Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
774/22.8T8FNC.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
LINGUAGEM
GESTOS OBSCENOS E PROVOCATÓRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: IAs relações laborais devem processar-se num ambiente de mútuo respeito.
Como tal, não tem ali cabimento linguagem e gestos obscenos e provocatórios dirigidos por um trabalhador a um colega , desde logo, porque essa conduta é susceptível de afectar o bom ambiente de trabalho.


(Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.



AAA intentou [1] acção, com processo comum, contra ACP– Serviços, Ldª.

Pede que se julguem  ilícitas e abusivas as sanções disciplinares que lhe foram aplicadas de 8 (oito) e 9 (nove) dias de suspensão da prestação de trabalho, com perda de retribuição e antiguidade.

Também solicita que a Ré seja condenada a pagar-lhe :
€ 542,98 a título de perda remuneratória pelo cumprimento das duas sanções disciplinares de suspensão do trabalho;
€ 500,00 a título de despesas que teve de suportar, com a contratação de advogado para a defesa no processo disciplinar;
€ 6.500,00 a título de compensação pelos danos morais que sofreu durante o período decorrido desde Dezembro de 2017, até à presente data.
Tais montantes totalizam  € 7.542,98, que devem ser  acrescidos de juros legais desde a data de vencimento até integral pagamento.
Alega, em síntese, que é trabalhador da Ré nos termos e condições que enuncia.
Foi alvo de processo disciplinar com a aplicação de sanção que identifica num total de dezassete (17) dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade.
Não cometeu qualquer infracção disciplinar, sendo que a mesma prescreveu.
Descreve as circunstâncias que antecederam o processo disciplinar, na sequência de situação de doença com comportamentos pressionantes e de assédio do seu superior hierárquico.
Pugna pela invalidade do processo disciplinar e pela caducidade do direito da acção disciplinar, uma vez que a comunicação de instauração do processo disciplinar não identifica os responsáveis pela gerência bem como pelo referido procedimento.
O direito de consulta do processo e resposta foi fixado em apenas 10 dias.
Conclui que o processo, além de infundado, foi instruído de forma leviana, com grave limitação do seu direito de defesa.
A Ré visava a aplicação de sanção de despedimento.
A prova dos factos cabe à Ré.
A acusação foi feita com base em acusações genéricas e vagas, insusceptíveis de sustentar a aplicação de qualquer sanção.
Impugna os factos que lhe são imputados.
Defende que o exercício da condução não se compadece, nem é compatível com o exercício dos gestos descritos, bem como com as expressões  em causa que se reportam a uma operação de medição corporal.
A justa causa não se basta com uma actuação ou comportamento seu, sendo exigível a existência de um grau de gravidade que não ocorre.
Descreve a sua situação familiar e o impacto que o processo teve na sua vida.
Enuncia os danos que sofreu.

Em 10 de Março de 2022, realizou-se audiência de partes.[2]

A Ré contestou.[3]

Pugna pela ocorrência das duas situações que imputa ao Autor.

Descreve-as e sustenta  que justificaram a aplicação das sanções
disciplinares.
O  Autor passou a assumir uma atitude hostil e persecutória quanto ao Sr. XXX, o que constitui assédio e viola o Código de Ética e Conduta do Grupo (…) com a agravante de a mesma ter ocorrido durante o serviço.
Em relação à pretensa caducidade refere que as infracções ocorreram em Janeiro e o Autor recebeu a nota de culpa a 26 de Fevereiro.
Afirma a inexistência de pressão sobre o Autor.
O facto de se propor a cessação do contrato de trabalho não pode ser entendido como uma forma de pressão.
Desconhece a situação clínica do Autor.
Sustenta a improcedência da invalidade do procedimento disciplinar bem assim como a caducidade do direito da acção disciplinar.
O  Autor não invoca qualquer facto susceptível de comprometer a validade do processo.
Pugna pela existência de prova.
O  Autor foi alertado pelo responsável para a inadmissibilidade do seu comportamento.
Contudo, ignorou  tal advertência.
Impugna os alegados danos .
Entende ter exercido o poder disciplinar de forma adequada, justa e proporcional.
Conclui pela improcedência da acção.
Juntou processo disciplinar.
Em 4 de Julho de 2022, realizou-se audiência prévia.[4]
Em 8 de Julho de 2002:[5]
fixou-se o valor da causa em €  7.542,98.
foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram  improcedentes a excepções de invalidade do procedimento disciplinar e de caducidade do direito disciplinar.
não se selecionou a matéria de facto.

Em 13 de Setembro de 2022, realizou-se julgamento que foi gravado.[6]

Em 24 de Outubro de 2022, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo:[7]
«Nestes termos, tudo visto e ponderado, julgo a acção, improcedente por não provada e, consequentemente absolvo a Ré do pedido.
*
Custas a cargo do Autor.
Registe e notifique.» - fim de transcrição.

As notificações da sentença foram expedidas em  25 de Outubro de 2022 , data em que o MºPº também foi notificado.[8]

Em 13 de Dezembro de 2022, o Autor recorreu.[9]
Concluiu que:
(…)
Defende, em suma, que o recurso deve proceder.

Em 30 de Janeiro de 2023, a Ré contra alegou.[10]
Concluiu que:
(…)
Como tal, sustenta a confirmação da sentença com a sua absolvição.

Em  13 de Fevereiro de 2023, foi proferido o seguinte despacho:[11]
«Por ser tempestivo, legalmente admissível e tendo o recorrente legitimidade para o efeito, que é de apelação e sobe imediatamente, nos termos dos artigos 79º-A, n.º 1, alínea a), 80º, 81º, n.º 1 e 82º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Notifique.
Subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa. » - fim de transcrição.

O Exmº Procurador Geral Adjunto lavrou o seguinte Parecer:
«
Na sentença sob recurso, e com base na factualidade dada como provada, procedeu-se a uma correta análise das questões suscitadas nos autos, com uma apreciação, apoiada na jurisprudência, sobre as infrações disciplinares e as sanções disciplinares, em termos convincentes.
A matéria de facto mostra-se adequadamente apreciada, tendo sido corretamente aplicadas as normas legais aos factos dados como provados quanto aos vários aspetos de direito que foram apreciados, ou seja quanto à qualificação dos comportamentos do autor, em dois momentos diferentes, como constituindo infrações disciplinares, e à adequação e proporcionalidade das sanções aplicadas a cada uma delas pela entidade empregadora.
Carecendo, por isso, de fundamento o recurso do autor apelante, o mesmo não merece provimento.
Assim sendo, o Ministério Público é de parecer de que deve ser proferida decisão que julgue a apelação improcedente e que confirme a sentença recorrida.» - fim de transcrição.

Foram colhidos os vistos.

Nada obsta ao conhecimento.

****
Eís a matéria de facto dada como assente [que se mostra impugnada}:
1.O Autor tem uma relação laboral com a Ré desde 26.10.2000, desempenhando funções de motorista de pesados, na Região Autónoma da Madeira.
2.–Por carta registada com aviso de recepção datada de 23.02.2021, a Ré remeteu nota de culpa, com intenção de proceder ao despedimento com justa causa, com suspensão sem perda de retribuição.
3.–O Autor respondeu à nota de culpa, por carta registada com aviso de recepção datada de 12.03.2021.
4.–Por decisão da Ré de 04.05.2021 foi aplicada ao Autor sanção disciplinar de 17 dias de suspensão da prestação de trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, sendo 8 dias pela infracção disciplinar de 24.01.2021 e 9 dias pelas infracções cometidas em dois momentos diferentes do dia 30.01.2021.
5.–No dia 24 de janeiro de 2021, cerca das 15H00, o motorista YYY e o ajudante de motorista XXX encontravam-se a verificar as respectivas temperaturas com o aparelho de medição de temperatura corporal disponibilizadas pela Ré, para utilização diária, durante a pandemia Covid19.
6.Ao vê-los, o Autor dirigindo-se ao primeiro na presença do segundo, disse, num tom azedo e satírico, para medir a temperatura deste não na testa, mas “metendo a máquina no cu dele”.
7.Nesse mesmo dia, o Sr. XXX contactou telefonicamente o Encarregado, Sr. WWW, seu superior hierárquico, a quem relatou os factos acima descritos, queixando-se daquele comportamento do Autor e do quanto este o vem constrangendo e desestabilizando há vários anos com atitudes como aquela, o que vinha suporta(n)do com grande angústia e stress.
8.–No dia 27.01.2021, o Encarregado, Sr. WWW confrontou o Autor com o sucedido, tendo o Autor admitido ter procedido nos termos acima relatados.
9.– O Sr. WWW alertou o Autor para o facto de estar obrigado a tratar todos os colegas de trabalho com respeito e disse-lhe que a conduta que assumira para com o colega XXX não era admissível nem tolerável.
10.–Após o que lhe determinou expressamente que parasse de insultar o colega XXX ou de fazer insinuações acerca dele.
11.–No dia 30 de Janeiro de 2021, o Sr. WWW foi novamente contactado pelo Sr. XXX, que o informou de que o Autor continuava a incomodá-lo com insinuações e gestos desrespeitadores, e que estava a ponderar participar a situação às autoridades policiais por já não aguentar mais a violência psicológica e a humilhação a que vinha sendo sujeito durante os seus dias de trabalho.
12.Nesse dia, o Autor dirigindo-se ao Sr. XXX, numa ocasião, fizera gestos obscenos com o polegar e o indicador, formando uma circunferência, simulando o coito anal, referindo-se dessa forma à medição de temperatura "no cu”.
13.Tal ocorreu quando as viaturas ocupadas por ambos se cruzavam na VRI.
14.–Nessa ocasião o Autor encontra-se ao serviço da Ré, ao volante de um dos veículos desta e com a farda da Ré.
15.–Os referidos gestos do Autor dirigidos ao Sr. XXX foram presenciados pelo Sr. YYY que conduzia a viatura da R. acompanhado pelo Sr. XXX.
16.Ainda durante a tarde desse mesmo dia 30 de Janeiro de 2021, quando o Sr. YYY telefonou ao Autor para tratar de assunto relacionado com o intervalo de descanso deste, a chamada "pausa para refeição", o Autor perguntou-lhe, de forma insinuosa, se a temperatura do colega XXX estava boa, ao mesmo tempo que se ria do mesmo.
17.–O Autor e o Sr. XXX tiveram um conflito laboral em 2015.
18.–Em datas não concretamente apuradas, a Ré abordou o Autor no sentido de chegarem a um acordo de cessação do contrato de trabalho do Autor.
19.–O Autor apresentou atestados de incapacidade para o trabalho à Ré: de 08.08.2020 a 07.07.2020; de 07.08.2021 a 05.09.2020; de 03.05.2021 a 14.05.2021; de 23.,08.2021 a 21.09.2021 e de 22.09.2021 a 21.10.2021.
20.O Autor suportou com a contratação de um advogado a quantia de 500€ em 04.03.2021.

*
Mais se consignou:
«
A demais factualidade resultou como não provada, nomeadamente que:
A restante matéria alegada nos articulados constitui matéria de direito, de impugnação, conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa, pelo que não se responde à mesma. » - fim de transcrição.

*
A motivação logrou o seguinte teor:
(…)

*

É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do CPC [12]  ex vi do artigo 87º do CPT).

Mostra-se interposto um  recurso pelo Autor.

Nas suas conclusões suscitam-se duas questões.

*

A primeira  vertente do recurso consiste na impugnação da matéria de facto.

O recorrente sustenta que:
se desvalorizou , sem fundamento, e como tal arbitrariamente , os  depoimentos prestados pelas suas  testemunhas e valorizou-se de forma excessiva, roçando a parcialidade, os depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré;
a redacção da matéria apurada é parcial , sendo que considera  provados factos apenas com base nas declarações/conhecimento indirecto do superior hierárquico do Autor , dando-lhe maior relevo do que aos depoimentos de testemunhas presenciais;
omitiu-se na matéria de facto vários factos relevantes, e provados com recurso à prova testemunhal produzida em julgamento;
os factos dados como assentes em 6 e 7 [
6.-Ao vê-los, o Autor dirigindo-se ao primeiro na presença do segundo, disse, num tom azedo e satírico, para medir a temperatura deste não na testa, mas “metendo a máquina no cu dele”.
7.-Nesse mesmo dia, o Sr. XXX contactou telefonicamente o Encarregado, Sr. WWW, seu superior hierárquico, a quem relatou os factos acima descritos, queixando-se daquele comportamento do Autor e do quanto este o vem constrangendo e desestabilizando há vários anos com atitudes como aquela, o que vinha suporta(n) do com grande angústia e stress.]

] devem passar a ter a seguinte redacção:

6.- Ao vê-los, o Autor dirigindo-se ao primeiro na presença do segundo, para medir a temperatura deste, não na testa mas “no cu dele”.
7.- Nesse mesmo dia, o Sr. XXX contactou telefonicamente o Encarregado, Sr. WWW, seu superior hierárquico, a quem relatou os factos acima descritos, queixando-se daquele comportamento do Autor.

Mais sustenta que os factos dados como assentes sob os nºs 12 e 13
[
12.-Nesse dia, o Autor dirigindo-se ao Sr. XXX, numa ocasião, fizera gestos obscenos com o polegar e o indicador, formando uma circunferência, simulando o coito anal, referindo-se dessa forma à medição de temperatura "no cu”.
13.-Tal ocorreu quando as viaturas ocupadas por ambos se cruzavam na VRI.] devem considerar-se  como não provados.
A seu ver, resulta da prova gravada, nomeadamente das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas XXX e YYY, versões distintas sobre o mesmo acontecimento, sendo certo que o Autor nega a sua ocorrência.
Havendo dúvidas quanto à prova de determinado facto e atendendo ao princípio in dúbio pro reu, subjacente também aos ilícitos disciplinares, devem os pontos de facto nºs 12 e 13 passar a não provados.

O Recorrente também impugna o facto nº 16 [

16.-Ainda durante a tarde desse mesmo dia 30 de Janeiro de 2021, quando o Sr. YYY telefonou ao Autor para tratar de assunto relacionado com o intervalo de descanso deste, a chamada "pausa para refeição", o Autor perguntou-lhe, de forma insinuosa, se a temperatura do colega XXX estava boa, ao mesmo tempo que se ria do mesmo] .
Nesse particular, constata-se que em sede conclusiva o recorrente ,embora refira o ponto de facto em causa (conclusão nº 5 – fls. 157 v)  não menciona  aquilo que pretende a tal título, ao invés do que faz em relação aos factos nº s 12 e 13 (vide conclusão nº 8  a fls. 157 v), sendo que como justificação apenas refere erro na apreciação da prova.
Contudo,  decorre das alegações que o recorrente entende que o ponto de facto em causa deve ser dado como não provado [vide fls. 154 a 156 v].

Segundo aresto do STJ, de 1 de Outubro de 2015, Processo nº  824/11.3TTLRS.L1.S1, da  Secção Social, Relatora Conselheira  Ana Luísa Geraldes, acessível em www.dgsi.pt
I–No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II–Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III–Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV–Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1 constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação.  » - fim de transcrição.

Tanto basta para , igualmente , em relação ao ponto de facto nº 16  se reputar observado o disposto no artigo 640º do CPC[13].

****

Passando a apreciar o recurso, cumpre , a  título  introdutório , referir que segundo o  STJ  impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação  , tal como a prova testemunhal, com observância dos requisitos previstos no artigo 640º do NCPC[14], cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e reflectir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, nos termos do art. 662º ( vide vg: acórdão de 11-02-2016, proferido no âmbito do processo nº  907/13.5TBPTG.E1.S1, Nº Convencional,  2ª Secção, Relator  Conselheiro Abrantes Geraldes , acessível em www.dgsi.pt[16]).
Respeitando  tal entendimento, sempre acrescentaremos que como se referiu em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2008[17] [18]:
“o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento (…)”.          
Em sentido idêntico , aponta  a Conselheira  Ana  Luísa Geraldes [19]quando refere  que em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». 
Mais à frente refere: 
«O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade».
                  
Na realidade, a imediação obtida na Relação nunca é igual a lograda  em 1ª instância, mesmo nos casos – o que  nos presentes autos não ocorreu - em que se passe a gravar  as audiências em vídeo para além do actual  áudio; o que com as alterações introduzidas  pelo  DL n.º 97/2019, de 26/07, se tornou possível [20][21].[22]

Daí  que, a nova convicção a operar na Relação (a qual no mínimo implica que o julgamento tenha que ser ouvido[23] na íntegra, como aqui se fez; basta relembrar o principio da aquisição processual….)  não possa deixar de ter em conta a operada e descrita pela 1ª instância, não  fazendo dela tábua rasa.

Na situação em exame a prova testemunhal e documental  produzida afigura-se ser de livre apreciação.

Segundo o  Professor  Manuel de Andrade [24]de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o que torna provado é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens, não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas.

Uma coisa é certa não se alcançam certezas absolutas.

A verdade que se alcança é a verdade processual.

Nas palavras de Abrantes Geraldes tratando-se de um julgamento humano, o tribunal deve guiar-se sempre por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, inatingível.[25]
Para que a impugnação de facto proceda, é, pois, necessário que as provas indicadas pelo(s) recorrente(s), bem como todas as outras que foram produzidas, imponham, quanto à matéria impugnada, uma decisão diversa da proferida.

Mais se consigna que se ouviu na íntegra o julgamento [excepção feita às alegações por não constituírem meio de prova]  por  forma a permitir uma visão global da prova produzida em julgamento, conjugada com a restante que consta dos autos, evitando-se dessa forma  descontextualizações.

Analisada a prova diremos que se concorda, em termos genéricos,   com a motivação exarada em 1ª instância

Para resposta à base instrutória da forma supra, o Tribunal tomou em consideração todas as provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento.

Foi fundamental para a fixação da factualidade o depoimento das testemunhas (…) e YYY, que presenciaram os factos ocorridos a 27 de Janeiro, concretamente a expressão utilizada pelo Autor e o tom em que o mesmo a fez.

O descrito foi confirmado pelo próprio visado e pelo Autor ouvido em declarações, sendo que este último negou o sentido que lhe foi dado, o que não foi de molde a criar convicção.

De notar que segundo todas as testemunhas ouvidas, colegas do Autor, foi confirmado que o Autor e o visado XXX não têm boa relação. E, apesar de algumas delas terem afirmado que o Autor tem o hábito de brincar ((…)(…)(…)(…)(…)), usando este tipo de linguagem, o descrito não foi de molde a permitir concluir que o Autor o faz de forma uniforme, com todos de forma diferenciada, mas antes que este tipo de comportamento é dirigido ao seu colega e visado em causa XXX.

Aliás, que segundo a testemunha YYY, fruto da má relação que tinham, não era normal o Autor falar com o visado XXX.

Igualmente foi com base no depoimento da testemunha YYY que se apurou os gestos efectuados pelo Autor quando se cruzou com a viatura em que seguia o visado XXX e esta testemunha.

E, nem se diga, como pretende o Autor que a condução na via rápida não se compadece com a realização de tais gestos, pois atentas as regras de experiência comum e de normalidade a actividade de condução permite, ainda que não legal, a realização de diversas outras actividades ao mesmo tempo.

Assumiu ainda relevo o depoimento da testemunha WWW, encarregado de patrulhamento do Autor, o qual relatou os factos sucedidos e as abordagens que fez ao Autor, bem como que era do conhecimento daquele o Código de Conduta vigente na Ré.

A Ré afirma que as condutas imputadas ao Autor se inserem num quadro de repetição e assédio.

A este nível e conforme já se deixou dito, resultou apenas que o Autor e o visado não têm boas relações, mas não se apurou em concreto os motivos nessa base, nem factualidade que permita concluir por uma repetição ou assédio, conforme conclui a Ré.

A factualidade apurada e descrita pelas testemunhas não permitiu firmar tal convicção.

A factualidade não provada resultou como não provada, nomeadamente a alegada pelo Autor quanto a pressão da Ré e aos problemas clínicos de que padece, por ausência de prova positiva que a demonstrasse.

Documentalmente considerou-se o processo disciplinar, os certificados de incapacidade juntos pelo Autor e o recibo dos honorários do advogado.

A prova documental carreada foi apreciada pelo Tribunal, à luz da regra da livre apreciação, nos termos do disposto no artigo 366º, do Código Civil.

Os meios de prova que se descriminaram foram todos conjugados, confrontados e entrecruzados, procurando-se encontrar os pontos de confluência e de coerência dos mesmos, sendo a resposta o resultado da sua ponderação global. » - fim de transcrição.], sendo certo que, ao contrário do sustentado pelo recorrente não detectamos que a análise ali levada a cabo tenha, sem fundamento, desvalorizado os depoimentos prestados pelas testemunhas do recorrente e valorizado  forma excessiva os depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré.

Na realidade, com respeito por opinião diversa , afigura-se-nos que os  depoimentos prestados por  (…), (…), (…), (…) e (…)-  sendo certo que nenhum deles assistiu aos factos em causa - irrelevam para o  apuramento da factualidade aqui impugnada, sendo certo que nem sequer se nos afiguraram muito esclarecedores sobre as “brincadeiras” que os trabalhadores da Ré tinham uns com os outros .

Decerto não se pretende (vg) que a referência a chamar “caixote” a um colega se confunde ou tem o mesmo alcance que a matéria aqui em causa.

Por outro lado, é patente que as declarações de parte  devem ser valoradas com as devidas cautelas, o mesmo se considerando, já agora , no tocante ao depoimento do “visado” XXX .

Este último, aliás, na descrição que fez do gesto feito pelo recorrente referido em 12 até foi mais comedido que outra testemunha.

Relevantes sobre o assunto foram os depoimentos de (…) , motorista com o qual o Autor trabalhava em 24 de Janeiro de 2021 que por isso mesmo tinha de lhe medir a temperatura nas instalações da Ré , o qual confirmou  a versão dada como assente, que ,aliás, o Réu não negou de forma frontal o  mesmo se dizendo do prestado por YYY que além do ocorrido nessa data também se referiu ao ocorrido em 31 de Janeiro .

Por sua vez, embora com conhecimento indirecto da factualidade ocorrida em 24 e 31 de Janeiro, sendo que afirmou que nessas datas (ocorridas em fins de semana) não estava a trabalhar, também se revelou importante o depoimento prestado WWW que relatou o que lhe foi contado pelo Autor , as más relações existentes entre os dois trabalhadores em causa  e a chamada de atenção feita ao Autor para tais comportamentos por inadmissíveis.

Seja como for, da  conjugação de todos eles somos levados a deferir a reclamação em relação aos pontos de facto nºs 6 e 7, sendo que se nos afigura que a parte deles que se vai eliminar tem cariz subjectivo e até conclusivo.

Como tal, determina-se que passem a ter a seguinte redacção:
6.-Ao vê-los, o Autor dirigindo-se ao primeiro na presença do segundo, para medir a temperatura deste, não na testa mas “no cu dele”.
7.-Nesse mesmo dia, o Sr. XXX contactou telefonicamente o Encarregado, Sr. WWW, seu superior hierárquico, a quem relatou os factos acima descritos, queixando-se daquele comportamento do Autor; sendo certo que há vários anos que ambos não mantinham relacionamento pessoal nem sequer se cumprimentando.

Todavia, não se vislumbra qualquer motivo para alterar a redacção dos pontos de facto nºs  12 e 13, ou seja:
12.-Nesse dia, o Autor dirigindo-se ao Sr. XXX, numa ocasião, fizera gestos obscenos com o polegar e o indicador, formando uma circunferência, simulando o coito anal, referindo-se dessa forma à medição de temperatura "no cu”.
13.-Tal ocorreu quando as viaturas ocupadas por ambos se cruzavam na VRI.
Em relação à matéria consignada no  ponto de facto nº 16 , sem que se coloque em causa que isso possa ter sucedido, atenta a exiguidade da prova a tal título produzida por terceiros que não a testemunha XXX e o Réu determina-se a sua eliminação.

Vai, pois, em sede de impugnação factual o recurso parcialmente deferido nos aludidos moldes.

****

A segunda questão suscitada no recurso consiste em saber se  reanalisada a factualidade dada como assente [com as introduzidas alterações que não correspondem exactamente às que foram solicitadas] deve considerar-se  que o exercício do poder disciplinar por parte da R. foi desadequado, e as sanções aplicadas desproporcionais a qualquer (eventual) violação dos seus deveres por parte do Autor.
O recorrente  entende que a factualidade apurada não é  susceptível de sustentar a aplicação de sanções disciplinares a um colaborador com um percurso exemplar com mais de 20 anos, sem quaisquer antecedentes disciplinares e ainda que as sanções aplicadas de perda de retribuição e antiguidade, se revestem de carácter abusivo, porquanto se baseiam no facto de não ter aceite uma proposta de cessação de contrato de trabalho, como é livre de fazer.

Sobre o assunto a sentença discreteou:
«
Nos presentes autos, importa analisar a prática de infracção disciplinar imputada ao Autor e da adequação e proporcionalidade da sanção aplicada.
As partes não colocam em causa que entre elas foi celebrado um contrato de trabalho, sendo que a Ré aplicou ao Autor duas sanções disciplinares.
Conforme resulta do artigo 11º, do Código do Trabalho, o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Daqui emergem os poderes de direcção conferidos à entidade patronal, os quais se destinam a sancionar as inobservâncias dos trabalhadores às ordens e instruções do empregador.
Neste sentido, estabelece o artigo 98º, do mesmo Código que “o empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho”.
O poder disciplinar da entidade patronal “traduz-se na possibilidade de aplicação de sanções coactivas aos trabalhadores cuja conduta prejudique ou ponha em perigo a empresa ou não seja adequada a uma correcta efectivação dos deveres contratuais, e justifica-se pela necessidade de manter a disciplina de grupo da comunidade empresarial” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 1996, BMJ n.º 456, pág. 276).
Tem-se referido que o poder disciplinar é, antes de mais, um «poder de gestão» do empregador e não «uma função de justiça» já que aquele poder serve as necessidades da organização em que se insere o trabalhador (Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho; - Comentário às Leis do Trabalho, volume I, pág. 144).
O poder disciplinar do empregador depara-se, porém, com limites porquanto ao trabalhador é dada a possibilidade de reagir contra a sanção que lhe seja aplicada.
O trabalhador pode reclamar para o escalão hierarquicamente superior na competência disciplinar àquela que aplicou a sanção ou recorrer a mecanismos de composição de conflitos previstos em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou na lei.
Paralelamente, pode o trabalhador impugnar judicialmente a sanção aplicada solicitando a sua anulação (artigo 329º, n.º 7 do Código do Trabalho).
Na ausência de um conceito legal de infracção disciplinar no contexto do sistema juslaboral a delimitação das infracções disciplinares é viabilizada pela conjugação do disposto no artigo 128º do Código do Trabalho, que enumera os deveres do trabalhador no contrato de trabalho e no artigo 351º, n.º 2 do mesmo diploma legal, que enuncia as situações passíveis de constituírem justa causa para o despedimento.
Assim, poderá ser qualificado como infracção disciplinar “todo e qualquer comportamento do trabalhador, que viole um dos seguintes deveres: o dever principal de prestação da actividade laboral; os deveres acessórios integrantes e autónomos da prestação de trabalho; outros deveres decorrentes do contrato de trabalho, de instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, ou de regulamento empresarial; e ainda deveres legais e contratuais gerais, bem como deveres resultantes de conceitos indeterminados” (RAMALHO, Maria do Rosário, ob. cit., pág. 626).
A jurisprudência tem vindo a propender para a solução segundo a qual competirá à entidade patronal o ónus da prova dos factos que constituem a infracção disciplinar, sendo certo que esta é um pressuposto necessário do poder de punir do empregador.
Já no que concerne ao elemento subjectivo da infracção disciplinar (a culpa do trabalhador) vigorará a regra decorrente do artigo 799º, do Código Civil, presumindo-se a culpa do devedor que não cumpre a prestação.
Nos presentes autos está em causa a aplicação de duas sanções disciplinares de suspensão de 8 e 9 dias com perda de retribuição ao Autor.
Com relevo apurou-se, resumidamente, que no dia 24 de janeiro de 2021, cerca das 15H00, o motorista YYY e o ajudante de motorista XXX encontravam-se a verificar as respectivas temperaturas com o aparelho de medição de temperatura corporal disponibilizadas pela Ré, para utilização diária, durante a pandemia Covid19. Ao vê-los, o Autor dirigindo-se ao primeiro na presença do segundo, disse, num tom azedo e satírico, para media a temperatura deste não na testa, mas “metendo a máquina no cu dele”.
E que no dia 30 de Janeiro de 2021, o Autor dirigindo-se ao Sr. XXX, numa ocasião, fizera gestos obscenos com o polegar e o indicador, formando uma circunferência, simulando o coito anal, referindo-se dessa forma à medição de temperatura "no cu”.
Tal ocorreu quando as viaturas ocupadas por ambos se cruzavam na VRI.
Nessa ocasião o Autor encontra-se ao serviço da Ré, ao volante de um dos veículos desta e com a farda da Ré.
Ainda durante a tarde desse mesmo dia 30 de Janeiro de 2021, quando o Sr. YYY telefonou ao Autor para tratar de assunto relacionado com o intervalo de descanso deste, a chamada "pausa para refeição", o Autor perguntou-lhe, de forma insinuosa, se a temperatura do colega XXX estava boa, ao mesmo tempo que se ria do mesmo.
No caso não resultou demonstrada a situação de assédio alegada pela Ré, mas ainda assim o comportamento por si, ainda que pontual, repetido em duas ocasiões e após advertência expressa do superior hierárquico, é grave merecendo censura, o que desde já se adianta.
Por outro lado, a abordagem da Ré ao Autor com vista à cessação do seu contrato de trabalho por si não assume relevo.
Na verdade, violou o Autor o dever de “respeitar e tratar (…) os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade”, conforme previsto no artigo 128º, alínea a), do Código do Trabalho.
Este constitui uma manifestação do princípio da boa-fé contratual no cumprimento das obrigações, variando o seu conteúdo com a natureza das funções do trabalhador.
Por conseguinte, o juízo de censura à conduta do trabalhador será mais severo quanto mais elevado for o grau de confiança estabelecido entre as partes, objectivado nas funções confiadas ao trabalhador na respectiva estrutura organizativa da empresa.
É considerado um dever absoluto e, nesse sentido, não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa pode, em determinado contexto, levar a um efeito redutor das expectativas de confiança (Acórdão do STJ de 11.10.1995, publicado na CJ tomo III pág. 277, e da Relação de Lisboa de 08.02.2012, www.dgsi.pt).
No caso em apreço, impõe-se ainda considerar o Código de conduta vigente na Ré, o qual imponha ao Autor uma actuação distinta.
Apurada a infracção disciplinar do Autor, importa então aquilatar da justeza da sanção aplicada à mesma.

Conforme já se disse, temos por certo que a infracção do Autor é grave, pela degradação do ambiente de trabalho, agravado pela circunstância de ser completamente gratuita, donde resulta que sempre lhe seria exigível outro comportamento.

Nestes termos e assim considerando não é menos certo que, face à graduação de sanções disciplinares, a sanção de suspensão com perda de retribuição na medida das aplicadas ao Autor, é adequada e proporcional.

Aqui chegados mostra-se forçoso considerar prejudicado o demais peticionado pelo Autor, o que se decide.

Nestes termos e assim considerando, improcede a acção, por não provada, absolvendo-se a Ré do pedido.» - fim de transcrição.

Já é conhecida a sorte da impugnação factual, sendo que se determinou a eliminação do facto nº 16 e se conferiu redacção diversa aos factos nºs 6 e 7.

Porém,  mesmo com as referidas alterações em sede factual, ainda assim, afigura-se-nos que cumpre manter a sentença recorrida.

É que as relações laborais devem processar-se num ambiente de mútuo respeito.

Assim, não tem ali cabimento linguagem obscena , provocatória  e desbragada  dirigida por um trabalhador quer à sua entidade patronal quer a colegas visto que  a mesma é susceptível de afectar o ambiente de trabalho – vide vg: ac. da Relação de Lisboa, de 16-5-1984, CJ, 1984, Tomo I, pág. 226 citado por Pedro Cruz, A justa causa de despedimento na jurisprudência, Almedina, 1990, pág 74.[26]

Dir-se-á o mesmo no tocante a atitudes incorrectas e conflituosas - ac. da Relação de Lisboa, de  9.7.86, CJ 1986, Tomo IV, pág. 193
No caso concreto, a matéria apurada revela evidente falta de urbanidade para com o colega, sendo que ultrapassa os limites da descortesia, a qual já de si é censurável, tendo cariz patentemente provocatório .

As condutas apuradas  não são reveladoras de humor aceitável, saudável , entre colegas , ultrapassando os limites da confiança que existisse e nem sequer existia -  entre os protagonistas do sucedido.

Trataram-se de condutas  desrespeitosas para com o colega de trabalho, tanto mais que nem sequer existia camaradagem entre eles (confiança)  que pudesse  levar  o Autor a assumir que a sua conduta não seria levada “a mal”.

Os comportamentos em causa só serviram para degradar ainda mais o ambiente existente entre ambos (que já não era o ideal).

Em suma, com os comportamentos em causa , sendo que um deles foi reiterado após advertência de superior para evitar tais condutas, o Autor violou os seus deveres de trabalhador nomeadamente o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 128º [27]do CT/2009.[28]

Praticou, assim, infracções disciplinares graves que , a nosso ver, não foram alvo de sanções manifestamente desajustadas ou desproporcionais.

Refira-se, agora, que não se desconhece que, tal  como refere  Pedro Sousa Macedo [29]“, o titular do poder disciplinar continua a ser apenas a entidade patronal, ou um seu representante, pelo que , pelo controlo da decisão punitiva, não pode ser substituída a pena aplicada, mas ser a decisão sujeita a controlo prévio ou a anulação» - fim de transcrição.

Ou seja, “mantém-se generalizada a exclusiva titularidade do poder disciplinar  pela entidade patronal , o que implica não poder fazer-se um controlo da sanção por modo a proceder-se à correcção, substituindo-a; o juiz só pode anular a pena disciplinar caso venha a concluir que esta deva ser censurada”.

Aliás, segundo  sumário de aresto da  Relação de Lisboa, de 22 de Março de 2000, proferido no âmbito do processo nº 0005034, Nº Convencional: JTRL00023483, Nº do Documento: RL200003220005034, Relatora  Manuela   Gomes (acessível em www.dgsi.pt) :
I-Face ao disposto no artº  26º da LCT,  o exercício da acção disciplinar é uma prerrogativa da entidade patronal, e a sindicabilidade das sanções pelo tribunal não comporta a substituição da sanção aplicada, mas apenas a sua revogação ou confirmação.
II-De "jure condendo" os tribunais deviam exercer um controle de fundo, competindo-lhes ajuizar sobre a adequação da sanção aplicada, possibilitando-se-lhes determinar a justa medida da sanção, reduzindo-a, se fosse caso disso, e não limitarem-se a confirmar ou a anular a sanção aplicada, com exclusão da sua graduação em moldes diferentes.
III-De outro modo, muitas condutas que mereciam e que, portanto, deviam ser punidas, embora com sanções de menor gravidade que a imposta pela entidade patronal, acabam por ficar impunes, já que proferida a decisão judicial, esgotou-se, há muito, o prazo legalmente estabelecido para o exercício do poder disciplinar.
IV-Há, no entanto que ter em conta que sendo o poder disciplinar um poder de gestão, o julgador não está em condições de avaliar qual a sanção que, em substituição daquela, deveria aplicar e seria adequada à gravidade da infracção, na medida em que esta supõe um juízo valorativo do empregador, o qual se deve fundar primordialmente em critérios da própria entidade patronal. “ – fim de transcrição.

Em face dos comportamentos em causa, ocorridos em datas próximas mas distintas, sendo certo que em 30 de Janeiro de 2021 data da prática da segunda conduta, o Réu fora (facto nº 9) recentemente advertido para evitar tais práticas  não se vislumbra que as sanções aplicadas se possam considerar desproporcionais ( vide artigo 330º do CT).[30]

Finalmente, não se vislumbra que a matéria provada em 18  seja suficiente para se considerar tais sanções como abusivas nos termos do preceituado no artigo 331º do CT.[31]

Daí que se repute improcedente o recurso neste ponto cumprindo, pois, confirmar a sentença recorrida.

****
Em  face do exposto, acorda-se em :
conferir aos pontos de facto nºs 6 e 7 a seguinte redacção:
6.-Ao vê-los, o Autor dirigindo-se ao primeiro na presença do segundo, para medir a temperatura deste, não na testa mas “no cu dele”.
7.-Nesse mesmo dia, o Sr. XXX contactou telefonicamente o Encarregado, Sr. WWW, seu superior hierárquico, a quem relatou os factos acima descritos, queixando-se daquele comportamento do Autor; sendo certo que há vários anos que ambos não mantinham relacionamento pessoal nem sequer se cumprimentando.
– eliminar o ponto de facto nº 16.
Mais se acorda em julgar  a apelação improcedente.
Custas  do recurso pelo recorrente.
Notifique.
DN (processado e revisto pelo relator).



Lisboa, 2023-05-03


Leopoldo Soares
Alves Duarte
Maria  José Costa Pinto



[1]Em 11 de Fevereiro de  2022 – vide fls. 1.
[2]Vide fls. 50/51.
[3]Vide fls. 52 v a 64.
[4]Fls.128 e 128 v.
[5]Fls. 130 a  131 v.
[6]Vide fls. 137 140.
[7]Vide fls. 141 a 145.
[8]Fls. 176.
[9]Fls. 146 a 158.
[10]Vide fls. 162 a 171 v.
[11]Fls. 173.
[12]Diploma aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[13]Norma que regula:
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)-Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)-Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2-No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)-Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)-Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3-O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
[14]Como é o caso.
[15]Que logrou o seguinte sumário:
1.- Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação (in casu, documentos particulares, testemunhas ou presunções), com cumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do NCPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e reflectir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, nos termos do art. 662º.
2.- Integra violação de direito processual susceptível de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do NCPC, o acórdão em que a Relação se limita a tecer considerações de ordem genérica em torno das virtualidades de determinados princípios, como o da livre apreciação das provas, ou a enunciar as dificuldades inerentes à da tarefa de reapreciação dessas provas, para concluir pela manutenção da decisão da matéria de facto.
3.-Não tendo sido efectivamente apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto nem reapreciada a prova que foi indicada pelo recorrente relativamente aos pontos de facto impugnados, deve o processo ser remetido à Relação para o efeito. “ – fim de transcrição.
[16]- Que logrou o seguinte sumário:
1.-Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação (in casu, documentos particulares, testemunhas ou presunções), com cumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do NCPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e reflectir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, nos termos do art. 662º.
2.-Integra violação de direito processual susceptível de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do NCPC, o acórdão em que a Relação se limita a tecer considerações de ordem genérica em torno das virtualidades de determinados princípios, como o da livre apreciação das provas, ou a enunciar as dificuldades inerentes à da tarefa de reapreciação dessas provas, para concluir pela manutenção da decisão da matéria de facto.
3.-Não tendo sido efectivamente apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto nem reapreciada a prova que foi indicada pelo recorrente relativamente aos pontos de facto impugnados, deve o processo ser remetido à Relação para o efeito. “ – fim de transcrição.
[17]Vide  Colectânea de Jurisprudência (STJ) Ano XVI, T.1, pág. 206.
[18]Segundo aresto do STJ , de 30-05-2019, proferido no processo nº  156/16.0T8BCL.G1.S1, Nº Convencional: 2ª Secção, Relatora Conselheira  Catarina Serra :
“ Não obstante a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto ser residual e de o n.º 4 do artigo 662.º do CPC ser peremptório a determinar a irrecorribilidade das decisões através das quais o Tribunal da Relação exerce os poderes previstos nos n.ºs 1 e 2 da mesma norma, é admissível julgar o modo de exercício destes poderes, dado que tal previsão constitui “lei de processo” para os efeitos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC.
II. O facto de a decisão do Tribunal da Relação ser coincidente com a decisão proferida pela 1.ª instância não pode constituir indício de que aquele não exerceu os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, não estando ele constituído no dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto senão quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.“ – fim de transcrição.
[19]Vide Impugnação”, estudo publicado em “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas”, Vol. I, 2013, pgs. 609 e 610.
[20]Segundo o artigo 155º do CPC , com essas alterações,
Gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz
1- A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.
2- A gravação é efetuada em sistema vídeo ou sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, devendo todos os intervenientes no ato ser informados da sua realização.
3- A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato.
4- A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
5- A secretaria procede à transcrição de requerimentos e respetivas respostas, despachos e decisões que o juiz, oficiosamente ou a requerimento, determine, por despacho irrecorrível.
6- A transcrição é feita no prazo de cinco dias a contar do respetivo ato; o prazo para arguir qualquer desconformidade da transcrição é de cinco dias a contar da notificação da sua incorporação nos autos.
7- A realização e o conteúdo dos demais atos processuais presididos pelo juiz são documentados em ata, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido.
8- A redação da ata incumbe ao funcionário judicial, sob a direção do juiz.
9- Em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das retificações a efetuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando ou modificando a redação inicial. 
[21]Relembre-se que de acordo com o artigo 5 .º do DL n.º 97/2019, de 26/07:
Entrada em vigor
1-O presente decreto-lei entra em vigor no dia 16 de setembro de 2019.
2-O disposto no número anterior não prejudica a aprovação e publicação, em data prévia, da regulamentação necessária à execução do disposto no presente decreto-lei.
[22]Embora “a latere”  ( consulte-se sobre o assunto as considerações a tal título tecidas por Fernando Pereira Rodrigues, Noções Fundamentais de Processo Civil ,2017, Almedina, págs 453 a 457) , deve frisar-se que embora o Tribunal da Relação tenha acesso às gravações grande parte da imediação e oralidade da prova se perde.
[23]Ou visionado se for esse o caso.
[24]Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 384
[25]Vide Temas da Reforma do Processo Civil, Volume II, 3ª edição , págs 226-227.
[26]Citado por Pedro Cruz, obra citada, pág. 75-76.
[27]Segundo esse preceito:
Deveres do trabalhador
1-Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a)-Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b)-Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c)-Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d)-Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;
e)-Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f)-Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
g)-Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;
h)-Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
i)-Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;
j)-Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
2-O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.
[28]Diploma aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
[29]Poder Disciplinar Patronal, Almedina,1990, pág. 157.
[30]Norma que comanda:
Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar
1-A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.
2-A aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade.
3-O empregador deve entregar ao serviço responsável pela gestão financeira do orçamento da segurança social o montante de sanção pecuniária aplicada.
4-Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 2 ou 3.
[31]Segundo o qual:
Sanções abusivas
1-Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:
a)- Ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho;
b)- Se recusar a cumprir ordem a que não deva obediência, nos termos da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 128.º;
c)- Exercer ou candidatar-se ao exercício de funções em estrutura de representação colectiva dos trabalhadores;
d)- Ter alegado ser vítima de assédio ou ser testemunha em processo judicial e/ou contraordenacional de assédio;
e)- Em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos ou garantias.
2-Presume-se abusivo o despedimento ou outra sanção aplicada alegadamente para punir uma infracção, quando tenha lugar:
a)- Até seis meses após qualquer dos factos mencionados no número anterior;
b)- Até um ano após a denúncia ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade, não discriminação e assédio.
3-O empregador que aplicar sanção abusiva deve indemnizar o trabalhador nos termos gerais, com as alterações constantes dos números seguintes.
4-Em caso de despedimento, o trabalhador tem direito a optar entre a reintegração e uma indemnização calculada nos termos do n.º 3 do artigo 392.º
5-Em caso de sanção pecuniária ou suspensão do trabalho, a indemnização não deve ser inferior a 10 vezes a importância daquela ou da retribuição perdida.
6-O empregador que aplique sanção abusiva no caso previsto na alínea c)- do n.º 1 deve indemnizar o trabalhador nos seguintes termos:
a)- Os mínimos a que se refere o número anterior são elevados para o dobro;
b)- Em caso de despedimento, a indemnização não deve ser inferior ao valor da retribuição base e diuturnidades correspondentes a 12 meses.
7-Constitui contraordenação muito grave a aplicação de sanção abusiva.


Decisão Texto Integral: