Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20066/22.1T8LSB-E.L1-1
Relator: NUNO TEIXEIRA
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
PESSOAS SINGULARES
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
PLANO DE PAGAMENTOS (PEAP)
EXTEMPORANEIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Da interpretação dos artigos 249º e 250º do CIRE resulta que as pessoas singulares não empresárias nem titulares de pequenas empresas não podem ser sujeitas a planos de insolvência, nem podem solicitar a administração pelo devedor.
II – Por essa razão, não sendo previsível (porque não admissível) a apresentação de um plano de insolvência (art.º 36º, nº 2 do CIRE), não está o juiz impedido de, ao proferir sentença declarativa de insolvência, declarar, fundamentadamente, que dispensa a realização da assembleia de credores (art.º 36º, nº 1, alínea n) do CIRE).
III – Apesar de impedido de apresentar um plano de insolvência, poderá o devedor aceder a um plano de pagamentos, desde que cumpra uma das alternativas previstas no artigo 249º, nº 1 do CIRE: a) não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; ou, b) à data do início do processo, cumulativamente, não tiver dívidas laborais, o número dos seus credores não for superior a vinte e o seu passivo global não exceder €300.00.
IV – Cumpre a primeira daquelas alternativas, o casal que se apresenta a insolvência, sendo ambos gerentes de uma sociedade comercial por quotas.
V – O plano de pagamentos deve ser apresentado conjuntamente com a petição inicial ou, quando a declaração de insolvência tenha sido requerida por pessoa que não o devedor, dentro do prazo previsto para a oposição.
VI – É extemporânea a apresentação de um plano de pagamentos após a prolação da sentença que declara a insolvência, quando, apesar de notificados nos termos do disposto no art.º 222º, nº 5 do CIRE, os devedores vieram pedir que se desse sem efeito essa notificação, por não estarem verificados os pressupostos previstos no artigo 249º do CIRE.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. PC e MC, casados entre si, vieram, em coligação, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 222.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), apresentar-se a processo especial para acordo de pagamento (PEAP).
Foi nomeado administrador judicial provisório, o qual juntou lista provisória de créditos que, não tendo sido impugnada, se converteu em definitiva.
Concluídas as negociações foi concedido prazo para a votação do plano apresentado pelos devedores, tendo votado credores com representação de 97,60% dos créditos constantes da lista definitiva de credores. Votaram a favor do plano de recuperação 20,66% dos votos regularmente expressos, e 79,34% votaram contra.
Em 05/08/2022 foi proferido despacho que decidiu não homologar por sentença o acordo de pagamento dos devedores.
Na sequência da não aprovação do acordo de pagamento, vieram os Requerentes a 19/08/2022 requerer a sua declaração de insolvência, alegando, em síntese, que têm despesas e responsabilidades superiores aos seus rendimentos, estando já em incumprimento das mesmas, tendo um passivo superior ao seu ativo e incapacidade de gerar neste momento receitas que lhes permitam efectuar o pagamento das suas dívidas, sem prejuízo da intenção de virem a apresentar um plano de insolvência nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 192º e seguintes do CIRE.
Foi de seguida proferido despacho, datado de 25/08/2022, a ordenar a autuação daquele requerimento como processo de Insolvência Singular (Apresentação) e a respectiva apensação aos presentes autos de processo especial para acordo de pagamento (PEPAP), bem como a notificação dos devedores, nos termos do artigo 222º-G, nº 5 do CIRE, “para, em cinco dias, apresentarem o plano de pagamentos previsto nos artigos 249º e seguintes do CIRE qua ali se propuseram apresentar”.
Notificados deste despacho, vieram os devedores, por requerimento de 26/08/2022, pedir que fosse dado “sem efeito a parte que respeita à apresentação pelos Insolventes de plano de pagamentos previsto no artigo 249º do CIRE, no despacho que antecede”.
Reconhecendo razão aos requerentes, por despacho de 26/08/2022, o tribunal considerou “não escrita a parte final do despacho que antecede, não sendo de efetuar a notificação ordenada”.
Autuado o requerimento de 19/08/2022 como processo de Insolvência Singular (apresentação) e apensado aos presentes autos, em 26/08/2022 foi proferida sentença que declarou reconhecida a situação de insolvência dos requerentes PC e MC e ordenou o prosseguimento da ação. Nesta sentença ficou ainda consignado o seguinte: “Não se designa data para a realização de assembleia de apreciação de relatório, considerando a reduzida dimensão da massa insolvente, simplicidade da liquidação e ao facto de o devedor não ser titular de empresa, sendo que não está em causa nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 36.º - cfr. artigo 36º, n.º 1, alínea n), do aludido diploma legal.”
Notificados desta sentença, vieram os devedores, por requerimento de 30/08/2022, reiterar o pedido de apresentação de um plano de insolvência, nos termos e para os efeitos dos artigos 192.º e seguintes do CIRE, solicitando, por isso, a determinação de data para a realização de assembleia de credores.
Este requerimento mereceu do tribunal o seguinte despacho, datado de 24/11/2022 (refª 420510643):
“Ref.: 43131811, de 30.08.2022
Os insolventes PC e MC requereram a convocação de Assembleia de Credores, porquanto pretendem apresentar um Plano de Insolvência.
Aquando da prolação da sentença que declarou a insolvência foi dispensada a convocação de Assembleia, ao abrigo do disposto no artigo 36.º, n.º 1, alínea n), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Entendem os insolventes que por serem titulares dos bens indicados no PEAP, de uma sociedade comercial e por estar em causa uma das situações do n.º 2, do artigo 36.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas deve ser convocada Assembleia de Credores.
Vejamos.
1 - Na sentença que declarar a insolvência, o juiz:
(…)
n) Designa dia e hora, entre os 45 e os 60 dias subsequentes, para a realização da reunião da assembleia de credores aludida no artigo 156.º, designada por assembleia de apreciação do relatório, ou declara, fundamentadamente, prescindir da realização da mencionada assembleia.
2 - O disposto na parte final da alínea n) do número anterior não se aplica nos casos em que for previsível a apresentação de um plano de insolvência ou em que se determine que a administração da insolvência seja efetuada pelo devedor.
A apresentação de um Plano de Insolvência e a administração pelo corresponde a matéria regulada nos títulos IX e X, nos artigos 192.º a 222.º e 223.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Segundo o artigo 223.º o disposto no Título X «é aplicável apenas aos casos em que na massa insolvente esteja compreendida uma empresa».
O artigo 249.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Capítulo II Insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas, regula o Âmbito de aplicação
1 - O disposto neste capítulo é aplicável se o devedor for uma pessoa singular, e, em alternativa:
a) Não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) À data do início do processo:
i) Não tiver dívidas laborais;
ii) O número dos seus credores não for superior a 20;
iii) O seu passivo global não exceder (euro) 300000.
2 - Apresentando-se ambos os cônjuges à insolvência, ou sendo o processo instaurado contra ambos, nos termos do artigo 264.º, os requisitos previstos no número anterior devem verificar-se relativamente a cada um dos cônjuges.
Regulando o artigo 250.º a Inadmissibilidade de plano de insolvência e da administração pelo devedor, que aos processos de insolvência abrangidos pelo presente capítulo não são aplicáveis as disposições dos títulos IX e X, ou seja, o plano de insolvência e a administração pelo devedor.
Aqueles que podem apresentar um plano de pagamentos, nos termos do artigo 251.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não podem apresentar um plano de insolvência.
*
Analisada a massa insolvente – auto de apreensão junto ao Apenso C, verificamos que os bens apreendidos correspondem:
. a dois imóveis para habitação:
. um prédio rústico;
. duas quotas que correspondem à totalidade do capital social da sociedade CC, Lda.;
. Direito à posição detida pelos insolventes no contrato de locação financeira imobiliária nº 1005871;
. 4.000 obrigações BST Exposição Ásia registadas na conta depósito nº junto do Banco Santander Totta.
Na petição inicial do processo especial de para acordo de pagamento os requerentes alegam serem gerentes da sociedade comercial CC, Lda, que explora estabelecimentos de comércio de produtos alimentares.
A atividade comercial é desenvolvida pela sociedade comercial de que os requerentes são gerentes e não pelos próprios.
Assim e sem maiores fundamentações é de afastar a aplicação nestes autos do regime dos títulos IX e X, nos artigos 192.º a 222.º e 223.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Termos em que indefere a requerida convocação de Assembleia de Credores.
Notifique.
*
Os aqui devedores apresentaram-se em juízo com um plano de pagamentos no âmbito de um processo especial para acordo de pagamento, ao abrigo do disposto no artigo 222.º-A e segs., do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Processo a que recorreram considerando que não eram uma empresa, pois tal processo não se aplica a empresas – nº 1, do artigo 222.º-A, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Nesse pressuposto apresentaram um plano que não mereceu aprovação.
Em caso de não aprovação do acordo e concluindo o Administrador pela insolvência do devedor pode este, notificado nos termos do artigo 222.º G, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deduzir oposição, apresentar plano de pagamentos nos termos do artigo 249.º e seguintes ou requerer a exoneração do passivo restante os termos do disposto nos artigos 253.º e segs.
O plano de pagamentos, caso o devedor não deduza oposição, deve ser apresentado no prazo de 5 dias da notificação – cfr. artigo 222.º G, n.º 5, 6 e 7, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Termos em que se indefere a apresentação de um plano de pagamentos, ao abrigo do disposto no artigo 249.º e segs, por extemporâneo.
Notifique aos devedores para se pronunciarem.
Prazo: 5 dias.”
É deste último despacho que vem interposto recurso, pelos devedores, ora Recorrentes, que o terminam alinhando as seguintes conclusões:
I. Vem o presente Recurso interposto do Despacho de fls., nos termos do qual o Tribunal a quo pugna pelo entendimento de que aos Insolventes, aqui Recorrentes, está vedada a possibilidade de apresentação de plano de insolvência, nos termos do artigo 192.º e seguintes do CIRE, indeferindo a requerida convocação de Assembleia de Credores para tal desiderato, por considerar aos Insolventes seria aplicável o regime especial do plano de pagamentos a que alude o artigo 249.º e seguintes do CIRE, o que, por sua vez, é igualmente indeferido com fundamento na alegada extemporaneidade.
II. Entendimento este que merece a discordância dos Recorrentes e impõe o presente recurso, pois resulta de uma interpretação dos artigos 192.º e seguintes e 249.º e seguintes do CIRE, manifestamente violadora dos princípios gerais de Direito, pelo que nessa medida se impugna.
III. Face à não aprovação do acordo de pagamento, aqueles autos prosseguiram os seus ulteriores termos legais, tendo os aqui Recorrentes sido notificados, nos termos e para os efeitos previstos nos números 5, 6 e 7 do artigo 222.º-G do CIRE.
IV. Foi nesse âmbito que, logo em 18/08/2022, os aqui Insolventes apresentaram aos autos n.º 5851/22.2T8LSB, hoje apensados aos presentes autos (apenso n.º 20066/22.1T8LSB-A) o requerimento com a referência Citius 33387065.
V. Não obstante o teor do requerimento junto, ainda no âmbito dos autos n.º 5851/22.2T8LSB, foram os aqui Recorrentes notificados do Despacho datado de 25/08/2022, com a referência Citius 418242043.
VI. Com efeito, nos termos gerais, no caso de não aprovação do acordo de pagamentos no âmbito do Processo Especial para Acordo de Pagamento, concluindo o Administrador pela insolvência do devedor pode este, notificado nos termos do artigo 222.º-G, número 5 do CIRE, deduzir oposição, apresentar plano de pagamentos nos termos do artigo 249.º e seguintes ou requerer a exoneração do passivo restante nos termos do disposto nos artigos 253.º e seguintes do CIRE.
VII. No caso de o devedor não deduzir oposição, o plano de pagamentos deve ser apresentado no prazo de cinco dias a partir da notificação para o efeito, nos termos do disposto nos números 5, 6 e 7 do artigo 222.º-G do CIRE.
VIII. Ora, face o teor do Despacho que supra se transcreveu, logo em 26/08/2022, através do requerimento com a referência Citius 33424108 alegou e demonstrou a não aplicabilidade do artigo 249 e seguintes do CIRE e manifestou intenção de apresentar plano de insolvência nos termos do artigo 192 do CIRE.
IX. Face ao requerimento supra referido, o Tribunal proferiu despacho, datado de 26/08/2022 com a referência Citius 418281434, nos termos do qual determinou o seguinte: “Assiste razão aos requerentes de 26-08-2022, devendo considerar-se não escrita a parte final do despacho que antecede, não sendo de efetuar a notificação ali ordenada.”
X. Apesar do teor do Despacho com a referência Citius 418281434 e ainda da reiterada manifestação de intenção/vontade dos Insolventes, aqui Recorrentes, em apresentarem plano de insolvência, foi declarada nos presentes autos a insolvência dos mesmos, tendo sido dispensada a marcação de assembleia de credores, porquanto “considerando a reduzida dimensão da massa insolvente, simplicidade da liquidação e ao facto de o devedor não ser titular de empresa, sendo que não está em causa nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 36.º - cfr. artigo 36º, n.º 1, alínea n), do aludido diploma legal.” – Cfr. Sentença de declaração de insolvência datada de 26/08/2022 e com a referência Citius 418281985.
XI. Ante o teor da referida Sentença, os aqui Recorrentes apresentaram aos autos o requerimento datado de 30/08/2022, com a referência Citius 33444616, nos termos do qual requereram a marcação de Assembleia de Credores, manifestando, uma vez mais, a sua intenção de apresentarem Plano de Insolvência.
XII. Posteriormente, em 06/10/2022, o Administrador de Insolvência procedeu à junção aos autos do Relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE. – Cfr. Requerimento datado de 06/10/2022 e com a referência Citius 33782721.
XIII. Face ao teor do aludido relatório, vieram os aqui Recorrentes apresentar requerimento, datado de 11/10/2022 e com a referência Citius 33822982, nos termos do qual reiteraram o pedido de convocação de Assembleia de Credores, face à sua intenção de apresentarem Plano de Insolvência.
XIV. Subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu o Despacho objeto do presente recurso, indeferindo a requerida convocação de Assembleia de Credores, por considerar legalmente inadmissível a apresentação de Plano de Insolvência pelos aqui Recorrentes, e, paralelamente, indeferindo a apresentação de plano de pagamentos por alegada extemporaneidade.
XV. Aqui chegados, considerando que, no caso dos autos, não é aplicável o disposto no artigo 249.º e seguintes do CIRE, aos Insolventes, aqui Recorrentes, sempre deverá ser dada a possibilidade de utilizarem os mecanismos legais previstos nos artigos 192.º e seguintes do CIRE.
XVI. Isto porque, no caso sub judice, não se mostram reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos no artigo 249.º do CIRE, tal como expuseram os Insolventes nos diversos requerimentos juntos aos autos.
XVII. Com efeito, no caso dos autos, ainda que se entenda que os ora Recorrentes não devem ser considerados “empresários” para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 249.º do CIRE, verifica-se, de forma clara e inequívoca, que o passivo dos mesmos é manifestamente superior a € 300.000,00 (trezentos mil euros).
XVIII. Pelo que, considerando os requisitos legais alternativos (e não cumulativos), mormente no que concerne ao valor do passivo dos Insolventes, aqui Recorrentes terá forçosamente de se concluir pela inaplicabilidade do artigo 249.º do CIRE ao caso dos autos.
XIX. Salvo melhor opinião, aos ora Recorrentes é apenas legalmente possível a apresentação de um plano de insolvência, nos termos e para os efeitos dos artigos 192.º e seguintes do CIRE.
XX. Para o efeito e no desiderato de melhor concretizarem a sua estratégia de recuperação, sempre se impõe a convocação de Assembleia de Credores.
XXI. Todavia, a este propósito, concluiu o Tribunal a quo pela sua dispensa, por alegadamente não se verificarem os pressupostos a que alude o n.º 2 do artigo 36.º do CIRE, interpretação desde já se impugna.
XXII. Na verdade, determina o artigo 36.º n.º 1 alínea n) do CIRE que: “Designa dia e hora, entre os 45 e os 60 dias subsequentes, para a realização da reunião da assembleia de credores aludida no artigo 156.º, designada por assembleia de apreciação do relatório, ou declara, fundamentadamente, prescindir da realização da mencionada assembleia.”
XXIII. Ao que acresce o referido no número 2 do referido preceito legal: “O disposto na parte final da alínea n) do número anterior não se aplica nos casos em que for previsível a apresentação de um plano de insolvência ou em que se determine que a administração da insolvência seja efetuada pelo devedor.” (Sublinhado nosso)
XXIV. Ora, nos autos a que respeitam o Processo Especial para Acordo de Pagamento e apensos aos presentes (apenso A), os aqui Insolventes manifestaram, desde logo, a sua intenção de apresentar plano de insolvência, e, concomitantemente, demonstraram inaplicabilidade do regime do plano de pagamentos a que alude o artigo 249.º do CIRE.
XXV. Nessa medida, sempre se impunha, já nos presentes autos e no seguimento da prolação da Sentença que declara a insolvência, a convocação da Assembleia de Credores, nos termos e para os efeitos do artigo 36.º n.º 2 do CIRE.
XXVI. Com efeito, importa ainda referir que, ainda que se conclua pela aplicabilidade do artigo 249.º do CIRE ao caso sub judice, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, cumpre esclarecer que os aqui Recorrentes não foram notificados nos termos e para os efeitos dos números 5, 6 e 7 do artigo 222.º-G do CIRE.
XXVII. A este propósito, releva o teor do Despacho proferido em 26/08/2022 no âmbito do processo especial para acordo de pagamento n.º 5851/22.2T8LSB ora apenso aos presentes autos (apenso n.º 20066/22.1T8LSB-A), nos termos do qual se determinou a não notificação dos Insolventes para a apresentação de plano de pagamentos.
XXVIII. Salvo melhor entendimento, os Insolventes, aqui Recorrentes, não ainda foram notificados para dar cumprimento ao artigo 222º-G, números 5, 6 e 7 do CIRE.
XXIX. Ante o exposto, inexiste extemporaneidade em eventual apresentação de plano de pagamentos, pois, desde logo, pelas razões amplamente alegadas supra, aos Insolventes está vedada a possibilidade de lançaram mão de plano de pagamentos.
XXX. Ao que acresce ainda que, nos termos do Despacho supratranscrito, datado de 26/08/2022, foi dada sem efeito a notificação a que alude o artigo 222.º-G, números 5, 6 e 7 do CIRE, pelo que, no limite, a contagem de tal prazo processual ainda não se iniciou.
XXXI. Por tudo o quanto se expôs, impõe-se a revogação in totum do Despacho objeto do presente recurso, substituindo-o por outro que determine a inaplicabilidade do regime de plano de pagamentos nos termos do artigo 249º e seguintes do CIRE, determine o agendamento da Assembleia de Credores nos presentes autos e que possibilite a apresentação de um plano de insolvência nos termos e para os efeitos dos artigos 192.º e seguintes do CIRE e, ainda, que considere não verificada qualquer circunstância que determine a extemporaneidade de eventual apresentação de plano de pagamentos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, tendo em conta o teor do despacho impugnado pelo presente recurso, as duas questões a apreciar no presente recurso são as seguintes:
- se nos presentes autos de insolvência de pessoas singulares (casal), que, previamente se apresentaram a processo especial para acordo de pagamento (PEAP), se justifica a convocação da assembleia de credores em resultado de os devedores terem manifestado a intenção de apresentarem plano de insolvência, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 192º e seguintes do CIRE; e
- se os devedores estão em tempo de apresentar plano de pagamentos.

3. Os factos relevantes para a presente decisão são os que se encontram descritos no relatório que antecede.

4. Com o presente recurso pretendem os Recorrentes a revogação do despacho recorrido a substituir por outro que determine: a inaplicabilidade do regime de plano de pagamentos nos termos do artigo 249º e seguintes do CIRE; o agendamento da Assembleia  de Credores nos presentes autos; a possibilidade de apresentação de um plano de insolvência nos termos e para os efeitos dos artigos 192º e seguintes do CIRE; e, ainda que considere não verificada qualquer circunstância que determine a extemporaneidade de eventual apresentação de plano de pagamentos.
Contudo, cremos que os Recorrentes pedem agora muito mais do que estava em causa quando foi proferido o despacho objecto de recurso, datado de 24/11/2022 (refª 420510643). Na primeira parte do despacho, foi indeferido o pedido de convocação da assembleia de credores, por não ser de aplicar aos autos o regime dos Títulos IX e X, nos artigos 192º a 222º e 223º do CIRE. Na segunda parte, apenas se indeferiu a apresentação de um plano de pagamentos, ao abrigo do disposto nos artigos 249º e ss., por tal pedido ser extemporâneo.
Analisemos, pois, cada uma das duas questões.
4.1. Determina a alínea n) do nº 1 do artigo 36º do CIRE que, na sentença que declarar a insolvência, o juiz “designa dia e hora, entre os 45 e 60 dias subsequentes, para a realização da reunião da assembleia de credores aludida no artigo 156º, designada por assembleia de apreciação do relatório, ou declara, fundamentadamente, prescindir da realização da mencionada assembleia.”
Apesar de prever a dispensa da realização da assembleia de credores, o legislador não previu expressamente quais os casos em que tal dispensa poderia ser permitida. No entanto, o nº 2 do referido 36º elenca duas circunstâncias que, a verificarem-se, impedirão o juiz de dispensá-la, a saber: quando for previsível a apresentação de um plano de insolvência ou quando a administração da massa insolvente for entregue ao próprio devedor na sentença declarativa da insolvência (nos termos do artigo 224º, nº 1).
No caso dos autos, está em causa a primeira das circunstâncias, dado que, segundo os Recorrentes, para além de reiterarem o pedido de convocação da assembleia de credores face à sua intenção de apresentarem plano de insolvência, não lhes é aplicável o disposto no artigo 249º e ss. do CIRE.
Contudo, não lhes assiste razão.
Com efeito, a previsibilidade de apresentação de um plano de insolvência pressupõe, antes de mais, a sua admissibilidade. Ora, nem sempre é admissível a apresentação de um plano de insolvência. O respectivo âmbito de aplicação está definido no artigo 250º do CIRE que, numa formulação negativa e por referência ao anterior artigo 249º, determina que “aos processos de insolvência abrangidos pelo presente capítulo não são aplicáveis as disposições dos títulos IX e X.” Desta norma decorre que as pessoas singulares não empresárias nem titulares de pequenas empresas não podem ser sujeitas a planos de insolvência, nem podem solicitar a administração pelo devedor.[1] Ou, numa formulação positiva mas equivalente, podemos dizer com CATARINA SERRA que, “da interpretação daquela norma decorre que o regime do plano de insolvência é aplicável às pessoas jurídicas e às pessoas singulares que sejam titulares de empresa (não pequena), uma vez que são apenas estas as pessoas que o regime do plano de pagamentos aos credores não contempla.”[2] É neste sentido que se tem pronunciado quase toda a doutrina (pelo menos a mais citada)[3], bem como, unanimemente, a jurisprudência.[4]
No caso dos autos, verifica-se que os devedores, ora Recorrentes, que formam um casal (sendo, portanto, pessoas singulares), não são empresários, ou, como refere o artigo 249º, nº 1, alínea a) do CIRE, “titulares da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”. Na verdade, quem detém a empresa é a sociedade comercial “CC, LIMITADA”, que se dedica à exploração de estabelecimentos de comércio de produtos. Portanto, como bem se refere no despacho recorrido, esta actividade comercial de exploração de estabelecimentos de comércio de produtos não é exercida pelos devedores pessoas singulares, mas pela sociedade, da qual são gerentes.[5] Por outras palavras, titular da exploração da empresa (entendida esta em sentido objectivo[6]) é a sociedade comercial supra identificada, não os Requerentes do PEAP e ora insolventes. Por isso, contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, como devedores singulares não titulares da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, que são, é-lhes aplicável o Capítulo II – Insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas, como decorre do preceituado no artigo 249º do CIRE.[7]
Assim, se aos processos de “insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas” que integram o Capítulo II, como é o caso dos autos, não são aplicáveis as disposições, designadamente, do título IX – que regula precisamente o plano de insolvência –, é de afastar a possibilidade de apresentação de plano de insolvência nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 192º do CIRE. E, não sendo admissível a apresentação de plano de insolvência, logicamente que também não é previsível, mostrando-se, pois, perfeitamente justificada a dispensa de convocação da assembleia de credores.
Improcedem, consequentemente, as conclusões I a XXV das alegações recursórias.
4.2. Mas, o facto de aquela apresentação não ser admissível não impede que o devedor possa apresentar, conjuntamente com a petição inicial do processo de insolvência, um plano de pagamentos aos credores (artigo 251º do CIRE), ao qual pode aceder desde que cumpra uma das alternativas previstas no artigo 249º, nº 1: a) não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; ou, b) à data do início do processo, cumulativamente, não tiver dívidas laborais, o número dos seus credores não for superior a vinte e o seu passivo global não exceder €300.00.[8] E, como já vimos, os Recorrentes cumpriam a primeira das alternativas. Apenas ficariam excluídos dessa possibilidade se não cumprissem nenhuma delas. Por isso, contrariamente ao que alegam, não lhes estava vedada a possibilidade de recorrerem ao plano de pagamentos.
Foi nesse pressuposto que, no despacho datado de 25/08/2022 (que ordenou a autuação do requerimento de 19/08/2022 como processo de Insolvência Singular (Apresentação) e a respectiva apensação aos presentes autos de processo especial para acordo de pagamento) se determinou a notificação dos devedores, nos termos do artigo 222º-G, nº 5 do CIRE, “para, em cinco dias, apresentarem o plano de pagamentos previsto nos artigos 249º e seguintes do CIRE que ali se propuseram apresentar”.
Com efeito, decorre do artigo 222º-G, nº 5 do CIRE (na redacção dada pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro) que caso o administrador judicial provisório emita parecer concluindo pela insolvência do devedor, a secretaria do tribunal notifica o devedor para: a) deduzir oposição, que deve ser apresentada no prazo de cinco dias, por meio de requerimento; ou, b) querendo, e caso estejam preenchidos os respectivos pressupostos, apresentar plano de pagamentos de acordo com o disposto nos artigos 249º e ss.; ou, c) querendo, e caso estejam preenchidos os respectivos pressupostos, requerer a exoneração do passivo restante de acordo com o disposto nos artigos 235º e ss..
Ora, pese embora os Recorrentes tenham sido notificados do despacho de 25/08/2022 e, concretamente, para, em cinco dias, apresentarem plano de pagamentos, o certo é que por requerimento de 26/08/2022, vieram pedir que fosse dado “sem efeito a parte que respeita à apresentação pelos Insolventes de plano de pagamentos previsto no artigo 249º do CIRE, no despacho que antecede”, o que levou o tribunal considerar “não escrita a parte final do despacho que antecede, não sendo de efetuar a notificação ordenada”.
Por palavras simples, os Recorrentes nem sequer estavam interessados em requerer um plano de pagamentos[9]; pretendiam antes apresentar o (inadmissível) plano de insolvência. Cremos, pois, que, apesar de notificados para o efeito, não vieram atempadamente (porque nem o pretendiam), apresentar plano de pagamentos. Aliás, após ter sido proferida a sentença a declarar a insolvência (cuja prazo de prolação de 3 dias úteis se deve continuar a contar a partir do terminus do prazo de cinco dias de que o devedor dispõe para apresentar um plano de pagamentos[10]), não pode o devedor vir agora apresentar plano de pagamentos, por ser claramente extemporâneo.
Improcedem, assim, as conclusões XXVI a XXXI das alegações de recurso.
Consequentemente, não merece qualquer censura a decisão objecto de recurso.

5. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação e, assim, confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 02/05/2023
Nuno Teixeira
Rosário Gonçalves
Manuel Marques
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[1] Cfr. MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 11ª Edição, Almedina, Coimbra, em anotação ao artigo 250º, pág. 299.

[2] Cfr. Lições de Direito da Insolvência, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 331.

[3] Para SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, volume II, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 14, em resultado do artigo 250º não é admissível a aprovação de um plano de insolvência “nos processos de insolvência em que o devedor insolvente é uma pessoa singular que não seja titular de empresa ou que seja titular de pequena empresa, nos termos do disposto no artigo 249º”. Também MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual do Direito da Insolvência, 7ª Edição, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 340, entende que, sendo o processo de insolvência aplicável a qualquer devedor, o mesmo já não se passa com o plano de insolvência, cuja aplicabilidade exclui das pessoas singulares que não sejam empresárias ou que sejam titulares de pequenas empresas, por força do que dispõe o artigo 250º do CIRE. Por fim, MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 300, adopta posição idêntica.

[4] No sentido de estar excluída a possibilidade de as pessoas singulares que não sejam empresárias apresentarem plano de insolvência, pronunciaram-se o TRC, Ac. de 07/09/2010 (proc. 570/10.5TBMGR-A.C1), o TRP, Ac. de 21/03/2011 (proc. 306/09.3TBMBR.P1) e Ac. 15/09/2015 (proc. 1439/13.7TBFLG-D.P1), o TRL, Ac. de 03/07/2012 (proc. 2843/11.0TBTVD-B.L1-7), o TRG, Ac. de 12/07/2016 (proc. 1694/16.0T8VNF-D.G1) e o TRE, Ac. de 25/06/2020 (proc. 50/19.3T8LAG-F.E1), todos publicados em www.dgsi.pt.

[5] Esta factualidade deduz-se do alegado nos artigos 1º a 5º do requerimento inicial do PEAP.

[6] Segundo COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Volume I, 13ª Edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 288, “empresa em sentido objetivo é a unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para a troca”.

[7] Como refere MENEZES CORDEIRO, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 299, “para beneficiarem deste regime é necessário  que as pessoas singulares não tenham sido titulares da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência ou que, à data do início deste processo, não tenham dívidas laborais, mais de vinte credores e o seu passivo global não exceda € 300.000 (sublinhado nosso)” Basta, portanto, que se verifique uma das circunstâncias, dado o legislador as ter previsto alternativamente.

[8] Cfr. CATARINA SERRA, Ob. Cit., pág. 638 e ss..

[9] No entendimento dos insolventes que se deduz do requerimento de 26/08/2022 em que pedem que se “digne considerar sem efeito a parte que respeita à apresentação pelos insolventes do plano de pagamentos previsto no artigo 249º e seguintes, no despacho que antecede”, no seu caso não se mostravam preenchidos os pressupostos legalmente estabelecidos no artigo 249º do CIRE.

[10] Cfr. neste sentido, ANA ALVES LEAL e CLÁUDIA TRINDADE, “O processo especial para acordo de pagamento (PEAP): o novo regime pré-insolvencial para devedores não empresários”, in Revista de Direito das Sociedades 1 (2017), pp. 68 e ss..