Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7670/21.4T8LSB.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
COMUNICAÇÃO
CONTEÚDO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Não impede a renovação do prazo do contrato de arrendamento para habitação, a comunicação do senhorio que, não obstante efetuada no prazo a que alude o art. 1097º, nº 1, al. b), do Código Civil, declare o contrato terminado para data distinta – posterior – daquela em que operaria a renovação automática do mesmo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
C…., Ld.ª”, com sede em …, intentou ação de despejo, que segue a forma de processo comum, contra J.P.R.B.M., residente na Rua (…), em Lisboa, alegando, em síntese, que na qualidade de senhoria da fração imóvel arrendada ao réu, e com a antecedência superior a um ano relativamente à data do termo da renovação do contrato de arrendamento em curso, deduziu oposição à renovação do contrato mediante envio de carta registada com aviso de receção, recebida pelo réu, que, não obstante, não entregou o imóvel no dia 31 de dezembro de 2020 como estava obrigado nos termos do disposto no art. 1081º, do Código Civil.
Termina, assim, pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, e que em consequência seja decretado o despejo imediato do local arrendado e o imóvel entregue à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens.
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Devidamente citado para a ação, veio o réu dizer, em síntese, que recebeu apenas uma carta datada de 11 de outubro de 2017, referente ao assunto “Reenvio de oposição à renovação do contrato de arrendamento (…)”, não tendo a autora, nos termos legais, deduzido oposição à renovação do contrato de arrendamento, que, assim se renovou automaticamente, mantendo-se em vigor, pelo que termina pedindo seja a ação julgada improcedente por não provada, com a sua consequente absolvição dos pedidos.
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Depois de considerar que os autos reuniam os elementos necessários à prolação imediata da decisão de mérito, o que não mereceu oposição das partes, a Mmª juíza do tribunal a quo proferiu saneador-sentença, tendo a final decidido nos seguintes termos:
“Em face do exposto, julga-se a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolve-se o réu do pedido de ver contra si decretado o despejo imediato do imóvel sito na Rua (…), em Lisboa.
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Custas a cargo da ré (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Processo Civil).
Notifique.”
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Não se conformando com a decisão, dela veio a autora recorrer, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A - Estando a decorrer um prazo de renovação de contrato de arrendamento urbano habitacional com prazo certo, cujo termo findava a 01 de Janeiro de 2020, se o senhorio, em julho de 2017 (com o AR em Outubro de 2017) e renovada em Janeiro de 2019, comunicar ao inquilino a sua oposição à renovação do contrato, daí extraindo a conclusão, na dita comunicação, de que o referido contrato cessaria os seus efeitos a partir de 30 de Janeiro de 2020, deverá tal declaração ser interpretada, nos termos do art.º 236.º n.º 1 do CC, como visando evitar a renovação do contrato no termo do período efetivo da renovação em curso isto é, 01 de Janeiro de 2020, data em que a referida comunicação produzirá os seus efeitos.
B - Na situação supra referida, se em 29 Março de 2021, a senhoria reclamar judicialmente o imóvel, invocando a pretérita cessação do arrendamento em 30 de Janeiro de 2020 por força da não renovação do contrato operada pela comunicação de oposição à renovação, e concluindo o tribunal que a dita declaração de oposição produziria efeitos em 01 de Janeiro de 2020, deverá, por aplicação do art.º 610.º do CPC, decidir em conformidade, condenando nos respetivos termos.
C - A Lei n.º 30/2018, de 16.7, que consagrou um regime extraordinário e transitório para proteção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos, não se aplica a contratos de arrendamento com duração igual ou inferior a 15 anos à data da sua entrada em vigor.
Nestes termos e nos Demais de Direito, deve o recurso ter provimento, sendo a D. Sentença revogada e substituída por outra que considere válida a oposição pela senhoria à renovação do contrato de arrendamento e condene o R. a entregar de imediato locado, seguindo o processo a sua ulterior tramitação até final, com as legais consequências.”
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O réu não respondeu ao recurso.
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O recurso foi admitido.
Cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, cumpre decidir se a autora exerceu validamente o direito de oposição à não renovação do contrato de arrendamento.
III. Fundamentação de Facto
A recorrente não impugnou a matéria de facto, pelo que para além da factualidade constante do relatório deste acórdão, temos por apurado o seguinte quadro factual fixado em 1ª instância:
Factos Provados:
1º O prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, destinado a habitação, sito na Rua (…), freguesia de Penha de França, concelho de Lisboa, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), encontra-se registado a favor da autora desde 15/7/2015, por aquisição mediante “contrato de locação financeira imobiliária n.º 450011719”.
2º No dia 14/10/2009, o réu e o anterior proprietário do imóvel identificado em 1º celebraram o acordo junto aos autos com a petição inicial, intitulado “contrato de arrendamento”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3º Por força do acordo referido em 2º, o réu passou a utilizar, para sua habitação e com efeitos a partir de 01/01/2010, o imóvel identificado em 1º, pelo valor mensal de € 175,00.
4º No acordo referido em 2º foi estipulado um prazo de cinco anos, renovável por iguais e sucessivos períodos, caso nenhuma das partes pusesse termo ao mesmo, “nos termos dos art 1097º e 1098º do Código Civil”.
5º A autora enviou ao réu, que recebeu, as cartas datadas de 11/10/2017, intitulada “reenvio da oposição à renovação do contrato de arrendamento …”, e a carta datada de 20/01/2019, intitulada “atualização das rendas para 2018”, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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Factos não Provados:
a) A autora comunicou ao réu, com antecedência de 120 dias antes do termo do acordo referido em 2º, a sua oposição à renovação do prazo desse acordo.
IV. Fundamentação de Direito
É pacífico nos autos que a autora assumiu a posição de locadora no contrato de arrendamento celebrado com o réu relativamente à fração a que corresponde o 2º esquerdo, do nº 6, do prédio sito na Rua (…), em Lisboa, destinada à habitação daquele.
O contrato teve início no dia 1 de janeiro de 2010, com termo previsto para 1 de janeiro de 2015, conforme cláusula acordada pelas partes e em conformidade com o disposto no art. 1095º do Código Civil (Código a que pertencem as disposições legais doravante citadas sem outra indicação expressa).
Ainda de acordo com o clausulado do mesmo contrato, e em consonância com o art. 1096º, nº 1, estamos perante um contrato que se renova automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, ou seja, por cinco anos, se nenhuma das partes lhe puser termo, “nos termos dos arts. 1097º e 1098º do Código Civil”.
O art. 1097º estabelece as condições para o exercício do direito à oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte do senhorio, estabelecendo para os casos em que o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação seja igual ou superior a um ano e inferior a seis anos (alínea b), do nº 1, daquele preceito legal), que o senhorio tem de comunicar ao arrendatário a intenção de não renovação com a antecedência mínima de 120 dias, consagrando, por seu turno, o nº 2, do mesmo artigo, que tal antecedência reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
No caso dos autos, o contrato de arrendamento renovou-se pela primeira vez em 1 de janeiro de 2015 e a segunda renovação ocorreria em 1 de janeiro de 2020, o que significa que a comunicação de oposição de renovação para aquela data, por parte do senhorio, teria de ser feita com a antecedência mínima de 120 dias com referência ao dia 31 de dezembro de 2019, ou seja, a autora, para se opor validamente a tal renovação, teria que dar a conhecer a sua intenção ao réu/arrendatário até ao dia 1 de setembro de 2019.
Ficou demonstrado nos autos que autora remeteu ao réu em 11 de outubro de 2017, uma carta registada com a/r, que aquele recebeu, e cujo conteúdo, dado como reproduzido na sentença é o seguinte “(…) relembramos que o contrato de arrendamento celebrado por conta do imóvel em causa teve lugar em 01 de janeiro de 2010 pelo prazo inicial de 5 (cinco) anos, tendo-se renovado por igual período de tempo em janeiro de 2015, pelo que terminará em 31 de dezembro de 2020. – sublinhado nosso.  
(…)
Por fim, cumpre-nos informar que deverá entregar o imóvel devoluto de pessoas e bens até ao dia 31 de dezembro de 2020”.
A sentença recorrida assinalou que a autora incorreu em erro quanto ao termo do prazo do contrato, razão pela qual ali se concluiu que a oposição do senhorio à renovação respetiva não foi efetuada nos termos legais.
Diz a autora, nas suas conclusões, que estando em curso um prazo de renovação de contrato de arrendamento urbano habitacional com prazo certo, cujo termo findava a 01 de Janeiro de 2020, se o senhorio, em julho de 2017 (com o AR em Outubro de 2017) e renovada em Janeiro de 2019, comunicar ao inquilino a sua oposição à renovação do contrato, daí extraindo a conclusão, na dita comunicação, de que o referido contrato cessaria os seus efeitos a partir de 30 de Janeiro de 2020, tal declaração tem de ser interpretada nos termos do art.º 236.º n.º 1 do CC, como visando evitar a renovação do contrato no termo do período efetivo da renovação em curso isto é, 01 de Janeiro de 2020, data em que a referida comunicação produziria os seus efeitos.
Nesta conclusão incorre a autora em três lapsos de cariz factual.
Em primeiro lugar, não resultou provado que a autora tenho endereçado ao réu, em janeiro de 2019, qualquer comunicação dando a conhecer a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento com referência a qualquer data.
Em segundo lugar, na comunicação que lhe endereçou e que resultou provada, não comunicou ao réu que o contrato cessaria a partir do dia 30 de janeiro, antes, e como já vimos, lhe comunicou que o contrato terminaria no dia 31 de dezembro de 2020.
Por último lugar, o contrato tinha o seu termo em 31 de dezembro de 2019 e não em 1 de janeiro de 2020.
Dispõe o art. 236º, nº 1, do Código Civil:
“1-A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
“A regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”[1].
Segundo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 12 de junho de 2012 (processo nº14/06.7TBCMG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt), estamos perante  “(…) critérios interpretativos dirigidos ao juiz e às partes contratantes. E o que basicamente se retira do artº 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de  vista do declaratário (receptor). A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário). (…) Há que imaginar - escreve o Prof. Paulo Mota Pinto em Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 208 - uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este efectivamente conheceu (mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido - por exemplo, devido ao facto de o real declaratário ser portador de uma cultura invulgarmente vasta e superior à média) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo. Ainda segundo este mesmo autor, “… a interpretação da declaração negocial não tem em vista apurar a vontade do declarante ou um sentido que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objectivo que se pode depreender do seu comportamento”.
Retomando o caso dos autos, o cidadão comum, de sagacidade e diligência medianas, perante uma comunicação em tudo idêntica à que foi recebida pelo réu, concluiria forçosamente que a senhoria dava o contrato por findo na data expressamente assinalada, coincidente, inclusivamente, com o termo do prazo que era exigido para a entrega do imóvel, a reforçar o momento a partir do qual a autora entendia inexistir fundamento para a continuação da sua ocupação, por cessação do contrato - 31 de dezembro de 2020 -.
Terá a autora incorrido em lapso na indicação da data correspondente ao termo do contrato? Trata-se duma mera hipótese, nem sequer sustentada pelos factos provados, mas, a ter acontecido, só à autora poderia ser imputável. O que é certo, é que a comunicação concretamente dirigida ao réu não pode produzir os efeitos por si pretendidos, nem ora reclamados. Efetivamente, a autora não comunicou ao réu a sua oposição à renovação do contrato em 1 de janeiro de 2020, com a antecedência de 120 dias até à data do seu termo – 31 de dezembro de 2019 -, antes lhe comunicou, naquele prazo,  a intenção de não renovar o contrato e de o considerar cessado em 31 de dezembro de 2020, declaração que por não estar legalmente sustentada levaria o destinatário comum a ter por adquirido que o contrato se tinha renovado válida e automaticamente em 1 de janeiro de 2020, por mais cinco anos, como efetivamente sucedeu.
O contrato mantém, por conseguinte, a sua vigência, restando concluir pela improcedência da apelação e pela manutenção da sentença recorrida.

V. Decisão
Na sequência do que se deixou exposto e no âmbito do enquadramento jurídico traçado, acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente por não provada a apelação, e em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante (art. 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Notifique.

Lisboa, 8 de setembro de 2022
Cristina Lourenço
Ferreira de Almeida
Teresa Prazeres Pais

[1] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume I, 4ª Edição, pág. 223.