Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3958/20.0T9SXL.L1-9
Relator: PAULA PENHA
Descritores: OFENSA A PESSOA COLECTIVA
DIREITO À IMAGEM
IMPUTAÇÃO DE FACTOS INVERÍDICOS
AGRAVAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Sendo a assistente é uma sociedade comercial cujo objecto social abrange a compra e venda, reparação e manutenção de veículos automóveis e, também, abrange a prestação de todos os tipos de serviços oficinais de intervenção em veículos de uma marca da qual é concessionária, a actuação do arguido é apta/idónea/susceptível de atentar contra a imagem, notoriedade, credibilidade, confiança, prestígio, credibilidade desta concessionária que existe a funcionar no respectivo mercado automóvel.
Pois, atento o quadro de actividade e/ou o fim prosseguido por uma empresa como esta (a assistente), o direito à sua imagem/ao seu bom nome está inter-ligado, obviamente, com aquela sua essência e vice-versa – uma empresa de prestadora de todos aqueles serviços no sector automóvel quer-se (que seja e se mostre) séria, fidedigna, cumpridora e de confiança (com bom nome) aquando e por causa da sua actividade.
II –  O arguido cometeu um crime de ofensa a pessoa colectiva porque, dirigindo-se a terceiro (que não a pessoa coletiva visada) e por correio electrónico, enviou uma missiva por si subscrita e recebida pela destinatária, visando aquela concessionária da marca, não limitando a reportar/denunciar àquela empresa o alegadamente sucedido com esta (propósito de uma sua viatura automóvel), efectuou afirmações/imputações de factos inverídicos a propósito desta, susceptíveis de ofender a sobredita honra desta, sem que o arguido tivesse fundamento para, em boa-fé, reputar como verdadeiros tais factos (na medida em que não diligenciou pela averiguação da veracidade de tais imputações, antes de as ter proferido, podendo e devendo tê-lo feito) e tendo o arguido agido de forma livre, consciente, sabendo que tais imputados factos podiam não ser verdadeiros e que, neste caso, tais afirmações seriam susceptíveis de ofender a sobredita honra, que a sua conduta seria proibida e punida por lei, mas, nem por isso o arguido agiu de outro modo, conformando-se com este resultado possível ou eventual.
III – O envio desse e-mail tendo como destinatária a empresa titular da marca (da qual a assistente é concessionária) e com conhecimento à assistente não significa, por si só, que o arguido tivesse propalado/espalhado/divulgado tais dizeres escritos de uma forma e em circunstâncias que tivessem facilitado a sua publicitação com inerente alargamento do impacto nocivo da ofensa e que, só então, justificaria a inerente agravação dos limites abstractos da correspondente sanção criminal. 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No processo 3958/20.0T9SXL do Juízo Local Criminal do Seixal – J1  (em 19/10/2022) foi proferida e depositada (em 20/10/2022) sentença a absolver o arguido, A, da prática do crime de ofensa a pessoa colectiva, previsto e punível pelo art. 187º, nº 1 e nº 2, al. a), agravado pelo artigo 183º, nº 1, do Código Penal e a absolver o mesmo do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente, B.
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Inconformada com esta sentença, a assistente, B, interpôs o presente recurso (em 22/11/2022), cujas conclusões da motivação recursiva e respectivo pedido aqui se transcrevem :
«1. Salvo melhor opinião, em erro de julgamento, o Tribunal a quo considerou provado que a Assistente não prestou as informações e os esclarecimentos necessários ao Arguido, no âmbito da prestação do seu serviço, e não se mostrou disponível para resolver os problemas existentes no veículo do Arguido.
2. Acontece que a Assistente e o Arguido mantinham uma relação profissional há cerca de quinze anos, que se caracterizava pela cordialidade e confiança, tendo Arguido inclusivamente declarado que sempre lhe havia sido prestado o melhor atendimento e serviço.
3. Na prestação dos serviços, o pessoal da Assistente obedece e cumpre todos os procedimentos internos, bem como os definidos pela BMW, adstrito e à implementação de um serviço e de técnicas com elevados padrões de qualidade e inovação, nunca tendo o Arguido efetuado qualquer queixa dos serviços prestados.
4. No âmbito dessa relação profissional, o Arguido encaminhou o seu veículo da marca BMW, modelo X6, com a matrícula ..., para o concessionário da Assistente, com vista a que fossem realizados os procedimentos oficinais necessários para aprovação do referido veículo na inspeção periódica obrigatória (IPO).
5. A preparação da viatura para a referida inspeção foi efetuada pela Testemunha BR que, no decurso do seu trabalho, detetou um problema de aquecimento no veículo.
6. Problema esse que foi comunicado ao Arguido, tendo-lhe sido prestadas as informações necessárias para tomar a decisão de autorizar ou não um diagnóstico mais aprofundado ao veículo, o que se veio a realizar na oficina da Assistente.
7. Todavia, o Arguido sempre demonstrou resistência em aceitar os problemas detetados e as reparações sugeridas, discordando dos esclarecimentos que lhe foram prestados acerca dos fundamentos para as referidas reparações e manifestando inclusivamente algum desprimor face aos conhecimentos dos técnicos que laboram na oficina da Assistente.
8. O que não só se revela infundado como incoerente, na medida em que o veículo do Arguido fazia as manutenções e reparações necessárias na oficina da Assistente há mais de uma década, sendo no mínimo estranho que só agora se tivesse deparado com uma dificuldade em verificar a temperatura do motor.
9. Pelo que, contrariamente ao que concluiu o douto Tribunal a quo na Sentença ora em crise, foi apresentada uma justificação pela Assistente para a reparação sugerida, não tendo, no entanto, o Arguido ficado agradado com a mesma.
10. Assim, efetuado o diagnóstico proposto pela Assistente, foi transmitido ao Arguido, no dia 21 de agosto de 2020, o resultado do mesmo que se traduziu na substituição da bomba de água e da junta do motor, e justificadas as reparações sugeridas a realizar na sua oficina, tendo o Arguido discordado do seu teor, por considerar que os referidos problemas não existiam, em virtude da “inspeção” que havia efetuado ao veículo em sua casa.
11. Nessa sequência, o Arguido, por sua exclusiva vontade, procedeu ao levantamento do seu veículo na oficina daquela para ser verificado noutra oficina, tendo sofrido uma avaria no percurso efetuado entre as instalações da Assistente e a sua residência.
12. Nesse mesmo dia, o representante legal da Assistente, juntamente com a Testemunha BR, reuniram com o Arguido e a sua esposa com vista a prestar os esclarecimentos solicitados, bem como auxílio na resolução do referido problema.
13. Sucede, porém, que o Arguido adotou uma postura desadequada e de desconfiança na referida reunião, não aceitando que o veículo fosse analisado pela Assistente, o que foi proposto, tendo pretendido a referida reunião unicamente para reclamar dos serviços prestados e imputar, de forma infundada, responsabilidades à Assistente pelo problema verificado.
14. Tendo o representante legal da Assistente informado o Arguido que poderia recorrer a outra oficina para averiguar se tinha existido alguma intervenção no óleo do motor uma vez que o Arguido já tinha manifestado essa intenção e não autorizou que a Assistente averiguasse o problema verificado.
15. Não obstante, o Arguido demonstrou, nas suas declarações, ter consciência de que o referido aviso que surgiu no veículo e que se traduz num alerta para o alegado “excesso de óleo no motor” poderia simplesmente tratar-se de uma mera avaria, até porque declarou ter efetuado uma viagem recentemente, não sendo resultado de um ato praticado pela Assistente.
16. Ainda que sem fundamento lógico e evidente, e sem qualquer diagnóstico que sustentasse a sua suspeita, o Arguido elaborou uma reclamação no Livro de Reclamações da Assistente e redigiu um email que endereçou à marca BMW, em 20 de agosto de 2020, junto aos autos a fls. 75 e 16, no qual se referiu à Assistente com recurso às seguintes expressões graves e incompreensíveis: “comportamento absolutamente reprovável, a roçar o criminoso”; “considero que a minha viatura foi sabotada pela oficina deste concessionário”; “considero, assim, que tendo eu decidido não aceitar os argumentos do concessionário de que o motor tinha um problema, foram deliberadamente criadas, por aquela oficina, as condições para que viesse, efetivamente, a ter um problema com o motor da minha viatura”; “considero que o comportamento incompetente e laxista da chefia deste concessionário e criminoso da sua oficina”; e ainda, “assemelhando-se mais ao de uma oficina mafiosa de beco”.
17. Não se entende a interpretação sui generis do Tribunal a quo do referido email, ao considerar que o Arguido se limitou a escrever o que na altura julgava ter ocorrido, em virtude da falta de prestação de informações, quando consta expressamente do mesmo a intenção única do Arguido de sancionamento da Assistente: “peço, assim, para que sejam tomadas as devidas diligências para averiguar esta situação e se promova o sancionamento deste concessionário. Peço ainda que me seja dado conhecimento das diligências tomadas em relação a esta denúncia”.
18. O Arguido levou a cabo a sua intenção de submeter o seu veículo a diagnóstico noutra oficina, tendo-se concluído do diagnóstico efetuado, tal como consta do email datado de 15 de dezembro de 2020, junto aos autos a fls. 73v, 74 e 74v, que “a. a quantidade de óleo do motor não era excessiva; b. o óleo estava em perfeitas condições; c. depois de reposto o óleo no motor, o indicador continuava a indicar um nível excessivo de óleo no motor”. Pelo que (…) o problema de indicação de excesso de óleo de motor se devia à avaria do respetivo sensor e não a um excesso de óleo”.
19. Rematando, no email melhor identificado em 19. Que “após a avaliação efetuada no outro concessionário BMW, verifiquei que, efetivamente, não tinha sido efetuado nenhum atesto de óleo, como acima referi”.
20. Sendo que em resposta ao seu email, em 11 de janeiro de 2021 (a fls. 73 e 73v), e contrariamente ao que o Arguido quis fazer crer ao longo do seu depoimento em audiência de julgamento, a marca BMW referiu que a reparação sugerida pela Assistente não seria necessariamente infundada: “também não se poderá descartar a necessidade futura de efetuar a reparação indicada pela AMGCar, sendo que, a Caetano Baviera Lisboa, se mostrou disponível para efetuar um diagnóstico mais aprofundado ao seu BMW”.
21. Em face do resultado do diagnóstico efetuado ao veículo noutro concessionário e do teor dos emails trocados com a BMW, o Arguido confessou ter utilizado expressões desadequadas que em nada refletem a atuação da Assistente, alegando ter-se excedido nas palavras utilizadas.
22. Assim como confessou que em momento algum, o representante legal da Assistente ou qualquer um dos seus trabalhadores lhe comunicou que efetuaram uma intervenção no óleo do motor.
23. Pelo que da prova produzida em audiência de julgamento, cremos, salvo melhor opinião, que a Assistente prestou o seu serviço ao Arguido de acordo com os procedimentos definidos pela BMW Portugal, tendo informado o mesmo de todos os problemas detetados e justificado as reparações propostas.
24. Não se podendo infirmar das declarações do Arguido que a Assistente não prestou todos os esclarecimentos necessários e solicitados, bem como que se mostrou indisponível para resolver os problemas que o referido veículo apresentasse.
25. Atendendo a que a Assistente não efetuou no veículo do Arguido qualquer intervenção que não tivesse sido solicitada, e muito menos sabotou o referido veículo, não atuou, em algum momento, de modo a justificar as expressões empregues no email que o Arguido dirigiu à BMW.
26. Cremos, por isso, igualmente, que andou mal o Tribunal a quo quando, em consequência do supra referido, concluiu que “tendo o arguido um carro BMW e tendo ido a um concessionário da BMW para reparar o seu veículo automóvel, é natural que, tendo ficado descontente com o serviço prestado se queixe junte da BMW. Donde concluímos que a intenção do arguido quanto enviou o email foi no sentido da BMW resolver o problema do seu veículo automóvel e alertar para o que tinha corrido mal com a assistente, não obstante as palavras que utilizou”.
27. Desde logo porque tinha conhecimento da falsidade dos factos invocados, sendo a finalidade principal e única do referido email o sancionamento da Assistente, como, aliás, se encontra expressamente referido no texto da referida comunicação eletrónica.
28. Deste modo, o Arguido, tendo como habilitações académicas um curso superior e exercendo profissionalmente o cargo de oficial da marinha na reserva, requereu de forma consciente o sancionamento da Assistente, bem sabendo que o seu email desencadearia um processo interno, junto da marca BMW, para averiguar os alegados comportamentos da Assistente e, no limite, um procedimento contraordenacional, sempre com vista à sua punição.
29. Caso pretendesse efetivamente auxílio na resolução do problema detetado no veículo, recorreria a outro concessionário para averiguar primeiramente se as suas suspeitas se verificavam tal como fez e já era sua intenção, ou enviaria um email à marca sem apelidar a Assistente de criminosa e sem relatar comportamentos que sabia não corresponderem à verdade.
30. Conclui-se por isso, que não foi produzida nos autos prova testemunhal ou documental passível de demonstrar, com certeza, que a Assistente não procurou esclarecer as reparações sugeridas, nem procurou auxiliar o Arguido na resolução do problema verificado posteriormente no veículo, mormente o de excesso de óleo no motor.
31. Posto isto, se inexiste nos autos qualquer outra prova na qual o Tribunal a quo pudesse basear a sua decisão, julgamos que o depoimento do Arguido e da Testemunha DC não podem fazer prova cabal dos factos contidos nos pontos 21.º a 23.º dos Factos Provados.
32. Não obstante, e mesmo que se provasse a falta ou a deficiência de informação por parte da Assistente, nada legitimaria o comportamento do Arguido, na medida em que em momento algum solicitou à Assistente, com quem tinha uma relação profissional de mais de uma década, a intervenção no óleo do motor, ou esta lhe comunicou que o havia feito, e bem sabia das consequências que lhe estava inerentes, uma vez que pretendeu unicamente o sancionamento da Assistente, dado que nem esperou pela atuação da BMW para ver o problema resolvido.
33. Em consequência, o Arguido, com o seu comportamento, procurou denegrir os serviços da Assistente ao propalar factos que sabia serem falsos, ofendendo o seu bom nome, crédito e reputação da Assistente e dos seus trabalhadores, ao passar a ideia de que a Assistente sabotou o seu veículo para faturar um serviço de reparação.
34. Nestes termos, a prova da factualidade em apreço resulta de erro de julgamento quanto aos factos em causa, pelo que sempre deverá considerar-se como não provada a factualidade vertida nos pontos 21.º a 23.º dos Factos Provados e, consequentemente considerar-se provada a factualidade vertida nas alíneas A. a H. dos Factos Não Provados.
35. Pelo que cremos, com a conduta descrita, que o Arguido deverá ser condenado pela prática do crime em causa, uma vez que se encontram verificados os elementos do tipo objetivo de ilícito.
36. Desde logo o primeiro elemento objetivo do tipo de crime de ofensa a pessoa coletiva, organismos ou serviço que se traduz na afirmação ou propalação de factos inverídicos, pois resulta provado dos documentos juntos aos autos a fls. 73 a 76, e das declarações do Arguido, do representante legal da Assistente e das Testemunhas que a Assistente não adicionou ou sequer efetuou qualquer intervenção no óleo do motor do veículo do Arguido.
37. O mesmo se verifica quanto ao elemento que a lei exige e que se traduz na existência de factos idóneos, que tenham capacidade para ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança, os quais se têm por integralmente preenchidos no que respeita à comunicação dirigida à BMW.
38. Dado que “no crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva o bem jurídico tutelado é o bom nome visto como suporte e resultado (causa e efeito) da credibilidade, prestígio e confiança e os elementos objetivos do tipo apenas contemplam a afirmação ou prolação de factos inverídicos.” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 95/15.2PEPDL.L1-3, de 17-05-2017, disponível em www.dgsi.pt.
39. Verificando-se igualmente preenchido o terceiro elemento, que consiste na necessidade de o agente, ao afirmar ou propalar factos inverídicos, o faça sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar de verdadeiros, tendo de ser realizado dolosamente, podendo o dolo revestir qualquer das formas previstas no art. 14.º do C.P.
40. A este respeito, Oliveira Mendes perfilha o entendimento de que não é necessário que o agente tenha conhecimento do carácter não verídico dos factos, bastando que não tenha fundamento para em boa-fé os reputar de verdadeiros.
41. Ora, dirigindo insinuações graves à titular da marca BMW em Portugal, o Arguido dolosamente procurou prejudicar a Queixosa enquanto concessionária da marca, solicitando que “promovesse o sancionamento deste concessionário”, pois sabia que os factos relatados não correspondiam à verdade.
42. Ou seja, dolosamente, o Arguido procurou denegrir os serviços da Assistente, prestados sob a marca BMW, ao titular da referida marca em Portugal, visando o seu sancionamento contratual.
43. Acresce que as expressões utilizadas no email enviado à BMW afastam a boa fé do Arguido para reputar os argumentos como verdadeiros.
44. Pois se existisse boa fé do Arguido, e atentas as habilitações académicas do Arguido, procuraria reportar a situação à marca BMW sem recurso às mesmas, que nada acrescenta no esclarecimento do sucedido.
45. Sendo certo que, em qualquer caso, nunca poderia o Arguido sentir-se legitimado a utilizar as referidas expressões para se referir à Assistente, como se sente com a sentença ora em crise.
46. Em face do exposto, entendemos, com a conduta descrita, que o Arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, o crime de ofensa a pessoa coletiva com publicidade, p.p. pelo artigo 187.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do C.P. agravado pelo artigo 183.º, n.º 1.
47. Tendo, com a prática do referido crime, causado danos de natureza não patrimonial à Assistente, ao afetar tanto o bom nome e reputação da Assistente, como dos seus trabalhadores.
48. Danos esses que devem ser reparados, merecendo a melhor reparação que o direito pode oferecer, na medida em que é ilícito e culposo, uma vez que as pessoas coletivas têm direito ao bom nome e reputação, ao abrigo do artigo 484.º do C.C.
49. Em face dos factos provados, cremos que resulta evidente que o Arguido, com a conduta descrita, pretendia atingir a credibilidade, o prestígio e a confiança de que goza a Assistente, causando-lhe prejuízos. O que conseguiu.
50. Pelo que deverá a Assistente ver reparados os danos que lhe foram causados, com o pagamento de uma quantia monetária que não deverá ser inferior a € 2.000,00.
51. Termos em que deverá ser julgado procedente, por provado, o pedido de indemnização civil apresentado pela Assistente
52. Pelo que, salvo melhor opinião, deverá proceder in totum o presente recurso.
A decisão sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
• Artigos 187.º, n.º 1 e 2, al. a) e 183.º do Código Penal;
• Artigo 484.º do Código Civil.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser confirmado procedente o presente recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! »
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Notificado da interposição do recurso, o Ministério Público apresentou a respectiva resposta, considerando ser de confirmar a sentença recorrida com não provimento do recurso (em suma): por a matéria de facto dada como provada reproduzir com fidelidade o teor da imediação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e se encontrar fundamentada, lógica e racionalmente, à luz das regras de experiência comum, a livre convicção do julgador.
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O arguido veio responder, pugnando pela improcedência do recurso com manutenção da sentença recorrida e cujas respectivas conclusões aqui se transcrevem:
 «1. O objeto do recurso penal é definido através das conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso — art.ºs 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, confirmado pela jurisprudência pacífica e constante, designadamente, do STJ – Ac STJ de 13.05.1998; de 25.06.1998 e de 03.02.1999, in, respetivamente, BMJ’s 477/263, 478/242 e 477/271, e Acórdão do Plenário das Secções do STJ, de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A,de 28.12.1995.
2. Assim, são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar.
3. A Apelante vem recorrer aduzindo o erro de julgamento e erro na apreciação na matéria de facto por entender que “a provada factualidade em apreço resulta de erro de julgamento quanto aos factos em causa”,devendo “considerar-se como não provada a factualidade vertida nos pontos 19 , 21.º a 23.º dos Factos Provados e, consequentemente considerar-se provada a factualidade vertida nas alíneas A. a H. dos Factos Não Provados”;
4. O Douto Tribunal apreciou a prova produzida na Audiência de discussão e julgamento de uma forma detalhada e irrepreensível, explicando e fundamentando na Douta Sentença de que forma foi alcançada a convicção sobre a factualidade provada e não provada, atribuindo um caracter de verdade a um conjunto de factos que estavam em análise e que careciam de ser provados ou não provados, o que demonstra a aplicação dos princípios da imediação e oralidade da prova testemunhal produzida e apreciando a prova documental dos autos, tendo efetuado uma “análise ponderada e crítica do conjunto da prova produzida, em ordem à reconstituição da dinâmica do acontecido” e baseando-se ainda no “principio da livre apreciação da prova ínsito no art.º 127.º do Código Processo.”.
5. Tendo a decisão factual do tribunal recorrido se baseado na totalidade da prova produzida, nomeadamente na testemunhal (declarações do arguido e depoimentos), e na documental (ponto 23º) não podem, tais meios de prova, que levaram á convicção do tribunal, serem afastados.
6. E, a recorrente não pode ignorar essa fundamentação nas suas conclusões, cortando a prova produzida e daí retirar, com pinças, apenas extratos da mesma para alcançar a conclusão que querem.
7. Não assiste assim qualquer fundamento á proposta da recorrente de eliminação dos pontos 21º a 23º da matéria dada por provada, dada por provada a matéria de facto constante das alíneas A. a H dos factos não provados, nem esta apresenta qualquer fundamentação legal para a proposta de alteração á resposta á matéria de facto.
8. Como consta da fundamentação da Douta sentença a resposta á matéria de facto resultou da prova produzida em julgamento, concretamente:
pontos 21º e 22º: É o próprio representante da assistente, GG que, no seu depoimento, confessa que a conversa havia no dia 21 de agosto de 2020, na sala de reuniões, foi breve e ainda que desconhecia quais os problemas que a viatura tinha “por não ser da sua área” e é a própria testemunha BR que depôs em Tribunal afirmando “…que a assistente se mostrou disponível para ver qual seria o problema da viatura, até porque a mesma estava nas instalações da assistente e disse-o com muita convicção do que estava a dizer, para depois dizer que afinal não sabia se a viatura do arguido estaria ou não nas instalações da assistente”
Ponto 22º: a assistente pretende ver dados por não provados tais factos, baseados no depoimento da representante da Assistente e da testemunha BR, cuja credibilidade dos depoimentos foi posta em crise pela prova produzida em julgamento:
O Ponto 23º foi dado por provado, quer por prova documental, quer porque se provou que no dia 20 de agosto de 2020 a assistente nada fez para resolver o “excesso de óleo” existente no motor do veículo do arguido, como resulta dos factos 21º e 22º.
9. A recorrente pretende retirar todo o valor ao depoimento do arguido e da testemunha DC e atribuir credibilidade ao representante da assistente e á testemunha BR, quando tal credibilidade não resultou da prova produzida, ou das posturas em Tribunal, como refere a Douta Sentença na sua fundamentação:
- representante da assistente “Acreditamos que, o mesmo tenha tido uma postura altiva e arrogante para com o arguido, quando o mesmo procurou ajuda, pois foi também essa a postura que teve em julgamento. Ademais, foi o próprio que referiu que a conversa que teve com o arguido foi breve. Por fim, quando perguntado acerca dos problemas que a viatura do arguido apresentava disse não saber responder, por não ser da sua área. No entanto, enquanto representante da empresa deveria ter-se inteirado junto da oficina o que se estaria a passar com a viatura para poder informar o arguido.
- BR “não foi capaz de abalar a credibilidade concedida aos depoimentos do arguido e da sua esposa, nesta parte. Mostrou-se claramente desconfortável com o seu depoimento e, não conseguimos perceber se, de facto, já não se recordava da reunião que teve com o arguido e com GG, ou se simplesmente quis fazer passar essa ideia. Não foi preciso no seu depoimento e também não soube esclarecer, de forma pormenorizada acerca do primeiro diagnostico que fez à viatura e o que poderia ter motivado a informação de “excesso de óleo no motor” da mesma. Ou seja, o seu depoimento foi pouco preciso e com contradições, pelo que não logrou convencer o Tribunal acerca da sua veracidade.“
10.Visa o recurso a reparação de erros de julgamento, e não serve o mesmo para eliminar factos que foram objeto de prova e que, efetivamente foram provados pela prova produzida em audiência de discussão e julgamento, reduzindo a matéria provada á ideia que a recorrente tem da prova produzida em julgamento, ou melhor, da sua “ideia dos acontecimentos”.
11.Não ocorreu aqui qualquer erro, muito menos de julgamento ou de apreciação da prova, pois tal erro consiste numa falha clamorosa na apreciação da prova, notoriamente violadora das regras da experiência comum, que não passa despercebida ao comum dos observadores, podendo igualmente verificar-se quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis, o que não ocorre no presente caso.
12.A proposta da recorrente não pode ainda ser admitida, no que á eliminação dos pontos 21º a 23º da matéria dada por provada concerne, e no que a ser dado por provada a matéria das alíneas A H, por falta da impugnação especificada, como ordena o disposto no artigo 412º do CPP.
13.É processualmente exigida a impugnação especificada, com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos da prova produzida, as regas da logica e da experiência comum imporem diversa decisão, com indicação das provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto e não, apenas, as provas que permitam uma diversa apreciação da matéria de facto, e que cumpra os seguintes ónus processuais na formulação das conclusões:
A indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados -al a) do n.º 3 do artigo 412º do CPP;
A indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da posta em crise – al b) do n.º 3 do artigo 412º do CPP;
A indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação por referência aos consignado na Ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º - n.º 4 do artigo 412º do CPP e não excertos e junção de palavras retiradas do contexto que não cumprem os requisitos do disposto de tais dispositivos legais.
14.Nas conclusões a recorrente apenas indica como meios de prova que levaria á eliminação dos pontos 21º a 23º e ser dado por provado as alíneas A. a H dos factos não provados, excertos e junção de palavras retiradas do contexto das declarações do representante da assistente e do depoimento de BR, que desvirtuam o sentido dos depoimentos, chegando até a contrariá-los, o que não cumpre os requisitos do disposto no n.º 2 do artigo 364º - n.º 4 do artigo 412º do CPP e faz ainda tábua raza da prova documental, nomeadamente da referida no ponto 23º da matéria dada por provada.
15.Não se verificou no presente caso qualquer ilícito penal praticado por parte do arguido, por falta da verificação de um dos elementos cumulativos objetivos, pelo crime, em autoria material, de um crime Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço, previsto e punível pelo art.º 187.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), agravado pelo artigo 183.º, n.º 1, do Código Penal, a saber o elemento da “boa fé”.
16.O tipo objectivo do ilícito previsto nesta disposição incriminatória exige o preenchimento dos seguintes pressupostos, cumulativamente:
a afirmação ou propalação de factos inverídicos;
a idoneidade de tais factos para ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que se mostrem devidos a pessoa coletiva, corporação, organismo ou serviço;
não tendo o agente fundamento para, em boa fé, reputar verdadeiros os factos afirmados ou propalados.
17.Quanto ao elemento objetivo do tipo penal sob apreciação, não ter o agente fundamento para, em boa fé, reputar verdadeiros os factos afirmados ou propalados, o agente não tem que conhecer a natureza verídica dos factos e, in casu, facilmente se descortina que o arguido tinha fundamento, para em boa fé reputar como verdadeiras. no dia 22-08-2020, as afirmações constantes no email enviado á BMW, em que explicou minuciosamente a situação ocorrida, de que é dado conhecimento á assistente em CC:
Que o “excesso de óleo de motor” se verificou logo á saída da oficina da assistente, após ter recusado efetuar uma reparação dispendiosa;
Que tentou resolver de imediato a situação do aparecimento do óleo no motor logo que a viatura saiu da oficina da assistente, contactando a assistente;
Que não lhe foi prestada nenhuma explicação pela assistente, na breve reunião havida nesse mesmo dia;
Assistente que, confrontada com a apresentação da reclamação pelo arguido no seu livre de reclamações a 21-08-2020, manteve-se sem nenhuma prestar qualquer explicação ao arguido e nada fez para resolver a situação.
18.Afastada a tipicidade e porque assim os autos não contêm indícios do cometimento dos crimes de difamação ou de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, deve manter-se a decisão de absolvição do arguido, declarando-se improcedente o recurso interposto.
19.Verificando-se a falta de um dos elementos objetivos típicos do crime de Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço, previsto e punível pelo art.º 187.º, n.º 1, do Código Penal, sendo este ilícito penal constituído “pelo conjunto de pressupostos cumulativos (acção ou omissão típica, ilícita, culposa e punível) de que depende a aplicação ao agente de uma sanção penal, basta que se não verifique um desses pressupostos (mesmo que verifiquem todos os demais) para que se mostre impossibilitada a imputação objectiva do facto típico ao agente.”
20.Recordemos que a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (vulgarmente designada Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que também designaremos de C.E.D.H.) vincula o Estado português na ordem jurídica interna e na ordem jurídica internacional, devendo ser aplicada, de harmonia com o artigo 8.º da Constituição da República, enquanto direito interno de origem convencional e, por isso, com valor que, sendo infraconstitucional, não deixa de ser supralegal, ou seja, superior ao direito ordinário português ("A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, anotada" de Irineu Cabral Barreto, Coimbra Editora, 3.ª edição, p. 31-32), assumindo a liberdade de expressão a dignidade constitucional conferida pelo artigo 37.º da Constituição da República.
21.Decorre do artigo 377º, n.º 1 do CPP que a condenação em indemnização civil em processo penal tem como pressuposto que esta indemnização resulte de um facto ilícito criminal, pois só o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime pode ser deduzido no processo penal respetivo (artigo 71º do CPP).
22.Tendo sido o arguido e demandado civil absolvido do crime por que vinha acusado, também não estão verificados os pressupostos do direito á indemnização, nos termos previstos no artigo 438º do CC.
23.Por último há que chamar á coleção o decidido no Assento n.º 7/99 do STJ, de 17-06-1999, publicado no DR Iª série-A de 03-08-1999, atualmente com valor de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, ao determinar que, no âmbito do processo penal, a condenação em indemnização civil só pode ser sustentada em responsabilidade extracontratual ou aquiliana do arguido/demandado. »
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Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso, em termos penais, é merecedor de provimento (em suma): Por o teor do correio eletrónico subscrito pelo arguido , cujos dizeres “a minha viatura foi sabotada e foram deliberadamente criadas as condições para que viesse a ter um problema com a minha viatura, às quais nos permitimos acrescentar a de comportamento (...) criminoso da sua oficina (...) assemelhando-se mais ao de uma oficina mafiosa de beco” , são susceptíveis de ofender a credibilidade e o prestígio da pessoa colectiva da assistente.  
Para além de que, nunca ocorrera a alegada sabotagem, descrita pelo arguido no mesmo escrito (alegando que os serviços da assistente adicionaram, no compartimento próprio, óleo à sua viatura para que daquele passasse a constar uma quantidade superior à permitida, com o intuito deliberado de provocar danos no respetivo motor).  E, conforme consta da factura de fls. 63 emitida pela Caetano Baviera em 2/9/2020, pelo menos, desde então, o arguido teve conhecimento que a referida sabotagem não se tinha verificado.
Apesar considerar que, a recorrente não avançou elementos suficientes que permitam colocar em causa a apreciação da prova produzida em audiência relativamente aos factos provados 14 a 22, relativamente a tais pontos, a apreciação da prova produzida em audiência, não considera que o arguido tivesse fundamento para, em boa-fé, reputar o imputado facto como verdadeiro. Pois fora ele que não concordara com as reparações propostas pelos serviços da assistente e enviara tal correio electrónico sem antes ter diligenciado por informação e investigação sobre a respetiva veracidade, tanto mais que desde 2012 a assistente lhe vinha prestando serviços nessa viatura, sem qualquer reclamação ou incidente.
Para além disso, o arguido tinha a intenção de lograr o sancionamento da Assistente pela BMW Portugal, conforme expressamente o solicitou nos dizeres desse correio electrónico e persistiu em tal propósito durante vários meses, omitindo à referida entidade que a sabotagem não tinha ocorrido, mesmo depois de lhe ser demonstrado, em 15/12/2020, que a explicação para a sinalização de excesso de óleo no motor verificada na sua viatura era uma outra.
Em suma, o arguido não podia deixar de saber serem ofensivos da credibilidade e do prestígio da entidade a quem se referiam, permitindo a legítima conclusão que, ao propalá-los através do correio eletrónico em questão, não curando de averiguar previamente da sua veracidade como lhe competia, nem diligenciando posteriormente, em tempo útil, por proceder à sua correção após de lhe ter sido demonstrada a respetiva falsidade, inculcam, à luz da experiência comum, a convicção de que, no mínimo, o arguido admitiu que a sua conduta poderia preencher os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime que agora lhe é imputado, circunstância que não o absteve de agir pela forma como o fez (artigo 14.º, n.º 3, do Código Penal).
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Veio o arguido responder ao sobredito parecer, refutando-o (em suma): Por os pontos 21 a 23 da matéria de facto não terem sido impugnados pela assistente nos termos exigidos pelo art. 412.
Reafirmou a validade da apreciação crítica constante da sentença, nomeadamente a propósito de o arguido não ter entendido as necessidades das reparações que lhe eram propostas pelos serviços da assistente, nem ter existido da parte da assistente o cuidado de esclarecer o arguido e que, após tal reclamação apresentada pelo arguido, não se seguiu qualquer tentativa da assistente em resolver a situação.
E reafirmou quer a inexistência do imputado ilícito penal quer a inexistência de qualquer dano para a assistente.
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Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
Âmbito do recurso e questões a decidir.
Dispõe o art. 412º, nº 1, do Código de Processo Penal que «a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido».
O objeto do recurso define-se, pois, pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como pacificamente decorre da doutrina, destacando-se os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques no “Código de Processo Penal Anotado”, 2.ª ed., Vol. II, pág. 801 e Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª ed., pág. 335 e da jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e com os acórdãos do STJ de 12.09.2007 no proc. n.º 07P2583 e de 29.01.2015 no proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1 ambos em www.dgsi.pt.
No caso em apreço, as questões a decidir são:
1ª questão – Há erro/vício quanto ao elenco factual constante dos itens 21º a 23º e A a H ?
2ª questão – O arguido cometeu o crime de ofensa à pessoa colectiva pelo qual fora acusado ?
3ª questão – E tal actuação do arguido causou à assistente os alegados danos não patrimoniais ? 

Com interesse para a decisão da 1ª questão, vejamos o teor da sentença recorrida até ao final da respectiva motivação (transcrição):
«
A SENTENÇA
I – RELATÓRIO
Para julgamento, em Processo Comum e perante Tribunal Singular, a Assistente deduziu acusação particular, não acompanhada pelo Ministério Público contra,
 A.
imputando-lhe a prática de um crime de Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço, previsto e punível pelo art.° 187.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a), agravado pelo artigo 183.°, n.° 1, do Código Penal, pelos factos descritos na acusação de fls. 125 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
***
O Assistente deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido nos termos alegados a fls. 134/8, aqui dados por reproduzidos, peticionando, em suma, a sua condenação no pagamento de € 2000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros legais.
**
O arguido apresentou contestação escrita onde ofereceu o mérito da causa, e arrolou testemunhas. Contestou igualmente o pedido de indemnização civil.
***
Procedeu-se a julgamento com a observância de todas as formalidades legais, conforme se alcança da respectiva acta.
***
Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, inexistindo quaisquer excepções, nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
***
II – FUNDAMENTAÇÃO
 II.1FACTOS PROVADOS
II.1.1 Da Acusação
1. A Assistente é uma sociedade comercial que tem por objeto social, entre o mais, a compra e venda, reparação e manutenção de veículos automóveis e sede na Rua …, Almada.
2. Dentro do referido objeto a Assistente ocupa-se de prestar todos os tipos de serviços oficinais de intervenção em veículos da marca BMW.
3. A relação entre a Assistente e o Arguido é meramente profissional, tendo sido este, em tempos, cliente da empresa.
4. No âmbito da referida relação, o ora Arguido encaminhou a sua viatura, de marca BMW, modelo X6 com a matrícula ..., para os serviços da concessionária aqui Assistente.
5. Tendo o Arguido contratado os serviços da sociedade Assistente a fim de serem realizados os procedimentos oficinais necessários para aprovação do referido veículo automóvel na inspeção periódica obrigatório (IPO), sendo a deslocação ao Centro de Inspeções assegurada pela Assistente.
6. Tal como contratado, os serviços oficinais da concessionária Assistente procederam a uma verificação geral (pré-inspeção) da viatura do Arguido.
7. No decorrer da execução dos trabalhos, o técnico responsável ao abrir o vaso de expansão do veículo, verificou que parte da água foi expelida de imediato.
8. Situação que deixou o técnico alarmado, uma vez que a ocorrência de tal facto indicava que algo não estaria em conformidade no processo de arrefecimento do motor.
9. O referido incidente foi comunicado aos serviços de receção da concessionária, ora Assistente, que entraram de imediato em contacto com o Arguido.
10. Em reposta, o Arguido deu a indicação que o seu veículo automóvel nunca tinha dado informação de sobreaquecimento.
11. Aquando da referida comunicação, o Arguido indicou à Assistente que necessitaria do automóvel, demonstrando a pretensão de proceder ao levantamento da viatura sem a realização de qualquer intervenção.
12. O Arguido procedeu ao levantamento da viatura mas reagendou para dia 18 de agosto de 2020, nova avaliação da mesma.
13. E, no dia agendado, a Assistente iniciou uma nova avaliação na viatura propriedade do Arguido.
14. Sendo que, o técnico responsável, após a realização de diversos testes de diagnóstico, aconselhou a substituição da bomba de água e do termostato.
15. E, no decorrer do diagnóstico, foi também aferido um ruído na zona do motor, determinando a necessidade de substituir a polia do alternador e os espaçadores.
16. A necessidade urgente de reparação por causa dos factos descritos em 14. e 15. foi reportada ao arguido a 21.08.2020, tendo a assistente apresentado um orçamento no valor de € 1357,66 para substituição da bomba de água e do termostato, sendo imprevisível o custo associado à reparação do motor.
17. Tendo tomado conhecimento dos factos descritos em 16., decidiu o Arguido não avançar com as referidas reparações, por não se encontrar convencido que as mesmas fossem necessárias.
18. Por isso, procedeu ao levantamento da viatura no dia 21 de agosto de 2020, no período da tarde.
19. Quando se encontrava a caminho de casa, cerca de 3, 4 Km depois de ter saído das instalações da assistente, o arguido verificou que o sensor do seu veículo automóvel indicava “excesso de óleo no motor”, o que determinou que fizesse o resto do percurso até casa em marcha lenta.
20. O arguido deixou a viatura identifica em 4. aparcada em casa e, noutra viatura, regressou à oficina da Assistente e comunicou que o seu veículo indicava "excesso de óleo no motor".
21. Numa breve reunião com o responsável pela assistente e com o mecânico que trabalhou no veículo do arguido, foi transmitido ao arguido que nenhuma das intervenções realizadas contemplaram qualquer atesto de óleo e que os serviços prestados cingiram-se ao diagnóstico da viatura, pelo que deveria o arguido procurar outra oficina para resolver o problema transmitido.
22. Nessa ocasião a assistente não apresentou qualquer justificação para que o veículo identificado em 4. apresentasse informação de “excesso de óleo no motor”, nem esclareceu da necessidade das intervenções referidas em 14. e 15., e mostrou-se indisponível para resolver os problemas que o veículo do arguido pudesse ter.
23. O que determinou que o Arguido apresentasse uma reclamação no "Livro de Reclamações" a que se refere o Decreto-Lei n. º 156/2005, de 15 de Setembro, referindo que “A viatura entrou na oficina dia 18 com todos os indicadores normais, quando o levantámos no dia 21 o nível de óleo estava muito acima do máximo (nível). O Engenheiro GG não se mostrou recetivo para perceber a gravidade da situação”.
24. No dia 22 de Agosto de 2020, o arguido remeteu um e-mail, à BMW Portugal, com o assunto "Denúncia do Concessionário BMW — B (Reclamação 28023948) ", onde se pode ler, para além do mais, o seguinte:
"Ex. mos Senhores,
Venho por este meio denunciar um comportamento absolutamente reprovável, a roçar o criminoso, por parte do concessionário BMW, B, com sede na Estrada Nacional n. 0 10, S.ta Marta, 2845-547 AMORA.
Considero que a minha viatura foi sabotada pela oficina deste concessionário com a intenção deliberada de provocar danos no seu motor.
Depois de ter decidido não avançar com uma reparação que pressupunha a alegada possibilidade de necessidade de substituição da junta do motor, por considerar que os argumentos apresentados pelo concessionário eram completamente descabidos, pedi para que viatura me fosse devolvida. Contudo, no trajeto de saída da oficina, detetei que o indicador de óleo do motor apresentava um nível de óleo acima do seu limite máximo. Ora quando entreguei a viatura no concessionário o óleo do motor estava dentro dos parâmetros min-max... É sabido o que o excesso de óleo pode provocar num motor. Considero, assim, que tendo eu decidido não aceitar os argumentos do concessionário de que o motor tinha um problema, foram deliberadamente criadas, por aquela oficina, as condições para que viesse, efetivamente, a ter um problema com o motor da minha viatura.
Passo a explicar o sucedido com mais detalhe:
l. Adquiri a viatura em questão nos EUA, nova, em JAN2010 (aquando de uma comissão de três anos em representação da Marinha Portuguesa junto da Marinha dos EUA), tendo regressado a Portugal, trouxe-a comigo legalizando-a no início de 2012;
2. Esta viatura efetuou todas as manutenções programadas na BMW (neste mesmo concessionário), sem qualquer incidência de relevo;
(...)11. Incrédulo, perante esta inaceitável postura do dono do concessionário face à gravidade da situação exposta. manifestei a minha indignação perante aquilo que considerava ser um ato de sabotagem por parte da sua oficina para provocar danos na minha viatura, aparentemente, por não ter aceite os argumentos que me haviam sido apresentados para intervencionar o motor. Decidi, então, apresentar uma reclamação no respetivo livro (nº 28023948, cuja cópia junto, em anexo).
A viatura encontra-se agora parada em minha casa e irá ser analisada num outro concessionário. Será transportada por reboque, uma vez que tendo havido o arrojo de adicionar "óleo "(?) para além dos níveis máximos, que como se sabe pode causar danos graves no motor, não sei o que mais  poderá ter sido feito à viatura.
Apesar de já ter efetuado a reclamação, através do respetivo livro, considero que o comportamento incompetente e laxista da chefia deste concessionário e criminoso da sua oficina deverá ser do conhecimento da sede da BMW uma vez que não está ao nível do espectável pelos clientes da marca.  assemelhando-se mais ao de uma oficina mafiosa de beco.
Considero que a imagem da marca fica indelevelmente afetada por este comportamento absolutamente inadmissível, minando-se a confiança com os seus clientes.
Peço, assim, para que sejam tomadas as devidas diligências para averiguar esta situação e se promova o sancionamento deste concessionário. Peço ainda para que me seja dado conhecimento das diligências tomadas em relação a esta denúncia.
Fico, obviamente, completamente disponível para prestar os esclarecimentos adicionais que forem considerados convenientes. (negritos e sublinhados nossos). — Cfr. E-mail datado de 22 de agosto de 2020 junto à Queixa-Crime apresentada como doc. 2.”
25. A Assistente não realizou um atesto de óleo na viatura do Arguido.
26. A Assistente negou perante o arguido que tivesse colocado óleo na sua viatura.
27. A Assistente respondeu por escrito às reclamações dirigidas pelo Arguido à BMW Portugal e à ASAE- bem como informou o Arguido das referidas respostas.
28. A viatura automóvel do arguido tem, desde 2012, um histórico de revisões periódicas e intervenções nos serviços oficinais da Assistente, sempre sem qualquer incidente ou reclamação.
*
II.1.3 Apuraram-se, ainda, os seguintes factos:
29. O arguido é Oficial da Marinha na reserva, auferindo € 2200,00 mensalmente.
30. Mora em casa própria, com a sua esposa, que é professora de matemática, e uma filha ainda economicamente dependente dos seus progenitores.
31. Paga € 300,00 de amortização de empréstimo bancário contraído para aquisição de casa própria.
32. É licenciado.
33. Não tem antecedentes criminais registados.
***
II.2FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou contudo que:
A. O pessoal contratado pela Assistente obedece e cumpre a todos os procedimentos internos, bem como os definidos pela BMW Portugal, adstrito à implementação de um serviço e de técnicas com elevados padrões de qualidade e inovação.
B. Logo que confrontada com as acusações do Arguido, a Assistente prestou todas as informações e esclarecimentos que lhe eram devidos.
C. O Arguido procurou prejudicar a Assistente enquanto concessionária da marca, solicitando que "promovessem o sancionamento deste concessionário".
D. O Arguido procurou denegrir os serviços da Assistente, prestados sob a marca BMW, ao titular da referida marca em Portugal, visando o seu sancionamento contratual.
E. O Arguido, propalando factos que sabia serem falsos, ofendeu o bom nome e crédito da Assistente, divulgando factos suscetíveis de diminuir a confiança nela quanto à prestação dos seus serviços oficinais.
F. O Arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
G. Os factos descritos em 23. e 24. afetaram e denegriram a imagem externa que os clientes e potenciais interessados têm da Demandante.
H. Os factos descritos em 23. e 24. afetaram tanto o bom nome e reputação da Demandante como dos seus trabalhadores.
***
II.3 CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
Para formar a nossa convicção sobre a matéria de facto provada e não provada baseámo-nos na análise ponderada e crítica do conjunto da prova produzida, em ordem à reconstituição da dinâmica do acontecido.
Mais nos baseámos no princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127.º do Código Processo Penal, o qual preceitua “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Como é sabido, a livre apreciação da prova de modo algum se confunde com a apreciação arbitrária ou com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos vários meios de prova. “A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova”. Vejam-se, nesta orientação Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado e Comentado, III, 246; Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, II, 288;entre outros.
Factos provados
Para prova dos factos descritos em 1., levou-se em consideração a certidão permanente junta aos autos.
 Quanto ao mais, levou-se em consideração o depoimento do arguido, que confirmou tais factos.
O arguido prestou um depoimento sério, objectivo, pormenorizado, assumindo todos os factos descritos quer em seu favor quer em seu desfavor.
Contextualizou a reclamação apresentada e o email enviado à BMW, e afirmou que o que escreveu corresponde ao que na altura julgava ter ocorrido.
Assume que se excedeu nas palavras e que se veio a verificar que não existiu qualquer comportamento por parte da assistente que tivesse provocado a indicação de “excesso de óleo no motor” do seu veículo automóvel.
Referiu que não teve intenção de denegrir a imagem da assistente, mas tão só que o seu problema fosse resolvido, sendo que na altura se sentiu indignado com o comportamento da assistente.
Confirmou ainda que até esse dia não tinha tido qualquer problema com a assistente, apesar de aí deixar o seu veículo desde 2012.
O depoimento do arguido foi ainda confirmado pela sua esposa, DC, com conhecimento dos factos por que depôs por ter acompanhado o arguido em todo este processo. Prestou um depoimento muito seguro, objectivo, muito pormenorizado, assumindo também quer os factos descritos em seu favor e em seu desfavor, tendo logrou convencer o Tribunal acerca da veracidade do seu depoimento.
Mais se levou em consideração o depoimento de BR, mecânico que intervencionou o carro do arguido, e que concretizou quais os procedimentos que adoptou, o que verificou para ter concluído pelo sobreaquecimento do motor e o que seria necessário para colmatar esse sobreaquecimento, do que deu conhecimento à assistente.
Contribuíram ainda para formar a convicção do Tribunal, a análise critica e ponderada dos documentos juntos aos autos, nomeadamente a cópia da reclamação apresentada, os emails trocados entre o arguido, a BMW e a assistente, o orçamento realizado pela assistente, as facturas juntas aos autos.
 Quanto à situação económica, social e familiar do arguido, o Tribunal fundou-se nas declarações do mesmo, por inexistirem elementos que as pudessem pôr em crise.
Por último, relativamente aos antecedentes criminais considerou-se o Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
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Factos não Provados
Não foi feita qualquer prova dos factos descritos em A., G. e H., o que determinou que se dessem tais factos como não provados.
Relativamente aos factos descritos em B., quer o arguido quer a testemunha DC disseram de forma peremptória que tentaram obter informações e ajuda junto da assistente e que a assistente, através do seu representante, não prestou nem os esclarecimentos desejados, nem a ajuda necessária. Descreveram de forma minuciosa a reunião que tiveram com assistente e o que nela lhes foi transmitido.
GG, quando ouvido em Tribunal, referiu que teve uma breve conversa com o arguido onde lhe transmitiu que a assistente não tinha posto óleo na sua viatura e que estaria disponível para o ajudar.
Não pudémos dar credibilidade ao seu depoimento por estar em contradição com o do arguido e da testemunha DC, a quem demos credibilidade.
Acreditamos que, o mesmo tenha tido uma postura altiva e arrogante para com o arguido, quando o mesmo procurou ajuda, pois foi também essa a postura que teve em julgamento. Ademais, foi o próprio que referiu que a conversa que teve com o arguido foi breve. Por fim, quando perguntado acerca dos problemas que a viatura do arguido apresentava disse não saber responder, por não ser da sua área. No entanto, enquanto representante da empresa deveria ter-se inteirado junto da oficina o que se estaria a passar com a viatura para poder informar o arguido.
Também o depoimento da testemunha BR não foi capaz de abalar a credibilidade concedida aos depoimentos do arguido e da sua esposa, nesta parte.
Mostrou-se claramente desconfortável com o seu depoimento e, não conseguimos perceber se, de facto, já não se recordava da reunião que teve com o arguido e com GG, ou se simplesmente quis fazer passar essa ideia. Não foi preciso no seu depoimento e também não soube esclarecer, de forma pormenorizada acerca do primeiro diagnostico que fez à viatura e o que poderia ter motivado a informação de “excesso de óleo no motor” da mesma. Referiu que a assistente se mostrou disponível para ver qual seria o problema da viatura, até porque a mesma estava nas instalações da assistente e disse-o com muita convicção do que estava a dizer, para depois dizer que afinal não sabia se a viatura do arguido estaria ou não nas instalações da assistente. Ou seja, o seu depoimento foi pouco preciso e com contradições, pelo que não logrou convencer o Tribunal acerca da sua veracidade.
Relativamente aos factos descritos de C. a F., conforme dissemos já, atentamos em primeiro lugar às declarações do próprio arguido que negou ter sido essa a sua intenção, o que foi confirmado pela sua esposa.
Ademais, tivemos em consideração a apreciação dos factos no seu todo.
O arguido começou por fazer uma reclamação no livro de reclamações, dando cota do seu descontentamento com os serviços prestados pela assistente, tendo usado do meio próprio para o fazer.
No dia seguinte, enviou um email à BMW, descrevendo de forma pormenorizada todos os factos que levaram até à reclamação apresentada, solicitando a intervenção da BMW na resolução do seu problema. Ora, tendo o arguido um carro BMW e tendo ido a um concessionário da BMW para reparar o seu veículo automóvel, é natural que, tendo ficado descontente com o serviço prestado se queixe junte da BMW. Donde concluímos que a intenção do arguido quando enviou o email foi no sentido da BMW resolver o problema do seu veículo automóvel e alertar para o que tinha corrido mal com a assistente, não obstante as palavras que utilizou para o fazer. »
*
1ª questão – Há erro/vício quanto ao elenco factual constante dos itens 21º a 23º e A a H ?
A assistente considera que, devido a erro de julgamento, os factos constantes dos itens 21º a 23º deviam de ter sido dados como não provados e que os constantes de A) a H) deviam ter sido dados como provados.
O arguido e o Ministério Público junto da 1ª instância refutam tal.
O Ministério Público junto deste Tribunal superior considera que deverá ser acrescentada alguma factualidade ao elenco dos factos provados. 
Cumpre apreciar e decidir.
A propósito do alegado erro de julgamento, importa atentar ao regime legal contido no art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP, segundo o qual:
« 3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.»
Este normativo reporta-se ao modo de impugnação da matéria de facto por alegado erro de julgamento da mesma. Destinando-se à fiscalização das provas e da forma como o Tribunal recorrido formou a sua convicção a partir delas, visando a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal da 1ª instância, da prova dela resultante e da respectiva decisão que esse Tribunal tomou quanto à matéria de facto respectiva.
Sendo exemplo deste tipo de erro de julgamento quando o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não tenha sido produzida prova e que, por isso, deveria ter sido dado como não provado ou, então, a sua situação inversa.
Mas [conforme explicitam os ensinamentos doutrinais de Paulo Pinto de Albuquerque (em “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição, pág. 1144) e de Paulo Saragoça da Mata (em “A Livre Apreciação da prova e o Dever de Fundamentação da Sentença” nas Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, edição Almedina Coimbra 2004, pág. 253) e os ensinamentos jurisprudenciais constantes dos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 59/2006 e 312/2012 (em dgsi.pt), do acórdão de uniformização de jurisprudência nº 10/2005 de 20/10/2005 (em Diário da República I-A de 7-12-2005) e do acórdão do STJ de 3/2012, de fixação de jurisprudência, de 8/3/2012 (em Diário da República 1ª série, nº 77 de 18/4/2012]:
Esta impugnação da matéria de facto (conhecida como impugnação ampla da matéria de facto) tem alguns limites, na medida em que não importa a feitura de um novo julgamento pelo Tribunal de recurso, estando condicionada ao cumprimento por parte do recorrente dos seguintes deveres aquando da motivação e das conclusões de recurso:
. a especificação dos concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados e como concretamente deveriam ser modificados, apresentando a respectiva versão factual;
. a especificação das concretas provas que imponham decisão diversa relativamente a cada um dos respectivos pontos impugnados da decisão recorrida e com indicação concreta e individualizada das particulares passagens/excertos da gravação da audiência nas quais ficaram as frases (dos depoimentos e/ou das declarações) que se referem ao respectivo facto impugnado e em que alicerça a divergência -  não bastando a mera referência às rotações correspondentes ao início e ao fim da respectiva gravação consignada em acta -. Apresentando não só a sua versão probatória factual, como também o conteúdo específico de cada meio de prova transcrito na parte que imponha decisão diversa da recorrida, correlacionando comparativamente com o facto individualizado que considere erradamente julgado;
. se for caso disso, a especificação de provas que devam ser renovadas e com indicação concreta das passagens da gravação da audiência por referência ao consignado na acta.
Apreciando o caso concreto, a assistente/recorrente não deu cumprimento cabal a este ónus legal.
Pois, a recorrente apenas: Fez transcrição de algumas parcelas de depoimentos prestados durante a audiência de discussão que, na sua óptica/perspectiva subjectiva, seriam susceptíveis de contradizer tal decisão factual do Tribunal de 1ª instância; Sem a especificação de como concretamente deveriam ser modificados os alegados pontos de facto, através de uma correlação com a respectiva versão factual; E abstraindo-se do teor integral da prova produzida nos autos.
Não obstante isso (e conforme salientou o douto parecer do Exmº Procurador Geral- Adjunto junto desta Relação), este Tribunal superior considera que houve vícios decisórios do Tribunal da 1ª instância a propósito de algumas das matérias factuais constantes da sentença recorrida.
Como sabemos, os vícios decisórios estão previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, segundo o qual:
«2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.»
A propósito deste preceito tem sido pacífico o entendimento (da doutrina e da jurisprudência) no sentido de considerarem que a apreciação destes vícios não implica qualquer sindicância à prova produzida no tribunal de 1ª instância – estando excluída qualquer tarefa de valoração da prova produzida em audiência ou fora dela, tal como a valoração de depoimentos gravados, de documentos ou outro tipo de provas -.  Apenas envolve o texto da decisão recorrida, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, ainda que constem do processo. Em face do teor do texto da decisão, apenas as regras de experiência comum podem, se necessário, servir de critério de aferição da existência, ou não, de tais vícios.
Sendo de salientar o retrato feito no Acórdão do STJ de 15/12/2011 do relator Raúl Borges no processo 17/09.0TELSB.L1.S1 em www.dgsi): “(...)Os vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, são vícios da lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei (…)  vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável e do erro notório na apreciação da prova (..) O objecto da apreciação será sempre a decisão e não o julgamento”.
Também sendo de salientar os seguintes ensinamentos doutrinais feitos por Simas Santos e Leal Henriques (“Recursos em Processo Penal”, 6ª edição, págs. 69 e segs.), por Simas Santos e Leal Henriques (“Código de Processo Penal Anotado” volume II, 2ª edição, págs. 739 e segs) e por Pereira Madeira (“Código de Processo Penal Comentado”, 3ª edição revista, págs. 1290 e segs) a propósito destes três vícios:
Insuficiência da matéria de facto para a decisão = ocorre quando, na exposição da matéria de facto, exarada no texto da decisão, se constata a ausência de elementos de informação (que podendo e devendo ter sido obtidos e julgados provados ou não provados, são necessários para alicerçar a decisão) e que o défice factual da matéria apurada impeça a aplicação do direito à situação da vida submetida à apreciação do Juiz, por a matéria de facto apurada, no seu conjunto, ser incapaz de suportar aquela decisão.  Estando afastado este vício (de insuficiência) se os factos pertinentes relativos ao objecto do processo (neste caso, a matéria factual constante da acusação particular, do pedido de indemnização civil e da contestação) foram indagados/averiguados pelo tribunal e obtiveram resposta do tribunal - independentemente dessa indagação ter tido êxito ou não, consoante  a perspectiva de cada uma das partes, isto é, independentemente de os factos indagados terem sido dados como provados ou não provados.
Contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão = ocorre quando se constata existir a afirmação simultânea de uma coisa e do seu contrário e que seja insanável/irredutível, não podendo ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras de experiência, impondo que se decrete a renovação da prova para sanar tal contradição interna/intrínseca da própria decisão. Estando afastado este vício (de contradição) se for perceptível, pela simples leitura do texto da decisão, que houve manifesto erro susceptível de ser suprido/eliminado pelo tribunal de recurso, através do expediente previsto no art. 380º do CPP e, aliás, correcção esta que o tribunal “ad quem” pode e deve efectuar para deixar de persistir tal contradição.
Erro notório na apreciação da prova = ocorre quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum de um homem médio ou sopesado à luz das regras de experiência comum, ressalte e de forma evidente/ostensiva/sem margem para dúvidas que a prova foi erroneamente apreciada, por a factualidade aí exarada ser arbitrária, contrária à lógica, a regras científicas ou de experiência comum ou por assentar na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada ou das “leges artis” e que tal fique demonstrado pelo tribunal “ad quem”.
Ora, regressando ao caso em apreço, mais concretamente ao texto da sentença recorrida, quer por si só quer em conjugação com as regras da experiência comum, consideramos que houve erro notório na apreciação da prova, por parte da Exmª. juiz da 1ª instância, a propósito da factualidade constante dos itens C) a F) dos factos aí considerados como não provados.
Pois, conforme resulta do texto da missiva electrónica constante do item 24  enviada pelo arguido à BMW Portugal (supra transcrito e aqui dado por reproduzido): o arguido tinha a intenção de lograr o sancionamento da assistente (B – doravante com a abreviatura B) pela BMW Portugal relativamente aos serviços prestados pela assistente enquanto concessionária dessa marca.
Pois, conforme resulta da conjugação do texto de todos os factos dados como provados e das declarações do arguido nos termos descritos no texto da motivação decisória: o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sem que, antes de subscrever tal missiva, tivesse diligenciado pela averiguação da veracidade de tal imputação, podendo tê-lo feito; sabendo o arguido que podiam ser falsos, pelo menos, admitiu que a afirmação/propalação de tais factos era susceptível de ofender o bom nome e crédito da assistente e de diminuir a confiança nela quanto à prestação dos seus serviços enquanto concessionária da marca e que a sua conduta seria proibida e punida por lei; mas, nem por isso o arguido agiu de outro modo, conformando-se com tal resultado possível ou eventual.
Pois, conforme resulta da conjugação do texto de todos os factos dados como provados e das declarações do arguido nos termos descritos no texto da motivação decisória: o arguido persistiu nesse seu propósito de lograr o sancionamento da assistente pela BMW Portugal, pelo menos até meados de Dezembro de 2020, mesmo depois de saber, desde início de Setembro de 2020, que não se tinha verificado a alegada sabotagem por parte da assistente.
Sendo de salientar, a propósito de cada um destes aspectos, que o arguido, perante a assumida situação de descontentamento relativamente ao sucedido com o seu veículo automóvel:
» Não se limitou a efectuar uma reclamação escrita no livro de reclamações da assistente (datada de 21/8/2020 e cujos demais dizeres constam de fls. 9 dos autos) – em conformidade com o direito que lhe assistia enquanto cliente desta empresa;
» Também o arguido enviou, no dia seguinte, o sobredito e-mail, por si subscrito,  para a BMW Portugal e com conhecimento da assistente, mas não se limitou a efectuar uma denúncia dos serviços prestados e/ou da falta deles, por parte da concessionária aqui assistente, relativamente a um veículo do arguido (e-mail datado de 22/8/2020 e cujos demais dizeres constam de fls. 10 a 12 dos autos). Nesta missiva electrónica que o arguido intitulou como “Denúncia do Concessionário BMW – B”:
- o arguido apelida o comportamento desta como: “a roçar o criminoso”;
- o arguido considera que: “a minha viatura foi sabotada pela oficina deste concessionário com a intenção deliberada de provocar danos no seu motor”;
- o arguido considera que: “tendo eu decidido não aceitar os argumentos do concessionário de que o motor tinha um problema, foram deliberadamente criadas, por aquela oficina, as condições para que viesse, efectivamente, a ter um problema com o motor da minha viatura;
- o arguido declara ter manifestado a sua indignação, de imediato e verbalmente, ao dono do concessionário, perante aquilo que considerava: “ser um ato de sabotagem por parte da oficina para provocar danos na minha viatura, aparentemente, por não ter aceite os argumentos que me haviam sido apresentados para intervencionar o motor”;
- o arguido declara que a viatura se encontra parada em sua casa, que irá ser analisada num outro concessionário e será transportada por reboque, considerando que: “uma vez que tendo havido o arrojo de adicionar “óleo”(?) para além dos níveis máximos, que como se sabe pode causar danos graves no motor, não sei o que mais poderá ter sido feito à viatura”;
- o arguido declara que, apesar de já ter efectuado a reclamação através do respectivo livro, considera que: “o comportamento incompetente e laxista da chefia deste concessionário e criminoso da sua oficina, deverá ser do conhecimento da sede da BMW, uma vez que não está ao nível do expectável pelos clientes da marca, assemelhando-se mais ao de uma oficina mafiosa de beco”;
- o arguido considera que a imagem da marca fica indelevelmente afetada por este comportamento absolutamente inadmissível, minando-se a confiança com os seus clientes e acrescenta: “Peço, assim, para que sejam tomadas as devidas diligências para averiguar esta situação e se promova o sancionamento deste concessionário. Peço ainda que me seja dado conhecimento das diligências tomadas em relação a esta denúncia”;
» Também o arguido, durante vários meses (desde 22/8/2020 em diante até 15/12/2020), persistiu no propósito de obter o sancionamento pela BMW Portugal, da assistente enquanto concessionária da marca BMW, mesmo depois de saber, (desde início de Setembro de 2020 nos termos constantes da factura de fls. 87 e referida no e-mail do arguido enviado em 15/12/2020 como resposta ao e-mail que essa mesma entidade lhe enviara a 27/8/2020, nos termos respectivos constantes de fls. 73vº-74vº e 74vº aqui dados por reproduzidos) que não se tinha verificado a alegada sabotagem por parte da assistente e de depois de lhe ser demonstrado que era outra a explicação para a sinalização de excesso de óleo no motor, mesmo assim omitiu tudo isto daquela entidade (BMW Portugal) durante 3 meses.
Mas, apesar de tudo isto, a Exmª Juiz da 1ª instância considerou (nos termos expostos no início do texto da sua motivação decisória já supra transcrita): convincentes os depoimentos do arguido e da sua esposa a propósito da falta de intenção daquele em denegrir a assistente; o que escreveu corresponde àquilo que na altura julgava ter ocorrido e que depois se veio a verificar que não existiu; tão só teve intenção de que o seu problema fosse resolvido e que na altura se sentiu indignado com o comportamento da assistente.
E, apesar de tudo isto, a Exmª Juiz da 1ª instância concluiu (nos termos expostos no final do texto da sua motivação decisória já supra transcrita): ser natural que, tendo o arguido um carro BMW e tendo ficado descontente com o serviço prestado por um concessionário (aqui assistente) se queixe junto da BMW e solicite a intervenção desta na resolução do problema; que a intenção do arguido ao enviar o e-mail (que está em causa nos autos) foi no sentido de resolver o problema do seu veículo automóvel e alertar para o que tinha corrido mal com a assistente, não obstante as palavras que utilizou; e que, por isso, juntamente as declarações do arguido e sua esposa a negarem a intenção constante dos itens C a F, foi considerado não provado que o arguido tivesse a intenção, nestes itens aludida, respectivamente, quer de prejudicar a assistente, quer de procurar denegrir os serviços da mesma quer de afirmar factos susceptíveis de serem atentatórios do bom nome, crédito e confiança da mesma.
Ora, como é óbvio/evidente/ostensivo, estas apreciações, conclusões e decisões factuais da Exmª Juiz da 1ª instância são erradas e não há qualquer margem para dúvidas a este respeito – conforme ficou demonstrado por este Tribunal de recurso, nos termos supra-explanados.
Sendo de salientar, também, que o arguido é uma pessoa licenciada, com mais de 50 anos de idade e que, desde há 10 anos, essa sua viatura automóvel efectuava as revisões periódicas e intervenções no serviços oficinais da empresa aqui assistente, sempre e sem qualquer incidente ou reclamação.
Pelo que, perante o sucedido com o seu veículo (no dia 21/8/2020) – para além de ter efectuado uma reclamação escrita no livro de reclamações da assistente – podia, nesse próprio dia ou no dia seguinte (como fez no dia 22/8/2020), ter reportado à titular da marca BMW tudo do sucedido a propósito do seu veículo e alertando esta para o efeito, mas não precisava de ter mencionado as sobreditas imputações ofensivas da honra da assistente.
Por muito incómodo/transtorno/aborrecimento/descontentamento e indignação que tivesse o arguido pelo sucedido com o seu veículo e com o responsável da assistente e, até, de desconfiança que o arguido tivesse sobre o anteriormente sucedido aquando da proposta de orçamento apresentada pela assistente, não se justificava essa sua (precipitada e criminosa) actuação agora em apreço, baseada na sua mera suspeita/suposição e sem qualquer prévia indagação, por si só e/ou com ajuda de outrem, que permitisse apurar, minimamente, se tal suspeita/suposição correspondia, ou não, à realidade.
Aliás, indagação essa que o arguido veio a fazer, mas só posteriormente, através de um outro concessionário da marca ao qual recorreu e através da qual veio a confirmar-se que não era verdade tal imputação ofensiva da assistente, tendo-se certificado que esta não realizara um atesto de óleo na viatura do arguido (aliás, conforme esta sempre negara). E confirmação esta que, apesar de o arguido ter obtido no dia 1/9/2020, só comunicou no dia 15/12/2020 quer à assistente, quer à titular na marca BMW em Portugal
Por isso – e não obstante a Exmª Juiz da 1ª instância tenha começado por referir (e bem) os princípios gerais que devem presidir à decisão sobre a matéria de facto –, constatamos que, aquando da apreciação concreta da prova produzida nos autos e retratada no texto da respectiva motivação decisória, houve manifestos/evidentes/ostensivos erros/vícios decisórios, sobre aquelas matérias factuais que a mesma Srª. Juiz dera como não provadas.
Sem margem para dúvidas, constatamos e qualquer homem comum colocado nesta posição assim o constataria, que tal decisão factual é contrária às regras da lógica e da experiência comum e que tornam impossível que a respectiva decisão factual seja correcta.
Por isso mesmo, [ao abrigo do disposto no art. 410º, nº 2, al. c), do CPP] determina-se a eliminação dos itens C, D, E e F dos factos não provados da sentença e o aditamento aos factos provados da sentença dos seguintes itens com a seguinte redacção respectiva:
«28 – I. Aquando do descrito no item 24, o arguido teve intenção de lograr o sancionamento da assistente, pela BMW Portugal, relativamente aos serviços prestados pela assistente enquanto concessionária da marca BMW »;
« 28 – II. Com a actuação descrita nos itens 24 e 28-I, o arguido agiu livre e conscientemente, subscrevendo tal missiva electrónica, sem antes ter diligenciado pela averiguação da veracidade de tal imputação; sabendo que podia não ser verdadeira e, neste caso, susceptível de ofender o bom nome e crédito da assistente e de diminuir a confiança nela quanto à prestação dos seus serviços enquanto concessionária da marca e que a sua conduta seria proibida e punida por lei; mas, nem por isso agiu de outro modo, conformando-se com tal resultado possível ou eventual.»;
« 29 – III. O arguido persistiu no propósito de lograr o sancionamento da assistente pela BMW Portugal, mesmo depois de saber, desde inícios de Setembro de 2020, que não se tinha verificado a alegada sabotagem por parte da assistente, omitiu-o àquela entidade até meados de Dezembro de 2020 – conforme consta de fls. 73 verso a 74 verso dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra.».
Para além disso e, oficiosamente, sanando manifesta omissão [ao abrigo do disposto no art. 380º, nº 1, al. b) e nº 2, do CPP], também este Tribunal determina que nos itens 23 e 27 da factualidade dada como provada sejam aditados, respectivamente, os seguintes dizeres após travessão no seu final:
no 23 « – conforme consta de fl. 9 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra»;
no 27 « – conforme consta de fls. 13 a 20 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra».        
*
Com interesse para a decisão das demais questões, vejamos o teor da sentença recorrida quanto à aplicação do direito aos factos (transcrição):
«II.4 DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS
II.4.1 Do Crime
A primeira tarefa que se impõe passa por determinar se a conduta descrita e imputada ao arguido, e agora dada como provada, coincide com a descrição jurídico-penal legalmente prevista, de modo a que o arguido possa ser responsabilizado pela sua infracção.
Para tanto, dever-se-ão ter em conta os respectivos normativos, aos quais está subjacente a tutela de um determinado bem jurídico. Como afirma MUÑOZ CONDE, in Teoria General del Delito” (1984), pág. 9, “a norma jurídico-penal pretende a regulação de condutas humanas e tem por base a conduta humana que pretende regular”, acrescentando ainda que “a norma selecciona uma parte que valora negativamente e que comina com uma pena”.
*
Vem o arguido acusado pelo cometimento, em autoria material, de um crime Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço, previsto e punível pelo art." 187.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), agravado pelo artigo 183.º, n.º 1, do Código Penal.
Dispõe o artigo 187.º:
“1 – Quem, sem fundamento para tal, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
2. É correspondentemente aplicável o disposto:
a)No artigo 183º; e
b) Nos nºs 1 e 2 do artigo 186º.”.
Os bens jurídicos protegidos no crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço são a credibilidade, o prestígio e a confiança das pessoas colectivas, instituições, corporações, organismos ou serviços que exerçam autoridade pública, concatenados num bem jurídico mais amplo que os abarca e que se consubstancia no bom-nome dessas entidades.
Os elementos objectivos típicos do crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço são, então, os seguintes:
a) – Afirmação ou propalação de factos inverídicos;
b) – Que se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança da pessoa colectiva, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública;
c) – Sem que o agente tenha fundamento para, em boa fé, reputar verdadeiros os factos afirmados ou propalados.
No que se refere à inveracidade dos factos afirmados ou propalados, essa noção há-de corresponder ao seu valor de uso, abarcando o conceito de falsidade, mas indo além dele, pois um facto afirmado ou propagado pode corresponder a uma “meia-verdade”, contendo um segmento de verdade e outro de mentira e, não sendo um facto falso (devido a essa porção de verdade), não deixa de ser um facto inverídico.
O facto inverídico deve ainda ser apropriado a ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança da pessoa colectiva, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública, devendo ser-lhe dirigido um juízo de idoneidade formulado em termos objectivos.
Assim, “A idoneidade ou capacidade de violação à credibilidade, prestígio ou confiança mede-se por um parâmetro que se apoie na compreensão que um normal e diligente homem comum tenha da problemática.” (José de Faria Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, pág. 680).
Termos em que não tem neste domínio qualquer relevância o juízo subjectivo que o agente ou a entidade ofendida façam sobre a aptidão do facto para gerar aquela ofensa.
Cumpre ainda explicitar que a conduta integradora do crime sob análise não compreende a afirmação ou propalação de juízos, mas tão só de factos e de factos inverídicos, pelo que as opiniões e juízos genéricos não são incriminadas por este tipo legal de crime, sem prejuízo de poderem eventualmente integrar a prática de outro crime como a injúria ou a difamação.
No que se refere à concretização dos conceitos de credibilidade, prestígio e confiança neste contexto normativo, dir-se-á o seguinte (no seguimento do que vem escrito por José de Faria Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, pág. 681):
- Uma entidade é crível quando, “... pela actuação dos seus órgãos ou membros se mostra cumpridora das regras, actua em tempo e de forma diligente e, sobretudo, quando a sua prática corrente se mostra séria e imparcial. (...).”
- Uma entidade goza de prestígio “... sempre que, pelos comportamentos dos seus órgãos ou membros, ela se impõe, no domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve.”
- Uma entidade é digna de confiança “... quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem pode confiar. Esta é talvez a qualificação que mais depende do juízo externo. Quer isto significar, de forma clara e indubitável, que a confiança é um valor que se pode construir mas está dependente, de maneira quase lábil e tantas vezes incontrolável, da representação externa que façam da instituição em apreço.”.
No que contende ainda ao preenchimento deste segundo elemento objectivo típico urge clarificar que a norma incriminadora estipula a exigência de as entidades que refere se encontrarem munidas de autoridade pública ou exercerem autoridade pública. Neste âmbito, o conceito de exercício de autoridade pública pressuposto “... não pode ser senão aquele que a doutrina administrativa designa por sentido objectivo. De sorte que, nesta acepção, de forma lapidar e sintética, se pode afirmar que «autoridade significa “poder público” ou o conjunto dos poderes públicos – do imperium» (...).” (José de Faria Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, pág. 682-683).
Com relação ao último dos enunciados elementos objectivos do tipo penal sob apreciação, respeitante à ausência de fundamento por parte do agente para, em boa fé, reputar verdadeiros os factos inverídicos, verifica-se que aquele não tem que conhecer a natureza não verídica dos factos, bastando que, não possua motivo para, em boa fé, os considerar verdadeiros.
Com respeito à noção de «boa fé», cumpre referir que esta não se reporta à pura convicção íntima do agente sobre a veracidade dos factos, tendo antes que assentar numa vertente objectiva, a qual vem definida de forma negativa no n.º 4, do art.º 180.º, do Código Penal, e que corresponde à cuidadosa observância de um dever de informação, que as circunstâncias do caso concreto impõem, relativamente à veracidade dos factos objecto da imputação.
No tocante ao elemento subjectivo do tipo, este crime está previsto na forma dolosa (em qualquer uma das modalidades de dolo: directo, necessário ou eventual), de acordo com as disposições conjugadas dos art.ºs 187.º, n.º 1, 13.º e 14.º, do Código Penal.
*
Com efeito, as expressões utilizadas pelo arguido no email dirigido à BMW não correspondem à verdade – a assistente não colocou óleo no veículo do arguido. A avaria detectada pelo arguido “excesso de óleo no motor”, não foi provocada pela assistente.
Também é verdade que as expressões utilizadas “a minha viatura foi sabotada”, “foram deliberadamente criadas as condições para que viesse a ter um problema com o motor da minha viatura”, são capazes de ofender em abstrato a credibilidade e o prestigio de uma pessoa colectiva.
No entanto, atendendo ao contexto em que tais expressões foram proferidas, contexto esse que foi minuciosamente explicado no email enviado à BMW, o arguido tinha fundamento, para, em boa fé, reputar tais factos como verdadeiros.
Primeiro, o arguido não entendeu a necessidade das reparações que lhe eram propostas, nem existiu da parte da assistente o cuidado de esclareceu o arguido.
O arguido recusa uma reparação muito dispendiosa, e logo que sai da oficina da assistente aparece a indicação de “excesso de óleo no motor”. Tentou tratar esse problema com a assistente, logo de seguida, mas não existiu qualquer abertura da mesma, nem para solucionar o problema nem para esclarecer o arguido do que poderia ter ocorrido.
Nestas circunstâncias o arguido acreditou que tivesse existido uma intervenção da assistente no seu veículo que tivesse provocado aquela informação.
Resulta, assim, que não se mostra verificado o terceiro dos enunciados elementos objectivos típicos do crime de Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço, previsto e punível pelo art.° 187.°, n.° 1, do Código Penal.
Sendo o crime constituído pelo conjunto de pressupostos cumulativos (acção ou omissão típica, ilícita, culposa e punível) de que depende a aplicação ao agente de uma sanção penal, basta que se não verifique um desses pressupostos (mesmo que verifiquem todos os demais) para que se mostre impossibilitada a imputação objectiva do facto típico ao agente.
Consequentemente, fica igualmente prejudicada a apreciação do elemento subjectivo atinente ao ilícito jurídico-penal sob análise.
Perante quanto ficou exarado, impõe-se concluir dever o arguido ser absolvido da prática do crime de Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço, previsto e punível pelo art.º 187.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), agravado pelo artigo 183.", n." 1, do Código Penal, pelo qual vem acusado.
*
II.5 Do pedido de indemnização civil
Face à solução que o tribunal acolheu precedentemente, importa ponderar, antes do mais, o teor do art. 377.°, do Código de Processo Penal, o qual consagra a obrigatoriedade de o juiz se pronunciar, no âmbito da sentença penal, sobre o pedido cível na mesma enxertado, devendo condenar o arguido em indemnização civil sempre que o respectivo pedido se mostrar justificado, mesmo que a decisão em matéria penal seja absolutória, como o é a dos presentes autos, tomando em consideração a fundamentação acima expressa.
Neste domínio, determina desde logo o art.° 71.°, do Código de Processo Penal, que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime deverá ser deduzido no processo penal respectivo, apenas podendo ser apresentado em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos no art.° 72.°, n.° 1, alíneas a) a i), do Código de Processo Penal.
O mencionado preceito consagra, como resulta da sua própria epígrafe, o Princípio da Adesão, enquanto decorrência lógica do Princípio da Suficiência do Processo Criminal, expressamente reconhecido no art.° 7.°, n.° 1, do Código de Processo Penal.
Por seu lado e no que respeita à apreciação de índole substantiva que haja de incidir sobre o pedido cível formulado no âmbito de um processo de natureza criminal, o art.° 129.º, do Código Penal, dispõe que “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.”.
Nesta matéria rege desde logo a norma contida no art.° 483.°, n.° 1, do Código Civil, segundo a qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”.
Não se tendo provado nem que o arguido tenha praticado um crime nem que que o arguido tenha causado qualquer dano na demandante, o pedido de indemnização civil deduzido tem necessariamente que improceder. »
2ª questão – O arguido cometeu o crime de ofensa à pessoa colectiva pelo qual fora acusado ?
A assistente considera que sim, tal como o Ministério Público junto deste Tribunal superior. O arguido e o Ministério Público junto da 1ª instância consideram que não.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos autos em apreço, na sequência de acusação particular deduzida pela assistente e recebida pelo Tribunal de 1ª instância, o arguido foi submetido a julgamento pela imputada prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa colectiva, previsto e punível pelo art. 187º, nºs 1 e 2, al. a), agravado pelo art. 183º, nº 1, todos do Código Penal. 
Vejamos o que diz o Código Penal a este respeito e nas demais partes com interesse para o caso em apreço (sendo desnecessária a menção de CP).
No Livro II ( “Parte Especial” ) deste Código há o Título I ( “Dos Crimes Contra as Pessoas” ) cujo Capítulo VI ( “Dos Crimes Contra a Honra” ) inclui os seguintes artigos: 
«Artigo 187.º - Ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva
1 - Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto:
a) No artigo 183.º; e
b) Nos nºs 1 e 2 do artigo 186.º »;
«Artigo 183.º - Publicidade e calúnia
1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,
b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação;
as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
2 - Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.»;
«Artigo 180º - Difamação
1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.»;
«Artigo 182.º  - Equiparação
À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão
Apreciando (conjugadamente) o teor literal destes normativos, constata-se que, a propósito do crime de ofensa (à honra) de uma pessoa coletiva, é correspondentemente aplicável o disposto quanto o crime de difamação por meio de expressão quer verbal quer escrito ou por qualquer outro meio de expressão, previsto nos arts. 180º e 182º , por força da remissão expressa do nº 2, al. a) do art. 187º para o art. 183º que, expressa e precisamente, se reporta aos crimes previstos nos arts. 180º a 182º  inclusive.
O legislador não fez menção expressa no art. 187º, nº 2, para os arts. 180º, 181º e 182º pela (simples e óbvia) razão de que todos e cada um destes três artigos já constam dessa remissão/correspondente aplicação às pessoas coletivas, na medida em que o remetido art. 183º se reporta (única e exclusivamente) aos crimes previstos nos arts. 180º, 181º e 182º.
Sendo que este art. 182º (conforme indica o seu título e o seu teor) contém uma norma de equiparação, ampliando as margens de punibilidade ou (conforme ensina José Francisco de Faria Costa, no Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, pág. 639): contém uma norma sobre norma, que não pode ser concebida como específica e típica norma incriminadora.
Por isso, não perfilhamos o entendimento de alguma jurisprudência minoritária dos Tribunais superiores (tal como do acórdão do TRP, de 23-05-2012, no processo 1429/09.4PIPRT.P1) e de alguma doutrina minoritária (tal como de Paulo Pinto de Albuquerque no “Comentário ao Código Penal”, 4ª edição actualizada, pág.806, item 9) em quererem excluir a possibilidade de aplicação às pessoas colectivas do disposto no art. 182º, por este não constar da remissão do art. 187º, nº 2, al. a). Então (a ser assim), nesta alínea (em lugar de constar a remissão, em bloco, para o disposto no art. 183º) teria de constar a reprodução de (apenas) alguns dos dizeres do art. 183º ou, então, teria de constar (apenas) a menção de agravação das penas para o caso de a ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva ter lugar nos termos descritos nas als. a) e b) do nº 1 e nº 2 do art. 183º  – o  que não sucede.
A tutela da honra está consagrada na nossa Constituição da República Portuguesa (doravante com a abreviatura CRP), nomeadamente nos seus arts. 25º, nº 1 e 26º, nº1.
E, por força do seu art.12º, nºs 1 e 2, tal direito fundamental é universal em termos de destinatários e é amplíssimo, pois abrange quaisquer entidades coletivas, mesmo que sem personalidade jurídica – cfr. Gomes Canotilho em “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7ª edição, Almedina, 2003, pág. 420.
Mas, sendo as pessoas coletivas entes abstractos – previstos nos arts. 157º a 201º-A do Código Civil – (e não pessoas humanas) a tutela penal das pessoas coletivas e, em especial, da sua honra (que é a parte em apreço neste recurso), exigiu um normativo especial que foi, precisamente, o art. 187º do CP que, por sua vez, contém remissão expressa para os preceitos da tutela da honra das pessoas humanas, os quais lhe são aplicáveis “..correspondentemente..” , isto é, com as necessárias adaptações, precisamente, tendo em conta a distinta natureza dos seus destinatários.
Sendo as pessoas colectivas entidades abstractas ou pessoas meramente jurídicas – naturalmente, distintas das pessoas humanas –, é óbvio que a tutela penal da honra (quer pelo legislador, quer pelo julgador, quer pelo jurista) terá de atentar à respectiva natureza do seu destinatário :
A honra das pessoas humanas pode ter uma dimensão subjectiva/interior/inerente à auto-estima e dignidade da pessoa humana (exclusiva de um ser humano ou inseparável da sua personalidade singular) e uma dimensão objectiva/exterior/inerente à ideia que os outros fazem dela, à sua reputação ou consideração social;
A honra das pessoas colectivas pode ter uma dimensão objectiva/exterior/traduzida na ideia que os outros fazem dela, merecendo deles consideração e sendo portadora de bom nome.
Este bom nome tanto pode ser prestígio / credibilidade /confiança decorrentes das suas qualidades inerentes à actividade desenvolvida e/ou do comportamento dos seus membros ou órgãos, se mostre cumpridora, diligente séria, fidedigna e tenha notoriedade no domínio da respectiva actividade social e/ou obtenha respeito das suas congéneres e/ou da comunidade em que se insere e/ou tenha prestígio sócio-económico decorrente das suas qualidades e capacidades económico-financeiras.
Daí o legislador ordinário ter estabelecido uma incriminação autónoma a propósito da ofensa ao bom nome/honra das pessoas coletivas, através do art. 187º, nº 1, do CP, sem prejuízo da aplicação a estas do regime (quer matricial da ofensa à honra relativa às pessoas humanas, quer da norma de equiparação, quer da norma de agravação) contido nos arts. 180º a 183º e 186º, nºs 1 e 2, do CP (respectivamente), mas cuja aplicação deste regime a estas é feita com as necessárias adaptações (tendo em conta a natureza não humana das pessoas colectivas com uma honra estritamente objectiva/exterior).
Em suma, o direito à honra/bom nome das pessoas colectivas e respectiva tutela (quer constitucional, quer cível, quer penal) cinge-se a esta dimensão objectiva/exterior/dimensão relacional da honra.
E a tutela, ou não, da honra/bom nome de uma pessoa coletiva (alegadamente ofendida) pressupõe que, perante cada caso concreto, se atente sempre:
. quer à essência desse direito; (e)
. quer ao quadro de actividade e/ou fim prosseguido por essa pessoa colectiva;
. quer à colidente liberdade de expressão e/ou comunicação do agente (alegadamente agressor) – a este propósito cfr. o acórdão do STJ de 8/3/2007 no processo nº 07B566 e o acórdão do Tribunal Constitucional nº 292/2008, de 29/5/2009, disponíveis na internet.
Fazendo nossas as sábias palavras de Gomes Canotilho (em “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7ª edição, Almedina, 2003, pág. 421): A entidade colectiva goza de determinado direito fundamental se e na medida em que a essência dela for compatível com esse direito e vice-versa.
Caso contrário, uma indiscriminada/generalizada incriminação da difamação ou injúria ou ofensa (a pessoa colectiva) serviria, na prática, como um atentado contra os direitos (também fundamentais nos termos do art. 37º da CRP e do art.11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) da liberdade de expressão e de informação, basilares num Estado de Direito Democrático – conforme tão bem salienta o Comentário Geral nº 34, de 12/9/2011, do Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas, no ponto 13 (acessível na internet). 
Por isso mesmo, podendo haver colisão de direitos fundamentais (nomeada e concretamente, direito à honra de uma pessoa colectiva versus direito à liberdade de expressão de um cidadão individual) a aferição do direito à honra de uma pessoa colectiva e respectiva tutela e sua violação, ou não, tem (sempre) de ser feita perante cada caso concreto – independentemente de se tratar de um ataque/uma ofensa em termos verbais, escritos, gestuais ou por qualquer meio de expressão.
Aliás, parece-nos óbvio que reduzir a ofensa (constante da previsão do art. 187º do CP), apenas, às afirmações ou propalações, meramente, verbais seria esvaziar, em parte, a razão de ser e utilidade deste normativo, uma vez que (é notório e público) a grande maioria de tais ofensas ocorrerem através de meios de expressão não verbais, tais como (e principalmente) pela forma escrita.
Não se perfilhando o entendimento ou interpretação restritiva desta incriminação legal e, muito menos, como uma (alegada) solução de transição tendente a uma (alegada) futura descriminalização total da ofensa à honra de pessoa coletiva, num (alegado) movimento tendente à exclusiva protecção jus-civilista – cfr. a este propósito Renato Lopes Militão (em “Sobre a tutela penal da honra das entidades coletivas”, Revista Julgar, Online, Março de 2016, págs. 20-21 e 41) que faz uma resenha desse alegado movimento.  
Na parte com interesse para o caso em apreço [e seguindo os ensinamentos doutrinais de Figueiredo Dias (em “Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, 1993, Ministério da Justiça, Lisboa: Reis dos Livros, págs. 279 e 504), de Renato Lopes Militão (em “Sobre a tutela penal da honra das entidades coletivas”, Revista Julgar, Online, Março de 2016), de Paulo Pinto de Albuquerque (em “Comentário ao Código Penal”, 4ª edição actualizada, págs.805-807) e de José Francisco de Faria Costa (em “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 639 e segs. e 674 e segs.] vejamos o crime de ofensa a pessoa coletiva nos termos da previsão conjugada dos arts. 187º, nº 1 e nº 2, al. a), 183º, nº 1, al. a), 180º, nº 1, e 182º do CP:
Este tipo legal crime (com estrutura complexa ou pluridimensional) tem os seguintes elementos constitutivos/requisitos cumulativos (na parte com interesse para o caso em apreço:
- o agente/arguido, dirigindo-se a terceiro que não a pessoa coletiva visada, com ou sem a presença desta;
- afirmar/declarar ou propalar/espalhar/divulgar verbalmente, por escrito ou por qualquer outro meio de expressão;
- de uma forma e em circunstâncias que facilitam a sua divulgação =  com maior publicidade, alargando o impacto nocivo da ofensa e, por isso, sendo uma agravante da respectiva punição elevada em um terço nos respectivos limites abstractos;
- factos inverídicos a propósito daquela pessoa coletiva visada = não bastando para tal que sejam meros juízos de valor (por serem meras apreciações subjectivas com reduzido potencial ofensivo destituído de relevo penal). Têm de ser factos não verídicos e esta noção de inveracidade é ampla por forma a abranger a falsidade propriamente dita (enquanto facto contrário à realidade) e, também, as chamadas “meias verdades”;
- sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar como verdadeiros = não sendo necessário que o agente tenha conhecimento efectivo da sua inveracidade e estando excluída a boa-fé quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias impunham, sobre a veracidade da imputação;
- tais factos sejam idóneos/capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a essa pessoa colectiva = sendo esta aptidão apreciada, à luz da compreensão de um homem comum e face às concretas circunstâncias. Sendo, por isso, um crime de perigo abstracto-concreto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e um crime de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção), independentemente de causar, ou não um resultado efectivamente ofensivo;
- essa pessoa colectiva não esteja extinta = nomeadamente por dissolução ou outro meio de extinção desse ente abstracto;  
- e (como requisito subjectivo) que tal actuação do agente/arguido seja dolosa = em qualquer uma das modalidades do dolo previstas nos nºs 1 a 3 do art. 14º do CP (dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual).
Também neste sentido tem alinhado a maioria da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, sendo de destacar, a título de exemplo os acórdãos do TRC de 12/5/2010 (no processo nº 88/08.6TATBU.C1), TRL de 17/5/2017 (no processo nº 95/15.2PEPDL.L1-2) e de 16/3/2021 (no processo nº 2464/19.0T9LSB.L2-5), TRE de 8/3/2018 (no processo nº 195/16.1PAESP.E1), TRP de 18/3/2020 (no processo nº 2270/17.6T9VFR.P1) e TRG de 21/3/2022 (no processo nº 2411/19.9T9VCT.G1).   
Posto isto, vejamos o caso concreto.
Subsumindo todo este direito aplicável a toda a actual factualidade provada nos autos em apreço, afigura-se-nos como indiscutível que o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, o crime pelo qual fora acusado nos autos, mas não com a imputada agravação.
Pois, perante todo este actual quadro fáctico:
- o arguido (A), dirigindo-se a terceiro (BMW Portugal) que não a pessoa coletiva visada (B.), sem a presença desta;
- no dia 22/8/2020, pelas 11h45m, por correio electrónico, o arguido enviou uma missiva por si subscrita, dirigida à BMW Portugal e por esta recebida, visando aquela empresa concessionária da marca (abreviadamente B);
- nessa missiva intitulada “Denúncia do concessionário BMW – B”, o arguido não se limitou a reportar/denunciar àquela empresa o alegadamente sucedido, no dia anterior e nesta empresa concessionária, a propósito de uma sua viatura automóvel dessa marca. Para além de manifestar o seu desagrado e até indignação pelo alegado comportamento dessa concessionária, o arguido efectuou afirmações de factos susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio e/ou a confiança devidos a essa mesma concessionária.
Pois, o arguido afirmou [nessa missiva escrita, por si subscrita e enviada por via electrónica, dirigida à empresa titular dessa marca em Portugal e por esta recebida, referindo-se a uma empresa concessionária dessa marca – aqui assistente] nomeadamente o seguinte:
a minha viatura foi sabotada pela oficina deste concessionário com a intenção deliberada de provocar danos no seu motor”;
tendo eu decidido não aceitar os argumentos do concessionário de que o motor tinha um problema, foram deliberadamente criadas, por aquela oficina, as condições para que viesse, efectivamente, a ter um problema com o motor da minha viatura;
ser um ato de sabotagem por parte da oficina para provocar danos na minha viatura, aparentemente, por não ter aceite os argumentos que me haviam sido apresentados para intervencionar o motor”;
uma vez que tendo havido o arrojo de adicionar “óleo”(?) para além dos níveis máximos, que como se sabe pode causar danos graves no motor, não sei o que mais poderá ter sido feito à viatura”;
o comportamento incompetente e laxista da chefia deste concessionário e criminoso da sua oficina, deverá ser do conhecimento da sede da BMW, uma vez que não está ao nível do expectável pelos clientes da marca, assemelhando-se mais ao de uma oficina mafiosa de beco”;
- com esta actuação, o arguido efectuou tais afirmações escritas e enviadas através do e-mail do arguido para o e-mail da detentora da marca e com conhecimento que deu àquela concessionária através do respectivo.
Não significando que com tal apurada actuação, por si só, o arguido tivesse propalado/espalhado/divulgado tais dizeres escritos de uma forma e em circunstâncias que tivessem facilitado a sua publicitação com inerente alargamento do impacto nocivo da ofensa e que justificaria a inerente agravação dos limites abstractos da correspondente sanção, nos termos previstos pelo art. 183º, nº 1, al. a), do CP.  
Pelo que, não tendo sido imputado e muito menos apurado que, por exemplo, o arguido tivesse publicitado esse mesmo e-mail na internet ou nas redes sociais online (tais como no Facebook ou no Instragam) não se justifica a imputada agravação criminosa que a assistente fizera na sua acusação particular do arguido;
- contendo tal missiva do arguido a imputação de factos inverídicos a propósito dessa concessionária da marca automóvel (aqui assistente);
- sem o arguido ter fundamento para, em boa-fé, reputar como verdadeiros tais factos, na medida em que não diligenciou pela averiguação da veracidade de tal imputação, antes de as ter proferido, podendo e devendo tê-lo feito;
- sendo tal actuação do arguido idónea/capaz/apta a ofender a credibilidade/o prestígio/a imagem dessa existente concessionária dessa marca automóvel;
- e tendo o arguido agido de forma livre, consciente, sem previamente ter diligenciado pela averiguação da veracidade de tal imputação, mesmo podendo tê-lo feito e mesmo sabendo que tais imputados factos podiam não ser verdadeiros e que neste caso tal afirmação seria susceptível de ofender o bom nome/crédito/confiança da aqui assistente enquanto concessionária da marca e que a sua conduta seria proibida e punida por lei, mas, nem por isso o arguido agiu de outro modo, conformando-se com este resultado possível ou eventual.
Sendo de salientar que o arguido é uma pessoa licenciada, com mais de 50 anos de idade, oficial da marinha na reserva e que, desde há 10 anos, essa sua viatura automóvel efectuava as revisões periódicas e intervenções no serviços oficinais da empresa aqui assistente, sempre e sem qualquer incidente ou reclamação.
Pelo que, perante o sucedido com o seu veículo (no dia 21/8/2020) – para além de ter efectuado uma reclamação escrita no livro de reclamações da assistente – podia ter reportado à titular da marca BMW, nesse próprio dia ou no dia seguinte (dia 22/8/2020 como foi), o sucedido com o seu veículo, mas não precisava de ter mencionado as sobreditas imputações ofensivas da honra da assistente.
Por muito incómodo/transtorno/aborrecimento/descontentamento e indignação que tivesse o arguido pelo sucedido com o seu veículo e com o responsável da assistente e até desconfiança que o arguido tivesse sobre o anteriormente sucedido aquando da proposta de orçamento apresentada pela assistente, não se justificava essa sua (precipitada e criminosa) actuação agora em apreço, baseada na sua mera suspeita/suposição e sem qualquer prévia indagação, por si só e/ou com ajuda de outrem, que permitisse apurar, minimamente, se tal suspeita/suposição correspondia, ou não, à realidade.
Aliás, indagação essa que o arguido veio a fazer, mas só posteriormente, através de um outro concessionário da marca ao qual recorreu e através da qual veio a confirmar-se que não era verdade tal imputação ofensiva da assistente, tendo-se certificado que esta não realizara um atesto de óleo na viatura do arguido (aliás, conforme esta sempre negara). E confirmação esta que, apesar de o arguido ter obtido no dia 1/9/2020, só comunicou no dia 15/12/2020 quer à assistente, quer à titular na marca BMW em Portugal.    
Por isso, aquando da prática dos factos em apreço (mais concretamente, com o aludido e-mail contendo os supra transcritos dizeres ofensivos da honra da assistente), o arguido não tinha fundamento para, em boa-fé, os reputar como verdadeiros.
 Também não podendo deixar de salientar-se que assistente é uma sociedade comercial cujo objecto social abrange a compra e venda, reparação e manutenção de veículos automóveis e, também, abrange a prestação de todos os tipos de serviços oficinais de intervenção em veículos da marca BMW da qual é concessionária.
Pelo que, a supra descrita actuação do arguido –  imputando a esta pessoa colectiva (aqui assistente) não só um comportamento incompetente e laxista da sua chefia, como também imputando uma prática criminosa de sabotagem do veículo do arguido, através do adicionamento de óleo para além dos níveis máximos, por parte da oficina da assistente que compara a uma oficina mafiosa de beco e que esta o fizera  deliberadamente para provocar danos no motor do veículo do arguido, após este não ter aceite uma proposta da mesma para intervencionar o motor do veículo – é apta/idónea/susceptível de atentar contra a imagem, notoriedade, credibilidade, confiança, prestígio, credibilidade desta concessionária da marca BMW, existente e em funcionamento no respectivo mercado automóvel e abrangendo desde a compra e venda, manutenção, reparação e todos os demais serviços oficionais de intervenção em veículos da marca BMW.
Ora, atento o quadro de actividade e/ou o fim prosseguido por uma empresa como esta (a assistente), o direito à sua imagem/ao seu bom nome está inter-ligado, obviamente, com aquela sua essência e vice-versa – uma empresa de prestadora de todos aqueles serviços no sector automóvel, incluindo como concessionária da marca BMW, quer-se (que seja e se mostre) séria, fidedigna, cumpridora e de confiança (com bom nome) aquando e por causa da sua actividade.
E, nesta medida, a assistente merece a pretendida tutela penal ao seu bom nome, se e quando (como foi no caso em apreço) se lhe imputa a prática de sabotagem à viatura de um cliente, através do adicionamento de óleo para além dos níveis máximos, com imputada intenção de deliberadamente danificar o motor dessa viatura automóvel de marca BMW após o respectivo cliente não ter aceite uma proposta da oficina da assistente para intervencionar o motor dessa viatura.
Em suma, tal actuação do arguido é susceptível de atentar contra o bom nome ou a honra desta pessoa colectiva/empresa/aqui assistente, enquanto dimensão exterior (de reputação, prestígio, credibilidade, confiança) que os outros dela têm – quer clientes, quer ex-clientes, quer potenciais clientes, quer público em geral, quer suas congéneres a nível local e a nível nacional e quer a titular da marca BMW em Portugal.
Por conseguinte, a apurada actuação do arguido configura a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à pessoa colectiva, previsto e punível com pena de prisão de 1 mês até 6 meses ou com pena de multa de 10 dias até 240 dias com taxa diária de € 5 até € 500 – conforme prevê o art. 187º, nº 1, em conjugação com os arts. 41º, nº 1, e 47º, nºs 1 e 2 todos do CP.
Importa agora determinar a natureza e a medida concreta da pena aplicar ao arguido – já que os autos dispõem dos respectivos elementos factuais necessários para o efeito.
Para o efeito, importa ter em conta a disciplina contida no art. 70º do CP segundo o qual: “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
No caso em apreço, este Tribunal considera que não se justifica uma pena de prisão, bastando a aplicação de uma pena de multa.
Como sabemos, o legislador penal pretendeu legitimar a finalidade das penas em consonância com o princípio constitucional consagrado no art. 18º, nº 2, da CRP (segundo o qual só podem ser restringidos, por lei, direitos, liberdades e garantias na medida do estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos).
Para efeitos da determinação da medida concreta de pena de multa, importa atentar ao disposto no art. 71º do CP (com o título «Determinação da medida da pena») segundo o qual:
“1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.“
E colhendo quer os ensinamentos doutrinais de Figueiredo Dias (em “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 78-85 e em “Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime”, Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, págs. 84-121), quer os ensinamentos jurisprudenciais do STJ (entre outros, o acórdão do STJ de 16-01-2008, no processo n.º 4565/07 e o acórdão do STJ de 25/5/2016, no processo nº 101/14.8GBALD.C1.S1, ambos em dgsi.pt):
. As penas como instrumentos de prevenção geral são instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes, através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução, desempenhando uma função (de prevenção) geral negativa.
Também tendo uma função (de prevenção) geral positiva ou de integração, como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. E como instrumento por excelência destinado a revelar, perante a comunidade, a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese embora todas as suas violações que tenham tido lugar.
Sendo este o ponto de partida como a finalidade primária das penas : o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal do arguido.
. O ponto de chegada das penas está : nas exigências de prevenção especial, mais concretamente, da prevenção especial positiva (re-socialização do arguido) e da prevenção especial negativa (neutralização daquele tipo de conduta criminosa pelo arguido).
Tudo isto, sempre, sem olvidar o princípio da culpa inerente ao nosso Estado de Direito Democrático: em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa).
Significando isto que a concepção retributiva da pena não pode nunca atentar contra o princípio da inviolabilidade da dignidade da pessoa humana do arguido e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena e, assim se obtendo uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.
Assim, o princípio da culpa no nosso sistema penal serve com incondicional proibição de excesso, como limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – quer sejam de prevenção geral positiva de integração e/ou de prevenção geral negativa de intimidação, quer sejam de prevenção especial positiva de socialização e/ou de prevenção especial negativa de segurança ou de neutralização.
Deste modo e perante cada caso concreto, a pena deve ser encontrada pelo Juiz dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e negativa (que são, respectivamente, o limite máximo e o limite mínimo desta “moldura” de pena – pois a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores –) e ponderando as circunstâncias do caso concreto, bem como o nível e premência das necessidades especiais que se lhe apresentem de prevenção especial positiva e negativa (que são, respectivamente, a re-socialização do arguido e a prevenção da sua reincidência – tais como as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, os seus antecedentes criminais), ao mesmo tempo que também estas lhe transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente (sem ultrapassar a medida da culpa concreta), o juiz fixará o quantum da pena.
Ora, subsumindo todos estes critérios legais à factualidade apurada no caso concreto, importa atentar:
Ao bem jurídico tutelado e violado por este arguido: é o bom nome/ a honra da assistente que, sendo uma pessoa colectiva, corresponde ao seu sentido estritamente objectivo/exterior/relacional susceptível de ser afectado (independentemente de tal resultado danoso se verificar ou não, pois trata-se de um crime de perigo abstracto-concreto e de mera actividade). E, atenta a relevância do bem jurídico em apreço, legislador previu, em alternativa, pena de prisão ou multa;
militam em desfavor do arguido: a ilicitude e censurabilidade mediano-elevada da sua conduta atenta a forma da sua execução; a intensidade mediano-baixa do dolo; o longo relacionamento profissional com a assistente sem qualquer incidente ou reclamação relativamente a esta e as habilitações literárias do arguido;
a militam a favor do arguido: a ausência de antecedentes criminais e a sua situação pessoal, económica e social (auferindo € 2.200 mensais como oficial da marinha na reserva, vive com a esposa que é professora de matemática e uma filha ainda a cargo e paga € 300 mensais na amortização de um empréstimo para aquisição da casa). 
Ora, tendo em conta todos estes factores concretos e aqueles limites abstractos da pena de multa (entre 10 e 240 dias e para cada dia de multa a quantia entre € 5 e € 500), afigura-se-nos ajustada a concreta pena de 80 dias de multa, com à taxa diária de € 10.
3ª questão – E tal actuação do arguido causou à assistente os alegados danos não patrimoniais ? 
Como sabemos, a responsabilidade civil por perdas e danos emergentes crime está prevista no art. 129º do CP e nos arts. 71º a 84º do CPP, pressupondo sempre (na parte com interesse para o caso) que:
- haja uma comprovada prática criminosa por parte do demandado;
- haja um pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido contra aquele;
- e haja a comprovação da existência de um nexo causal entre aquela prática criminosa e os danos alegados pelo ofendido, nos termos previstos pela lei civil, mais concretamente nos termos previstos pelos arts. 483º, 490º, 496º, 562º, 563º e 564º do Código Civil.
Sendo que no tocante aos danos não patrimoniais (morais e/ou físicos), como sabemos, a regra vigente no nosso ordenamento jus-civilista (aplicável aos processos crime por força da já aludida remissão contida no art.129º do CP) é a contida no art. 496º do Código Civil intitulado «Danos não patrimoniais»  e segundo o qual (na parte com interesse para o caso em apreço):
«1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
(…)
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (...).»
Desta forma, o legislador pretendeu que certos danos de cariz não patrimonial sofridos por um lesado (em consequência de um facto ilícito e culposo, imputável ao lesante) possam, de alguma forma, ser ressarcidos, compensando-o através de uma quantia monetária, equitativamente fixada, que permita ao lesado obter/adquirir bens ou serviços através dos quais possa compensar, de alguma forma, aqueles danos sofridos de cariz não patrimonial.
Mas, para evitar a tentação de se converterem em dinheiro as meras incomodidades, dissabores, perdas de tempo e outras ofensas insignificantes, em termos de consequências danosas, que criariam uma inglória litigiosidade nos tribunais, o legislador exigiu que tais danos não patrimoniais:
. tenham sido sofridos ou sentidos pela própria pessoa ofendida/demandante, salvo no caso de morte da vítima;
. e que sejam graves para merecerem a tutela do direito.
Só relevando os danos não patrimoniais de tal modo graves que, em termos objectivos e face às circunstâncias do caso concreto, importem um sofrimento tal para a vítima deles a ponto de justificar a sua tutela legal através de uma compensação pecuniária equitativa. 
Sendo que, teoricamente, uma sociedade/pessoa colectiva poder sofrer danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, possam ser susceptíveis de merecer a tutela do direito (tendo em conta o objecto social de uma pessoa colectiva, se fossem ofensas, por exemplo atentatórias do seu bom nome, reputação empresarial a ponto de, concreta e comprovadamente, se projectar negativamente na sua vida societária – cfr. tão sugestivamente refere o Acórdão do TRL de 17/12/2018 no processo 4592/15.1T8NVF.G1).
 Regressando ao caso em apreço, a assistente/demandante alegou ter sofrido danos não patrimoniais em virtude da imputada actuação criminosa do arguido/demandado e veio peticionar o pagamento por este de uma indemnização no valor de € 2.000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação deste pedido ao mesmo até integral pagamento.  
Mas – apesar de demonstrada a alegada actuação criminosa do arguido/demandado (a qual, como já vimos, não dependia da verificação concreta de um dano/resultado danoso) – não foi alegada pela assistente/demandante, nem muito menos demonstrada, qualquer factualidade que concretamente traduzisse um concreto dano não patrimonial sofrido por esta.
Compulsado o pedido de indemnização civil em apreço não se descortina qualquer factualidade concreta que seja susceptível de sustentar tal alegação e correspectivo pedido – não bastando a mera alegação de que: “o Demandado com tais afirmações… afetou e denegriu a imagem externa que os clientes e potenciais interessados têm da demandante” , “Sendo óbvio que tais ofensas não deixarão de se repercutir na boa imagem da demandante, o que prejudicará o desempenho comercial da mesma” e “também os trabalhadores da demandante foram afetados pelas ofensas tecidas pelo demandado …tendo afetado tanto o bom nome e reputação da demandante como dos seus trabalhadores”.  
Por conseguinte, terá de improceder o pedido indemnizatório da assistente/demandante.
          
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos sobreditos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal desta Relação em:
Julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pela assistente (B ) e face à demais apreciação oficiosa:
I – Eliminar os itens C, D, E, e F dos factos não provados;
II – Aditar aos factos provados os seguintes itens com a seguinte redacção:
«28 – I. Aquando do descrito no item 24, o arguido teve intenção de lograr o sancionamento da assistente, pela BMW Portugal, relativamente aos serviços prestados pela assistente enquanto concessionária da marca BMW »;
«28 – II. Com a actuação descrita nos itens 24 e 28-I, o arguido agiu livre e conscientemente, subscrevendo tal missiva electrónica, sem antes ter diligenciado pela averiguação da veracidade de tal imputação; sabendo que podia não ser verdadeira e, neste caso, susceptível de ofender o bom nome e crédito da assistente e de diminuir a confiança nela quanto à prestação dos seus serviços enquanto concessionária da marca e que a sua conduta seria proibida e punida por lei; mas, nem por isso agiu de outro modo, conformando-se com tal resultado possível ou eventual.»
« 29 – III. O arguido persistiu no propósito de lograr o sancionamento da assistente pela BMW Portugal, mesmo depois de saber, desde inícios de Setembro de 2020, que não se tinha verificado a alegada sabotagem por parte da assistente, omitiu-o àquela entidade até meados de Dezembro de 2020 – conforme consta de fls. 73 verso a 74 verso dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra.» ;
III – Aditar aos seguintes itens dos factos já provados os seguintes dizeres após travessão:
no 23 « – conforme consta de fl. 9 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra»;
no 27 « – conforme consta de fls. 13 a 20 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra» ;
IV – Condenar o arguido (A) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa colectiva (previsto e punível pelo art. 187º, nº 1, do Código Penal) na pena de 80 dias de multa, com taxa diária de € 10, perfazendo a quantia de € 800;
V – Absolver o arguido/demandado da totalidade do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/ demandante;
VI – Absolver o arguido/demandado do pagamento de custas (por não ter havido decaimento total do recurso – art. 513º, nº1, parte final do CPP);
VI – Condenar a assistente no pagamento de taxa de justiça mínima (pelo decaimento parcial do recurso – art. 515º, al. b), do CPP).
 Notifique.

Lisboa,  11 de Maio de 2023 
Paula de Sousa Novais Penha
Carlos da Cunha Coutinho
Raquel Correia de Lima