, em absoluta contradição e de forma ambígua o seguinte: “É certo que, no caso em apreço, a doação foi efectuada formalmente pela tia, mas precedida imediatamente de transmissão do imóvel pela mãe.
CCCCC) Diz ainda a Sentença sob recurso, ainda de forma contraditória e ambígua e lançando mais dúvidas e questões que: No caso em apreço, a situação criada com o negócio em crise teve contornos diferentes, pois veio formalmente retirar do património da R. JF o imóvel de maior valor que acabou por ser doado pela tia apenas a duas das quatro filhas daquela (parecendo tratar-se de uma doação indireta). Daqui poderá efetivamente vir a resultar a eventual redução da legítima das duas filhas não contempladas, incluindo a A.. No entanto, trata-se apenas de uma previsão especulativa, pois, neste momento, não é possível dizer se tal acontecerá ou não, e, se a legítima não for atingida não existe qualquer violação de lei. Efetivamente, essa legítima (artigo 2156.º do Código Civil), poderá ser calculada à data do falecimento do ascendente, ou seja, dos bens que o mesmo seja titular nessa altura, e não desde já.” (realce e sublinhado nosso).
DDDDD) Quando o Juiz “a quo” fala em parecer tratar-se de uma doação indirecta, está precisamente a referir-se a uma doação que foi feita, de facto, mas de forma simulada e em fraude à lei.
EEEEE) Não há, no caso dos Autos qualquer doação indirecta, mas sim uma fraude, uma simulação para evitar os efeitos da colação.
FFFFF) A doação foi feita directamente pela Tia a duas das sobrinhas, mas antes houve a permuta com a R. MF, precisamente para evitar, como a própria R. MF confessou, a aplicação da colação.
GGGGG)  Depois o Meritíssimo Juiz “a quo” alega uma conclusão absolutamente impossível de ser aplicada e que é, no mínimo, absurda, com todo o respeito que nos merece o Meritíssimo Juiz “a quo”.
HHHHH)    Diz a Sentença que “poderá efetivamente vir a resultar a eventual redução da legítima das duas filhas não contempladas” mas que se trata de “uma previsão especulativa”, uma vez que só na data da morte da R. MF se poderá calcular a legítima.
IIIII)   Como é que o Tribunal “a quo” entende que se pode calcular a legitima ou a quota disponível de uma determinada herança, contabilizando um bem que, a data de decesso do autor da herança já não lhe pertencia, em virtude de negócio de permuta com terceiro?
JJJJJ)  Como é que este bem entrará na contabilização do quantum da herança e, numa segunda fase, no cálculo da legítima de cada um dos herdeiros?
KKKKK) Esta afirmação do Tribunal “a quo” só era verdadeira, se o mesmo tivesse, por exemplo, aceite a solução jurídica da simulação relativa e, aí sim, considerar-se uma doação da Mãe para duas das suas filhas e aplicar-se o instituto da colação.
LLLLL) Agora havendo a permuta anterior, que foi, na nossa opinião, legitimada pelo Tribunal “a quo”, mesmo contra a prova produzida e contra a confissão da R. MF, tal contabilização, tal exercício de colação é impossível e inexequível.
MMMMM) Com o negócio simulado (em sentido genérico) houve de facto e de direito, uma efectiva redução da legítima de duas das eventuais herdeiras da R. MF, pelo que a A., ora Recorrente mais não fez do que “em vida do autor da sucessão e como herdeira legitimária reagir em defesa da sua legítima contra negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.” (citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça).
NNNNN)      Diz também o Tribunal “a quo”, em forma de súmula categórica, o seguinte: “o negócio de permuta e doação não é legalmente permitido, como se encontra expressamente previsto na lei;
OOOOO)  O que a ora Recorrente contestou e contesta é esta permuta e esta doação, a intenção das partes quando celebraram os referidos negócios, o seu “animus”, a forma dos mesmos, nomeadamente na questão do preço da permuta e o objectivo destes dois negócios que foram feitos em simultâneo.
PPPPP) Continua o Meritíssimo Juiz “aquo” dizendo: “não é possível neste momento aferir se o mesmo atingirá ou não a legítima da A., infringindo-se assim norma imperativa; não se verifica assim a existência da alegada fraude à lei.
QQQQQ)  Sobre isto, diz a Recorrente que, mantendo-se a Sentença sob recurso inalterável, não é possível neste momento, nem nunca.
RRRRR)Quem efectuou a doação foi a irmã da R. MF, pelo que não se percebe, não se compreende, como é que a esfera patrimonial desta vai interferir no cálculo da legítima da A. aquando do decesso da R. MF!!!!
SSSSS) Obviamente Venerandos(as) Desembargadores(as) que o Tribunal “a quo” de forma algo negligente, não compreendeu os contornos dos factos, não aplicou o direito aos factos e limitou-se a cair em ambiguidades e em contradições conforme se explanou.
TTTTT) Entende assim a ora Recorrente que a Sentença é nula, agora por violação do disposto 615º, n.º 1, alínea c) do CPC tal a ambiguidade e contradição que demonstra.
UUUUU)  Declarada assim a nulidade da Sentença sob recurso, pede-se e requer-se que seja proferido Douto Acórdão em que decretando-se a nulidade da Sentença, se julgue procedente o presente recurso e, em consequência, sejam declarados nulos os negócios da permuta e da doação com as consequências legais. VVVVV)  Por fim as soluções jurídicas que, na humilde opinião da ora Recorrente, podem ser três, a saber: fraude à lei, simulação absoluta e simulação relativa.
WWWWW) Sem prejuízo da requerida e pedida nulidade da Sentença sob recurso, entende-se humildemente que, nos termos do disposto no art.º 665º do CPC, tendo V.ª Exa. todos os elementos necessários, nomeadamente os probatórios, para proferirem Douto Acórdão que substitua a Sentença ora recorrida.
XXXXX) Apenas uma última nota pois parece que o Tribunal “a quo” não entendeu isso.
YYYYY) Não está aqui em causa a liberdade que a A., incondicionalmente reconhece à sua Mãe, R. MF, de dispor dos respectivos bens em vida da forma que melhor entender, bem como de dispor da sua quota disponível como bem entender.
ZZZZZ) O que está aqui em causa é a tentativa de aplicação um resultado proibido por lei, através de manobras lícitas que conduzem a um resultado em fraude a lei imperativa. Isso é que está em causa e era isso que o Tribunal “a quo” tinha obrigação de saber: legitimou um negócio fraudulento e simulado.
AAAAAA) Espera-se e confia-se que V.ª Exas Venerandos(as) Desembargadores(as) na posse de todos os elementos e dando provimento ao presente recurso, proferindo Douto Acórdão em que, substituindo-se ao Tribunal “a quo” julguem a acção procedente, farão, como sempre, a costumada Justiça e a boa e correcta aplicação do Direito.
Nestes termos e nos mais de Direito que V.ª Exas doutamente se dignarão suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente, o que ora humildemente se pede e requer e, em consequência, ser julgado como não provado o tema da prova A) e, em consequência serem aditados aos factos provados os factos expressamente elencados na alínea  WWW) das  Conclusões,  mais concretamente os factos X, Y, Z, S, W, R, U, V e T, o que ora se pede e requer.
Em consequência dos referidos factos, deve, como novamente se pede e requer sero presente recurso julgado procedente e ser proferido Douto Acórdão por esta Veneranda Relação de Lisboa, nos termos do disposto no art.º 665º do CPC, em que seja determinado:
a) a nulidade da escritura de permuta e doação outorgada em 20 de Março de 2002 no 4º Cartório Notarial de Lisboa (doc. 15) por a mesma estar ferida do vício de fraude à lei, não produzindo a mesma quaisquer efeitos e, em consequência, ser ordenada a inscrição registral dos imóveis ao “status quo ante”, ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição no prédio 444… (Ap. 32 de 2002/04/30) a favor das RR. MB (4ª R.) e da falecida IB (Mãe das 3ª e 4ª RR.), ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor de MF no prédio 445… (Ap. 30 de 2002/04/30) e, finalmente, repristinando-se ainda o testamento outorgado pela falecida AF.
b) Alternativamente e se assim não se entender o que não se concede e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, ser declarada a nulidade da escritura de permuta e doação outorgada em 20 de Março de 2002 no 4º Cartório Notarial de Lisboa (doc. 15) por a mesma estar ferida do vício de simulação absoluta, não produzindo a mesma quaisquer efeitos e, em consequência, ser ordenada a inscrição registral dos imóveis ao “status quo ante”, ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição no prédio 444… (Ap. 32 de 2002/04/30) a favor das RR. MB (4ª R.) e da falecida IB (Mãe das 3ª e 4ª RR.), ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor de MF no prédio 445… (Ap. 30 de 2002/04/30) e, finalmente, repristinando-se ainda o testamento outorgado pela falecida AF.
c)  Ainda alternativamente e se assim não se entender, o  que não se concede e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, ser declarada nulidade da escritura de permuta e doação outorgada em 20 de Março de 2002 no 4º Cartório Notarial de Lisboa (doc. 15) por a mesma estar ferida do vício de simulação relativa, aproveitando-se o negócio dissimulado que, atendendo aos factos relatados, vier a ser determinado por este Tribunal, com as legais consequências a aplicar-se ao mesmo e, em consequência, ordenar-se o cancelamento do registo de aquisição no prédio 44… (Ap. 32 de 2002/04/30) a favor das RR. MB (4ª R.) e da falecida IB (Mãe das 3ª e 4ª RR.), ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor de MF no prédio 445… (Ap. 30 de 2002/04/30) e, finalmente, repristinando-se ainda o testamento outorgado pela falecida AF.
Deve ainda, como ora se pede e requer ser declarada a nulidade da Sentença sob recurso por a mesma padecer dos vícios dos vícios de falta de fundamentação, de facto e de direito, contradição e ambiguidade, tudo nos termos do art.º 615º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC.
As Rés B, C e M apresentaram contra alegações nas quais se pronunciaram pela improcedência do recurso e consequente confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II-OS FACTOS

Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A A. é filha da R., MF (1ª R.), adiante designada 1ª R. JF, irmã das RR. MB (4ª R.), adiante designada MB e PB (5ª R), adiante designada PB, e é Tia de BR (2ª R.), adiante designada BR e de CR (3ª R.) adiante sempre designada CR, filhas da sua também irmã, esta já falecida IB, falecida no estado de divorciada.
2. A A. era ainda sobrinha de AF.
3. A 1ª. R. JF é divorciada e tinha apenas uma irmã, a já referida AF, também divorciada e que faleceu sem descendentes, pelo que a 1ª R. é a única e universal herdeira da sua irmã.
4. Em 19 de março de 1986, AF, outorgou um testamento, tendo declarado: “(…) Que não tem herdeiros legitimários e faz o seu testamento da seguinte forma. Deixa a suas sobrinhas, filhas de sua irmã MF, nomeadamente: PB, TB, IB e MB, todas solteiras, maiores, naturais de Lisboa, a primeira da freguesia de S… e as demais da freguesia de N…, em comum e partes iguais, a nua propriedade de todos os bens imóveis que integram a sua herança, com exceção dos prédios rústicos, ou urbanos, inclusivamente terrenos para construção, que possua em Olival de Basto Póvoa de Santo Adrião, concelho de Loures. O usufruto dos imóveis deixados àquelas suas sobrinhas, ficará para sua referida irmã, MF, instituindo esta sua irmã, herdeira do remanescente dos seus bens e direitos que integrem a sua herança.”.
5. O único bem que, a falecida AF, lega às suas sobrinhas através da deixa testamentária (deste testamento de 1986), sendo o único bem de que a falecida era proprietária fora da localidade de “Olival de Basto Póvoa de Santo Adrião, concelho de Loures”, era o prédio urbano sito em Lisboa, freguesia de São Mamede (atual freguesia de Avenidas Novas), descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 11… do Livro B …, que é composto por dois edifícios:
a) o primeiro, situado na Rua …, n.ºs 235 e 235-A, composto de rés-do-chão com casa de porteira, loja e garagem e de 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares de um só fogo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 8… (atual artigo matricial 12…) e o valor patrimonial atual de €909.630,00 (novecentos e nove mil e seiscentos e trinta euros) – ora designado por Prédio 1A.
b) o segundo, situado na Rua …, n.ºs 113 a 113-B, composto de cave, rés-do-chão com uma loja e de 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares de um só fogo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7… (atual artigo matricial 12…) e o valor patrimonial de € 845.010,00 (oitocentos e quarenta e cinco mil e dez euros), ora designado por Prédio 1B.
6. Prédio esse cujo rendimento mensal, decorrente dos vários arrendamentos existentes, é de €13.805,00 (treze mil oitocentos e cinco euros).
7. Na data de 19 de Março de 1986, a 1ª R., JF, era proprietária e legitima possuidora do prédio urbano, sito em Lisboa, freguesia de São Mamede, na Rua …, n.º 111, tornejado para a Rua …, para a qual tem o número 237, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 11… do Livro B …, composto de cave, rés-do-chão, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares, com dois fogos cada, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7… (atual artigo matricial 12…), com o valor patrimonial de € 2.309.640,00 (dois milhões trezentos e nove mil e seiscentos e quarenta euros) ora designado por Prédio 2.
8. Este prédio tinha e tem um rendimento mensal, decorrente dos vários arrendamentos existentes, de €20.164,00 (vinte mil cento e sessenta e quatro euros).
9. No dia 20 de março de 2002, a 1ª R. JF e respetiva irmã, AF, respetivamente, Mãe e Tia da ora Autora, celebraram uma escritura pública de permuta e doação.
10. Na mencionada escritura, as duas outorgantes declararam proceder à permuta entre o prédio urbano (Prédio 2) que era propriedade da 1ª R., JF, pelo prédio urbano (Prédio 1A e B), que era propriedade de AF.
11. Ambas as outorgantes declararam na mencionada escritura pública que cada uma atribuía ao respetivo prédio o valor de €200.000,00 (duzentos mil euros).
12.  Na mesma e referida escritura pública de permuta e doação, foi declarado por AF, doar o mesmo a duas das suas quatro sobrinhas, filhas da 1ª R JF, a saber: IB (Mãe das 2ª e 3ª RR.) e MB (4ª R.).
13. Em 27 de Dezembro de 2000 a falecida AF outorga novo testamento.
14. Neste testamento, a falecida AF refere, entre o mais: “Que fez testamento em 19 de Março de 1986, (…) no qual instituiu vários legados, que deseja manter, instituindo como herdeira do remanescente dos seus bens a sua irmã MF.”
15. A 1ª R. JF outorgou a escritura por si e na qualidade de procuradora das suas filhas, as RR., IB e a MB, declarando aceitar para as suas representadas a doação feita por AF.
16. A aquisição do Prédio 2 a favor da Mãe das 2ª e 3ª RR. IB e da 4ª R. MB encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial através da Ap. 32 de 2002/04/30.
17. A falecida AF ainda veio a outorgar um terceiro testamento, em 2 de junho de 2005.
18. Consta de tal testamento, entre o mais, o seguinte: “Que começa por revogar o testamento público por si outorgado em vinte e sete de Dezembro de dois mil, lavrado (…)”.
19. E ainda “Que mantém todas as suas outras disposições anteriores de última vontade, constantes do testamento público que fez em dezanove de Março de mil novecentos e oitenta e seis, no Vigésimo Primeiro Cartório Notarial de Lisboa, lavrado a folhas trinta e duas do respectivo Livro.”.

III-O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões que importa apreciar neste recurso são as seguintes:
1-Nulidade da sentença
2-Reapreciação da decisão sobre a matéria de facto
3-Nulidade da escritura pública de permuta e doação outorgada em 20 de março de 2002, no 4.º Cartório Notarial de Lisboa, entre Arlete da Bela Ferreira e a 1.ª Ré por uma de três causas alternativas: fraude à lei; simulação absoluta; ou simulação relativa.

 1- A Apelante invoca a nulidade da sentença por falta de fundamentação, ao abrigo do disposto no art.º 615.º n.º 1 b) do CPC.
Na verdade, nos termos daquele preceito legal “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
Porém, só há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão. Não a constitui a mera deficiência de fundamentação[1]. Ora, no caso em análise, quando muito poderá existir uma deficiente fundamentação pelo que nulidade não se verifica com base neste fundamento.
           
A Apelante invoca ainda a nulidade da sentença por ser contraditória e ambígua e, por isso, a nulidade fundamenta-se no disposto no art.º 615.º n.º 1 c) do CPC.
Realmente, nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 c) do CPC a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A sentença é, pois, nula quando encerrar uma contradição lógica, ou seja, se “na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente[2]          “
Tal não ocorre na sentença recorrida.
Por outro lado, não é qualquer ambiguidade ou obscuridade que provoca a nulidade da sentença, mas apenas aquela que torna a decisão ininteligível. Ou seja, quando a decisão e o raciocínio que lhe está subjacente (o silogismo judiciário) não se logra entender, por surgir como enigmático, impenetrável, inacessível”, sendo que “a ininteligibilidade relevante para efeito do art.º 615.º do CPC é a da decisão da causa e não a mera ininteligibilidade de um argumento utilizado no percurso decisório.”[3]
Tal não sucede também na sentença recorrida. Pode não concordar-se com o raciocínio desenvolvido na sentença, e não concordamos, como se verá seguidamente, mas compreende-se o ponto de vista desenvolvido pelo Julgador.
Nulidade não se verifica, por conseguinte.

2-Importa agora analisar a questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A Apelante incorre numa certa imprecisão ao invocar a omissão de decisão em relação aos temas da prova referindo-se aos mesmos como “quesitos”. Ora, importa clarificar que iremos reapreciar a decisão sobre a matéria de facto, não nesta perspectiva de uma invocada omissão de “resposta aos temas da prova”, mas averiguando se efectivamente, perante a prova produzida, deverão ser aditados factos que uma vez provados se revelam relevantes para a apreciação da causa. Na verdade, a Apelante refere que essa prova foi produzida relativamente às alíneas A), B); E); F), G), H), I), J) e M) dos termos da prova sendo que esses factos não ficaram a constar do elenco dos factos provados.
A Apelante alega que a Ré MF prestou depoimento de parte, constando o mesmo da respectiva assentada reduzida a escrito, conforme acta de 18 de Janeiro de 2018 – refª. Citius 372777912) (depoimento gravado em 18 de Janeiro de 2018 no sistema H@bilus Media Studio de 00:38 a 37:00). Sucede, porém, que a confissão judicial obtida da depoente foi totalmente esquecida pelo Tribunal a quo.
Vejamos o que consta da referida assentada, designadamente:
 “Relativamente à matéria do quesito 1.º, a depoente afirmou que pretendia doar directamente o prédio sito na Rua …, n.º 111, em Lisboa, às suas filhas I e C, tendo sido, porém, aconselhada por Advogado (Dr. A…) a seguir o caminho que se encontra formalizado na escritura de permuta e doação de 20 de março de 2002, pois que seria o único possível de modo a que o negócio não viesse a ser anulado por iniciativa das restantes filhas.
Referiu que, na altura da escritura, desejou e quis celebrar a mesma, pois que entendia que era esse o caminho para que o património familiar não viesse a ser, um dia, dividido e vendido pelas suas quatro filhas, duas delas, a residir no estrangeiro.
Quesito 2.º
Em relação à matéria constante do quesito 2.º, a depoente afirmou que a sua irmã AF, já falecida, na altura não manifestou qualquer oposição à celebração da escritura de permuta e doação
Com efeito, eram ambas muito amigas e a sua irmã, geralmente, nada lhe recusava, aceitando a formalização da escritura tal como foi realizada.
Especificou a depoente que a sua irmã AF estava ao corrente dos motivos do negócio, ou seja, que era necessário proceder-se, primeiro, à troca dos imóveis, com vista a, no passo seguinte, ser feita a doação às duas filhas da 1.ª Ré, I e C. A sua irmã AF pretendeu e quis viabilizar a intenção da 1.ª Ré, no sentido de essa doação se concretizar.
Quesito 3.º
Sobre a matéria factual inserida no quesito 3.º, a depoente afirmou que era ela, depoente, quem geria de facto o imóvel aí referido, após outorga da escritura de permuta e doação. Tudo continuou na mesma, à semelhança do que se passava antes da escritura: era ela 1.ª Ré quem administrava o imóvel e tratava dos arrendamentos, não havendo qualquer diferença, a esse nível, antes e depois do negócio em causa.”
Ora, apesar de na sentença recorrida se fazer referência ao depoimento de parte, nos termos infra transcritos, a verdade é que não retira qualquer consequência, na fixação da matéria de facto provada:
 “No seu depoimento de parte, prestado em produção antecipada de prova, a R. MF primeiro, referiu, que consta no registo efetuado, entre o mais, o se reduziu a escrito de tal depoimento, a saber (nomeadamente): que pretendia doar diretamente o prédio sito na rua …, n.º 111, em Lisboa, às suas filhas I e C, tendo sido, porém, aconselhada por Advogado (Dr. A…) a seguir o caminho que se encontra formalizado na escritura de permuta e doação de 20 de março de 2002, pois que seria o único possível de modo a que o negócio não viesse a ser anulado por iniciativa das restantes filhas; na altura da escritura, desejou que quis celebrar a mesma, para que o património familiar não viesse um dia a ser dividido e vendido pelas suas quatro filhas, duas delas, a residir no estrangeiro; a falecida AF sabia e pretendeu viabilizar tal negócio; já anteriormente à escritura era ela quem geria de facto os imóveis, o que continuou a fazer após a mesma”.
Na verdade, a Ré MF, foi bem explícita ao dizer:
 “Fiz uma permuta com a minha irmã AF. (…) As minhas filhas mais velhas P e T decidiram casar e ir para Inglaterra. Não aceitei a situação. Como elas não voltaram… Não percebi que elas tinham o direito de organizar a vida como elas entendessem.    
Eu tinha um prédio muito valioso. A minha irmã tinha dois prédios muito menos valiosos. Eu queria dar o prédio mais valioso às minhas filhas que viviam cá: à I (já falecida) e à C. E fui ao Advogado (Dr. A…) ele disse-me que não podia fazer isso. A única solução que ele via era fazer uma permuta com a irmã e ser ela a dar à I e à C, visto que ela não tinha herdeiros. (…)
Depois da morte da filha, com remorsos, tentei reverter a situação para todas ficarem iguais, mas elas não aceitaram”.
Ora, nos termos do art.º 463.º do CPC, “o depoimento de parte é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente”.
Nos termos do disposto no art.º 352.º do Código Civil, “confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.” As declarações da Ré encerram precisamente o reconhecimento de factos que confirmam a tese da Autora, sendo, por conseguinte, desfavoráveis à posição processual da Ré depoente.
Nos termos do art.º 358.º n.º 1 do Código Civil, “a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente.”
A confissão da Ré tem, pois, necessariamente, que ter consequências ao nível da decisão sobre a matéria de facto, determinando o aditamento dos factos que dela se extraem, com relevância para a decisão da causa.
E são os seguintes:
20- Em data anterior à realização da escritura de permuta e doação referida no ponto 9.º dos factos provados, a Ré MJ pensou doar a duas das suas filhas - I e C - o seu prédio sito na Rua …, n.º 111, em Lisboa, tendo para o efeito consultado um Advogado.
21- Por este, a Ré foi informada que, para evitar que as outras duas filhas viessem a impugnar essa doação, a melhor forma de obter o resultado pretendido seria fazer uma permuta com a sua irmã e ser esta a realizar a doação às referidas I e C.
22- Assim, de acordo com a solução encontrada pelo seu Advogado a Ré e a sua irmã AF outorgaram a referida escritura de permuta e doação, com a intenção de beneficiar as donatárias em detrimento das irmãs T, ora Autora, e P.

Pode ler-se ainda na sentença recorrida o seguinte: “(…) incluindo os valores actuais dos imóveis, e o valor das rendas consideram-se demonstrados, independentemente da sua consagração discriminada nos factos elencados.”
Ora, nos termos do disposto no art.º 607.º n.º 3 do CPC, “o juiz deve discriminar os factos que considera provados”.
Assim, com base no relatório pericial junto aos autos, deverá aditar-se à matéria de facto, os factos relacionados com os valores de mercado dos prédios permutados, dada a sua relevância para a apreciação da causa:
23-Reportado à data de 20 de Março de 2002, era o seguinte o valor de mercado dos prédios permutados:
a) - Prédio situado na Rua …, n.ºs 235 e 235-A, composto de rés-do-chão com casa de porteira, loja e garagem e de 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares de um só fogo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 8… (atual artigo matricial 12…) - €1.331.400,00 (um milhão trezentos e trinta e um mil e quatrocentos euros);
b) Prédio situado na Rua …, n.ºs 113 a 113-B, composto de cave, rés-do-chão com uma loja e de 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares de um só fogo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7… (atual artigo matricial 12…) -€ 1.000.450,00 (um milhão e quatrocentos e cinquenta euros)
c) Prédio urbano, sito em Lisboa, freguesia de São Mamede, na Rua …, n.º 111, tornejado para a Rua …, para a qual tem o número 237, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 11… do Livro B …, composto de cave, rés-do-chão, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares, com dois fogos cada, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7… (atual artigo matricial 12…), - € 3.661.500,00 (três milhões seiscentos e sessenta e um mil e quinhentos euros.

24-Reportado à data da perícia, 06-10-2021, o valor dos imóveis era o seguinte:

a) - Prédio situado na Rua …, n.ºs 235 e 235-A, composto de rés-do-chão com casa de porteira, loja e garagem e de 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares de um só fogo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 8… (atual artigo matricial 12…) - €
b) Prédio situado na Rua …, n.ºs 113 a 113-B, composto de cave, rés-do-chão com uma loja e de 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares de um só fogo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7… (atual artigo matricial 12…) - €2.662.800,00
b) Prédio situado na Rua …, n.ºs 113 a 113-B, composto de cave, rés-do-chão com uma loja e de 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares de um só fogo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7… (atual artigo matricial 12…) - €2.000.900,00
c) Prédio urbano, sito em Lisboa, freguesia de São Mamede, na Rua …, n.º 111, tornejado para a Rua …, para a qual tem o número 237, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 11… do Livro B…, composto de cave, rés-do-chão, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares, com dois fogos cada, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7… (atual artigo matricial 12…), - €7.323.000,00.

3- Feita a pertinente alteração na decisão sobre a matéria de facto, importa, por fim, analisar a questão se saber se a escritura pública de permuta e doação outorgada em 20 de março de 2002, no 4.º Cartório Notarial de Lisboa, entre AF e a 1.ª Ré será nula, designadamente por fraude à lei.
Nos termos do disposto no art.º 294.º “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.
 “A fraude à lei traduz a ideia de um comportamento que, mantendo a aparência de conformidade com a lei, obtém algo que se entende ser proibido por ela”.[4]
A Doutrina tem construído as definições de fraude à lei opondo-se as conceções subjetivistas e as conceções objetivistas.
 “A fraude à lei pode ser vista de um modo subjetivo ou de um modo objetivo. No modo subjetivo, o juízo da fraude não prescinde da imputação ao agente de uma intenção pessoal de iludir o mecanismo citado com a providência legislativa de modo a defraudar a lei. No modo objetivo, não é exigida a imputação subjetiva nem a prova da intenção, de tal modo que, para o juízo da fraude, é suficiente que a atuação do agente produza o resultado que a lei quer evitar ou evite o resultado que a lei quer produzir. A diferença está na necessidade da imputação da intenção subjetiva e da sua prova, no modo subjetivo; e na sua dispensa, no modo objetivo.”[5]
Podemos assentar em que, na fraude à lei há a considerar como pressupostos indispensáveis: a regra jurídica que é objeto de fraude (a norma a cujo imperativo se procura escapar); a regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante; a atividade fraudatória pela qual o fraudante procura modelar artificiosamente uma situação coberta por esta segunda regra, e - para alguns autores, pelo menos, uma intenção fraudatória (animus fraudanti)[6] .
Como refere Castro Mendes, na fraude à lei as partes querem os efeitos jurídicos declarados porque com esses efeitos pretendem conseguir um resultado ilícito, enquanto que na simulação não querem realmente os efeitos jurídicos da declaração.[7]
Ora, no caso em apreço, afigura-se-nos que todos os requisitos, mesmo os exigidos pelas teses subjectivistas, se verificam.
Provou-se à saciedade que a Ré MJ pretendeu doar a duas das suas filhas um imóvel muito valioso, beneficiando estas, em detrimento das outras duas filhas. Ora, as regras da sucessão legitimária são imperativas. Se é certo que as pessoas podem dispor do seu património em vida como entenderem e frui-lo como desejarem, também é verdade que essa liberdade tem como limite o cumprimento dessas regras relativas à sucessão legitimária. Significa isto que os pais podem realizar doações aos filhos, mas os bens doados a descendentes estão sujeitos à colação. “Os descendentes que pretendam entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este: esta restituição tem o nome de colação.” (art.º 2104.º do Código Civil).
Por sua vez, nos termos do art.º 2169.º do Código Civil, “as liberalidades inoficiosas são redutíveis a requerimento dos herdeiros legitimários em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida.”. Sendo certo que nos termos do disposto no art.º 2159.º do CC, no caso em apreço, “a legítima dos filhos é de 2/3 da herança.”
Por conseguinte, se a Ré tivesse realizado uma doação directamente às suas duas filhas, tal como pretendia fazer, essa doação ficaria sujeita às regras legais supra mencionadas e corriam o risco de terem de ser reduzidas por inoficiosas, por prejudicarem a legítima das outras duas filhas. E por isso é que o senhor Advogado informou a Ré que, para obter a finalidade que ela pretendia, teria de o fazer de outro modo. E o modo que foi encontrado, não é mais do que um estratagema de molde a contornar a aplicabilidade das referidas normas imperativas, de forma a afastar as regras da colação. O estratagema está bem descrito na escritura de permuta e doação. A Ré transferiu o imóvel que pretendia doar às duas filhas I e C para a esfera jurídica da sua irmã AF sendo esta que, seguidamente, doou às suas sobrinhas o imóvel em causa. E, assim, obviamente, esta doação nunca seria contabilizada para efeitos de cálculo da legítima por morte da Ré J. Como se refere no art.º 2162.º do Código Civil, “para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da herança à data da sua morte e ao valor dos bens doados (…)”. Obviamente, refere-se a lei ao valor dos bens doados pelo autor da herança. Ora, no caso em apreço, precisamente para evitar a aplicabilidade destes preceitos legais a Ré J tratou de, previamente, retirar da sua esfera jurídica o imóvel em discussão, de forma a que a doação foi realizada pela irmã daquela, isentando, por conseguinte, esse bem de vir a entrar no cálculo da legítima. Aqui reside a fraude à lei.
De qualquer modo e ainda que assim não se entendesse, a situação cabe igualmente na previsão do disposto no art.º 281.º do Código Civil nos termos do qual o negócio é nulo “se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei”. Ora, como supra referido, o fim do negócio é claramente contrário à lei, já que visa proceder a um benefício a favor de duas descendentes em detrimento das outras duas, contornando ou evitando a aplicabilidade das normas legais que pudessem constituir fundamento legal para a impugnação desse negócio por parte das lesadas.
Exige a lei que “o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes”. Ora, esta exigência legal verifica-se no caso concreto, como decorre dos próprios termos da escritura e das próprias declarações da Ré J.
Recordemos a parte pertinente da assentada:
Em relação à matéria constante do quesito 2.º, a depoente afirmou que a sua irmã AF, já falecida, na altura não manifestou qualquer oposição à celebração da escritura de permuta e doação.
Com efeito, eram ambas muito amigas e a sua irmã, geralmente, nada lhe recusava, aceitando a formalização da escritura tal como foi realizada.”
Também o ponto 22.º dos factos provados, onde se lê:
22-Assim, de acordo com a solução encontrada pelo seu Advogado a Ré e a sua irmã AF outorgaram a referida escritura de permuta e doação, com a intenção de beneficiar as donatárias em detrimento das irmãs T, ora Autora, e P.”
É razoável, pois, depreender, que a referida AF, irmã da Ré J aceitou participar no estratagema utilizado pela sua irmã, aconselhada pelo seu Advogado, para obter a finalidade já supra, repetidamente, exposta.
Concluímos, assim, pela nulidade dos negócios em apreço – permuta e doação- por fraude à lei, visto que os mesmos foram realizados com a finalidade de afastar a aplicabilidade das referidas normas, prejudicando duas das herdeiras legitimárias da Ré J.
Aqui chegados, fica prejudicada a análise dos fundamentos de nulidade subsidiariamente invocados referentes à existência de simulação quer absoluta quer relativa. De qualquer modo, conforme já supra ficou aflorado, o caso em análise não se subsume à figura jurídica da simulação, pois o que caracteriza esta figura é uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real dos outorgantes. Ora, no caso presente as partes celebraram o negócio que pretendiam, a vontade declarada coincide com a vontade real, sendo que a finalidade obtida com esse negócio é ilícita.
Procedem as conclusões de recurso devendo, por conseguinte, ser revogada a sentença recorrida.
IV-DECISÃO
Em face do exposto, acordamos nesta 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, com a procedência da acção declarar a nulidade da escritura de permuta e doação, outorgada em 20 de Março de 2002 no 4º Cartório Notarial de Lisboa, por a mesma estar ferida do vício de fraude à lei, não produzindo a mesma quaisquer efeitos e, em consequência, determinar o cancelamento dos registos efectuados com base na mesma escritura, relativamente aos prédios nela identificados.
Custas pelas Rés.

Lisboa, 11 de Maio de 2023
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate (vencida conforme declaração de voto que segue)


Voto de vencida
Julgaria improcedente a apelação. Não resulta dos factos provados que a mãe da autora não é titular de outros bens, não estando demonstrado que a quota indisponível ficará afectada.

Anabela Calafate
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[1] Vide José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, p.703
[2] José Lebre de Freitas, A. Montalvão machado e Rui pinto, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2.º Coimbra Editora, p.704.
[3] Vide Acórdão do STJ de 31-03-2022, Processo n.º 812/06.1TBAMT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-2021, Processo 700/10.7TBABF. E3. S1, disponível em www.dgsi.pt. Vide também a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2009, Processo 115/09.0TBPTL.S1, disponível em www.dgsi.pt
[5] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª ed., cit. p. 519.
[6] Luís Filipe Pires de Sousa Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 66 e 67APUD acórdão citado na nota 4.
[7] Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil,II, 160-168.