Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25937/10.5T2SNT.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: LIQUIDAÇÃO DE JUROS
INJUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Sumário: I. O executado tem o prazo de 10 dias para reclamar junto do juiz de execução dos atos do agente de execução (art.º 149.º do CPC).
II. Contudo, o juiz pode conhecer da reclamação deduzida extemporaneamente pelo executado do ato de liquidação da sua responsabilidade para com o exequente, efetuada pelo agente de execução, se essa reclamação incidir sobre matéria de conhecimento oficioso.
III. O juiz pode conhecer oficiosamente de liquidação que em virtude do peticionado pelo exequente exceda os limites constantes do título executivo (artigos 726.º n.º 3 e 734.º n.º 1 do CPC).
IV. O conhecimento oficioso referido em III pode ocorrer até ao primeiro ato de transmissão de bens penhorados.
V. A limitação temporal referida em IV visa proteger os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa-fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes de bens ou os preferentes.
VI. A rejeição parcial da execução é admissível se, como ocorreu no caso dos autos, à data da rejeição apenas tiver ocorrido a entrega de dinheiro ao exequente, que ainda para mais não será afetada por essa rejeição.
VII. Na execução de injunção o exequente pode reclamar o pagamento de juros de mora vincendos calculados à taxa de juros contratual (e não apenas à taxa de juros legal).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. Em 23.11.2010 A, S.A. instaurou ação de execução para pagamento de quantia certa contra Bruno.
A exequente apresentou como título executivo injunção munida de fórmula executória.
No requerimento executivo a exequente liquidou a obrigação exequenda pela seguinte forma:
€ 2.802,49 (valor da Injunção) + € 184,72 (juros de mora calculados à taxa contratual de 23,568% desde a data de entrada da Injunção e a oposição da fórmula executória + juros de mora à taxa contratual acrescida de 5% desde a data de aposição da fórmula executória até à data de entrada deste requerimento executivo) + €25,50 (Taxa de Justiça de execução, autoliquidada pela exequente) = € 3.012,71.
Aos valores supra, acrescerão juros vincendos bem como todos os valores que venham a ser liquidados pela Exequente a título de honorários e despesas de solicitadoria”.
No requerimento de injunção a requerente quantificou assim a sua pretensão:
Assim, para além do capital em dívida no montante de € 2.400,83 acrescem, ainda, os competentes juros de mora contratuais, calculados à taxa de 23.568%, desde 18/12/2009 até à data de entrada do presente requerimento de injunção e que nesta data ascendem a € 196,16.
(…)
Ao capital em dívida acrescerão ainda os juros de mora vencidos posteriormente e os vincendos até integral pagamento”.
2. A execução seguiu os seus termos, tendo sido penhorado o vencimento do executado, que foi citado para os termos da execução e da penhora.
3. Em 06.01.2022, tendo o executado manifestado o propósito de pagar o que estivesse em dívida, a Sr.ª agente de execução (AE) elaborou “nota discriminativa”, com “apuramento de responsabilidade do executado”, na qual indicou, a título de “Juros vencidos até ao presente”, o montante de € 1 591,25, liquidando o valor em falta a pagar pelo executado em € 4 375,03 e mencionando que já haviam sido entregues à exequente € 2 000,00.
4. Em 18.01.2022 a exequente requereu que a nota discriminativa fosse retificada, na medida em que o cálculo dos juros de mora não estava conforme à taxa contratual de 23,568%.
5. Em 18.01,2022 a AE apresentou nova nota discriminativa, com liquidação da responsabilidade do executado, na qual se contabiliza “Juros vencidos até ao presente à taxa de 23,568% - 184,72€” e “Juros vincendos calculados até final à taxa de 23,568% - 7 474,57 €”, liquidando o valor em falta a pagar pelo executado em € 6 490,15 e mencionando que já haviam sido entregues à exequente € 2 000,00.
6. A nova nota discriminativa foi enviada ao executado pelo AE em 20.01.2022.
7. Em 02.3.2022 o executado apresentou ao Sr. juiz o seguinte requerimento:
Eu, Bruno (…), executado no Processo 25937/10.5T2SNT solicito a Vossa intervenção.
Depois de passar vários anos a regularizar valores em dívida referentes a crédito pessoal a mais do que uma Instituição Financeira, devido a uma situação de desemprego prolongado no passado, quando consegui uma situação financeira mais estável entrei também em contacto (agosto de 2020) com a agente de execução associada ao processo supramencionado e demonstrei a minha disponibilidade em regularizar a situação com um acordo extrajudicial. Na altura foi-me proposto pelo agente de execução fazer pagamentos de 40 euros mensais e um pagamento inicial de 200 euros até aguardar a resposta do advogado (mandatário) da Unicre relativamente à minha proposta.
Entre agosto de 2020 e novembro de 2021 fiz todos os pagamentos acordados e nunca obtive resposta relativamente ao meu pedido de acordo.
Como até novembro de 2021 o meu vencimento esteve penhorado devido a um valor em dívida a uma outra Instituição Financeira e que ficou completamente pago nesse mês, voltei a insistir com a agente de execução relativamente à resposta do meu pedido de acordo.
Como resposta, fui informado que o advogado da Unicre tinha uma resposta negativa ao meu pedido de acordo.
Em dezembro de 2021 a minha entidade patronal atual recebeu uma notificação de penhora de vencimento referente a este mesmo processo.
Uma vez que tenho diversos compromissos a decorrer (outros acordos extrajudiciais), contactei a agente de execução e pedi para apurar o valor total em dívida à Unicre de modo a tentar ver se conseguia fazer esse pagamento na totalidade.
Foi-me enviado então esse valor total apurado na Nota Discriminativa e Guia de Pagamento (doc1 em anexo) com o valor total em dívida de 4.375,03 euros.
Assim, na expectativa de poder melhorar a minha situação financeira pedi um empréstimo a um particular amigo e paguei, na integra (doc2 em anexo), o valor que me tinha sido apresentado para liquidar, sendo que mensalmente estou a pagar 150 euros mensais desse empréstimo particular.
Deste modo, assegurei que a dívida tinha ficado totalmente liquidada na totalidade e que conseguia assegurar os outros compromissos que tenho no momento como referi a V. Exa.
De referir que desde que iniciei o pagamento deste processo, entre acordos, penhoras de vencimento e penhoras do subsídio de desemprego já foram restituídos 7.304,65 euros à Unicre.
Duas semanas depois, para minha surpresa volto a receber nova Nota Discriminativa da agente de execução informando que afinal o valor de 4.375,03 que me tinha sido facultado anteriormente não estava correto e que à data para além desses 4.375,03 euros já pagos estavam em falta 6.490,15 euros (doc3 em anexo) referentes apenas a juros calculados à taxa de 23,568%.
Entrei em contacto com a agente de execução e com a advogada da Unicre a fim de perceber esta situação e ao mesmo tempo, apresentei as minhas despesas mensais e compromissos e propus um acordo de pagamento extrajudicial de 225 mensais, assim como possível redução dos juros, propostas essas que foram recusadas. (doc4 e doc5 em anexo)
Esta situação de terem-me facultado o valor de (4.375,03 euros) fez-me assumir um compromisso de pagamentos mensais de 150 euros (empréstimo a título pessoal), para além de outros que já tinha. Se na altura o valor apresentado como total em dívida tivesse sido (4.375.03 + 6.490,15) eu não teria pedido o referido empréstimo para quitação deste processo porque saberia que não poderia honrar esse compromisso. Agora, para além de ter que cumprir com mais 150 euros mensais e além dos compromissos que já tinha anteriormente, voltei a ter novamente o vencimento penhorado pela Unicre a partir deste mês (fevereiro) (doc6_recibo.vencimento_penhora) relativo aos tais juros.
Como consequência disto, encontro-me numa situação económica muito difícil que implica a minha sobrevivência.
Deste modo, venho solicitar a V. Exa., Meritíssimo Dr. Juiz, a anulação da reclamação destes juros (6.490,15 euros).
Fundamento este meu pedido em relação a estes juros apresentados à posteriori, tendo em conta que todos documentos que me foram sempre sendo enviados os montantes mencionavam “o valor em dívida inclui a quantia peticionada, juros e custas”
Exemplo: Notificação de 28.05.18 (doc YgzL7OjsMp0) com o valor de 3.615,25 euros. Reforço que se este meu entendimento relativamente aos novos juros estiver incorreto e se não houver lugar à referida anulação, solicito, então, a V. Exa. a redução da penhora para 1/6 do vencimento de modo a poder colmatar toda esta situação e a conseguir honrar todos os meus compromissos.
Sem outro assunto, agradeço desde já a Vossa atenção.
Junto cinco documentos em anexo”.
8. Em 09.3.2022 a exequente opôs-se ao requerimento do executado nos seguintes termos:
A, S.A., exequente nos autos à margem referenciados e aí melhor identificada, em que é executado BRUNO (…), notificada da junção aos autos do requerimento apresentado pelo executado, vem, muito respeitosamente, expor e a final requerer a V. Exa. o seguinte:
1. A senhora Agente de Execução notificou a exequente da nota discriminativa da qual constava o apuramento da responsabilidade do executado, informando-a, ainda, de que o executado tinha sido notificado para liquidar o valor ali apurado, uma vez que o mesmo tinha demonstrado esse interesse, cfr. notificação datada de 06-01-2022, com a Ref.ª Citius 20190877.
2. Concomitantemente, a exequente foi notificada pela Agente de Execução de que o Executado havia liquidado voluntariamente os autos, tendo efetuado o pagamento do valor constante da nota discriminativa, cfr. notificação datada de 18-01-2022, com a Ref.ª Citius 20256963.
3. Considerando que da referida nota não resultava qual a taxa de juro aplicada para o cálculo dos juros vencidos até aquela data, designadamente, considerando os valores elencados na aludida nota, não resultava que o cálculo dos juros de mora tivesse sido efetuado à taxa contratual de 23,568%, conforme peticionado não só requerimento de injunção, mas também, no requerimento executivo, a exequente contactou telefonicamente a Senhora Agente de Execução para cabal esclarecimento.
4. Pela Senhora Agente de Execução foi verificado e transmitido que, por lapso, os juros computados na aludida nota foram erroneamente contabilizados à taxa de juro comercial.
5. Mais reconheceu que os juros peticionados pela exequente, tanto no requerimento de injunção, como no requerimento executivo, foram-no à taxa contratual de 23,568%.
6. Mais informou a exequente que iria proceder à retificação da referida nota, tendo solicitado à exequente o envio de requerimento aos autos, mediante comunicação ao Agente de Execução, para registo no processo e para melhor explicação do sucedido ao executado.
7. Por conseguinte, a exequente apresentou requerimento nos presentes auto a requerer à Senhora Agente de Execução que procedesse à retificação da nota discriminativa, considerando que o cálculo dos juros estava incorreto, cfr. requerimento datado de 18- 01-2022, com a ref.ª Citius 20261980.
8. Em consequência a Senhora Agente de Execução procedeu à retificação da nota discriminativa, tendo notificado tanto a exequente como o executado, cfr. notificações datadas de 20-01-2022, com as referências Citius 20282920 e 20282971.
9. Ora, conforme facilmente se intui, houve um lapso na elaboração da aludida nota discriminativa, designadamente, no que concerne ao cálculo dos juros, tendo a exequente solicitado junto da Senhora Agente de Execução a respetiva retificação.
10. Assim, o pedido do executado de “anulação da reclamação destes juros”, tendo por fundamento que os mesmos foram “apresentados à posteriori” deverá improceder, por não corresponder minimamente à verdade.
11. A exequente sempre peticionou o pagamento de juros à taxa contratual de 23,568%, sendo absolutamente alheia ao lapso incorrido pela Senhora Agente de Execução na elaboração da nota discriminativa.
12. No que concerne ao pedido de redução da penhora para 1/6, deduzido pelo executado, o mesmo deverá ser julgado improcedente, porquanto, o executado não logrou demonstrar que a penhora efetuada afeta a sua subsistência condigna e do seu agregado familiar.
13. Designadamente, não logrou elencar, quantificar e demonstrar documentalmente as suas despesas mensais nem discriminar a composição do seu agregado familiar e de que forma a penhora de 1/3 do seu vencimento afeta a sua subsistência.
14. Em face do exposto deve improceder o requerido, devendo manter-se a atual penhora de 1/3 sobre o salário do executado, nos termos do preceituado no artigo 779.º do Código de Processo Civil, o que se requer”.
9. Em 16.3.2022 foi proferida a seguinte decisão:
Compulsados os autos e atento o requerido, cumpre analisar que:
-quanto aos juros peticionados: o pedido a formular em requerimento de injunção, de acordo com o artigo 10º/ 2 al e) do Dec. Lei nº 269/98, de 1/09, poderá incluir o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas. E o artigo 21º/ 2, do aludido Dec. Lei nº 269/98 de 01/09, dispõe que a execução fundada em injunção tem como limites as importâncias a que se refere a alínea d) do artigo 13º.
O citado artigo 13º - preceituando sobre o conteúdo da notificação a efectuar ao requerido no procedimento de injunção – determina, na alínea d) do nº 1, que ela deve conter “A indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória”.
De acordo com o consignado no acórdão do T. R. Évora de 14/04/2010, disponível in www.dgsi.pt o legislador terá pretendido que a obtenção de um título executivo de forma célere e simplificada exigia que os quantitativos se tivessem, à partida, como líquidos e que, nessa medida, o requerente não pode peticionar juros vincendos. Neste sentido, Salvador da Costa, in “A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª edição, Actualizada e Ampliada” – 2005, pags. 191 e 192.
Assim, seguindo de perto o que defende o acórdão do T. R. Coimbra, de 11-10- 2017:
“I – Em face do disposto nos artigos 21º, nº 2, e 13º, d) do Dec. Lei nº 269/98, de 01/09, a execução baseada em requerimento de injunção apenas poderá abranger os valores que expressamente foram peticionados no requerimento de injunção, os juros de mora a partir da data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% a contar da data da aposição da fórmula executória.
II – Os referidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento – que se consideram abrangidos nos limites da execução baseada em requerimento de injunção – são os juros calculados à taxa legal e não os juros (sejam eles superiores ou inferiores) previstos no acto ou contrato que era invocado como causa de pedir da injunção.”.
Em face do exposto, resta concluir que são devidos juros moratórios desde 28-07-2010 (data em que foi instaurado o requerimento injuntivo), sobre o capital de € 2.400,83 euros, até integral pagamento, à taxa legal comercial, o que se declara.
Deve, de imediato, o Sr. AE cancelar a penhora em curso e proceder à elaboração de nova conta.
Notifique e DN”.
10. A exequente apelou desta decisão, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1. O despacho de que ora se recorre é nulo por excesso de pronúncia, na medida em que, aprecia e decide uma questão que não foi suscitada pelo Recorrente, nem tão pouco a lei lhe impunha o seu conhecimento oficioso,
2. E, incidiu, ademais, sobre um requerimento deduzido pelo Executado extemporaneamente, pelo que sempre aquele teria de ter sido rejeitado.
3. Ainda que se considere que o requerimento apresentado pelo Executado e ora Apelado constituiu uma reclamação à nota discriminativa de honorários e despesas da Agente de Execução e aos valores dela constantes – o que se rejeita - se por um lado, do teor do mesmo não se vislumbra qualquer impugnação à mencionada nota discriminativa, por outro, a mesma é totalmente extemporânea.
4. Resulta do preceituado no artigo 46.º da Portaria nº. 282/2013, de 29 de agosto, que qualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz com fundamento na desconformidade com o disposto na aludida Portaria.
5. Ora, o Executado e aqui Apelado foi notificado da nota discriminativa em apreço no dia 24 de janeiro de 2022.
6. No entanto, o mesmo só apresentou o requerimento objeto do despacho de que ora se recorre em 02-03-2022, ou seja, mais de um mês após ter sido notificado da mencionada nota discriminativa, sendo, por isso, a sua “reclamação” manifestamente extemporânea.
7. Por conseguinte, deverá este douto Tribunal julgar a aludida reclamação da nota discriminativa e justificativa da Agente de Execução extemporânea e, em consequência, decretar a prossecução dos ulteriores termos processuais até efetivo e integral pagamento do valor ainda em dívida. Sem conceder,
8. O despacho de que ora se recorre aprecia e decide uma questão que não foi suscitada pelo Recorrente, nem tão pouco a lei lhe impunha o seu conhecimento oficioso.
9. Em consequência, o mesmo é nulo, por manifesta violação do preceituado no 26 artigo 615.º alínea d) e 608.º n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.
10. Assim, deverá este douto Tribunal decretar a nulidade do despacho que antecede, nos termos do preceituado no artigo 615.º n.º 1 alínea d) e no artigo 608. º n.º 2 ex vi do artigo 615.º n.º 3, todos do Código de Processo Civil, por excesso de pronúncia e apreciação de questão de que não podia tomar conhecimento. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela e dever de patrocínio se equaciona, sempre sem conceder, sempre se dirá:
11. A Exequente e ora Apelante, no seu requerimento de injunção, além do capital em dívida peticionou o pagamento dos competentes juros de mora contratuais, calculados à taxa de 23.568%, desde 18/12/2009 até à data de entrada do requerimento de injunção.
12. Mais indicou que “ao capital em dívida acrescerão ainda os juros de mora vencidos posteriormente e os vincendos até integral pagamento”.
13. Após ter sido aposta a fórmula executória no aludido requerimento de injunção, a Exequente e ora Apelada intentou a ação executiva, tendo, no seu requerimento executivo, peticionado o pagamento do valor da injunção acrescido de juros de mora calculados à taxa contratual de 23,568%, desde a data de entrada da Injunção e a oposição da fórmula executória, acrescido, ainda de 5% desde a data de aposição da fórmula executória até à data de entrada do requerimento executivo.
14. O Executado e aqui Apelado não deduziu oposição à injunção, nem oposição à penhora.
15. Por conseguinte, todos os montantes peticionados, designadamente, os juros de mora à taxa contratual de 23,568%, ficaram perfeitamente fixados, assentes e consolidados nos presentes autos.
16. Assim, não poderia o Tribunal a quo atuar como atuou e reduzir, por mote próprio, a taxa dos juros de mora peticionados, in casu, para a taxa comercial.
17. Sendo que esta decisão, extravasa todos os limites do poder jurisdicional e da segurança e certeza jurídica plasmados na ordem jurídica, pelo que se impõe a anulação do despacho recorrido, devendo este douto Tribunal ordenar a prossecução dos presentes autos, até efetivo e integral pagamento do montante ainda em dívida.
18. Caso assim não se entenda, o que, não se concedendo, por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá:
19. O despacho recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 21.º n.º 2 e no artigo 13.º n.º 1 alínea d), do Regime aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, 1 de setembro, na redação conferida pela Lei n.º 117/2019 de 13 de setembro, violando expressamente o disposto nos artigos 559.º n.º 2, 806.º n.º 1 e n.º 2 parte final e no artigo 829º-A n.º 4, todos do Código Civil, sendo certo que, dando aos citados preceitos do Regime aprovado pelo DL 269/98, de 1 de setembro, a interpretação constante do despacho recorrido constitui uma violação do princípio da certeza e segurança jurídica consagrado na Constituição da República Portuguesa, pelo que julgando-se procedente e provado o presente recurso se fará correta e exata interpretação e aplicação da lei.
20. Entende o Tribunal a quo que, ao abrigo do disposto no artigo 21.º n.º 2 e 13.º alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de setembro, a execução baseada em requerimento de injunção apenas poderá abranger os valores que expressamente foram peticionados no referido requerimento, os juros de mora a partir da data da sua apresentação acrescido de juros à taxa de 5% a contar da data da aposição da fórmula executória, sendo que, entende a decisão recorrida que: “os referidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento – que se consideram abrangidos nos limites 28 da execução baseada em requerimento de injunção – são os juros calculados à taxa legal e não os juros (sejam eles superiores ou inferiores) previstos no acto ou contrato que era invocado como causa de pedir da injunção”.(Sublinhados nossos).
21. Concluindo, assim, o despacho de que se recorre que “são devidos juros moratórios desde 28-07-2010 (data em que foi instaurado o requerimento injuntivo), sobre o capital de € 2.400,83 euros, até integral pagamento, à taxa legal comercial, o que se declara.” (Sublinhados nossos).
22. Todavia, esta conclusão é errónea uma fez que é alicerçada numa incorreta interpretação e aplicação do disposto nas referidas normas legais.
23. Na execução que tenha como título executivo a injunção onde foi aposta fórmula executória, os juros que se tenham vencido desde o requerimento da injunção e que integram a quantia exequenda, deverão ser calculados à taxa convencionada no contrato que constituiu causa de pedir na injunção.
24. A lógica que preside ao mecanismo da Injunção é a da simples cobrança, rápida e simples, de dívidas pecuniárias.
25. Não é crível, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, que tenha sido o propósito do legislador restringir o valor dos juros a que tenha contratualmente direito o requerente de injunção que não se veja pago de imediato em função do requerimento de injunção, impondo-lhe juros à taxa legal.
26. Aliás, se assim fosse, poderiam não ser assim tantos os credores de obrigações pecuniárias dispostos a lançar mão do procedimento da injunção para obter um título executivo, na medida em que o preço que pagariam pela brevidade e celeridade com que o obteriam, resultaria, certamente absorvido pela perda de juros contratuais a que se sentiam com pleno direito.
27. Ademais, o mencionado artigo 13.º n.º1 alínea d), ao referir que a notificação (do requerido) “deve conter a indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento (…)” não refere juros à taxa legal.
28. A expressão “juros à taxa legal” consta, não dessa norma – que é a diretamente aplicável à situação em apreço – mas da do artigo 703.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
29. Somente naquela norma é que refere que “consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante”.
30. Todavia, esta norma não será, de todo, aplicável à situação dos presentes autos, o que melhor se compreenderá se atendermos à respetiva génese.
31. Ora, esta circunstância, aliada àquela outra da apontada diferença terminológica, não pode impedir o credor de reclamar juros em função da taxa convencionada.
32. Em face do exposto, dúvidas não subsistem que na execução que tenha como título executivo uma injunção onde foi aposta fórmula executória – conforme sucede no caso em preço – , os juros que se hajam vencido desde o requerimento da injunção e que integram a quantia exequenda poderão ser calculados à taxa convencionada no contrato que constituiu causa de pedir na injunção, pelo que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação das aludidas normas legais.
A apelante terminou pedindo que o despacho recorrido fosse revogado e substituído por outro que julgasse improcedente o requerido pelo executado e determinasse a prossecução da ação executiva até efetivo e integral pagamento do montante ainda em dívida.
11. Não houve contra-alegações.
12. Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. O presente recurso tem como objeto as seguintes questões: extemporaneidade do requerimento sobre o qual incidiu a decisão recorrida; nulidade da decisão recorrida; erro de julgamento na decisão, ao não admitir os juros de mora à taxa contratual reclamados pela exequente.
2. Primeira questão (extemporaneidade do requerimento sobre o qual incidiu a decisão recorrida)
2.1. O factualismo a levar em consideração é o que consta no Relatório supra.
2.2. O Direito
A apelante entende que o executado não respeitou o prazo de reclamação previsto no art.º 46.º da Portaria n.º 282/2013, de 29.8.
Vejamos.
A referida Portaria regulamenta diversos aspetos das ações executivas cíveis. Um desses aspetos é o da remuneração dos serviços prestados pelo agente de execução e o reembolso das suas despesas. Para obter o respetivo pagamento o agente de execução apresentará a respetiva de nota de honorários e despesas. Nos termos do citado art.º 46.º da Portaria, “[q]ualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria”.
Parece-nos evidente, salvo o devido respeito por opinião contrária, que este preceito trata de realidade diversa daquela sobre a qual incidiu a reclamação do executado. O executado não reagiu contra a nota de honorários e despesas do AE, mas contra a liquidação da responsabilidade do executado para com a exequente efetuada pelo AE em 18.01.2022, supramencionada em I.5.
Como é sabido, o atual modelo de processo executivo atribui a uma entidade exterior ao tribunal, o agente de execução, o encargo de orientar e efetivar a execução, sem prejuízo de caber a um juiz a intervenção em caso de litígio, exercendo então uma função de tutela, quando a lei lho defira.
Assim, “cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos” (art.º 719.º n.º 1 do CPC).
Por sua vez, “sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:
a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;
b) Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;
c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;
d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.
(…)” (art.º 723.º n.º 1 do CPC).
À responsabilidade que recai sobre o agente de execução corresponde um estatuto tido como adequado, que é o enquadramento institucional e profissional, tanto quanto à preparação, formação e ingresso na profissão, assim como ao seu exercício, pela Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (Lei n.º 154/2015, de 14.9) e pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (Lei n.º 77/2013, de 21.11) e bem assim a sujeição a um regime de incompatibilidades, impedimentos e deveres que se estima garantirá o respeito, pelo agente de execução, dos direitos e garantias fundamentais, necessariamente em jogo no desenrolar de um procedimento coercivo como é o processo de execução (vide Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, pp. 106 e 107).
De todo o modo, situações há em que a atuação e decisão caberão diretamente, em primeira instância, ao juiz (cfr. al. b) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC).
Acresce, nas outras situações, o meio genérico de impugnação dos atos e decisões do agente de execução, a já referida reclamação para o juiz, prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC.
No caso presente, o referido meio de controle jurisdicional da atuação do agente de execução foi acionado pelo executado. Descontente com a liquidação da sua responsabilidade, efetuada pelo agente de execução nos termos do art.º 847.º do CPC, o executado dela reclamou.
Contudo, na falta de previsão legal específica, o prazo de reclamação era de 10 dias a contar da sua notificação (art.º 149.º do CPC – neste sentido, v.g., Rui Pinto, A Ação Executiva, ob. cit., p. 120).
Ora, tendo em consideração que no caso destes autos o executado se tem por notificado da aludida liquidação em 24.01.2022 (cfr. supra I. 6. e art.º 249.º n.º 1 do CPC), a reclamação, apresentada em 02.3.2022 (cfr. I. 7.), era extemporânea.
Porém, não se pode olvidar que o juiz pode conhecer oficiosamente, “até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados”, das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo (n.º 1 do art.º 734.º do CPC).
E assim sendo, “[r]ejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte” (n.º 2 do art.º 734.º).
O indeferimento liminar da execução pode ser meramente parcial: nos termos do n.º 2 do art.º 726.º, “[é] admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados”.
A lei diz que a rejeição oficiosa da execução pode ocorrer até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados. Assim, pelo menos em princípio, efetuados pagamentos na execução (em que se inclui a entrega de dinheiro ao exequente – art.º 795.º n.º 1 do CPC), fica precludida a possibilidade de indeferimento do requerimento executivo. Isto porque se tem “em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes de bens ou os preferentes” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol II, Almedina, 2.ª edição, 2022, p. 100).
In casu, antes do despacho impugnado ser proferido, já haviam ocorrido pagamentos à exequente, no valor total de € 2 000,00 (cfr. I.3. e I.5.).
Dir-se-ia, assim, que o tribunal a quo não poderia conhecer oficiosamente da questão da ultrapassagem dos limites do título executivo consubstanciada na cobrança dos aludidos juros moratórios à taxa contratual de 23,568%.
Porém, quer-nos parecer que é admissível a apreciação de tal questão, na medida em que ela, como é o caso, não afeta os direitos ou expetativas de terceiros e nem sequer belisca os pagamentos efetuados à exequente.
Com estes fundamentos, improcede a suscitada questão da inadmissibilidade do despacho recorrido por incidir sobre reclamação formulada extemporaneamente pelo executado.
3. Segunda questão (nulidade da decisão recorrida)
A recorrente imputa à decisão recorrida a nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, isto é, excesso de pronúncia.
O juiz não deve conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, assim como não deve deixar de pronunciar-se sobre as questões que lhe cabia apreciar.
O art.º 608.º n.º 2 do CPC estipula que “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
No respeito pelo princípio do dispositivo, ressalvadas as questões que sejam de conhecimento oficioso, o tribunal apenas deve conhecer das questões que lhe sejam postas pelas partes, não podendo dirimir litígios sem que tal lhe seja pedido por uma das partes (cfr. art.º 3.º n.º 1 e o já citado art.º 608.º n.º 2).
A apelante entende que o tribunal a quo, ao pronunciar-se quanto à taxa a aplicar na quantificação dos juros de mora devidos na execução, excedeu os seus poderes, pois o executado não havia sido suscitado tal questão.
Vejamos.
É um facto que o executado, no requerimento supratranscrito em I.7., não abordou a questão da inadmissibilidade na execução da taxa de juros contratualmente prevista. Mas pôs em causa o acréscimo da quantia exequenda que lhe foi exigida pela AE na segunda liquidação da responsabilidade que esta lhe comunicou, acréscimo esse atinente a juros de mora, pedindo para ser deles dispensado, por nas notificações anteriores esse acréscimo não lhe ter sido indicado. Ora, se se atentar a que o dito acréscimo resultou diretamente da aplicação pelo AE da taxa de juros contratual, na sequência do requerimento que nesse sentido lhe foi feito pela exequente após esta ter sido notificada da primeira liquidação de responsabilidade do executado efetuada pela AE, a reação do executado acaba por incidir, afinal, contra a aplicação dessa taxa de juro.
Pelo que a apreciação efetuada pelo tribunal a quo não implica, em rigor, a chamada à colação de uma questão nova, mas apenas a apresentação de uma argumentação jurídica própria para enfrentar a questão, o que não lhe estava vedado, pois jura novit curia (art.º 5.º n.º 3 do CPC).
Acresce que, como acima referido, o tribunal podia conhecer oficiosamente de questão que determinasse a rejeição parcial da execução, por excesso dos limites constantes do título executivo.
Nesta parte, pois, a apelação também improcede.
4. Terceira questão (erro de julgamento na decisão, ao não admitir os juros de mora à taxa contratual reclamados pela exequente)
Na decisão recorrida entendeu-se que na execução de injunção apenas podem considerar-se juros de mora vincendos à taxa de juro legal, ficando excluída eventual taxa de juros de mora contratual. Para tal citou-se dois acórdãos e uma opinião doutrinária.
Vejamos.
No primeiro acórdão citado, da Relação de Évora, datado de 14.4.2010, proferido no processo n.º 2744/06.4TBLLE.E1 (acessível, tal como todos os adiante citados, em www.dgsi.pt), nada se diz nesse sentido. Nesse aresto a Relação de Évora limita-se a constatar que nos termos do regime da injunção previsto no anexo contido no Dec.-Lei n.º 269/98, de 01.9 (anexo cuja redação sofreu as alterações legais publicitadas e onde figura o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000,00), no requerimento de injunção cabe ao requerente quantificar tão só os juros de mora vencidos à data da apresentação do requerimento de injunção. Com efeito, no art.º 10.º n.º 2 al. e) do anexo estipula-se que “[n]o requerimento deve o requerente:” “Formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas”. E na portaria que prevê o formulário do requerimento de injunção (atualmente a Portaria n.º 21/2020, de 28.01, que substituiu a Portaria n.º 808/2005, de 09.9 e nesta matéria não inovou face à portaria anterior), no que se refere a juros de mora apenas se contém um espaço para ser preenchido atinente a “Juros de mora € …….,… à taxa de ….%, desde …./…./……até à presente data.”, seguindo-se um espaço com a seguinte configuração: “Outras quantias € …….,…
Parece ser consensual que na rubrica “Outras quantias” acima referidas não cabem os juros de mora vincendos. Conforme consta, v.g., no acórdão desta Relação de Lisboa datado de 26.5.2011, processo n.º 715/08.5TBBRR.L1-2, relatado pelo ora relator, “as “outras quantias devidas” mencionadas reportam-se, por exemplo, a despesas administrativas relativas ao contrato que nele tenham sido convencionadas, e não, v.g., a juros de mora vincendos (Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6.ª edição, 2008, Almedina, pág. 212)”.
Porém, no referido acórdão da Relação de Évora expressamente se admite que se o requerido não pagar a quantia peticionada e o requerente obtiver ganho de causa então terá direito aos juros de mora que se vencerem após a data da propositura do procedimento de injunção, sob pena de se “beneficiar o infrator” e se contrariar o que expressamente decorre do art.º 13.º n.º 1 al. d) do anexo, onde se estipula que o requerido será notificado “de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória”.
Como se exarou no citado acórdão da Relação de Lisboa, de 26.5.2011, “se o devedor proceder ao pagamento do que é reclamado, dentro do prazo que lhe é fixado, não terá de pagar juros de mora vencidos após a data da apresentação do requerimento – o que constituirá um incentivo ao pagamento e, por outro lado, simplificará esse mesmo pagamento, evitando operações tendentes ao cálculo daqueles juros. Se o requerido não pagar, deduzindo ou não oposição, então será confrontado com a obrigação de pagar juros moratórios vencidos desde a data da apresentação do requerimento”.
Neste sentido se pronunciou o ilustre Conselheiro Salvador da Costa, reponderando a sua posição anterior, a partir da 6.ª edição da sua obra “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 2008, Almedina, pág. 252 – pelo que a referência ao pensamento deste Magistrado feita na decisão recorrida mostra-se desatualizada.
De todo o modo, na decisão recorrida aceita-se que na execução da injunção se reclamem juros de mora vincendos, isto é, juros de mora vencidos após a apresentação do requerimento de injunção. Porém, entende-se que esses juros terão de ser os juros legais.
Para tal, o tribunal a quo invocou o acórdão da Relação de Coimbra, de 11.10.2017, processo n.º 1025/15.7T8VIS-A.C1.
Nesse aresto defende-se o que está sintetizado no respetivo sumário, que aqui se transcreve:
I – Em face do disposto nos artigos 21º, nº 2, e 13º, d) do Dec. Lei nº 269/98, de 01/09, a execução baseada em requerimento de injunção apenas poderá abranger os valores que expressamente foram peticionados no requerimento de injunção, os juros de mora a partir da data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% a contar da data da aposição da fórmula executória.
II – Os referidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento – que se consideram abrangidos nos limites da execução baseada em requerimento de injunção – são os juros calculados à taxa legal e não os juros (sejam eles superiores ou inferiores) previstos no acto ou contrato que era invocado como causa de pedir da injunção.
Pondera-se nesse acórdão que das disposições que regem a injunção resulta que a execução se baseará no requerimento de injunção, que é o título executivo, e não nas estipulações do contrato que lhe subjazem. Assim se evitará a necessidade de averiguações que não serão compatíveis com a celeridade e simplicidade que se pretende imprimir a esta modalidade de obtenção de título executivo. Ora, como no requerimento de injunção não cabe o pedido de juros de mora vincendos, os juros de mora vincendos a que, de todo o modo, o credor terá direito (como decorre do art.º 13.º n.º 1 al. d) e do n.º 2 do art.º 21.º do anexo do Dec.-Lei n.º 269/98 – note-se que o n.º 2 do art.º 21.º citado estipula que “[a] execução tem como limites as importâncias a que se refere a alínea d) do artigo 13.º”) serão os emergentes da taxa legal. O fundamento ético-jurídico de tal solução estará, segundo este acórdão da Relação de Coimbra, na vantagem conferida ao credor pela rápida e célere obtenção de um título executivo, da qual poderá prescindir recorrendo à ação declarativa comum.
Ora, tal jurisprudência encontra-se, cremos, ultrapassada por ulteriores arestos da Relação de Coimbra.
No acórdão da Relação de Coimbra de 15.01.2019, processo n.º 230/15.0T8PBL-A.C1, aponta-se que na disposição do regime da injunção atinente aos juros de mora (art.º 13.º n.º 1 al. d)) não se menciona que os juros deverão ser os juros à taxa legal. E realça-se que a jurisprudência ora criticada constituiria um franco desincentivo à utilização do mecanismo em causa, com o qual afinal o legislador pretendia alcançar objetivos de interesse geral muito relevante, como o são a regulação da atividade económica através da facilitação da cobrança de dívidas.
Assim, conclui-se neste aresto, não há razão para atribuir ao exequente munido de injunção com fórmula executória uma situação jurídica processual diversa da conferida aos outros exequentes, os quais têm a faculdade/ónus de liquidar os juros de mora no requerimento executivo (assim, no caso do exequente de injunção, os vencidos desde a apresentação do requerimento injuntivo até à interposição da ação executiva), especificando “os valores que considera compreendidos na prestação devida” e “concluindo o requerimento executivo com um pedido líquido”, como o dispõe o art.º 716.º n.º 1 do CPC. Sendo que, como resulta do n.º 2 desse dispositivo, “[q]uando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele (…) – sendo os juros calculados à taxa legal que for aplicável ou à taxa convencional, se for o caso.
No mesmo sentido se pronunciou a Relação de Coimbra no acórdão proferido em 10.9.2019, processo 5038/15.0T8CBR.L1.
E no mesmo sentido se pronunciou, em sede doutrinária, Salvador da Costa, em A Injunção e as conexas acção e execução, 8.ª edição, 2021, Almedina, onde se exarou o seguinte (pp. 152 a 154):
Questiona-se sobre se os referidos juros de mora são os legais ou os que tenham sido convencionados pelas partes para o atraso de cumprimento das obrigações pecuniárias em causa.
A alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º deste anexo, que se refere aos juros de mora vencidos como elemento a considerar a título de pedido formulado pelo requerente, nada expressa sobre se essa referência é reportada à taxa legal ou à taxa convencionada pelo requerente e pelo requerido.
A alínea d) do n.º 1 do artigo 13.º deste anexo, referente ao débito do requerido quanto a juros de mora, também nada expressa quanto à sua quantificação à taxa legal ou à taxa convencionada pelas partes.
Assim, não resulta das referidas normas subsídio algum para a solução desta problemática, porque não se referem à taxa legal nem à taxa contratual dos juros moratórios. Mas decorre do n.º 2 do artigo 703.º do Código de Processo Civil que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora à taxa legal da obrigação dele constante.
A referida questão tem de ser resolvida, ao que parece, à luz daquela norma do n.º 2 do artigo 703.º do Código de Processo Civil e dos preceitos da lei substantiva atinentes à mora em geral.
O normativo do n.º 2 do artigo 703.º do Código de Processo Civil é uma norma supletiva que só rege os casos em que as partes não tenham clausulado, nos contratos derivantes das respetivas obrigações pecuniárias, a taxa de juros moratórios devidos no caso de atraso do seu cumprimento.
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 806.º do Código Civil, nas obrigações pecuniárias, a indemnização pelo atraso de cumprimento corresponde aos juros a contar do dia da constituição do devedor em mora, que são os legais, salvo se as partes houverem estipulado juro moratório diferente.
Isso significa, por um lado, que se as partes estipularem para as obrigações pecuniárias reportadas indemnização pelo atraso de cumprimento envolvente de uma taxa de juro moratório superior à legal, é ela que releva para todos os efeitos, e, por outro lado, que na falta convenção das partes sobre a taxa de juros de mora devida pelo atraso de cumprimento das obrigações pecuniárias se aplica na espécie a taxa legal de juros, variável consoante a natureza da relação jurídica material controvertida ajuizada e a qualidade dos respetivos sujeitos.
Nesse quadro de variabilidade da taxa legal de juros, temos a supletiva geral, a supletiva relativa aos juros comerciais e a supletiva especial de juros comerciais da titularidade de empresas comerciais.
Em suma, considerando o disposto no artigo 806.º, n.º 2, do Código Civil, nos casos em que as partes convencionarem uma taxa de juros moratórios superior à legal, é ela que releva para o efeito previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º deste anexo e no normativo em análise, ao que não obsta o facto de o título executivo constituído pelo requerimento de injunção com a fórmula executória não ser o contrato em que as partes convencionaram a taxa de juros de mora.
A causa de pedir no procedimento de injunção é integrada pelas declarações negociais das partes, incluindo as relativas aos juros de mora, e pelos factos reveladores do incumprimento do contrato pelo devedor; na execução, por seu turno, a causa de pedir envolve a factualidade relativa à obrigação exequenda refletida no título executivo.
E o título executivo, constituído pelo requerimento de injunção com a fórmula executória, constitui a síntese da pretérita dinâmica do procedimento de injunção, envolvendo o incumprimento do contrato na globalidade das suas cláusulas, incluindo a da vertente dos juros devidos ao credor pelo devedor no caso de incumprimento por este da obrigação pecuniária em causa.
Em suma, as taxas de juros moratórios que relevam para os referidos efeitos são as convencionadas pelas partes nos contratos que servem de causa de pedir aos procedimentos de injunção, ou, na falta dessa convenção, as taxas de juros legais”.
De tudo o exposto resulta que nada na lei retira ao credor que tenha acionado a efetivação do seu crédito através do recurso à injunção a possibilidade de cobrar do devedor os juros de mora à taxa contratual que tiver sido estipulada, desde que os reclame e demonstre.
In casu, conforme decorre do Relatório supra, a apelante invocou no requerimento executivo a taxa de juro moratória convencional – sem que tivesse sido contrariada pelo devedor, que não apresentou oposição.
E no requerimento executivo a exequente novamente alegou tal taxa, procedendo à liquidação dos juros moratórios vencidos e reclamando o pagamento dos vincendos, até efetivo e completo pagamento – mais uma vez sem apresentação de oposição por parte do executado (a não ser a tardia reclamação da liquidação efetuada pela AE).
Assim, entendemos que a apelação deve ser julgada procedente.
Cabendo ao tribunal a quo apreciar o requerimento subsidiariamente deduzido pelo executado, de redução da penhora que incide sobre o seu vencimento, o que poderá justificar o acionamento dos poderes previstos no art.º 7.º n.º 2 do CPC.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e determina-se, em sua substituição, que a responsabilidade do executado perante a exequente, no que respeita aos juros de mora, seja liquidada à taxa contratual indicada no requerimento executivo – cabendo ao tribunal a quo apreciar o requerimento subsidiariamente deduzido pelo executado, de redução da penhora que incide sobre o seu vencimento, o que poderá justificar o acionamento dos poderes previstos no art.º 7.º n.º 2 do CPC.
As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo do apelado, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lisboa, 15.9.2022
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva