Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16804/19.8T8LSB-A.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
PRESTAÇÕES SUCESSIVAS
FALTA DE PAGAMENTO
VENCIMENTO DE TODAS AS PRESTAÇÕES
TÍTULO EXECUTIVO
INTERPELAÇÃO DO DEVEDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - No caso de obrigação pecuniária pagável em prestações sucessivas, o vencimento imediato das restantes prestações na falta do pagamento de uma delas, nos termos do artigo 781.º do CC, constitui um caso de exigibilidade antecipada, benefício que a lei concede ao credor, a ser exercido mediante interpelação do devedor, dado que não é de funcionamento automático.
- Sendo a obrigação exequenda constituída pela totalidade das prestações acordadas, por vencimento antecipado, nos termos do artº 781º do CC, para que se esteja perante um título executivo exige-se a interpelação do devedor, pois apenas com esta se dá o vencimento imediato, antecipado das prestações até ao fim do prazo contratual.
- A interpelação exigida para efeitos do art.º 781º do CC pode ser extrajudicial – neste caso deve o exequente apresentar prova complementar, juntando com o requerimento executivo o documento que a comprova – ou judicial, mediante citação na ação executiva, desde que esta se inicie com o despacho de citação (execução que segue a forma ordinária).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

Por apenso à execução instaurada por P. S.A. contra JD e CD, a executada deduziu oposição por embargos à execução, arguindo a inexistência do título, a prescrição parcial dos juros reclamados, o não vencimento de juros posteriores a 31/10/2014, o não vencimento de juros compensatórios. 
A embargada apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos.
Foi proferido despacho saneador sentença que julgou procedentes os embargos de executado e declarou extinta a execução, quanto à embargante CD.
A exequente recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“1. Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, a douta Sentença recorrida não fez correta aplicação do direito, ocorrendo manifesta desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados e produzidos em audiência de julgamento.
2. A Recorrente está, pois, convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, e procederão à alteração da matéria de facto, pois a decisão sobre a mesma padece de erro notório, evidente e manifesto.
POSTO ISTO,
3. A Recorrente sabe bem que a reapreciação do julgamento da matéria de facto tem sempre de ser feita cumprindo o dever de especial cuidado, mas os fundamentos deste recurso parecem à Recorrente evidentes.
SENÃO VEJAMOS:
4. Entende a Recorrente que a Sentença recorrida não fez correta aplicação da prova produzida e do Direito.
5. Da análise da matéria de facto dada como provada na douta Sentença por confronto com a prova produzida nos autos, verifica-se que ocorreu erro de julgamento notório e grave, que conduz, naturaliter, à alteração da matéria de facto, impondo uma decisão diversa da proferida, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
6. Resulta como provado na douta sentença que: “O Banco… recebeu um pagamento no montante de €214.000,00, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de €309.409,47, de capital”.
7. Todavia, impõe-se que seja proferida decisão diversa, devendo ser aditado à matéria de facto dada COMO NÃO PROVADA, o facto de que “ O Banco recebeu o montante de €214.000,00, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referida, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de €309.409,47, de capital”,
8. Tal determinará, inevitavelmente, a alteração do ponto nº 13, devendo o mesmo passar a constar com a seguinte redação: “No âmbito de tal processo, a P. SA recebeu o montante de 214.000,00€ (duzentos e catorze mil euros), o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de €309.409,47, de capital”.
9. Para a impugnação da matéria de facto referido no ponto n.º 10, e no que se refere ao ónus preceituado no artigo 640.º é essencial a prova documental produzida nos presentes autos, maximé o documento n.º 3 junto com o Requerimento Executivo e a confissão feita pela própria Embargada na Contestação.
10. Com efeito, cumpre clarificar que a Recorrente juntou aos autos documento que demonstra de forma inequívoca o valor por si recebido no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0000, valor este correspondente ao produto da venda do imóvel sobre o qual (a Recorrente) tinha hipoteca, e que foi amortizado à divida (conforme se poderá comprovar do mencionado documento n.º 3);
11. Tal facto resulta, igualmente, da Contestação apresentada pela Recorrente, correspondendo à verdade que à data de 01 de setembro de 2019, o valor de capital em dívida à Exequente e aqui Recorrente era de Euros 309.409,47.
12. Assim sendo, não poderia a sentença em crise, considerar como provado o facto referido no ponto n.º 10, porquanto não resulta dos autos, qualquer prova de que o Banco Cedente - o então Banco… – tenha recebido o montante de Euros 214.000,00, sendo que a alusão feita no requerimento executivo ao “Banco…”, se trata de um evidente lapso de escrita.
13. Assim, perante a inexistência nos autos de qualquer documento ou outra prova da qual se possa inferir o facto vertido no ponto n.º 10, não poderia o Tribunal “ a quo” considerar o mesmo como provado, pelo que a convicção do MM.º Juiz do Tribunal “a quo”, não é razoável, ocorrendo manifesta desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados e produzidos nos presentes autos.
14. Nessa medida, deverá proceder-se à alteração da matéria de facto, quando à descrita nos pontos n.ºs 10 e 13 dos factos provados, devendo o ponto 10 ser considerado como NÃO PROVADO e o ponto 13 ser ADITADO conforme o referido supra, pois a decisão sobre a mesma padece de erro notório, evidente e manifesto, o que se requer a este Venerando Tribunal.
ACRESCE AINDA QUE:
15. O Tribunal “ a quo” invoca o Acórdão proferido pela Relação e Guimarães no âmbito do Processo n.º 6496/16.1T8GMR-AG1, de 14 de março de 2019, tendo concluído que, estando em causa obrigações decorrentes de um contrato de mútuo, a Exequente e aqui Recorrente não procedeu junto da Embargada e aqui Recorrida à resolução do contrato, nem à sua interpelação, perante o não pagamento atempado das prestações devidas, com vista à perda do benefício do prazo, informando-a que considerava vencidas todas as demais prestações e, como tal, exigível o seu pagamento antecipado, pelo que a obrigação se apresenta inexigível.
POSTO ISTO:
16. Conforme resulta do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, o título executivo é a base de qualquer execução, sendo por ele que se delimitam o fim e os limites da execução.
17. A função do título executivo é, por isso, dar início à ação executiva, criando para o Exequente a possibilidade de promover a ação e para o tribunal o dever de exercer a sua atividade em ordem à satisfação do direito daquele.
18. A ação executiva só pode ser instaurada se tiver por base um dos títulos previstos no artigo 703.º do Código de Processo Civil, título esse, para além de comprovar os factos jurídicos que integram a causa de pedir da exigência deduzida pelo Exequente, concede igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o Executado, tornando desnecessário o recurso a um prévio processo declarativo ou a um novo processo dessa natureza para certificar a existência do direito.
19. Por outro lado, é imprescindível que o documento dado à execução esteja em condições de confirmar a existência da obrigação que se constituiu e formou entre as partes, dado que este documento é comprovativo da existência do direito do Exequente.
20. Nessa medida, uma vez que a ação executiva prevê o incumprimento ou a violação efetiva da prestação, é necessário que a obrigação exequenda cumpra determinadas características, que permitam a sua realização: certeza, exigibilidade e liquidez.
21. Assim, considera-se exigível a prestação que se considera vencida.
22. No caso dos autos, e de acordo com os elementos factuais fixados, inexistem dúvidas que o título dado à execução é um contrato de mútuo (bancário) tratando-se, pois, como é irrefutável, de um título executivo, que conserva a sua exequibilidade, nos termos do artigo 46.º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961 (o qual estipulava que os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importassem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante fosse determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, podiam ser dados como título ao processo executivo, tendo portanto força executiva), por força do Acórdão n.º 408/2015, proferido pelo Tribunal Constitucional, publicado no DR, 1.ª série, n.º 201, de 14 de Outubro de 2015.
23. Com efeito, e conforme resulta da douta Sentença em crise, do referido contrato é possível aferir as cláusulas que as partes acordaram, relativamente ao número de prestações mensais, para pagamento do capital mutuado e respetivos juros, referentes às datas de pagamento da primeira e das restantes prestações, aos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respetiva cláusula do contrato, ao montante do financiamento e a finalidade do mesmo, ao prazo do contrato, a taxa de juro contratada, aos efeitos da mora, a constituição de garantias e ao incumprimento.
24. Não obstante todo o clausulado, o Tribunal “a quo” sustenta que a obrigação exequenda não é exigível, por falta interpelação ou declaração resolutória do contrato de mútuo.
25. Conforme tem sido entendimento maioritário, no caso de obrigação pecuniária pagável em prestações sucessivas, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma delas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, constitui um caso de exigibilidade antecipada, mero benefício que a lei concede ao credor e que há-de ser exercido mediante interpelação do devedor, ficando o credor com o direito de exigir do devedor a realização, não apenas da prestação que incumpriu, mas de todas as restantes prestações, cujo prazo ainda se não tenha vencido.
26. Só mediante a interpelação do devedor para que cumpra a totalidade da obrigação, efetivando assim as prestações restantes, é que o credor manifesta verdadeiramente a sua vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.
27. Não resulta dos autos que a Recorrente tenha emitido qualquer decisão resolutória do contrato de mútuo (sem prejuízo, cumpre referir que foi enviada à Recorrida carta de resolução e vencimento antecipado do Contrato de Mútuo a 30 de julho de 2010), ou sequer que tenha interpelado previamente a Devedora e aqui Recorrida para pagamento da totalidade da quantia mutuada e respetivos juros contratuais,
28. Ao invés, parece ter preferido instaurar a presente ação executiva com base no contrato celebrado, requerendo a citação da Executada para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.
29. Igualmente, não resulta dos autos – e tal facto não deverá ser descurado - que a Recorrida também não afirmou, designadamente na Petição de Embargos de Executado, que a Exequente não procedido a essa interpelação.
30. Nessa medida, as consequências da atuação da Recorrente não podem, todavia, ter o alcance referido na Sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”, no que se refere à inexigibilidade da totalidade dívida, uma vez que não se poderá olvidar que a Recorrente se encontra munida de executivo idóneo de certificação do seu direito à prestação e o incumprimento desta encontra-se incontestavelmente demonstrado.
31. Assim, sendo indiscutível que a citação da Executada e aqui Recorrida se encontra efetuada, não se poderá deixar de atribuir importância à mesma, enquanto ato de interpelação tendente à imediata exigibilidade de todas as prestações devidas até final do prazo do contrato de mútuo dado à execução.
32. Razão pela qual, a decisão proferida é insustentável na medida em que desrespeita os efeitos da própria citação e, assim, da interpelação judicial para pagamento que lhe está subjacente, porquanto mesmo antevendo a necessidade de constituição da Executada/Recorrida em mora – incluindo na situação de obrigações perfeitamente vencidas e exigíveis – por via da interpelação, não se poderá omitir que a mesma foi interpelada, considerando o facto de ter sido citada para a presente ação executiva e o disposto no artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil.
33. A interpelação para pagamento, que é a que interessa nos presentes autos, pode ser feita por via judicial, designadamente, através da citação da devedora para a execução – o que sucedeu in casu - , conforme se dispõe nos artigos 805.º n.º 1 do Código Civil e 610.º , n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil.
34. Assim, mal andou o Tribunal “a quo”, porque a citação da Executada e aqui Recorrida estava já efetivada, quando foi proferida a decisão ora em crise, facto que o Tribunal “a quo” deveria ter avaliado e considerado ao abrigo do disposto no artigo 611.º do Código de Processo Civil.
35. A decisão em crise transgrediu, assim, as normas contidas no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, e nos artigos 610.º, n.º 2, alínea b), e 611.º do Código de Processo Civil, cuja adequada interpretação é a de que por efeito da citação já efetivada, deve a Executada devedora ter-se por interpelada e, dessa forma, constituída em mora quanto à obrigação de pagamento do crédito da Exequente.
AQUI CHEGADOS,
36. Julga a Recorrente que as alegações precedentes dotaram o Tribunal de razões bastantes para que criticamente se possa avaliar a bondade da douta sentença de que se recorre.
37. A sentença do Tribunal “ a quo” ao decidir como decidiu violou disposições legais bem como violou as regras de interpretação da prova, previstas entre outros no artigo 607.º, n.º 5, artigo 610.º, n.º 2, alínea b), e 611.º todos do Código de Processo Civil e artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, e sendo da mais elementar justiça julgar procedente a Apelação, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue improcedente os Embargos de Executados deduzidos, com as subsequentes consequências.”
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por, aliás douto, Acórdão que, contemplando as conclusões aqui elaboradas.”
A embargante apresentou contra-alegação e requereu a ampliação do objeto do recurso, terminando com as seguintes conclusões:
“A. Insurge-se a Apelante quanto à decisão da matéria de facto ao ponto 10. do elenco dos factos provados, o qual é cópia do ponto 9. do RE…sibi imputet….
B. A Apelada nada tem a opor à eliminação do facto provado sob o n.º 10.
C. Não pode, contudo, a Apelada concordar a alteração que a Apelante pretende incluir no ponto 13. dos factos provados, em concreto, no que ao valor em dívida em 01/08/2019 diz respeito, pois nada dos autos permite concluir qual o valor em dívida em tal data.
D. Na verdade, do contrato de mútuo junto aos autos não decorre que o valor do capital em dívida em 01/08/2019, após o recebimento dos €214.000, fosse €309.409,47, pois o montante do capital mutuado foi €302.255,15 – cfr. contrato de mútuo e facto provado 5..
E. O mútuo seria reembolsado em prestações mensais através das quais o capital mutuado – €302.255,15 (e os respectivos juros) haveriam de ser pagos – cfr. contrato de mútuo e facto provado 8., no prazo de 20 anos – cfr. artigo 3.º do contrato de mútuo.
F. As prestações mensais deixaram de ser pagas em 13/08/2010 ao fim de 5 anos, 60 prestações de capital e juros, cfr. referido pela Apelante no ponto 8. do RE e facto provado 9., e foram recebidos mais €214.000.
G. Sendo, por isso, manifesta e matematicamente impossível que, depois de se amortizar – ainda que parcialmente, o capital mutuado ao longo de 5 anos (25% do período de duração do contrato) e de recebidos €214.000 para pagamento do mútuo – o capital em dívida, em 01/08/2019, tenha um valor superior ao capital mutuado!!!
H. A Apelada impugnou o capital reclamado e, em concreto, o valor do capital alegadamente em dívida em 01/08/2019 – vd. artigos 60.º a 62.º da petição de embargos – pelo que, quanto a este aspecto não ocorreu nem confissão da Apelada nem acordo das partes.
I. A Apelada impugnou os Doc.s 01 e 03 juntos com o RE, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 374.º, n.º 2, do Código Civil – cfr. artigo 62.º a 64.º da PI- pelo que o tribunal a quo não podia, sem mais, considerar tais documentos verdadeiros. Nem o tribunal ad quem o pode fazer.
J. A Apelada impugnou igualmente o documento junto pela Apelante com a contestação – vd. requerimento da Apelada enviado aos autos em 17/01/2020 com a ref.ª citius 34578056.
K. Não existe nenhum documento nos autos que de alguma forma prove, ainda que indiciariamente, que o valor do capital em dívida em 01/08/2019 ascendia a € 309.409,47.
L. É verdade que este valor foi o referido pela Apelante mas tal alegação não é suficiente para que:
(xi) sem confissão por parte da Apelada quanto ao valor do capital em dívida em 01/08/2019;
(xii) sem acordo das partes quanto ao valor do capital em dívida em 01/08/2019;
(xiii) sem qualquer documento do qual possa resultar, ainda que indiciariamente, o valor do capital em dívida em 01/08/2019;
(xiv) com a impugnação dos Doc.s 01 e 03 juntos com o RE e do documento junto com a contestação dos embargos; e
(xv) com a expressa impugnação da Apelada quanto ao alegado valor em dívida, o tribunal a quo pudesse considerar provado que em 01/08/2019 o valor em dívida ascendesse a €309.409,47, de capital como a Apelante pretende.
M. O único facto que o tribunal a quo pode considerar provado, porque decorre de confissão da Apelante, é que foram recebidos €214.000 e que estes foram imputados ao pagamento da dívida, tal como consta do facto provado 13.. Nada mais!
N. A questão jurídica em causa no recurso a que ora se responde é a de saber se a declaração de interpelação para o pagamento da totalidade do valor em dívida, emergente da resolução de um contrato de mútuo cujo capital deve ser reembolsado em prestações é, ou não, constitutiva do direito de o exequente exigir a totalidade da dívida, sem a qual o título executivo será insuficiente.
O. Tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães citado na sentença ora em crise, de 14/03/2019, proferido no âmbito do proc. n.º 6496/16.1T8GMR-A.G115, e para o qual se remete na íntegra, tal interpelação é neste caso constitutiva do direito da exequente exigir a totalidade da dívida e não apenas as prestações em falta.
P. Ora, do RE não consta tal interpelação para pagamento, apenas um contrato de cessão de créditos, um contrato de mútuo e um documento elaborado pela Exequente.
Q. De onde decorre que dos autos não consta a interpelação essencial para que o contrato de mútuo constitua título executivo, pelo que bem andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu.
R. Nem se diga que o artigo 805.º, n.º 1, do CC impunha decisão diversa e permite que a citação da presente acção seja equiparada à interpelação, pois tal preceito legal refere-se ao momento a partir do qual o devedor se constitui em mora e não ao momento a partir do qual a dívida é exigível e, o n.º 2 do mesmo artigo impede a constituição em mora quando a dívida não é líquida, como é o caso.
S. Não existindo, por isso, título executivo para os juros reclamados, pelo que bem andou o tribunal a quo ao decidir pela inexistência de título executivo, decisão que não merece qualquer censura.
Sem prejuízo do referido sobre a necessária improcedência do recurso, não pode a Apelada conformar-se com a sentença ora em crise no que se refere quer à decisão da matéria de facto, quer à aplicação do direito, o que justifica a ampliação do âmbito do recurso, com impugnação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 636.º, n.º 2, do CPC.
Do objecto da ampliação – quanto à impugnação da matéria de facto
T. Entendeu o tribunal a quo que se encontram provados os seguintes factos:
9. Sucede que as prestações acordadas deixaram de ser pagas, em 13.08.2010 (cfr. documento de fls. 25v dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido), tendo ficado em dívida, de capital, a quantia de €416.942,32, sobre a qual incidem os juros remuneratórios e moratórios.
10. O Banco… recebeu um pagamento no montante de €214.000,00, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de €309.409,47, de capital.
sendo que a única fundamentação da decisão da matéria de facto que consta da sentença é a seguinte:
Analisados os autos, com base em prova documental, confissão e acordo das partes, é possível dar como provados os seguintes factos:
Da nulidade da sentença por falta de fundamentação – artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
U. Da análise da sentença decorre que o tribunal a quo não analisou criticamente as provas nem tão pouco indicou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, como impõe o artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
V. Limitou-se a referir, quanto à fundamentação da matéria de facto, que analisados os autos, com base em prova documental, confissão e acordo das partes, é possível dar como provados os seguintes factos.
W. Referir apenas e tão só na fundamentação da matéria de facto analisados os autos, com base em prova documental, confissão e acordo das partes não cumpre os requisitos mínimos de fundamentação da matéria de facto a que se refere o artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
X. O mesmo é dizer, por isso, que a sentença ora em crise é nula por falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder,
Y. Sempre se dirá que dos autos não resultam os factos provados sob os pontos 9. e 10. Da decisão da matéria de facto.
Do erro de julgamento quanto à segunda parte do facto provado sob o ponto 9.
Z. O facto provado sob o ponto 9. corresponde à transcrição do facto alegado no ponto 8. do RE.
AA. Nada nos autos permite concluir que o valor do capital em dívida em 13/08/2010 era €416.942,32, ao contrário do que o tribunal a quo entendeu, verificando-se, por isso, um erro de julgamento que impõe a eliminação de tal facto do elenco dos factos provados.
BB. Do contrato de mútuo junto aos autos não decorre que o valor do capital em dívida em 13/08/2010 fosse €416.942,32 pois o montante do capital mutuado foi €302.255,15 – cfr. contrato de mútuo e facto provado 5..
CC. O mútuo seria reembolsado em prestações mensais através das quais o capital mutuado – €302.255,15 – e os respectivos juros, haveriam de ser pagos – cfr. contrato de mútuo e facto provado 8., o que ocorreu durante 5 anos.
DD. Sendo, por isso, manifesta e matematicamente impossível que, depois de se amortizar – ainda que parcialmente, o capital mutuado ao longo de 5 anos, 25% do período de duração do contrato – o capital em dívida tenha um valor superior ao capital mutuado!!!
EE. A Apelada impugnou o capital reclamado e, em concreto, o valor do capital alegadamente em dívida em 13/08/2010 – vd. artigos 60.º e 62.º da petição de embargos – pelo que, quanto a este aspecto não ocorreu nem confissão da Apelada nem acordo das partes.
FF. A Apelada impugnou os Doc.s 01 e 03 juntos com o RE, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 374.º, n.º 2, do CC – cfr. artigo 62.º a 64.º da PI- pelo que o tribunal a quo não podia, sem mais, considerar tais documentos verdadeiros, e impugnou igualmente o documento junto pela Apelante com a contestação – vd. requerimento da Apelada enviado aos autos em 17/01/2020 com a ref.ª citius 34578056.
GG. Assim:
(vi) sem confissão por parte da Apelada quanto ao valor do capital em dívida em 13/08/2010;
(vii) sem acordo das partes quanto ao valor do capital em dívida em 13/08/2010;
(viii) sem qualquer documento do qual possa resultar, ainda que indiciariamente, o valor do capital em dívida em 13/08/2010;
(ix) com a impugnação dos Doc.s 01 e 03 juntos com o RE e do documento junto com a contestação dos embargos; e
(x) com a expressa impugnação da Apelada quanto ao alegado valor em dívida, o tribunal a quo pudesse considerar provado que em 13/08/2010 ficou em dívida, de capital, a quantia de €416.942,32, sobre a qual incidem os juros remuneratórios e moratórios como consta do facto provado sob o ponto 9..
HH. Motivo pelo qual se impõe a eliminação deste segmento do facto provado 9., devendo o mesmo passar a ter a seguinte redacção: Sucede que as prestações acordadas deixaram de ser pagas, em 13.08.2010, o que se requer, na medida em que não existe qualquer prova nos autos quanto ao valor do capital em dívida em tal data.
Do erro de julgamento quanto à segunda parte do facto provado sob o ponto 10.
II. O facto provado sob o ponto 10. é transcrição do facto alegado no ponto 9. do RE, o qual a Apelante acabou por requerer que fosse considerado não provado nas suas alegações.
Foi a própria Apelante quem referiu que o Banco… recebeu a quantia de €214.000.
JJ. Nada nos autos permite concluir que o valor do capital em dívida em 01/08/2019 – já após a dedução dos €214.000 - ascende a €309.409,47, ao contrário do que o tribunal a quo entendeu, verificando-se, por isso, um erro de julgamento que impõe a eliminação de tal facto do elenco dos factos provados.
KK. Do contrato de mútuo junto aos autos não decorre que o valor do capital em dívida em após o recebimento dos €214.000, em 01/08/2019 fosse €309.409,47, pois o montante do capital mutuado foi €302.255,15 – cfr. contrato de mútuo e facto provado 5..
LL. O mútuo seria reembolsado em prestações mensais através das quais o capital mutuado – €302.255,15 – e os respectivos juros haveriam de ser pagos – cfr. contrato de mútuo e facto provado 8., o que ocorreu durante 5 anos e foram recebidos mais €214.000.
MM. Sendo, por isso, manifesta e matematicamente impossível que, depois de se amortizar – ainda que parcialmente, o capital mutuado ao longo de 5 anos (25% do período de duração do contrato) e de recebidos €214.000 para pagamento do mútuo – o capital em dívida, em 01/08/2019, tenha um valor superior ao capital mutuado!!!
NN. A Apelada impugnou o capital reclamado e, em concreto, o valor do capital alegadamente em dívida em 01/08/2019 – vd. artigos 60.º a 62.º da petição de embargos – pelo que, quanto a este aspecto não ocorreu nem confissão da Apelada nem acordo das partes.
OO. A Apelada impugnou os Doc.s 01 e 03 juntos com o RE, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 374.º, n.º 2, do Código Civil – cfr. artigo 62.º a 64.º da PI- pelo que o tribunal a quo não podia, sem mais, considerar tais documentos verdadeiros, tendo impugnado igualmente o documento junto pela Apelante com a contestação – vd. requerimento da Apelada enviado aos autos em 17/01/2020 com a ref.ª citius 34578056.
PP. Assim:
(xvi) sem confissão por parte da Apelada quanto ao valor do capital em dívida em 01/08/2019;
(xvii) sem acordo das partes quanto ao valor do capital em dívida em 01/08/2019;
(xviii) sem qualquer documento do qual possa resultar, ainda que indiciariamente, o valor do capital em dívida em 01/08/2019;
(xix) com a impugnação dos Doc.s 01 e 03 juntos com o RE e do documento junto com a contestação dos embargos; e
(xx) com a expressa impugnação da Apelada quanto ao alegado valor em dívida, o tribunal a quo pudesse considerar provado que em 01/08/2019 mantinha-se em dívida o montante de € 309.409,47, de capital como consta do facto provado sob o ponto 10..
QQ. O único facto que o tribunal a quo pode considerar provado, porque decorre de confissão da Apelante, é que foram recebidos €214.000 e que estes foram imputados ao pagamento da dívida. Nada mais!
Motivo pelo qual se impõe a eliminação deste segmento do facto provado 10., devendo o mesmo passar a ter a seguinte redacção: A P. SA recebeu um pagamento no montante de €214.000,00, o qual foi imputado ao montante em dívida, o que se requer, na medida em que não existe qualquer prova nos autos quanto ao valor do capital em dívida em 01/08/2019.
Acresce ainda que,
Da inexistência de título executivo
RR. O contrato de mútuo junto como Doc. 02 do RE , por si só, não é suficiente como título executivo pois o mesmo, por si só, não é título bastante para sustentar a quantia exequenda.
SS. Do RE resulta que, apesar de o capital mutuado ter sido no valor de €302.255,15 (trezentos e dois mil duzentos e cinquenta e cinco euros e quinze cêntimos) indica como estando em dívida a título de capital o montante de €309.409,47 (trezentos e nove mil quatrocentos e nove euros e quarenta e sete cêntimos), ou seja, valor de capital alegadamente em dívida é superior ao valor mutuado.
TT. A própria P. SA confessa que o referido contrato, celebrado em 12/08/2005, foi incumprido em 13/08/2010 -vd. ponto 8. do RE.
UU. O que significa que confessa que as prestações mensais devidas ao abrigo do mesmo foram pagas entre em 12/08/2005 e 13/08/2010, i.e, durante 5 anos – confissão que se aceita para não mais ser retirada, nos termos do artigo 465.º, n.º 2, do CPC.
VV. Confessa ainda que já foi recebida a quantia de €214.000 – vd. ponto 9. do RE e artigo 39.º da contestação aos embargos - confissão que se aceita para não mais ser retirada, nos termos do artigo 465.º, n.º 2, do CPC.
WW. Assim, a par do capital alegadamente em dívida ser superior ao capital mutuado, fica ainda por explicar o que aconteceu às 60 (sessenta) prestações pagas durante o referido período de 5 anos e aos cerca de €214.000 também pagos entretanto.
XX. Do acima exposto resulta, de forma manifesta, que o título executivo usado pela P. SA não satisfaz os requisitos da exequibilidade e suficiência legalmente exigidos.
YY. Na medida em que o não é suficiente para sustentar a quantia exequenda que é peticionada.
ZZ. Com efeito, não se pode aceitar que um documento de onde se retira um empréstimo no valor de €302.255,15, depois de terem sido pagas as prestações acordadas durante 5 anos e executada uma hipoteca que determinou o pagamento de €214.000, constitua título executivo bastante para sustentar um pedido de pagamento de €309.409,47 que correspondem alegadamente a capital.
AAA. Note-se também que a exequente não faz qualquer prova da disponibilização da quantia mutuada aos mutuários, como se impunha, pois os contratos de mútuo tem eficácia real quoad constitutionem, pelo que só se constitui e reconhece a obrigação pecuniária de restituição do montante mutuado quando esse montante for efectivamente entregue, pois é só nesse momento que o contrato produz efeitos. 
BBB. Em suma, verifica-se que estamos perante uma ausência de título executivo, devendo, também por isso, a Apelada ser absolvida da instância, pois, em face do supra exposto, a presente execução não pode prosseguir, na medida em que o documento apresentado como título executivo não tem a força executiva pretendida.
CCC. Caso a presente acção prossiga os seus termos, e se considere existir título executivo, deverá o tribunal a quo pronunciar-se especificamente sobre todas as questões suscitadas nos autos pela Apelada, nomeadamente: o valor em dívida, a prescrição dos juros, o não vencimento de juros após 31/10/2014 e o não vencimento de juros remuneratórios, questões sobre as quais não se pronunciou por entender que ficou prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos autos.
DDD. Caso contrário, o tribunal viola claramente o disposto no artigo 10.º, n.º 2, e 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC, até porque há litígio quanto ao valor da obrigação aqui em causa.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas, Exmos Senhores Juízes Desembargadores certamente suprirão, deve o recurso interposto pela Apelante ser julgado improcedente e ainda o objecto da ampliação do âmbito do recurso, e respectiva impugnação da matéria de facto julgada procedente, alterando-se os factos provados sob os pontos 9. e 10. nos termos requeridos e concluindo-se pela inexistência de título executivo.”
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
1. O Banco… era uma instituição que se dedicava ao comércio bancário.
2. Por escritura de cessão de créditos, celebrada em 30.12.2010, o Banco … cedeu à ora exequente – P. S.A. – um conjunto de créditos, incluindo as respetivas garantias e acessórios, sem quaisquer reservas ou exceções (cfr. documento de fls. 4 e seguintes dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido).
3. Entre os créditos cedidos, consta o crédito que agora se executa.
4. No exercício da sua actividade e a pedido dos executados JD e CD, no dia 12.08.2005, o Banco… celebrou com eles um CONTRATO DE MÚTUO (cfr. documento de fls. 21v e seguintes dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido).
5. Através de tal contrato de mútuo, o Banco … emprestou aos mutuários a quantia de € 302.255,15 (cfr. art.º 1.º do aludido contrato).
6. O empréstimo em causa destinou-se à regularização de responsabilidades em dívida junto da entidade bancária X, conforme cláusula segunda do contrato de mútuo.
7. Na data da celebração do contrato, foi constituída hipoteca voluntária a favor da mutuante, sobre uma fração autónoma, destinada a assegurar o bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pelos devedores, até ao limite de €362.706,18, conforme cláusula décima segunda do contrato.
8. De acordo com o contrato celebrado foram convencionadas, além do mais, as cláusulas acerca: a) Do número de prestações mensais, através das quais o capital mutuado, bem como os respetivos juros, haveriam de ser pagos; b) Das datas da 1.ª e das restantes prestações; c) Dos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respetiva cláusula do contrato.
9. Sucede que as prestações acordadas deixaram de ser pagas, em 13.08.2010 (cfr. documento de fls. 25v dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido), tendo ficado em dívida, de capital, a quantia de €416.942,32, sobre a qual incidem os juros remuneratórios e moratórios.
10. O Banco … recebeu um pagamento no montante de €214.000,00, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de €309.409,47, de capital.
11. Foi instaurado processo de execução fiscal, identificado pelo n.º 0000 – Serviço de Finanças de Almada.
12. Em sede de tais autos fiscais, a P. SA, na qualidade de credora com garantia real, porque citada para o efeito, reclamou os seus créditos.
13.No âmbito de tal processo, a P. SA, recebeu o montante de 214.000,00€ (duzentos e catorze mil euros).
14. Correu termos junto do Juiz 7 do Juízo de Execução de Lisboa a acção executiva n.º 9488/11.3YYLSB em que era exequente a ora exequente e executados os ora executados, sendo reclamado o pagamento do contrato de mútuo ora dado à execução.
15. Por decisão transitada em julgado em 26 de Abril de 2019 foi tal execução declarada extinta por ter considerado a quantia exequenda uma quantia ilíquida e inexigível.”
*
A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que consta do relatório antecedente e, ainda, a seguinte:
I) A ação executiva foi instaurada em 15/08/2019, sendo o requerimento executivo do seguinte teor:
“Factos: 1. - Como é do conhecimento da generalidade das pessoas medianamente informadas, o Banco… . era uma instituição que se dedicava ao comércio bancário.
2. - E, também, como é do conhecimento da generalidade das pessoas medianamente informadas, por escritura de cessão de créditos, celebrada em 30.12.2010, o Banco cedeu à ora exequente - a P. SA - inúmeros créditos (entre os quais o que vai referir-se adiante) incluindo as respetivas garantias e acessórios, sem quaisquer reservas ou exceções (cfr. doc. 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, bem como os demais que irão ser juntos).
3. - Nesse decurso, a exequente P. S.A. é o sujeito ativo do crédito que agora se executa.
4. - É que, no exercício da sua actividade e a pedido dos mutuários JD e CD, no dia 12.08.2005, o Banco… celebrou com eles um CONTRATO DE MÚTUO - cfr. doc. 2 que se junta.
5. - Através de tal contrato de mútuo, o Banco … emprestou aos mutuários a quantia de € 302.255,15 (cfr. art.º 1.º do contrato).
6. - Tais mutuários utilizaram a quantia mutuada para a finalidade prevista no art.º 2.º do contrato.
7. - De acordo com o contrato celebrado e nos termos do art.º 724° n.º 1, alínea e) do C.P.C., foram convencionadas, além do mais, as cláusulas (que aqui se dão como reproduzidas) acerca: a) Do número de prestações mensais, através das quais o capital mutuado, bem como os respetivos juros, haveriam de ser pagos; b) Das datas da 1.a e das restantes prestações; c) Dos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respetiva cláusula do contrato;
8. - Sucede que as prestações acordadas deixaram de ser pagas, em 13.08.2010 (cfr. doc. 3), tendo ficado em dívida, de capital, a quantia de €416.942,32, sobre a qual incidem os juros remuneratórios e moratórios, constantes do item "Liquidação da Obrigação".
9. - No entanto, o Banco … recebeu um pagamento no montante de €214.000,00, o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido (vide amortizações de capital e juros constantes do doc. 3, por efeito da venda do imóvel que garantia o contrato), pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de €309.409,47, de capital (cfr. novamente o doc. 3).
Para além do capital em dívida de €309.409,47, são devidos os juros calculados desde 13.08.2010 a 01.08.2019, à taxa convencionada de 8,687%, no valor de €146.846,65.
Ao capital em dívida haverá, ainda, que acrescentar os juros vincendos calculados à taxa supra referida, até ao efectivo e integral pagamento, conta a elaborar, a final, pelo Agente de Execução, nos termos do artigo 716.º, n.º 2 do C.P.C..”
II) Com o requerimento executivo a exequente juntou, além do contrato de cessão de créditos entre Banco… e P. SA, documento intitulado “contrato de mútuo, celebrado em 12/08/2005, entre Banco … e os executados, nele figurando respetivamente como primeiro outorgante (Banco …) e segundos outorgantes (mutuários), com o seguinte teor:
“(…) ARTIGO TERCEIRO (Prazo)
1. O prazo do empréstimo é de 20 (VINTE) ANOS, a contar da data da primeira utilização de fundos. (…)
ARTIGO SÉTIMO (Reembolso do Capital e Pagamento dos Juros)
Salvo acordo diverso e sem prejuízo do direito de antecipação, previsto no anterior artigo terceiro, o empréstimo será reembolsado em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, de acordo com o piano do conhecimento dos MUTUÁRIOS. (…)
ARTIGO DÉCIMO SEGUNDO (Garantias do Cumprimento)
1. Os valores que se mostrarem em dívida ao Banco … ficam caucionados pela livrança em branco, subscrita pelos MUTUÁRIOS, destinada a garantir o pagamento de todas as responsabilidades, assumidas ou a assumir pelos MUTUÁRIOS perante o Banco …, por crédito concedido ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados até ao limite de trezentos e sessenta e dois mil, setecentos e seis euros e dezoito cêntimos, acrescido dos respectívos juros, despesas e encargos, incluindo, por isso, os valores emergentes deste contrato; além da livrança, os MUTUÁRIOS entregam ao Banco … a correspondente autorização de preenchimento.
2. Os valores que se mostrarem em dívida ao Banco … ficam ainda garantidos pela hipoteca constituída por escritura de hoje celebrada no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada do Porto sobre o seguinte prédio de que são proprietários os MUTUÁRIOS: prédio urbano, composto de terreno para construção, sito em ….
ARTIGO DÉCIMO TERCEIRO (Incumprimento)
1. Sem prejuízo doutros casos previstos na lei ou neste contrato, o Banco … poderá denunciar o presente contrato, declarando vencidas todas as obrigações dele decorrentes e exigir o seu cumprimento imediato, por notificação escrita aos MUTUÁRIOS, sempre que se verifique alguma das seguintes situações:
a) No caso de incumprimento, no prazo concedido, de exigências efectuadas, consoante os casos, ao abrigo do disposto nos artigos 633º, 670°, alínea c), 701° e/ou 780°, todos do Código Civil;
b) Se os MUTUÁRIOS cessarem pagamentos, se requererem processo de recuperação de empresa ou de falência, ou algum deles for requerido por terceiros;
c) Se os MUTUÁRIOS deixarem protestar quaisquer títulos de crédito em que algum deles seja obrigado, se forem executados judicialmente, ou se, por qualquer forma, der azo à interrupção da sua actividade ou à diminuição considerável das suas garantias de solvabilidade;
d) Se os MUTUÁRIOS deixarem de cumprir pontualmente as obrigações decorrentes de outros empréstimos obtidos junto do Banco … ou de outras instituições de crédito nacionais ou estrangeiras;
e) Se os MUTUÁRIOS não cumprirem a obrigação previstas no artigo décimo segundo deste Contrato;
f) Em geral, no caso de não cumprimento pontual pelos MUTUÁRIOS de qualquer das obrigações assumidas pelo presente contrato.
2. A denúncia deverá ser efectuada por carta registada, produzindo efeitos no oitavo dia posterior à sua expedição, se o vício ou falta que motivou a denúncia não for corrigido dentro dos cinco dias posteriores à mesma expedição.”
III) A executada/embargante foi citada em 31/10/2019.
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (art.ºs 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1. Da nulidade da sentença
2. Da impugnação da decisão de facto
3. Da suficiência do título dado à execução
*
1. Da nulidade da sentença
A apelada, em sede de ampliação do recurso, arguiu a nulidade da sentença ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do art.º 615º do CPC, por ser totalmente omissa quanto aos concretos meios de prova de que o tribunal se socorreu para a decisão de cada um dos 15 factos que considerou provados, em violação do disposto no art.º 607º, nº 4 do CPC. Subsidiariamente, impugnou a decisão de facto.
As nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no art.º 615º, nº 1 do C.P.C. que estabelece:
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
A nulidade por falta de especificação de fundamentos de facto ou de direito apenas ocorre perante falta absoluta e não meramente deficiente ou incompleta.
“A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC pressupõe a falta em absoluto de indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, e não a mera deficiência de fundamentação.
O eventual desrespeito pelo procedimento previsto no n.º 4 do art.º 607, do CPC, não se pode equacionar em sede de nulidades da sentença, por falta de fundamentação absoluta da matéria de facto ou de direito, nos termos previstos na citada alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º, mas no âmbito da impugnação e reapreciação da matéria de facto.” - Ac.R.E. de 22-03-2018, in www.dgsi.pt.
Alberto dos Reis, in C. P. Civil, Anotado, Vol. V, pág. 140, afirmava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Na decisão recorrida pode ler-se o seguinte:
“Analisados os autos, com base em prova documental, confissão e acordo das partes, é possível dar como provados os seguintes factos (…)”
De seguida foram elencados 15 factos.
Soçobra a nulidade apontada, dado que não se verifica falta absoluta de fundamentos de facto. Acresce que a decisão recorrida foi proferida, findos os articulados, sem instrução. Daí ter-se baseado na prova documental, confissão e acordo das partes.

2. Da impugnação da decisão de facto
A apelante defende que o facto provado nº 10 deve ser considerado não provado, uma vez que decorre do documento nº 3 junto com o requerimento executivo e da confissão da apelada que a quantia de €214.000 foi recebida pela P. SA e não pelo Banco …, o que, no seu entender, determina a alteração do facto provado nº 13, devendo o mesmo passar a constar com a seguinte redação: “No âmbito de tal processo, a P. SA recebeu o montante de 214.000,00€ (duzentos e catorze mil euros), o qual foi imputado ao montante em dívida atrás referido, pelo que à data de 01.08.2019 mantinha-se em dívida o montante de €309.409,47, de capital”.
A apelada concorda com a eliminação do facto provado nº 10, discordando da pretendida alteração do facto provado nº 13, no que respeita ao montante em dívida. Para o efeito, sustenta que impugnou o valor do capital reclamado, bem como os documentos nºs 1 e 3 juntos com o requerimento executivo e o documento junto com a contestação aos embargos.
O facto provado nº 10 encontra-se em contradição com o facto provado nº 13 na identificação da credora que recebeu a quantia de €214.000.
As partes estão de acordo quanto a ter sido a ora exequente a receber tal quantia no âmbito de reclamação de créditos deduzida em execução fiscal identificada nos factos provados, tal como decorre dos pontos nºs 11 a 13. Mais esclareceu a apelante que a referência efetuada no requerimento executivo ao Banco … se deveu a lapso.
Assim, determina-se a eliminação do facto provado nº 10.
A alteração do facto provado nº 13, no sentido de ao mesmo se aditar a quantia em dívida a título de capital, em 01/08/2019, não pode proceder.
A apelante sustenta o seu entendimento no documento nº 3 anexo ao requerimento executivo e na confissão da apelada.
Ora, a apelada impugnou o valor do capital em dívida, bem como os documentos nºs 1 e 3 juntos com o requerimento executivo (cfr. art.ºs 60º a 64º da petição de embargos) e documento anexo à contestação (cfr. requerimento de 17/01/2020).
O documento nº 3 constitui documento interno da exequente/embargada, o documento anexo à contestação um documento bancário, e não ocorreu confissão da executada/embargante.
Sustentando a sua posição nos referidos elementos probatórios a apelada, em sede de ampliação do recurso, impugnou o facto provado nº 9, requerendo que o mesmo seja considerado não provado.
Dada a impugnação efetuada pela embargante quanto ao valor de capital em dívida constante do facto provado nº 9 e impugnados os referidos documentos, não tendo sido junto documento com força probatória plena, é de eliminar o montante daquele constante – e não a eliminação do facto nº 9 na sua totalidade, pois, além do mais, a apelada aceita expressamente o seu teor -, que assim passará a ter a seguinte redação:
“9. Sucede que as prestações acordadas deixaram de ser pagas, em 13.08.2010 (cfr. documento de fls. 25v dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido)”.
Acresce que, tendo a decisão sido proferida em fase do despacho saneador, apenas importa determinar os factos provados, em face da prova produzida nessa fase. Os demais, que dependem de produção de prova não devem ser, nesta fase, considerados não provados.
 Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto apresentada pela apelante e totalmente a apresentada pela apelada, com eliminação do facto provado nº 10 e alteração da redação do facto provado nº 9, nos termos sobreditos.
3. Da existência de título executivo
Pugna a apelante pela existência de título executivo, pela exigibilidade da obrigação exequenda, dado que a interpelação para pagamento da totalidade da dívida se efetivou com a citação na ação executiva.
Vejamos se lhe assiste razão.
A execução foi instaurada em 15/08/2019, pelo que, nos termos do disposto no art.º 6º, nº 3 da Lei 41/2013, de 26/06, que aprovou o Novo CPC, este é-lhe aplicável.
O título apresentado é um contrato de mútuo celebrado entre entidade bancária (o Banco…) e os executados, mediante documento particular, não autenticado. Tal documento não cabe no elenco taxativo do art.º 703º do CPC.
O acórdão nº 408/2015 de 23 de setembro, do Tribunal Constitucional, publicado no DR, 1.ª série, n.º 201, de 14 de Outubro de 2015, declarou,  “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.”
Por força deste acórdão mantêm exequibilidade os documentos particulares, previstos no art.º 46º nº 1, al. c) do CPC de 1961, emitidos em data anterior a 1 de setembro de 2013.
Este preceito é do seguinte teor: “À execução apenas podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.
Para que o documento particular constitua título executivo é necessário que se mostre assinado pelo devedor e contenha a constituição de uma obrigação pecuniária cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.
O título define o fim e fixa os limites da ação executiva (cfr. art.º 10º, n.º 5, do CPC) e deve demonstrar uma obrigação que seja certa, líquida e exigível (art.º 713º e 724º, nº 1, a. h) do CPC).
O contrato de mútuo é um contrato real quoad constitutionem, no sentido de que só se completa pela entrega da coisa.
Constando do contrato de mútuo cláusulas acerca do número de prestações mensais, através das quais o capital mutuado, bem como os respetivos juros, haveriam de ser pagos; das datas da 1.ª e das restantes prestações; dos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respetiva cláusula do contrato, este será título executivo bastante no que respeita às prestações vencidas, incumpridas pelos executados.
No caso de obrigação pecuniária pagável em prestações sucessivas, o vencimento imediato das restantes prestações na falta do pagamento de uma delas, nos termos do artigo 781.º do CC, constitui um caso de exigibilidade antecipada, benefício que a lei concede ao credor, a ser exercido mediante interpelação do devedor, dado que não é de funcionamento automático.
“O credor fica, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação s que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido. (...)
O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor.
A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.” – Antunes Varela, Direito das Obrigações, Almedina. 4º edição, vol. II, pág. 52-53.
Sendo a obrigação exequenda constituída pela totalidade das prestações acordadas, por vencimento antecipado, nos termos do art.º 781º do CC ou de cláusula contratual, ou em resultado da resolução do contrato, para que se esteja perante um título executivo exige-se a interpelação do devedor, pois apenas com esta se dá o vencimento imediato, antecipado das prestações até ao fim do prazo contratual.
“I - O vencimento das prestações a que se refere o artigo 781º do Código Civil é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo beneficiar dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação.
II - Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas. O vencimento imediato significa exigibilidade imediata, mas não dispensa a interpelação do devedor.” [1]
Rui Pinto, A Ação Executiva, AADFL, pág. 230-231, afirma “a causa de pedir da execução é idêntica à causa de pedir da ação condenatória: são os factos de aquisição de um direito ou poder a uma prestação exigível, comportando factos principais (atinentes à aquisição do direito) e factos complementares (atinentes à exigibilidade). (…)
A exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após interpelação do devedor. Tal qualidade não é processual, mas substantiva: a verificação do facto do qual depende o cumprimento – interpelação pelo credor, decurso do prazo de vencimento, ocorrência de condição, realização de contraprestação. (…)
Integrando a causa de pedir, a demonstração da exigibilidade é, como já antecipámos, uma condição material de procedência do pedido na ação executiva, mas também na ação declarativa.”
Para Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra editora, 6ª edição, pág. 98, “a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art.º 777-1 CC, de simples interpelação do devedor.”
Revertendo ao caso dos autos.
Entre o Banco … e os executados foi celebrado, em 12/08/2005, contrato de mútuo da quantia de €302.255,15, pelo prazo de 20 anos, mediante o pagamento de prestações mensais.
Os executados deixaram de pagar as prestações em 13.08.2010.
Na cláusula 13ª foi estipulado que o mutuante poderá denunciar o contrato, declarando vencidas todas as obrigações dele decorrentes e exigir o seu cumprimento imediato, por notificação escrita aos mutuários, no caso, nomeadamente, de os mutuários cessarem pagamentos, não cumprimento pontual pelos mutuários de qualquer das obrigações assumidas pelo presente contrato.
Mais estipularam os outorgantes que a denúncia deverá ser efetuada por carta registada, produzindo efeitos no oitavo dia posterior à sua expedição, se o vício ou falta que motivou a denúncia não for corrigido dentro dos cinco dias posteriores à mesma expedição.
Com o requerimento executivo não foi junto comprovativo do envio e receção da carta registada prevista na cláusula 13ª ou de interpelação para o vencimento antecipado.
A exequente/apelante alega ter optado pela instauração da ação executiva, tendo requerido a citação da executada para proceder ao pagamento da totalidade da dívida, pelo que entende ter operado a interpelação com a citação.
Perante o teor do requerimento executivo é inequívoco que a apelante não pretende a resolução do contrato de mútuo, mas o vencimento antecipado de todas as prestações, assente que o incumprimento por parte dos executados ocorreu em 13/08/2010, data em que as prestações acordadas deixaram de ser pagas.
Referindo-se ao disposto no art.º 781º do CC e ao contrato de mútuo amortizável em prestações mensais ou trimestrais, em caso de incumprimento das prestações, afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC Anotado, Almedina, vol. II, pág. 45, “quando, face à documentação apresentada, se tornar inequívoco a verificação do condicionalismo referido, bastará a alegação dos factos que impliquem a perda do benefício do prazo para que possa ser exigido o cumprimento coercivo de todas as prestações (…)”.
Escrevem, ainda estes autores “a obrigação é exigível quando ocorre algumas das seguintes situações: já se encontra vencida; o seu cumprimento depende de interpelação do devedor (art.º 777º, nº 1 do CC) e este já foi interpelado extrajudicialmente; o seu vencimento depende de interpelação do devedor e este não foi interpelado extrajudicialmente, sendo-o através da citação (art.ºs 551º, nº 1 e 610º, nº 2, al. b)”, afirmando, quanto a esta última situação, não se impor “qualquer interpelação anterior ou qualquer formalidade específica.” (ob. citada, pág. 41, 43-44).
 A interpelação exigida para efeitos do art.º 781º do CC pode ser extrajudicial – neste caso deve o exequente apresentar prova complementar, juntando com o requerimento executivo o documento que a comprova – ou judicial, mediante citação na ação executiva.
Neste sentido, por todos v. Ac. STJ de 12/07/2018, proc. nº 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1, www.dgsi.pt:
“I - Seguindo a execução para pagamento de quantia certa a forma de processo comum ordinário – na qual a citação prévia constitui o procedimento-regra – a citação levada a efeito vale como interpelação judicial aos executados nos termos e para os efeitos do art.º 805.º, n.º 1, do CC, no caso, para cumprimento das prestações e acréscimos do contrato de mútuo considerados como estando em dívida (art.ºs 726.º e 727.º do CPC).
II - Essa interpelação apenas confere à obrigação exequenda o indispensável atributo da exigibilidade, não se reconduzindo a qualquer declaração resolutiva do contrato, já que, lançando o credor mão do mecanismo do vencimento ou exigibilidade antecipada da dívida pagável em prestações, reclamando a totalidade desta, com a consequente perda do benefício do prazo por parte do devedor, tem o mesmo em vista a consideração do contrato como válido (no qual permanece interessado) e não a sua resolução/extinção (art.º 781.º, n.º 1, do CC, e art.º 713.º do CPC).”
Estabelecia o art.º 804, nº 3 do CPC, na versão anterior à reforma de 2003: “quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a obrigação considera-se vencida com a citação do executado.”
Esta norma não encontra paralelo no atual CPC.
Como refere Rui Pinto, ob. citada, pág. 235-236, aplicando-se esta norma às obrigações puras (aquelas não sujeitas a qualquer prazo ou condição, como é o caso da obrigação do pagamento da totalidade das prestações, por vencimento antecipado), a sua “solução já resultava do artigo 805º nº 1 CC (cf. ainda o artigo 610º nº 2 al. b)).” Acrescentando que, operando a interpelação pela citação na ação executiva, “como até à data da citação do executado inexiste mora, contar-se-á o direito aos juros moratórios somente a partir da citação”.
  No caso em apreço, tendo a execução seguido a forma ordinária, iniciando-se com despacho de citação, a interpelação do vencimento antecipado de todas as prestações, ao abrigo do art.º 781º do CC, efetivou-se em 31/10/2019, com a citação da executada, com as consequências já assinaladas no que respeita aos juros de mora.
A apelada, em sede de ampliação do objeto do recurso, pugna pela inexistência de título executivo por não ter sido junto documento comprovativo da disponibilização da quantia mutuada aos mutuários, ora executados, tendo impugnado o valor de capital em dívida, invocado a prescrição dos juros, o não vencimento de juros após 31/10/2014 e o não vencimento de juros remuneratórios.
A decisão recorrida foi proferida em fase do saneador, não tendo apreciado as demais questões suscitadas, por ter ficado a sua apreciação prejudicada pela procedência dos embargos, com fundamento na falta de interpelação da executada.
Face ao supra exposto, impõe-se a revogação do saneador sentença, competindo à 1ª instância apreciar – com produção de prova, que nalguns casos se afigura necessária – as demais questões suscitadas nos embargos.
Em suma, o contrato de mútuo junto com o requerimento inicial não carecia de prévia interpelação do devedor para que constituísse título executivo, tendo aquela operado com a citação da executada.
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos embargos para apreciação das demais questões suscitadas.
Custas a cargo da apelada. 

Lisboa, 27 de abril de 2023
Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço
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[1] Ac. STJ de 11/07/2019, proc. nº 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1, in www.dgsi.pt. Neste sentido cfr. acórdãos acórdãos da RL de 08/07/2021, proc. nº 2106/12.4TBVFX-A.L1-6; de 10/03/2022, proc. nº  3541/19.2T8ALM-A.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt