Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
60/21.0YHLSB.L2-PICRS
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCA
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
REGISTO DE MARCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O n.º 3 do  art. 43.º do Código da Propriedade Industrial (C.P.I.) impõe um regime de compressão temporal e demonstrativa que atende à natureza de impugnação judicial do processo aí regulado, distinta da acção declarativa, e às especificidades dos recursos de marca, assinalados por um debate essencialmente técnico esteado, por regra, em factos de emanação registral e elementos verbais inscritos; por isso aí se determina que se passe directamente da resposta às alegações de recurso para a decisão final sem intermediação de uma fase instrutória autónoma.
II. Este regime, porém, ter que ser enquadrado no sistema normativo global em que se insere, no qual predominam as normas adjectivas vertidas no Código de Processo Civil erigidas com finalidades garantísticas e de tutela dos interesses axilares que subjazem à imperatividade Constitucional, de Direito da União Europeia e de Direito Internacional pactício, de garantir o acesso pleno ao Direito e aos Tribunais;
III. Entre essas normas avultam e dominam os arts. 411.º e 547o. do C.P.C., a primeira enunciando o princípio do inquisitório e a segunda o da adequação formal que, cruzados e conjugados, geram a figura de um juiz activo, envolvido no resultado da colheita probatória, bem distante de um mero espectador pairando sobre o processo de forma imóvel e passiva;
IV. As necessidades de descobrir a verdade material e bem decidir a causa são as pulsões que devem presidir à criação de uma excepção ao regime do art. 43.º;
V. O Tribunal não pode, porém, nesse contexto, prescindir de uma análise muito fina e rigorosa da materialização de uma excepcional necessidade instrutória a aferir à luz das carências de instrução complementar motivadas pela vontade de obter acesso à verdade e bem decidir (bem como de gerar equidade processual, conforme enunciado no art. 547.º do Código de Processo Civil);
VI. O n.º 2 do art. 209.º do C.P.I. permite, excepcionalmente, o registo interditado quando, na prática comercial, o sinal tiver adquirido eficácia distintiva.
VII. Porém, não se deve entender que o faz de forma ilimitada e não criteriosa; e esses limites são os que atendem a interesses manifestamente superiores, relativos à vida em sociedade, ao mercado e ao bom funcionamento da economia que se quer proteger através do respectivo regime da propriedade industrial;
VIII. Em concreto, impõe-se obstar a que qualquer projecto individual e privado se aproprie de palavras de uso comum e, in casu, de relevo civilizacional e axilares na vida quotidiana;
IX. Não é ponderável a aquisição de segundo sentido que envolva a total indisponibilidade ulterior de signos primários e básicos e um encerramento do mercado a um nível genésico e com efeitos estranguladores da actividade económica associada;
X. Não deve ser atribuído relevo ao sentido secundário ou segundo sentido («secondary meaning») no que se reporta aos sinais genéricos;
XI. A interdição registral emergente da alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do Código da Propriedade Industrial não é salva pela aquisição de um segundo sentido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
SOCIEDADE PANIFICADORA COSTA & FERREIRA, S.A., com os sinais identificativos constantes dos autos, interpôs recurso de despacho de recusa de registo da marca nacional n.º 639.944 («Pão de Rio Maior») proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, indicando como parte contrária a Sociedade SUSANO & ROSA, LDA., neles também melhor identificada.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
“Sociedade Panificadora Costa & Ferreira, SA.”, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Novo Código da Propriedade Industrial (NCPI), interpor recurso do despacho do Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), por subdelegação de competências do Conselho Directivo do mesmo Instituto, que recusou o registo da marca nacional nº 639944 ‘PÃO DE RIO MAIOR’ por entender não ter capacidade distintiva.
Alegou, em síntese, que:
- Requereu ao INPI o registo da marca nº 639944 e houve reclamação, contestação e exposição suplementar;
- O INPI recusou o registo da referida marca por entender não ser dotada de capacidade distintiva.
- Foi a recorrente quem, nos anos 90, alastrou a fama do pão de Rio Maior e esse nome é-lhe associado, tendo feito muitos investimentos na promoção da marca do ‘Pão de Rio Maior’, sendo que os seus parceiros comerciais apresentam o seu produto com essa marca.
- Conclui pela revogação do despacho do INPI e consequente concessão da marca.
Juntou documentos.
Cumprido o disposto no artigo 43.º do CPI, o INPI remeteu, a título devolutivo, o processo administrativo.
A recorrida apresentou contra-alegações.
Foi proferida sentença cuja parte dispositiva ostentou o seguinte teor:
Por todo o exposto, improcede o recurso interposto por “Sociedade Panificadora Costa & Ferreira, SA.” e, em consequência, mantém-se o despacho proferido em 04/12/2020, pelo Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do INPI, que indeferiu o pedido de registo da marca nº 639944 ‘PÃO DE RIO MAIOR’.
Dessa sentença foi interposto recurso pela SOCIEDADE PANIFICADORA COSTA & FERREIRA, S.A., que sustentou:
P) Devem a Sentença Recorrida e o Despacho de Recusa ser revogados e substituídos por decisão que defira o registo da marca nacional n.º 639.944 («Pão de Rio Maior»), ao abrigo do disposto nos artigos 209.º, n.º 2, in fine, e 231.º, n.º 2, do CPI.
Esse recurso foi apreciado por decisão sumária deste Tribunal da Relação de Lisboa, que declarou a nulidade da referida sentença.
Após baixa dos autos à primeira instância, o Tribunal «a quo» proferiu nova sentença que decretou:
Por todo o exposto, improcede o recurso interposto por “Sociedade Panificadora Costa & Ferreira, SA.” e, em consequência, mantém-se o despacho proferido em 04/12/2020, pelo Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do INPI, que indeferiu o pedido de registo da marca nº 639944 ‘PÃO DE RIO MAIOR’.

É dessa decisão que vem o recurso que ora se aprecia, interposto por  SOCIEDADE PANIFICADORA COSTA & FERREIRA, S.A., que concluiu:
A) Não existe fundamento que, à luz do disposto no artigo 18.º, n.º 3, da CRP, possa justificar a restrição do direito fundamental prevista no artigo 43.º, n.º 3, do CPI (nomeadamente, proibindo o direito à produção de prova testemunhal) nas situações em que, conforme resulta do disposto nos artigos 209.º, n.º 2, in fine, e 231.º, n.º 2, do CPI, a existência ou não do direito ao registo da marca depende da prova da factualidade subjacente e anterior ao pedido de registo, do uso que foi feito do sinal, do seu reconhecimento e da distintividade que o mesmo adquiriu;
B) A norma resultante da interpretação do disposto no artigo 43.º, n.º 3, do CPI, no sentido de que o processo de recurso das decisões do INPI não comporta, em caso algum, fase instrutória e, nomeadamente, produção de prova testemunhal é inconstitucional, por violação dos direitos fundamentais à tutela jurisdicional efetiva, a um processo justo e à prova, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, e, bem assim, do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 3, da CRP, devendo, por isso, ser desaplicada;
C) O disposto no artigo 43.º, n.º 3, do CPI deve ser interpretado e aplicado à luz dos princípios conformadores do processo civil, nomeadamente, os princípios do inquisitório e da adequação formal, consagrados nos artigos 411.º e 547.º do CPC, permitindo, sendo caso disso, a produção de prova durante o recurso das decisões do INPI que o reclamem, como é o caso dos presentes autos;
D) As testemunhas arroladas pela Recorrente são rio-maiorenses, profissionais da panificação, empresários de padaria e industriais das farinhas alimentares, pelo que o seu testemunho é essencial para aferir qual foi a origem do sinal «PÃO DE RIO MAIOR» e o uso que a Recorrente dele fez antes do pedido de registo – se o mesmo é reconhecido e associado exclusivamente à Recorrente e se, por conseguinte, a marca «PÃO DE RIO MAIOR» adquiriu ou não distintividade – factos estes indispensáveis à descoberta da verdade e a boa decisão da causa;
E) Deve ser revogada a Sentença recorrida e devem os autos baixar ao Tribunal da Propriedade Intelectual para realização da audiência das testemunhas arroladas pela Recorrente, seguindo o processo os demais termos adequados; Subsidiariamente, mas sem conceder,
F) Face à prova já produzida nos autos, deverão ser acrescentados os seguintes factos aos factos provados:
8-A. Conforme resulta da Especificação Técnica SGS ICS FD-BBME-22 (Capítulo VI – Rotulagem, Quadro VI), este produto é comercializado pela recorrente sob a marca comercial «PÃO DE RIO MAIOR», conforme deve constar da respetiva rotulagem; […]
10-A. A recorrente tem feito investimentos em investigação e desenvolvimento do «Pão de Rio Maior» que só desde 2016 ultrapassaram o montante de € 200.000,00; […]
14. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» e os produtos assinalados por diversos meios de comunicação, incluindo, revistas, publicações periódicas e televisão;
15. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» e os produtos assinalados em certames regionais, nacionais e internacionais;
16. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» na publicidade colocada nas suas viaturas;
17. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» nas camisolas da equipa de futebol do Rio Maior Sport Club, patrocinada pela Recorrente;
18. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» e os produtos assinalados nas redes sociais Facebook e Instagram;
19. A recorrente é a única entidade fabricar Pão de Rio Maior, de acordo com a especificação SGS ICS FD-BBMS-22;
20. O sinal «PÃO DE RIO MAIOR é inequivocamente associado à recorrente.
21. A Recorrente recebe reclamações sobre a qualidade de produtos vendidos como sendo «PÃO DE RIO MAIOR»;
22. Os consumidores associam qualquer produto que seja apresentado como «Pão De Rio Maior» à Recorrente; […]
23. Os parceiros comerciais da Recorrente apresentam o seu produto com a marca «PÃO DE RIO MAIOR»;
24. A recorrente vende o «PÃO DE RIO MAIOR» através de uma rede de distribuição que chega a 2267 clientes dos distritos de Setúbal, Lisboa, Santarém, Leiria e Coimbra, através de entregas diretas;
25. A Requerente exporta «PÃO DE RIO MAIOR» desde 2011 para países como Espanha, Bélgica, Luxemburgo e Estados Unidos da América.
26. As vendas internacionais de «PÃO DE RIO MAIOR» ascendem a cerca de 1 milhão de euros à presente data;
27. Só no ano de 2019, a Recorrente produziu mais de 12 mil toneladas de pão;
28. O volume de vendas da Recorrente em 2020 superou 13 milhões de euros;
29. Por deliberação de 7 de outubro de 2009, e novamente por deliberação de 28 de abril de 2015, a Assembleia Municipal de Rio Maior aprovou a proposta da Câmara Municipal relativa à Declaração de Interesse Público Municipal da Recorrente;
30. O pelouro do Turismo de Rio Maior reconhece a Recorrente como a empresa que desenvolveu e produz o «PÃO DE RIO MAIOR»;
31. Só a Recorrente é que é reconhecida como a produtora e vendedora do «Pão de Rio Maior»;
32. A comunicação social destaca a Recorrente como «a empresa responsável pelo fabrico do afamado Pão De Rio Maior» e como a «produtora exclusiva do Pão de Rio Maior»;
33. A imprensa especializada nacional e estrangeira destacam a Requerente e o «Pão de Rio Maior» e dão conta de que «A origem do Pão de Rio Maior remonta à própria origem da Costa & Ferreira»;
34. A Recorrente e o «PÃO DE RIO MAIOR» foram objeto de estudo académico;
35. Nem os consumidores, nem os parceiros comerciais da Parte Contrária conhecem o seu pão como Pão de Rio Maior;
36. A utilização que Parte Contrária faz da marca nacional n.º 548.567 não visa assinalar os seus produtos nem permite distingui-los dos produtos concorrentes, nomeadamente, dos produtos da Recorrente;
G) A marca nacional n.º 639.944 deriva da autonomização de elementos que compõem a marca nacional n.º 423.454, de que a Recorrente é titular;
H) Até a Recorrente entrar em laboração, nenhuma pessoa ou empresa produzia um pão com as características dos produtos assinalados com a marca «Pão de Rio Maior» e ninguém usava essa designação;
I) O pão fabricado por outras padarias da zona era – e continua atualmente a ser – conhecido pelo nome do respetivo fabricante ou por outra designação, como é o caso do pão produzido pela Parte Contrária, conhecido como «Pão da Magirus»;
J) O sinal «Pão de Rio Maior» não é uma mera expressão informativa da tipologia e localização geográfica dos produtos assinalados, mas sim uma verdadeira indicação de proveniência empresarial, dotada de capacidade distintiva reconhecida pelos consumidores, por outros comerciantes, pela comunicação social e por entidades públicas que assinala e distingue o pão produzido pela Recorrente;
K) A marca «Pão de Rio Maior» é um exemplo da exceção de distintividade adquirida por «secondary meaning», ou seja, uma marca aparentemente descritiva que se torna distintiva em virtude do seu uso e reconhecimento pelo mercado e pelos consumidores;
L) Os artigos 209.º, n.º 2, in fine, e 231.º, n.º 2, do CPI protegem marcas cuja distintividade resulte do uso que delas é feita, pelo que a requereu que o pedido de registo da marca «Pão de Rio Maior» ao abrigo desses preceitos;
M) Face à evidência carreada para os autos (que a Recorrente pretende reforçar com a produção prova testemunhal requerida), não subsiste qualquer dúvida de que a marca «Pão de Rio Maior» tem caráter distintivo, reconhecido pelos consumidores, comerciantes do sector e entidades terceiras, que associam essa marca diretamente à Recorrente, e não a qualquer pão de trigo tradicional produzido em Rio Maior;
N) A marca «Pão de Rio Maior» é adequada a assinalar os produtos da Recorrente e apta a distingui-los dos produtos comercializados pelas suas concorrentes;
O) Não obsta ao registo da marca nacional n.º 639.944 o facto de a Parte Contrária ser titular da marca nacional n.º 548.567, uma vez que esta marca foi registada para gerar confusão entre a Recorrente e a Parte Contrária, entre os seus produtos e a suas marcas, conforme é demonstrado pelo facto de a sua titular não fazer um uso sério da mesma, tornando-a suscetível de induzir o público em erro acerca da qualidade e origem dos produtos assinalados;
P) Devem a Sentença Recorrida e o Despacho de Recusa ser revogados e substituídos por decisão que defira o registo da marca nacional n.º 639.944 («Pão de Rio Maior»), ao abrigo do disposto nos artigos 209.º, n.º 2, in fine, e 231.º, n.º 2, do CPI.
A sociedade Recorrida SUSANO & ROSA L.DA respondeu às alegações de recurso também ela concluindo:
i. Não há qualquer inconstitucionalidade do disposto nos artigos 43.º e 44.º do CPI, nem qualquer violação do art. 18.º e 20.º da CRP, devendo ser indeferida a pretensão da Apelante no que respeita à audição de testemunhas, o que não resulta em qualquer proibição desadequada.
ii. A sentença a quo não merece qualquer reparo, entendendo, e bem que o sinal em causa é um termo genérico/descritivo e que não foi preenchida a excepção de aquisição de capacidade distintiva superveniente, carecendo assim aquele designativo da função distintiva e individualizadora, perante o consumidor, dos produtos da Apelante em relação aos demais.
iii. Face a tal apreciação, a resposta dada e a análise efectuada pelo Tribunal à questão da (ausência) de capacidade distintiva e individualizadora da expressão «Pão de Rio Maior» e o seu carácter genérico e descritivo, inviabilizaria no caso concreto, como inviabilizou tanto perante o INPI como perante o Tribunal a quo, que tal expressão fosse apta a adquirir distintividade superveniente como pretende a Apelante.
iv. A razão da exclusão da relevância jurídica do secondary meaning, no que concerne aos sinais genéricos justifica-se pelo interesse geral em manter livremente disponíveis tais sinais, pelo que o escopo de aplicação do art. 231.º n.º 2 e art. 209.º n.º 2 deve ser restrita, como defende Luis Couto Gonçalves (in Manual de Direito Industrial p.228 n. 537), afirmando que “este princípio não deve ser aplicado aos sinais genéricos” ou, caso contrário , “o titular da marca fica(ria) numa situação de monopólio em relação ao significado primário”.
v. A referida exclusão e inaplicabilidade do secondary meaning aos sinais genéricos e descritivos como o designativo aqui em causa é amplamente defendida na doutrina e jurisprudência nacionais citadas no corpo das alegações, por existir um imperativo de disponibilidade quanto a esses sinais, sob pena de restrição insuportável da concorrência, gerando verdadeiros monopólios sob nomes dos produtos e suas características.
vi. Na sentença a quo é referido expressamente (pág. 4 § 4) que “o registo desta menção, precisamente porque é descritiva não é susceptível de apropriação por um concreto agente económico. Estes são vocábulos que têm de estar disponíveis para uso de qualquer outra” e que a concessão da mesma “equivaleria a admitir a apropriação exclusiva de indicações que devem ser preservadas e ficar disponíveis para serem livremente utilizadas no mercado” (pág. 5, em continuação da pág. 4 § 6 da sentença).
vii. Não ocorrem, por isso, as nulidades invocadas pela Apelante.
viii. Igualmente, inexiste o alegado vício que a Apelante assaca à matéria de facto considerada provada, pretendendo que sejam aditados mais 25 factos, os quais, ao seu ver, foram provados pela prova documental que juntou.
ix. Sucede que a Apelada, então Recorrida impugnou na sua resposta oferecida a 23/04/2021 (refª Citius 3864165) o efeito probatório, a veracidade, autenticidade, genuinidade e exactidão da reprodução mecânica dos documentos apresentados pela Recorrente, nos termos dos artigos 368.º do Código Civil, e 444.º, 445.º do CPC, e em geral para efeitos do art. 574.º n.º 2 do CPC, oferecendo contra factos e respondendo pormenorizadamente a cada um dos elementos e argumentos apresentados.
x. A prova oferecida pela Apelante deveria, o que não faz (nem seria a prova testemunhal requerida apta a satisfazer essa pretensão), revelar de forma clara e inequívoca, (uma vez que estamos perante uma restrição da liberdade concorrencial) a percepção do sinal como marca, a sua recondução à Apelante, tudo tendo em conta não só os consumidores, mas todo sector, incluindo os revendedores e seus concorrentes, o que claramente não é o caso.
xi. Da prova não resulta, sequer indiciariamente, qualquer actuação de má-fé, de uso desconforme e de concorrência desleal por parte da Apelada, o que aliás, é matéria que ultrapassa o cerne do presente dissídio e do pedido deduzido no recurso inicial.
xii. Os documentos apresentados (e impugnados) e nos quais a Apelante alicerça a sua discordância com os factos provados na sentença, nem sequer possuiriam a virtualidade de provar aquilo que a Apelante pretende ver incluído naquela matéria, por irrelevantes, impertinentes, descontextualizados e parciais.
xiii. Como refere a sentença a quo “a recorrente faz os investimentos que entender para fomentar a compra dos seus produtos. Se esse produto é pão e o mesmo provém de Rio Maior, pois então nada impede de os publicitar e de usar tal menção na promoção. Mas, tal não é impeditivo de outros o fazerem” (pág. 7 da sentença).
xiv. Não há qualquer razão para aceder à pretensão da Apelante em ver aditados os tais 25 “factos” que elenca no seu articulado, uma vez que não foi apresentado qualquer elemento donde se possa concluir que o consumidor vê a designação genérica como uma marca da Apelante, e adquire os respectivos produtos com base nessa percepção, imediatamente associando-os, quando, aliás, a Apelada desde a sua constituição em 1970 (cfr. Certidão Permanente com o código de acesso 3447 – 3136 – 5826), fabrica e comercializa pão de, e em, Rio Maior precedendo, em décadas, qualquer actividade comercial da Recorrente, constituída em Outubro de 1990.
xv. A marca n.º 423.454 da Apelante não faz surtir na sua esfera qualquer direito ao exclusivo sob a expressão genérica e descritiva «Pão de Rio Maior», assim como não o faz em relação aos outros elementos descritivos “Panificadora” “Cozido a lenha em Fornos de Alvenaria” (artigos 208.º, 209.º, 210.º, 224.º, 231.º, 232.º e 255.º do CPI).
xvi. Não só inexiste aquisição superveniente de capacidade distintiva, por não provada, como nem poderia existir pela própria natureza do designativo constituído pelo tipo de produto e a localização, e que exclui a aplicação do princípio do secondary meaning.
xvii. É a Apelante, e não a Apelada, que age de má-fé, pois visa apropriar-se indevidamente de uma expressão genérica e descritiva e ainda usual na linguagem do público pertinente, já usada por outros agentes económicos de modo público e consistente, em claro prejuízo da Apelada e demais concorrentes que produzem pão de Rio Maior.
xviii. Tal pretensão é desproporcional aos interesses e princípios que a Propriedade Industrial visa assegurar, e à liberdade e lealdade concorrencial, e tanto assim é que o Tribunal da Relação de Lisboa já se pronunciou pela insusceptibilidade de registo e de aquisição de capacidade distintiva de outras expressões genéricas como «Licor de Portugal» e «Mini» utilizadas por empresas nacionais de grande poderio económico (Proc. 108/14.5YHLSB – Tribunal da Propriedade Intelectual I 1º Juízo, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e negada revista pelo STJ – BPI 2016/06/23; e Acórdão da Relação de Lisboa no Proc. 238/09.5TYLSB, BPI 2012/04/11, p.21 e p. 11).
xix. A Apelante deve ser condenada como litigante de má-fé, conforme requerido na resposta ao recurso do despacho do INPI, em primeira instância.
xx. A douta sentença do Tribunal “a quo” não merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se “in totum”.
São as seguintes as questões a ponderar neste recurso:
1. Face à prova já produzida nos autos, deverão ser acrescentadas aos factos provados as afirmações indicadas a tal propósito nas alegações de recurso?
2. O disposto no artigo 43.º, n.º 3, do CPI deve ser interpretado e aplicado à luz dos princípios conformadores do processo civil, nomeadamente, os princípios do inquisitório e da adequação formal, consagrados nos artigos 411.º e 547.º do CPC, permitindo, sendo caso disso, a produção de prova durante o recurso das decisões do INPI que o reclamem?
3. A norma resultante da interpretação do disposto no artigo 43.º, n.º 3, do CPI, no sentido de que o processo de recurso das decisões do INPI não comporta, em caso algum, fase instrutória e, nomeadamente, produção de prova testemunhal, é inconstitucional, por violação dos direitos fundamentais à tutela jurisdicional efetiva, a um processo justo e à prova, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, e, bem assim, do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 3, da CRP, devendo, por isso, ser desaplicada?
4. A marca «Pão de Rio Maior» tem caráter distintivo, reconhecido pelos consumidores, comerciantes do sector e entidades terceiras, que associam essa marca diretamente à Recorrente e não a qualquer pão de trigo tradicional produzido em Rio Maior?
5. Não obsta ao registo da marca nacional n.º 639.944 o facto de a Parte Contrária ser titular da marca nacional n.º 548.567, uma vez que esta marca foi registada para gerar confusão entre a Recorrente e a Parte Contrária, entre os seus produtos e a suas marcas?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
1. Face à prova já produzida nos autos, deverão ser acrescentadas aos factos provados as afirmações indicadas a tal propósito nas alegações de recurso?
A Recorrente sustenta estarem demonstradas e deverem ser incluídas entre a matéria de facto provada as seguintes afirmações:
8-A. Conforme resulta da Especificação Técnica SGS ICS FD-BBME-22 (Capítulo VI – Rotulagem, Quadro VI), este produto é comercializado pela recorrente sob a marca comercial «PÃO DE RIO MAIOR», conforme deve constar da respetiva rotulagem; […]
10-A. A recorrente tem feito investimentos em investigação e desenvolvimento do «Pão de Rio Maior» que só desde 2016 ultrapassaram o montante de € 200.000,00; […]
14. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» e os produtos assinalados por diversos meios de comunicação, incluindo, revistas, publicações periódicas e televisão;
15. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» e os produtos assinalados em certames regionais, nacionais e internacionais;
16. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» na publicidade colocada nas suas viaturas;
17. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» nas camisolas da equipa de futebol do Rio Maior Sport Club, patrocinada pela Recorrente;
18. A recorrente promove a marca «PÃO DE RIO MAIOR» e os produtos assinalados nas redes sociais Facebook e Instagram;
19. A recorrente é a única entidade fabricar Pão de Rio Maior, de acordo com a especificação SGS ICS FD-BBMS-22;
20. O sinal «PÃO DE RIO MAIOR é inequivocamente associado à recorrente.
21. A Recorrente recebe reclamações sobre a qualidade de produtos vendidos como sendo «PÃO DE RIO MAIOR»;
22. Os consumidores associam qualquer produto que seja apresentado como «Pão De Rio Maior» à Recorrente; […]
23. Os parceiros comerciais da Recorrente apresentam o seu produto com a marca «PÃO DE RIO MAIOR»;
24. A recorrente vende o «PÃO DE RIO MAIOR» através de uma rede de distribuição que chega a 2267 clientes dos distritos de Setúbal, Lisboa, Santarém, Leiria e Coimbra, através de entregas diretas;
25. A Requerente exporta «PÃO DE RIO MAIOR» desde 2011 para países como Espanha, Bélgica, Luxemburgo e Estados Unidos da América.
26. As vendas internacionais de «PÃO DE RIO MAIOR» ascendem a cerca de 1 milhão de euros à presente data;
27. Só no ano de 2019, a Recorrente produziu mais de 12 mil toneladas de pão;
28. O volume de vendas da Recorrente em 2020 superou 13 milhões de euros;
29. Por deliberação de 7 de outubro de 2009, e novamente por deliberação de 28 de abril de 2015, a Assembleia Municipal de Rio Maior aprovou a proposta da Câmara Municipal relativa à Declaração de Interesse Público Municipal da Recorrente;
30. O pelouro do Turismo de Rio Maior reconhece a Recorrente como a empresa que desenvolveu e produz o «PÃO DE RIO MAIOR»;
31. Só a Recorrente é que é reconhecida como a produtora e vendedora do «Pão de Rio Maior»;
32. A comunicação social destaca a Recorrente como «a empresa responsável pelo fabrico do afamado Pão De Rio Maior» e como a «produtora exclusiva do Pão de Rio Maior»;
33. A imprensa especializada nacional e estrangeira destacam a Requerente e o «Pão de Rio Maior» e dão conta de que «A origem do Pão de Rio Maior remonta à própria origem da Costa & Ferreira»;
34. A Recorrente e o «PÃO DE RIO MAIOR» foram objeto de estudo académico;
35. Nem os consumidores, nem os parceiros comerciais da Parte Contrária conhecem o seu pão como Pão de Rio Maior;
36. A utilização que Parte Contrária faz da marca nacional n.º 548.567 não visa assinalar os seus produtos nem permite distingui-los dos produtos concorrentes, nomeadamente, dos produtos da Recorrente;
Importa começar por referir que, no artigo 50.º da sua resposta ao recurso interposto para o Tribunal de primeira instância, a Recorrida impugnou «o efeito probatório, a veracidade, autenticidade, genuinidade e exactidão da reprodução mecânica dos documentos apresentados pela Recorrente, nos termos dos artigos 368.º do Código Civil, e 444.º, 445.º do CPC, e em geral para efeitos do art. 574.º n.º 2 do CPC». Não há, pois, prova plena emergente de tais textos.
No que tange ao ponto 8-A acima indicado, impõe-se referir que se contém aí conclusão fáctica, logo elemento de inclusão proscrita entre os factos provados, área lógica da decisão que não admite elementos que não tenham essa natureza. Tal resulta muito claro da menção «conforme deve constar da respectiva rotulagem» que apela a um juízo, a uma operação intelectual apenas permitida ao julgador após cristalização dos factos demonstrados destinados a ser objecto de ponderação e subsunção jurídica. Não é, pois, aceitável a pretensão formulada neste âmbito.
O ponto 10-A contém referência inócua na sua parte inicial, face à respectiva abstracção, e difusa na segunda, já que quem alega não indica uma quantia precisa. Trata-se, também, de referência irrelevante para o que importava avaliar, de dimensão exclusivamente limitada à admissibilidade a registo, não existindo, também, quanto ao pedido «A)» do requerimento inicial, relação directa entre investimento em investigação e desenvolvimento e conhecimento da marca no mercado específico do produto assinalado. De qualquer forma, o Tribunal «a quo» incluiu, sob o n.º 10 dos factos demonstrados, referência aos investimentos feitos. Não tem, neste contexto, sustentação esta vertente do pretendido.
As afirmações com os números 14 a 18 não possuem relevo para a demonstração do que importava analisar na acção, referido no parágrafo anterior. A título lateral, não deixa de se referir que as fotografias que constituem os documentos indicados no recurso não produzem prova cabal nem, por vezes, sequer inicial, do que se pretendeu ver fixado. Apesar de assim ser, o Tribunal que proferiu a decisão impugnada incluiu referências associadas ao que agora se pretende incluir, o que fez nos n.ºs 12 e 13 da fundamentação fáctica. Não assiste adequação a esta parte do invocado no recurso.
A afirmação n.º 19 foi construída ao redor do carácter único da adequação a uma determinada especificação técnica. Tal não resulta, de forma alguma, ao contrário do sustentado, dos documentos n.ºs 1 a 7 juntos com a resposta à oposição às alegações de recurso em primeira instância. Aliás, a tratar-se de factos estruturantes para a demonstração da bondade da impugnação judicial, não era nessa resposta que tinha que ser feita a respectiva demonstração, designadamente face ao disposto no n.º 3 do art. 43.º do Código da Propriedade Industrial. Não procede, pois, também esta parte do pretendido.
A afirmação n.º 20 corresponde a uma conclusão fáctica e não a um facto, pelo que nunca poderia figurar entre os factos provados.
A invocação que tem o n.º 21 não possui qualquer relevo para a decisão a proferir, atento o objecto do processo, acima referido, nem seria demonstrável nos termos vagos alegados (quantas reclamações, em que contexto, num quadro ocasional ou sistemático, com concentração todas as reclamações relativas ao pão de Rio Maior ou apenas ao pão vendido pela Apelante?). Não tem adequação esta parte do peticionado.
O n.º 22 não brota de qualquer elemento instrutório colhido, muito menos tal poderia emergir de um quadro comunicacional restrito e fechado como se pretendeu inculcar ao fazer referência aos documentos n.ºs 37 e 38, nos seguintes termos: «ao ponto de esta já ter recebido várias reclamações sobre a qualidade de produtos vendidos como sendo «Pão de Rio Maior» que, afinal, não foram produzidos pela Recorrente».  Desconhece-se, aliás, quantas sejam «várias reclamações» e seu relevo no universo representado pelo mercado específico. Falecem, em absoluto, as razões de procedência.
É difusa, genérica, conclusiva, desgarrada de factores numéricos, irrelevante para a perspectiva técnica que se impunha assumir neste estrito recurso de marca, que nada tem de acção declarativa e que deve assumir como objecto único as condições de procedência do recurso avaliado em primeira instância e do aí decidido, a afirmação n.º 23. Não pode ser acolhida a pretensão a ela atinente.
Os n.ºs 24 a 29 não têm qualquer relevo no âmbito técnico mencionado, que é o relativo às condições de registrabilidade da marca nacional nº 639944 «PÃO DE RIO MAIOR». Não podiam, consequentemente, ser incluídos entre os factos dados como assentes.
O alegado juízo de terceiros, ainda que demonstrado, não poderia ser incluído entre os factos provados. É o Tribunal que tem que avaliar a factualidade relevante, entre a qual não se conta a afirmação n.º 30, pelo que improcede a respectiva vertente do sustentado no recurso que ora se avalia.
Quanto às afirmações n.ºs 31 e 32, as mesmas não resultam patenteadas, de forma alguma – nem nunca tal poderia ocorrer atenta a natureza meramente informativa e subjectiva do texto – pelos documentos n.ºs 28, 29 e 30 (aparentemente extraídos de uma página de Internet do «Turismo de Rio Maior») nem dos documentos juntos às alegações de recurso em primeira instância com o n.º 31 e 32 (simples artigos de revista que nunca poderiam substituir um juízo de avaliação fáctica rigoroso e equidistante de um Tribunal e que não espelham a postura da comunicação social mas apenas dessas revistas). Não emergem, também, de quaisquer outros elementos juntos aos autos.
A afirmação n.º 33, além de não possuir relevo para a decisão, não tem esteio em quaisquer elementos constantes dos autos. Acresce que, tal como foi redigida, corresponde a conclusão fáctica inadmissível de ser incluída, travestida de facto, na fundamentação. Desconhece-se o que seja imprensa especializada em pão, não é atingível como a parte construiu a conclusão e não tem, consequentemente, sentido técnico o pretendido. Caso revelasse interesse a factualidade subjacente à conclusão alinhada, o que teria que ser alegado e demonstrado era que as publicações P1, P2e P3, dos países A, B e C e as publicações P4, P5 e P6 editadas em Portugal, se dedicam exclusivamente ou de forma central e especializada à industria de panificação e manifestaram, nos dias D1, D2 e D3 as opiniões X, Y e Z sobre a Recorrente e sua actividade. Improcede o pretendido.
A afirmação 34 é conclusiva: facto seria ter a Universidade U levado a cabo, no período temporal T, um estudo sobre a Recorrente (facto improvável por não se divisarem motivos para se realizarem estudos de investigação científica sobre uma sociedade comercial) e sobre o pão de Rio Maior (certamente sobre a sua composição química, que, para merecer estudo, sempre teria que ultrapassar os componentes do milenar e bem conhecido pão). Acresce que, cumprida a obrigação de alegar factos e não conclusões, ainda assim, sempre estaríamos perante facto irrelevante para as finalidades do recurso de marca apreciado em primeira instância e agora objecto de reanálise. Não tem adequação nem sustentação esta parte do recurso.
A afirmação, vaga e generalizante, feita no ponto 35 não tem esteio em elementos instrutórios incorporados nos autos, apelando-se, aliás, de forma conclusiva, a um juízo praticamente impossível, que pressuporia conhecer as opções de todos os consumidores e implicaria saber quem são os parceiros comerciais da Recorrida e suas leituras individuais. É manifestamente destituída de sentido esta parte do recurso.
A afirmação 36 não contém qualquer referente fáctico. Apenas corporiza uma conclusão. Só factos são susceptíveis de ser levados à fundamentação fáctica das decisões judiciais – vd., designadamente, os n.ºs 3 a 5 do art. 607.º do Código de Processo Civil. Não tem, a referida afirmação, qualquer lugar entre os factos provados, o que ora se declara.
Face ao exposto, julga-se totalmente improcedente a parte do recurso avaliada e, em consequência, responde-se negativamente à questão sob ponderação.

Vem provado que:
1- Em 14/03/2020, a recorrente apresentou o pedido de registo em Portugal da marca internacional nº 639944   , para assinalar na classe 30 da Classificação Internacional de Nice: «PÃO FRESCO; PÃO PRÉ-COZIDO»;
2- 2 – A recorrida reclamou do registo e a recorrente contestou e ainda houve exposição suplementar. Cfr. doc 2 junto pela recorrente, fls. 19v e ss e doc 3 junto pela recorrente, fls. 25v. e ss. e doc 4 junto pela recorrente;
3- Por despacho de 04/12/2020, o Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, indeferiu, tal pedido de registo invocando a ausência de capacidade distintiva da marca, uma vez que é apenas constituído por elementos que se limitam a indicar a espécie de produto que se pretende assinalar (pão) e a proveniência geográfica da mesma (Rio Maior, cidade portuguesa do Ribatejo);
4 - A recorrente é ainda titular da marca nº 423454 , pedida em 01/11/2007, e concedida em 28/02/2008, para assinalar na classe 30 da Classificação Internacional de Nice «Pão»;
5- A recorrida é titular da marca nº 548567 PÃO DE RIO MAIOR MAGIRUS, pedida em 03/06/2015 e concedida em 02/09/2015 para assinalar na classe 30 da Classificação Internacional de Nice «Pão»;
6 – A recorrente pediu a invalidade da marca da recorrida nº 548567;
7 – A recorrente é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 09/10/1990e que tem por objecto social o ‘Comércio e Indústria de Panificação e Confecção de Bolos’;
8 – O pão de Rio Maior veio a ser objecto de especificação técnica SGS ICS FDBBME-22, emitida em Fevereiro 2014 e em Novembro de 2018, doc 8 junto pela recorrente;
9 – O pão de Rio Maior produzido pela recorrente foi sujeito a inspecções realizadas pela SGS ICS que atestaram a sua conformidade com as especificações técnicas SGS ICS FD-BBME-22;
10 – A recorrente tem feito investimentos relativos à segurança organizacional e alimentar;
11 – A recorrente recebeu da Sonae a menção honrosa do prémio inovação em 2011;
12 – A recorrente tem promovido os seus produtos na televisão, em feiras;
13 – A recorrente publicita a sua marca   através de carrinhas, equipamentos de futebol, redes sociais.

Fundamentação de Direito
2. O disposto no artigo 43.º, n.º 3, do CPI deve ser interpretado e aplicado à luz dos princípios conformadores do processo civil, nomeadamente, os princípios do inquisitório e da adequação formal, consagrados nos artigos 411.º e 547.º do CPC, permitindo, sendo caso disso, a produção de prova durante o recurso das decisões do INPI que o reclamem?
O n.º 3 do art. 43.º do Código da Propriedade Industrial impõe um regime de compressão temporal e demonstrativa que atende à natureza de impugnação judicial do processo aí regulado, distinta da acção declarativa, e às especificidades dos recursos de marca, assinalados por um debate essencialmente técnico esteado, por regra, em factos de emanação registral e elementos verbais inscritos. Por isso aí se determina que se passe directamente da resposta às alegações de recurso para a decisão final sem intermediação de uma fase instrutória autónoma.
Se dúvidas houvesse sobre a vontade do legislador de proscrever um período autonomizado de produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento, elas sempre seriam dissipadas pela fixação de um prazo imediato de 30 dias para a prolação da decisão de avaliação do recurso e pela circunscrição de um regime de excepcionalidade à colheita probatória referida no art. 44.º do mesmo encadeado normativo afirmando-se, assim, que excepção ao regime do art. 43.º é, apenas, o emergente do preceito imediatamente subsequente.
Este regime, porém, ter que ser enquadrado no sistema normativo global em que se insere, no qual predominam as normas adjectivas vertidas no Código de Processo Civil erigidas com finalidades garantísticas e de tutela dos interesses axilares que subjazem à imperatividade constitucional, de Direito da União Europeia e de Direito Internacional pactício, orientadas para a garantia do acesso pleno ao Direito e aos Tribunais.
Entre essas normas avultam e dominam os arts. 411.º e 547o. do C.P.C., a primeira enunciando o princípio do inquisitório e a segunda o da adequação formal que, cruzados e conjugados, geram a figura de um juiz activo, envolvido no resultado da colheita probatória, bem distante de um mero espectador pairando sobre o processo de forma imóvel e passiva.
Neste âmbito, em Silva, Pedro Sousa  (2020), Direito Industrial - 2ª Edição, Almedina, Coimbra (VitalSource Bookshelf version), pág. 572, encontra-se referência acertada ao que importa tutelar no quadro da referida intervenção do julgador (não só oficiosa mas também eventualmente motivada por requerimento de parte). Efectivamente, as necessidades de descobrir a verdade material e bem decidir a causa são as pulsões que devem presidir à criação de uma excepção ao regime do art. 43.º, não emergente do quadro já excepcional constante do art. 44.º do Código da Propriedade Industrial.
Este percurso analítico conduz-nos a uma resposta afirmativa à questão proposta.
Porém, tal resposta não gera automatismos, ou seja, não impõe a imediata procedência do recurso porquanto, como se viu, o Tribunal não pode prescindir de uma análise muito fina e rigorosa da materialização de uma excepcional necessidade instrutória a aferir à luz das carências de instrução complementar motivadas pela vontade de obter acesso à verdade e bem decidir (bem como de gerar equidade processual, conforme enunciado no art. 547.º do Código de Processo Civil).
E é a este nível que se impõe deixar pendente das respostas a dar às duas questões derradeiras a eventual extracção de conclusão no sentido de dever ser anulada a decisão impugnada e ordenada a colheita de prova complementar com tal fundamento.
Nada mais há, pois, a acrescentar nesta sede.
3. A norma resultante da interpretação do disposto no artigo 43.º, n.º 3, do CPI, no sentido de que o processo de recurso das decisões do INPI não comporta, em caso algum, fase instrutória e, nomeadamente, produção de prova testemunhal, é inconstitucional, por violação dos direitos fundamentais à tutela jurisdicional efetiva, a um processo justo e à prova, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, e, bem assim, do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 3, da CRP, devendo, por isso, ser desaplicada?
A resposta dada à questão anterior retira substracto avaliativo às questões de constitucionalidade já que a solução atingida respeita rigorosamente os comandos emergentes do travejamento constitucional relativos à garantia de acesso ao Direito e de tutela jurisdicional efectiva enunciados nos n.ºs 1 e 4 do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa nem gera qualquer desproporção relevante ao nível da Lei Fundamental.
4. A marca «Pão de Rio Maior» tem caráter distintivo, reconhecido pelos consumidores, comerciantes do sector e entidades terceiras, que associam essa marca diretamente à Recorrente, e não a qualquer pão de trigo tradicional produzido em Rio Maior?
Esta questão abrange os dois problemas analisados na sentença, a saber, o da existência de capacidade distintiva no que se reporta à marca registranda e o relativo à materialização de um quadro de excepção asssinalado pela aquisição de um segundo sentido (no jargão específico de língua inglesa, «secondary meaning»).
O signo verbal por cuja capacidade diferenciadora se porfia corresponde à expressão «Pão de Rio Maior».
Quanto a esta expressão, não oferece dúvidas que apenas aí se contêm dois referentes ideológicos, a saber, um atinente a um produto, o pão (vocábulo e conceito básico, central na vida dos cidadãos, integrante do pequeno núcleo das palavras primárias e mais remotamente aprendidas pelos falantes da língua portuguesa), e a uma proveniência, a saber, a localidade de Rio Maior.
Não merece qualquer hesitação a conclusão no sentido de que se trata de uma expressão totalmente destituída de eficácia distintiva e meramente descritiva.
Estamos perante proposta de marca plenamente justificativa de decisão de recusa de registo nos termos do lapidarmente enunciado na al. b) do n.º 1 do art. 231.º do Código da Propriedade Industrial.
A aludida expressão não satisfaz, claramente, os requisitos enunciados no art. 208.º do mesmo Código por preencher a previsão das als. a) e c) do art. 209.º do mesmo encadeado de preceitos.
Por referência à questão n.º 2, importa referir que este quadro não é salvável por convocação de quaisquer elementos instrutórios, pelo que nunca se justificaria a admissão, a tal propósito, de qualquer prova testemunhal.
Restaria a problemática do «secondary meaning».
O n.º 2 do art. 209.º do C.P.I. permite, excepcionalmente, o registo interditado nos termos que se acabou de enunciar quando, na prática comercial, o sinal tiver adquirido eficácia distintiva.
Porém, não se deve entender que o faz de forma ilimitada e não criteriosa. E esses limites são os que atendem a interesses manifestamente superiores, relativos à vida em sociedade, ao mercado e ao bom funcionamento da economia que se quer proteger através do regime da propriedade industrial.
Em concreto, impõe-se obstar a que qualquer projecto individual e privado se aproprie de palavras de uso comum e, in casu, de relevo civilizacional e axilares na vida quotidiana. Não é admissível que se atribua à Recorrente a exclusividade do uso da palavra «pão». Tal fecharia o mercado respectivo de forma intolerável.
Dir-se-á: «mas a marca proposta ostenta também uma referência toponímica que revela não se estar perante qualquer tipo de pão mas apenas o pão de uma determinada localidade!» (mas todo o pão dessa localidade, não permitindo que mais nenhum concorrente fabrique «pão de Rio Maior»). A resposta que se impõe dar a esta observação é a de que, também a esse nível, se nota uma intolerável apropriação com encerramento de mercado, por força do assenhoramento do significado primário do produto.
É justamente tendo em vista esse mercado que se tem que reconhecer acerto ao afirmado por Luís M. Couto Gonçalves na sua obra «Função Distintiva da Marca», Almedina, Coimbra, 1999, pág. 80, nos seguintes termos: «Assim, uma denominação geográfica só pode ser utilizada como marca individual, se for adoptada de um modo arbitrário ou fantasioso, se se reportar a um domínio territorial privado ou se se limitar a sugerir, de uma forma inabitual, a origem do produto (marca geográfica expressiva)».
A aquisição de segundo sentido, no caso em apreço, envolveria a total indisponibilidade ulterior de signos primários e básicos e um encerramento do mercado a um nível genésico e com efeitos estranguladores da actividade económica associada. Todo o fabrico de pão em nome de uma localidade, mas com mercado de dimensão nacional, ficaria atribuído a uma única empresa privada. Nenhuma actividade ulterior seria possível em virtude da apropriação da alma do produto, ou seja, da sua essência corporizada no seu próprio género, criando um efeito de «terra queimada».
A propósito da ausência de relevo do sentido secundário ou segundo sentido no que se reporta aos sinais genéricos, é feliz o enunciado doutrinal de Marchio Sordelli, citado pelo referido autor, ibidem, página 89, nos seguintes termos: «para poder ter lugar, no caso de sinais genéricos, um fenómeno de secondary meaning teria de  ocorrer "uma anulação própria do significado primário da palavra e não, apenas, a sua modificação o que faria com que o titular da marca ficasse numa situação "de monopólio em relação ao significado primário"».
A este nível, é também tecnicamente aceitável a subsunção da situação em apreço ao disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do Código da Propriedade Industrial, proposta pela Recorrida. Com efeito, estamos perante sinal constituído pela própria natureza do produto (é natureza do produto ser pão e ser pão de Rio Maior).
Ora, a interdição registral emergente de tal alínea não é salva pela aquisição de um segundo sentido, conforme emerge do n.º 2 do art. 209.º. E por boas razões. Trata-se de mera atenção à inelutabilidade, à imposição natural (in casu, operada pela essência do produto e pela sua origem geolocalizada).
A este propósito e em sentido confirmativo da análise que se faz, revelam grande importância as referências doutrinais e jurisprudenciais lançadas com acerto nos artigos 25.º a 34.º da douta resposta às alegações de recurso. Só o entendimento aí enunciado e sustentado permite atender aos grandes interesses macro-económicos que suportam as regras do direito de marcas em apreço.
Do dito brotam duas consequências:
1. A primeira é a de que não se justificava, no descrito quadro de falência flagrante do recurso à figura admitida pelo n.º 2 do art. 209.º do Código da Propriedade Industrial, o apelo à adequação formal e ao inquisitório judicial para prolongar o debate e a análise; os interesses da boa administração da justiça não reclamavam o recurso excepcional a esforço instrutório complementar, assim recebendo cabal resposta a questão n.º 2;
2. A segunda é a de que se impõe responder negativamente à pergunta sob análise e a toda a lógica argumentativa a ela subjacente.
Improcede, seguramente, esta vertente do proposto para análise no recurso.
5. Não obsta ao registo da marca nacional n.º 639.944 o facto de a Parte Contrária ser titular da marca nacional n.º 548.567, uma vez que esta marca foi registada para gerar confusão entre a Recorrente e a Parte Contrária, entre os seus produtos e a suas marcas?
A resposta à questão anterior retira interesse analítico à presente pergunta e confere carácter ocioso a qualquer esforço de esclarecimento do perguntado, logo converte em legalmente inadmissível a sua ponderação face ao princípio da economia processual enunciado no art. 130.º do Código de Processo Civil.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente nos termos sobreditos e, em consequência, negamos provimento ao recurso e confirmamos a decisão impugnada.
Custas pela Recorrente.
*
Lisboa, 07.09.2022
Carlos M. G. de Melo Marinho
Paula Dória de Cardoso Pott
Eleonora M. P. de Almeida Viegas