Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28028/21.0T8LSB.L1-8
Relator: ANA PAULA NUNES DUARTE OLIVENÇA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RELAÇÃO MATERIAL CONTROVERTIDA
CONTRATO CELEBRADO VIA INTERNET
ACORDO DE RESERVA
COMPRA E VENDA DE VEÍCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não se aplicando fonte europeia ou internacional, qualquer delas com prevalência sobre o direito do Estado, a competência internacional dos tribunais portugueses é regulada pelo disposto nos arts.59º, 62º, 63º e 94º, todos do CPCivil;
2. Os contratos celebrados através da internet estão abrangidos pela denominada “rede global”, em que várias ordenamentos jurídicos são postos em contacto o que acarreta problemas de inter-relacionação de ordenamentos jurídicos que podem surgir da colisão entre os mesmos.;
3. A conexão da acção com a ordem jurídica internacional pode surgir, assim, ao nível das partes, do pedido ou da causa de pedir;
4. A competência internacional há-de ser aferida em função da relação material controvertida tal como ela é configurada pelo Autor;
5. Não podem permitir-se as demandas artificiosas mediante as quais o demandante tenta subverter as normas integrantes do Direito Internacional Privado para propor a acção num tribunal de um país que entenda para si mais conveniente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                            
1. Relatório
«A…, SL», sociedade de direito espanhol, com sede em Madrid – Espanha, intentou a presente acção contra,
«T….INC.», sociedade de direito norte americano, com sede em …., Estados Unidos da América,
e contra,
«…. PORTUGAL, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA», com sede em Lisboa, formulando os seguintes pedidos:
«a) Devem as Rés ser condenadas no pagamento, à Autora, da quantia de € 2.101.390,00, à qual devem acrescer juros comerciais vincendos à taxa comercial, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente:
b) Devem as Rés ser condenadas no pagamento, à Autora, da quantia de € 243.259,00, à qual devem acrescer juros comerciais vencidos no montante de € 66.013,16, bem como juros vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente:
c) Deve a Ré ser condenada no pagamento, à Autora, da quantia de € 210.787,75, à qual devem acrescer juros comerciais vencidos no montante de € 57.717,55, bem como juros vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, a título de responsabilidade pré-contratual.
Subsidiariamente:
d) Deve a Ré ser condenada no pagamento, à Autora, da quantia de € 210.787,75, à qual devem acrescer juros comerciais vencidos no montante de € 57.717,55, bem como juros vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, a título de enriquecimento sem causa.         »
Para tanto alega, em síntese, que a Ré “T…., INC” apresentou ao público mundial, através de um vídeo na internet, o seu novo modelo automóvel …., vídeo no qual se apresentava um exemplar do veículo em circulação e em que o CEO da T… INC,  anunciou que o veículo estaria disponível em 2020, afirmando nessa apresentação que a T…INC estava já a produzir o T…. Roadster ou iria produzi-lo de imediato e que quem desejasse adquirir um dos 1000 exemplares da edição de lançamento (edição limitada) o seu preço era de 250.000 USD e seria necessário colocar imediatamente esse montante na conta da T….
A Autora ficou interessada na aquisição de um desses mil exemplares e fez a respectiva reserva através da internet no site “T…..com/pt”, único meio possível para a proceder à reserva de veículos da marca, portanto, sem contacto pessoal directo com um concessionário ou representante, e veio a proceder ao pagamento do preço total do veículo mediante transferências bancárias (de 5.000 USD e de 245.000 USD) para o Banco “….” a favor da “T…Inc.”, ora R., e recebeu e-mail provindo da T…, em inglês, com a confirmação desse pagamento e inerentemente da reserva do veículo, tendo como anexo o “Acordo de Reserva”.
Apesar de várias solicitações infrutíferas da A. acerca da data de entrega do veículo, a verdade é que, de acordo com a informação pública disponível, à data de interposição da acção a produção do veículo ainda não havia sequer sido iniciada, e em entrevista do CEO da T… em Maio de 2020 o mesmo revelou que a produção do modelo do veículo reservado pela A. – T… Series - não era prioritária para a empresa e que antes de a iniciar a empresa dedicar-se-ia a outros projectos que para si eram prioritários.
Defende a A. que o esquema de reserva da edição limitada de 1000 exemplares daquele veículo consistiu numa solução gizada pela T…. para ultrapassar a situação de insolvência iminente em que à época se encontrava e sem acesso a financiamento de curto prazo, com o que obteve de imediato junto de clientes, como a Autora, o pagamento de USD 250.000.000 (duzentos e cinquenta milhões de dólares) só nas reservas Founders Series, financiamento obtido a custo zero para a T….
Conclui, dizendo que as Rés lançaram mão de uma estratégia, tendo em vista a obtenção de financiamento a título gratuito, numa altura em que a T… Inc se encontrava na pior situação financeira da sua história.
A actuação das Rés configura, assim, uma situação de hyperfunding.
Alega, de igual modo, que as Rés violaram os mais elementares deveres acessórios de conduta durante todo o processo que conduziu à celebração do acordo de reserva (Reservation Agreement) com a Autora. Alega, ainda, que a T…. beneficiou de um enriquecimento patrimonial, sem qualquer causa que o justifique, pelo que a actuação das Rés configura assim um manifesto enriquecimento sem causa.
*
Devidamente citadas, vieram as RR. apresentar contestação, arguindo,  para além do mais, a excepção de incompetência do tribunal em razão da nacionalidade.
Alegam, em síntese:
Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para apreciar o litígio dos autos, constituindo a propositura da presente acção um exercício de forum shopping que não poderá ser acolhido;
A ação tem por objeto um Acordo de Reserva, sujeito à lei americana, celebrado entre uma sociedade comercial constituída ao abrigo da lei espanhola e com sede em Espanha – a Autora – e uma sociedade comercial constituída ao abrigo das leis da Califórnia e com sede em Palo Alto, Califórnia, Estados Unidos da América – a Ré T.... Inc.
Nos termos do alegado Acordo de Reserva, a Autora aceitou pagar à Ré T.... Inc a quantia de USD 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares) para formalização de uma reserva, que lhe conferisse prioridade aproximada na eventual aquisição de um veículo T.... Roadster quando este ficasse disponível para venda no mercado;
O pagamento foi realizado mediante transferência bancária da Autora para uma conta bancária da Ré T.... Inc, aberta junto do Wells Fargo Bank, entidade financeira cotada na bolsa norte-americana, com sede em São Francisco, Califórnia, Estados Unidos da América;
Ainda nos termos do aludido Acordo de Reserva, a Autora e a Ré T.... Inc acordaram que, caso o veículo viesse a ser adquirido pela Autora, o mesmo deveria ser entregue em Espanha;
Deste modo, a situação jurídica tal como vem alegada pela A., apresenta elementos de conexão com diferentes jurisdições, a saber:
− Local da sede da entidade que formalizou a reserva: Espanha;
− Local da sede da entidade que aceitou a reserva: Estados Unidos da América;
− Local de pagamento do preço: Estados Unidos da América;
− Moeda acordada para pagamento do preço (dólares americanos): Estados Unidos da América;
− Local acordado para entrega de veículo, em caso de aquisição futura: Espanha.
No Acordo de Reserva as partes não estabeleceram qualquer pacto de aforamento, não atribuindo competência a qualquer tribunal para dirimir os litígios que pudessem emergir ou estar relacionados com a celebração ou execução do Acordo de Reserva;
Na ausência de escolha de foro pelas partes, a competência internacional de um tribunal para apreciar determinado litígio é aferida com base numa análise casuística dos laços de conexão dos factos alegados pelo autor com determinada jurisdição;
 Da análise dos factos alegados pela Autora, não restam, assim, dúvidas de que a situação jurídica controvertida apresenta estreitos laços de conexão com os Estados Unidos da América e com Espanha, mas não com Portugal.
Os factos que integram a causa de pedir da presente ação reportam-se quer ao Acordo de Reserva celebrado entre uma sociedade espanhola e uma sociedade norte-americana, quer à alegada violação de obrigações pré-contratuais da Ré T.... Inc perante a Autora.
O conjunto de factos atinentes quer ao alegado incumprimento do Acordo de Reserva, quer a uma alegada violação de obrigações pré-contratuais pela Ré T.... Inc, caso venham a ser dados como provados, só podem ser imputados à Ré T.... Inc, e não à Ré T.... Portugal, porquanto a Autora não imputa a esta última qualquer facto atinente à celebração do Acordo de Reserva ou à sua execução, com relevância para o que se discute nos autos;
Para além do mais, qualquer dano ou prejuízo que pudesse eventualmente decorrer da conduta da Ré T.... Inc apenas se poderia verificar na esfera jurídica da Autora e, portanto, no local onde esta sociedade detém o seu domicílio e centro de interesses vitais – ou seja, em Espanha – e não em Portugal.
A intervenção da Ré T.... Portugal cingiu-se a uma resposta a uma questão comercial que lhe havia sido dirigida pela Autora, relativamente à possibilidade de alterar o local de entrega (de Espanha para Portugal) do veículo que futuramente pudesse vir a ser adquirido pela Autora pedido que,  não foi sequer aceite pela Ré T.... Portugal (nem podia ter sido, na medida em que esta entidade não era parte no Acordo de Reserva e, por isso, não poderia acomodar quaisquer pedidos de alteração ao mesmo).
Concluem defendendo que não existe qualquer conexão relevante entre a situação jurídica em apreço nos autos e o ordenamento jurídico português sendo os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para julgar a presente acção.
Devidamente notificada, respondeu a Autora, em síntese:
Todo o processo relativo à reserva/aquisição do veículo decorreu exclusivamente online, o que não permite materializar o local de celebração do contrato, porém, todas as comunicações realizadas pela Autora a propósito da reserva/aquisição do veículo em causa foram-no com a T.... Portugal, Sociedade Unipessoal, Lda. Conforme alegado em sede de petição inicial.
As comunicações foram realizadas electronicamente, em português, designadamente, com  B…., em cujo email surge a assinatura “B….| Sales Advisor | EU Sales. Lisbon, Portugal”,
O número de contacto associado a este mesmo B… é um número de telemóvel português e é a este que é enviado comprovativo de pagamento, a seu pedido;
É também este que, após recepção dos comprovativos de pagamento confirma a “reserva” do veículo;
É ainda sempre a B….a que são feitos, pela Autora, sucessivos pedidos de esclarecimento quanto à data prevista de entrega do veículo.
O (futuro) utilizador do veículo é, também ele, português;
É assim evidente a existência de conexão juridicamente relevante com o ordenamento jurídico português.
A intervenção da T.... Portugal (na pessoa de B….), no presente litígio, não constituiu um pormenor despiciendo, tendo esta, pelo contrário, tido um papel determinante no desenrolar dos acontecimentos que estiveram na origem da instauração da acção;
Os factos que tiveram lugar em Portugal constituem factos fundamentais na presente acção, porquanto são factos que integram a respectiva causa de pedir;
A indemnização formulado contra as Rés pelos danos decorrentes da respectiva actuação resulta, não apenas da celebração do acordo de inicial, mas de igual modo e em grande medida, dos factos que tiveram lugar em Portugal e que tiveram como interlocutora a T.... Portugal, podendo, por isso, afirmar-se que parte da causa de pedir teve lugar em Portugal;
Nos termos do disposto no artigo 62.º, al.b) do CPCivil, o tribunal português deverá considerar-se competente para a decisão da presente acção.
*
 Seguidamente, o tribunal a quo, dispensou a audiência prévia porquanto considerou que o processo devia findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória de incompetência internacional, a qual já havia sido debatida nos articulados.
Veio então a ser prolatada decisão, que conhecendo da excepção de incompetência internacional do tribunal, a final, decidiu:
« DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga procedente a excepção de incompetência internacional do Tribunal arguida pelas RR. e, em consequência, julga-se absolutamente incompetente para o julgamento da presente acção, absolvendo as RR. da instância. »
*
Devidamente notificada, interpôs a A. recurso de apelação no qual alinhou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
A. O presente recurso vem da sentença que julgou procedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses e, em consequência, declarou-se absolutamente incompetente para o julgamento da acção, absolvendo os Rés da instância, decisão com a qual a aqui Recorrente não se conforma porque violadora do artigo 62º b) do CPC, normativo que devia ter sido aplicado de forma a considerar verificados os pressupostos de competência internacional dos Tribunais Portugueses para julgarem a acção proposta.
B. A sentença sob recurso entendeu – erradamente - que “a relação material controvertida, consubstanciada nos factos que constituem a causa de pedir, tem estreitos laços de conexão com os Estados Unidos da América e com Espanha, mas não os tem com Portugal”. Cfr. Artigo 40º e documento nº 7 da PI.
C. Ora, na verdade existe conexão relevante com Portugal que justifica a competência internacional dos tribunais portugueses.
D. É verdade que a Recorrente tem sede em Espanha, que a 1ª Recorrida tem sede nos EUA e que a 2ª Recorrida tem sede em Portugal.
E. Certo é que todo o processo relativo à reserva/aquisição do veículo decorreu exclusivamente online, o que não permite materializar o local de celebração do contrato.
F. Porém, todas as comunicações realizadas pela aqui Recorrente a propósito da reserva/aquisição do veículo em causa foram-no com a T.... Portugal, Lda, electronicamente e em português, tendo ocorrido também contactos por telefone igualmente em português, designadamente com B… Rita, com telemóvel português (+351…) e em cujo email surge a assinatura “B…..| Sales Advisor | EU Sales. Lisbon, Portugal” – e não apenas “B…..| Sales Advisor | EU Sales”.
G. É a B... que é enviado comprovativo de pagamento, a pedido deste, e é também este que após recepção dos comprovativos confirma a “reserva” do veículo, ou que confirma a disponibilidade para um test drive, que ocorreria em solo português.
H. É a B... que são feitos, pela Autora, sucessivos pedidos de esclarecimento quanto à data prevista de entrega do veículo.
I. O (futuro) utilizador do veículo é, também ele, português.
J. A Recorrente solicitou a alteração de local de entrega do veículo para Portugal.
K. A intervenção da T.... Portugal (na pessoa de B...), no presente litígio, não constituiu um pormenor despiciendo, tendo esta, pelo contrário, tido um papel determinante no desenrolar dos acontecimentos que estiveram na origem da instauração da acção sub iudice.
L. É incompreensível - e errada - a assunção feita na sentença de que
B... não tem nenhuma relação com a 2ª R T.... Portugal, que é irrelevante o uso de emails escritos em português, ou por quem tem nome aparentemente português, ou que o endereço de email e assinatura revelam que B... actua institucionalmente em representação da T.... Motors Inc.
M. Os elementos disponíveis confirmam, pelo contrário, que B... trabalhava para a T.... Portugal, em Lisboa, que escreve português porque é essa a sua língua e é essa a língua do seu interlocutor, pelo que nenhuma razão havia para escreverem noutra língua, e que a assinatura do seu email aponta para a T.... Portugal, em Lisboa.
N. Os factos que tiveram lugar em Portugal constituem factos fundamentais na presente acção, pois integram a causa de pedir, já que o pedido de indemnização formulado contra as Rés pelos danos decorrentes da respectiva actuação resulta, não apenas da celebração do “acordo” de inicial, como também, em boa medida, dos factos que tiveram lugar em Portugal e que tiveram como interlocutora a T.... Portugal.
O. O que justifica que parte da causa de pedir teve lugar em Portugal.
P. A integração de factos ocorridos em Portugal na causa de pedir, mesmo que não esgotem essa causa de pedir, é, por si só, suficiente para a atribuição de competência ao tribunal português.
Q. Nos termos do artigo 62.º b) do CPC, constitui factor de atribuição de competência aos tribunais portugueses a circunstância de “ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram”, circunstância em que se deve considerar existir uma conexão suficientemente estreita com a jurisdição portuguesa.
R. Basta, por isso, que alguns dos factos que integram a causa de pedir tenham ocorrido em Portugal, como se demonstrou que aconteceu, para ficar patente que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente causa.
Sem conceder,
Subsidiariamente, e para o caso, aliás não esperado, de não proceder a argumentação expendida supra:
S. A Recorrente alegou que solicitou às RR a alteração da entrega do veículo para Portugal sendo que inicialmente estava prevista a entrega do veículo em Espanha.
T. As RR afirmam na contestação que tal alteração não foi aceite. E que se a ora Recorrida queria alterar a local de entrega “teria de cancelar o acordo de reserva e celebrar um novo – desta vez com a T.... Portugal”, pedindo o dinheiro de volta e pagando outra vez em seguida.
U. Tal recusa e imposição é incompreensível, configurando abuso de direito, pois que para efeitos do “Acordo” é totalmente irrelevante se o futuro veículo a construir é entregue em Espanha ou Portugal.
V. O que evidencia que nem as próprias RR se entendem sobre com quem foi celebrado o “acordo” inicial, pois afirmam que o primeiro foi celebrado com a T.... Inc. (1ªR), e o segundo, exactamente igual mas para acomodar a entrega em Portugal, seria celebrado com a T.... Portugal (2ªR) !
W. Nenhuma razão existe para se considerar que o local de entrega do veículo não pode ser alterado por simples indicação da Recorrente, pois daí não decorre nenhuma diferença, incómodo ou prejuízo minimamente relevante para qualquer das Recorridas, nem se vê qualquer razão válida para que se possa impor a celebração de novo “acordo”.
X. A alteração de local de entrega para Portugal foi feita em 29.05.2020 por escrito, está alegada e documentada nos autos.
Y. Consequentemente, também por aqui se verifica uma conexão relevante com o ordenamento jurídico português, consubstanciada no local da entrega do veículo, alterado para Portugal, de onde resulta inevitavelmente a competência internacional dos Tribunais Portugueses para julgar a acção.
Z. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 62º alínea b) do CPC, aplicando erradamente o disposto nos artigos 96º a), 576º nº2 e 577 a), todos do CPC, pelo que se impõe revogar a decisão posta em crise, substituindo-a por outra que julgue os Tribunais Portugueses internacionalmente competentes para julgar a acção.»
*
Foram apresentadas extensas contra-alegações (105 pontos) tendo as Rés concluindo como segue:
« 4. CONCLUSÕES
A. Na Sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou verificada a exceção de incompetência internacional aduzida em sede de Contestação, tendo, consequentemente, absolvido as Recorridas da instância, nos termos conjugados dos artigos 96.º, alínea a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC.
B. A Recorrente veio interpor o presente recurso de apelação, sustentando que, na Sentença recorrida, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação dos normativos citados, porquanto, na sua opinião, os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente ação ao abrigo do artigo 62.º, alínea b) do CPC, por (i) existirem factos que tiveram lugar em Portugal e que fazem parte da causa de pedir e, (ii) subsidiariamente, por alegadamente ter havido uma alteração do local de entrega do veículo objeto dos autos para Portugal.
C. No caso em concreto, não se verifica qualquer conexão relevante, muito menos suficientemente forte, com o ordenamento jurídico português que justifique a competência internacional dos Tribunais Portugueses para julgar o presente litígio ao abrigo do critério da causalidade ínsito no artigo 62.º, alínea b) do CPC.
D. A presente ação e causa de pedir vertida na Petição Inicial têm como elemento verdadeiramente central um Acordo de Reserva celebrado entre a Recorrente – uma entidade de direito espanhol e com sede em Espanha – e a T.... INC – uma entidade de direito norte-americano, com sede nos Estados Unidos da América –, no contexto do qual a Recorrente transferiu um montante de USD 250.000 para uma conta da T.... INC aberta junto de uma instituição bancária norte-americana.
E. Da análise destes e de outros factos alegados pela Recorrente resulta, assim, evidente que a relação material controvertida tem laços de conexão relevantes com os Estados Unidos da América e com Espanha, mas não com Portugal (cfr. Sentença recorrida, p. 6).
F. Com efeito, atenta a causa de pedir vertida na Petição Inicial é possível afirmar que a situação jurídica objeto dos presentes autos é plurilocalizada, apresentando elementos de conexão com os Estados Unidos e com Espanha, nos seguintes termos:
• Local onde foram proferidas as declarações públicas por …, fundador T....  INC, de apresentação do veículo reservado: Estados Unidos da América;
• Local da sede da Recorrente, que formalizou a reserva: Espanha;
• Local da sede da T.... INC, que aceitou a reserva: Estados Unidos da América;
• Domicílio da entidade bancária que recebeu o montante pago pela Recorrente: Estados Unidos da América;
• Moeda acordada para pagamento do preço: Dólares norte-americanos (Estados Unidos da América);
• Local acordado para entrega de veículo, em caso de aquisição futura: Espanha;
• Lei aplicável ao Acordo de Reserva: lei dos Estados Unidos da América.
G. É também nos Estados Unidos da América, onde a T.... INC tem a sua sede que, em 2017, se teria verificado a putativa situação de insolvência desta Recorrida, em que a Recorrente estriba ainda a sua causa de pedir, sendo também na bolsa desse país onde se encontram cotadas as ações da T....  INC, nas quais se baseia a Recorrente para calcular o pedido principal formulado nos presentes autos (cfr. Petição Inicial, artigos 67.º a 82.º).
H. Da mesma forma, a Recorrente alicerça os demais pedidos subsidiários que formula contra as Recorridas numa alegada violação dos “mais elementares deveres acessórios de conduta durante todo o processo que conduziu à celebração do acordo de reserva (Reservation Agreement)” e ainda num enriquecimento sem causa fundado na entrega da quantia de USD 250.000, estando assim em causa a formação de um acordo em que a T.... PORTUGAL não interveio e uma quantia que foi entregue pela Recorrente à T....  INC (e não à T.... PORTUGAL) - cfr. Petição Inicial, artigos 170.º a 182.º e 224.º.
I. Improcede a argumentação da Recorrente no sentido de que os factos respeitantes ao Acordo de Reserva, a sua confirmação e processamento, ocorreram em Portugal por terem tido como interlocutora a Recorrida T.... PORTUGAL, isto porque o Acordo de Reserva foi celebrado, apenas e tão só, entre a Recorrente e a Recorrida T.... INC, não sendo a T.... PORTUGAL parte nesse Acordo, nem intervindo no mesmo.
J. Tal, aliás, resulta evidente da leitura do Acordo de Reserva, que contém o logótipo da T.... e em rodapé a designação e morada da T.... INC, do facto de o Acordo de Reserva ter sido celebrado através da internet admitindo a Recorrente em sede de Petição Inicial que “nada [foi feito] nesta fase através de contacto pessoal direto com o concessionário ou o representante”, para além de que as transferências bancárias, como a própria Recorrente confirma, foram efetuadas em benefício da T.... INC (cfr. Petição Inicial, artigos 32.º, 36.º e 50.º e Documento n.º 10 junto com a Petição Inicial).
K. Assim, e em linha com o sustentado na Sentença recorrida, a causa de pedir da presente demanda reporta-se integral e exclusivamente à atuação da T....  INC e à sua relação negocial com a Recorrente (cfr. Sentença recorrida, p. 7).
L. Adicionalmente, as comunicações que a Recorrente recebeu, juntas como Documentos n.os 7, 8 e 9 com a Petição Inicial, são comunicações institucionais, enviadas pela T.... INC, inclusive as enviadas por B..., cujo teor e logótipo destacam, de forma evidente, que as mesmas são da propriedade e da responsabilidade daquela Recorrida.
M. Assim, contrariamente ao alegado pela Recorrente, os factos respeitantes ao Acordo de Reserva, a sua confirmação e processamento, não tiveram como interlocutora a T.... PORTUGAL, mas, ao invés, a T.... MOTORS INC, não podendo, também por este motivo, ser situados em Portugal.
N. Improcede ainda o argumento subsidiário aduzido pela Recorrente de que o local de entrega da viatura foi alterado de Espanha para Portugal, porquanto a própria Recorrente, em sede de Petição Inicial, não alega que essa alteração tenha sido aceite pela T....  INC, contraparte da Recorrente no Acordo de Reserva, nem junta qualquer prova que ateste essa mesma alteração, pelo que, não tendo tal sucedido, a mesma não produziu efeitos, mantendo-se o local de entrega em Espanha.
O. Por estes motivos, não se verifica qualquer conexão relevante, muito menos suficientemente forte, com o ordenamento jurídico português que justifique a competência internacional dos tribunais portugueses para julgar o presente litígio ao abrigo do critério da causalidade ínsito no artigo 62.º, alínea b) do CPC.
P. Os Tribunais Portugueses também não dispõe de competência internacional ao abrigo de qualquer outro critério de atribuição de competência, porquanto além de não estarem verificados os critérios da coincidência e da necessidade previstos nas alíneas a) e c) do artigo 62.º do CPC, também o Regulamento (EU) 1215/2012 não permite atribuir essa competência aos Tribunais Portugueses – o que, aliás, é reconhecido pela Recorrente nas suas alegações de recurso, ao afastar a sua aplicação ao caso dos presentes autos (cfr. Alegações de Recurso, artigos 37.º e 38.º).
Q. Perante todo o exposto, andou bem o Tribunal a quo ao decidir – como decidiu na Sentença recorrida – que os Tribunais Portugueses são internacionalmente incompetentes para julgar esta ação, devendo, por conseguinte, o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a Sentença recorrida.
R. Por fim, e atenta a simplicidade da causa, a conduta processual das Recorridas e os serviços que previsivelmente serão prestados por este Tribunal ad quem, e na hipótese remota de o presente recurso ser julgado procedente – o que não se concede -, devem as Recorridas ser dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso de apelação ser julgado totalmente improcedente por infundado e não provado, mantendo-se a Sentença recorrida.»
*
O recurso foi admitido.
Mostrando-se cumpridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
2. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões que funcionam,  como instrumento de delimitação objectiva das questões de facto e de direito que o Tribunal de recurso está obrigado, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do CPCivil) e, não se impõe ao tribunal que aprecie todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões  e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
*
No caso sob apreciação cumpre decidir da competência internacional do tribunal português para causa.
*
3. Fundamentação de Facto
Os factos a considerar são aqueles referidos em sede de Relatório e, ainda:
Em sede de petição inicial alega a A.:
« 32.
Ao contrário do que é usual no mercado automóvel, a reserva deste veículo apenas é possível através da internet, no site “T.....com/pt”, nada sendo feito nesta fase através de contacto pessoal directo com o concessionário ou representante.
33.
Assim, em 21.11.2017 a Autora procedeu ao pagamento de USD 5.000 a título de “início de pagamento de reserva” (“initial reservation payment”) para um veículo T.... Roadster Founders Series.
34.
Através do seu email reservations@T.....com, as Rés enviaram à Autora (mais concretamente a PF), um email com o seguinte teor:
“Please send a wire transfer with your remaining reservation payment to T.... Motors due by 12/1/2018. Your reservation number RN109091635 is required to include in the wire details.”
(Por favor, proceda a transferência bancária para a T.... Inc a fim de completar a sua reserva, devendo indicar o número de reserva na identificação da transferência). Cfr. Documento nº 7.
35.
Em 22.11.2017 é enviado o comprovativo do pagamento inicial da reserva a B... da T...., tendo PF recebido um email desta com o seguinte teor - cfr. citado Documento nº 7:
“Estimado PF…… .,
Antes de mais, permita-me agradecer o V/ interesse na T.... e nomeadamente em reservar um T.... Series. Tal como falámos, as primeiras 1.000 reservas efectuadas do Roadster, em que é efectuada já a reserva dos $5.000 e pagamento dos restantes $245.000 nos seguintes 10 dias, dão-lhe acesso à reserva desta edição especial “T.... Series”. Em baixo anexo a informação do nosso sistema em que pode verificar que o número de confirmação RN109091635, diz respeito à série Founders.”
Ficarei a aguardar que me envie o comprovativo de transferência do valor, de forma a anexar à encomenda. O convite para o test-drive, mantem-se e assim que o seu cliente tiver disponibilidade, terei todo o gosto em agendar convosco.”
Com os melhores cumprimentos e o nosso muito obrigado pela aposta no T.... Roadster Founders Series. Atentamente, B...| Sales Advisor | EU Sales. Lisbon, Portugal M+351 | ..@T.....com
(Logo T....)
– destacados nossos.
36.
Em 29.12.2017 a Autora procedeu ao pagamento do valor remanescente de USD 245.000, de acordo com as seguintes instruções:.
Reservation Number: RN109091635
Bank Name: Wells Fargo Bank
Account Number: 4000118323
Routing Number: 121000248
Bank Swift Code: WFBIUS6WFFX
Company Name: T.... Motors
37.
Em 10.01.2018, a Autora recebeu um email das Rés, remetido por B..., com a confirmação da “reserva” do veículo na sequência da realização de um pagamento adicional de USD 245.000, realizado por meio de transferência bancária para a conta com o número 4000118323 do Wells Fargo Bank, detida pela T.... Inc- cfr. Documento nº 8.
38.
Em 17.01.2018 foi enviado pelas Rés novo email à Autora (a PF), com a confirmação de que a reserva RN109091635 se encontrava concluída e de que um pagamento de USD 245.000 (a acrescer aos USD 5.000 iniciais) tinha sido realizado a título de “reserva” conforme se alcança do Documento nº 9 onde se pode ler: “Recebemos com sucesso os seus pagamentos relativos à reserva do veículo. A sua reserva encontra-se integralmente paga.”
39.
 Nesse mesmo email foi, pela primeira vez, junto um anexo denominado“T....RoadsterReservationAgreement_20171116_en_US.pdf”, correspondente ao Acordo de Reserva.7 – Cfr. Documento n.º 10.8
A este documento voltaremos mais adiante nesta petição.
40.
Em 29.05.2020 a A. solicitou às RR. a alteração da entrega do veículo para Portugal (vd. Email da A. - FA – para as RR, vertido no Documento nº 7), sendo que inicialmente estava prevista a entrega do veículo em Espanha.»
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4. Fundamentação de Direito
Da incompetência internacional.
A este respeito cumpre desde já assentar que não se aplicando fonte europeia ou internacional, qualquer delas com prevalência sobre o direito do Estado, a competência internacional dos tribunais portugueses é regulada pelo disposto nos arts.59º, 62º, 63º e 94º, todos do CPCivil.
A atribuição da competência internacional aos tribunais de um Estado pressupões que a causa apresenta um ou vários elementos de conexão com a ordem jurídica desse Estado.
Constituem elementos de conexão relevantes para efeitos de selecção da jurisdição nacional competente, entre outros, a nacionalidade dos sujeitos; o domicílio das partes; lugar da situação dos bens; lugar do cumprimento da obrigação; lugar da ocorrência do dano.
A conexão da acção com a ordem jurídica internacional pode surgir, assim, ao nível das partes, do pedido ou da causa de pedir.
A competência internacional há-de ser aferida em função da relação material controvertida tal como ela é configurada pelo Autor. Porém, uma causa pode estar conexionada com vários ordenamentos jurídicos falando-se, nesse caso, em conflitos plurilocalizados já que a relação jurídica se encontra em contacto com vários ordenamentos jurídicos.
É uma evidência que os contratos celebrados através da internet estão abrangidos pela denominada “rede global”, em que várias ordenamentos jurídicos são postos em contacto o que acarreta problemas de inter-relacionação de ordenamentos jurídicos que podem surgir da colisão entre os mesmos.
As situações internacionais, por oposição às situações internas implicam a determinação da lei aplicável já que, perante um litígio relativamente a uma situação internacional torna-se necessário, determinar quais os tribunais estaduais competentes para o dirimir. Trata-se da questão da determinação da competência internacional.
A questão que se coloca perante uma situação plurilocalizada é a de determinar qual o tribunal competente para apreciar a questão em litígio.
Quando estejam em causa Estados Membros da União Europeia ou quando estejam em causa Estados europeus ainda que extra-União, existem diversas convenções a atender e que pela sua natureza primam sobre as legislações nacionais.
Porém, nos restantes casos, em que está em causa país fora do território europeu, as normas a aplicar são as normas nacionais previstas nos arts. 65º e segs. do CPC, normas estas que funcionam, assim, como normas residuais em matéria de determinação da competência internacional.
A este respeito dispõe o art.62º do CPCivil, sob a epígrafe «Fatores de atribuição da competência internacional»
«Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.»
De acordo com a al.a) a competência internacional acompanha a competência territorial, pelo que se o tribunal português é o competente para conhecer da acção em razão do território, também o será em razão da nacionalidade, por via do princípio da coincidência.
Na al. b) prevê-se a competência do tribunal português se o facto que integra a causa de pedir (ou algum dos factos no caso de causa de pedir complexa) tiver sido praticado em Portugal. Trata-se da consagração nesta matéria do princípio da causalidade.
A al. c) constitui uma cláusula de salvaguarda tendente a evitar que atenta a impossibilidade de ordem prática ou jurídica ou a grave dificuldade de propor a acção  num tribunal de outro Estado o direito em causa pudesse ficar sem tutela efectiva. Aflora-se, aqui, o princípio da necessidade mas a atribuição de competência aos tribunais portugueses exige uma forte conexão com a ordem jurídica portuguesa, seja de ordem pessoal (ex. nacionalidade ou residência das partes) seja de natureza real (ex. situar-se em território nacional o bem que é objecto da acção). Cfr. neste sent. Abrantes Geraldes e outros in, CPCivil Anot., Vol.I, pág.94.
Para decidir da competência internacional dos tribunais portugueses há que verificar se existe alguma conexão com a nossa ordem jurídica que, nos termos do disposto no supra analisado preceito legal, permita concluir poder a acção ser intentada em território nacional.
Conforme se decidiu em ac. desta Relação, « A determinação do tribunal internacionalmente competente está condicionada à natureza da relação jurídica configurada pelo autor, ou seja, da causa de pedir por este invocada e ao pedido formulado, sendo que a causa de pedir assenta nos fundamentos constituídos por pontos de facto com função instrumentada (factos instrumentais) relativamente ao facto principal e decisivo que consubstancia aquela causa de pedir (facto jurídico).» Cfr. Ac. da Rel.Lisboa, de 21.6.2022, Rel. Isabel Salgado, disponível in, www.dgsi.pt.
No caso que ora importa decidir vem demandada uma sociedade portuguesa e uma sociedade norte americana. A demandante trata-se de sociedade espanhola.
Defende a recorrente que o tribunal português é competente porquanto todo o processo relativo à reserva/aquisição do veículo decorreu exclusivamente online, o que não permite materializar o local de celebração do contrato.
Para tal defesa alicerça-se no por si alegado nos arts.32º a 40º que se deixaram transcritos em sede de fundamentação de facto.
Ora, ao contrário do que alega a apelante, não foi alegado que « todas as comunicações realizadas pela aqui Recorrente a propósito da reserva/aquisição do veículo em causa foram-no com a T.... Portugal,  Lda,».
Que as negociações decorreram electronicamente, não se duvida; aceita-se de igual modo que ocorreram comunicações em «português, designadamente com B..., com telemóvel português  e em cujo email surge a assinatura “B...| Sales Advisor | EU Sales. Lisbon, Portugal».
 Porém, daqui não decorre a intervenção da 2ª R. no negócio. Não se mostra alegado, sequer, que o indicado vendedor interviesse enquanto funcionário da 2ª R.. Desconhece-se se o futuro utilizador do veículo seria português, o que não vem alegado em sede de petição inicial o que, de todo o modo, seria indiferente para a solução da questão considerando que a A. interveniente no negócio é uma sociedade comercial com sede em Espanha.
Alega, de igual modo, que solicitou a mudança do local de entrega do bem de Espanha para Portugal. Considera que a alteração do local de entrega para Portugal operou em 29.05.2020 (uma vez que tal alteração não carecia do acordo da contraparte), sendo este um elemento que, subsidiariamente, seria relevante para determinar uma conexão com o ordenamento jurídico português e que justificaria a competência internacional dos Tribunais Portugueses para julgar o presente litígio ao abrigo do artigo 62.º, alínea b) do CPC. Vejam-se a este propósito as conclusões X a Z e artigos 56.º a 58.º das Alegações de Recurso.
Em sede de conclusões defende a apelante que é «É incompreensível - e errada - a assunção feita na sentença de que  B... não tem nenhuma relação com a 2ª R T.... Portugal, que é irrelevante o uso de emails escritos em português, ou por quem tem nome aparentemente português, ou que o endereço de email e assinatura revelam que B... actua institucionalmente em representação da T.... Inc.»
Na verdade o que é incompreensível é que a A. não haja alegado qual foi o alcance da intervenção da 2ª R. no negócio em causa, designadamente a sua intervenção directa explicitando a relação com o referido B....
Não estando alegada qual a intervenção da 2ª R. nos factos que fundamentam a causa de pedir não se pode simplesmente concluir como parece pretender a apelante que «em boa medida» houve factos que ocorreram em Portugal e que tiveram por interlocutora a T.... Portugal.
Percorrida a petição inicial, não se vislumbra qualquer facto imputável à sociedade “T.... Portugal, Sociedade Unipessoal, Lda”, com sede e instalações em Lisboa.
A A. não discorre um único facto do qual se possa retirar a intervenção da 2ª R.. Os factos que constituem a causa de pedir na presente acção são todos eles imputados à 1ª R..
A alegação de que a partir do depósito da quantia referente ao acordado, todas as comunicações foram feitas em Português e em Portugal, através do vendedor em Lisboa, em nada determina a existência de conexão com a ordem jurídica portuguesa. Na verdade, limita-se a A. a fazer alusão a uma troca de e-mails entre um funcionário que apenas em sede de alegações de recurso afirma ser da Ré T.... Portugal.
Ademais, resultando dos autos que todas as comunicações foram feitas à distância, não poderá afirmar-se o país a partir do qual as mesmas foram feitas, sendo que, nada impede um funcionário de uma empresa portuguesa estar a trabalhar a partir dos E.U.A. ou o funcionário de uma empresa norte americana trabalhar a partir de Portugal.
Sendo pela concreta causa de pedir e dos factos que a integram que se afere a conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa e reportando-nos aos factos alegados não se vislumbra qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa, muito menos uma conexão suficientemente forte para atribuir competência internacional aos tribunais portugueses para apreciar a demanda. Para tal não serve, obviamente, a alegada troca de e-mails entre a A. e alguém que a A. alega, apenas em sede de recurso, ser funcionário da Ré T.... Portugal.
Da factualidade apurada resulta, isso sim, que o Acordo de Reserva foi celebrado unicamente entre a «AA…e a T.... MOTORS INC» e para tal conclusão é indiferente a alegada alteração da entrega do bem para de Espanha para Portugal.
Apesar de a A. se referir indiferentemente às Rés, nenhuma imputação concreta é feita à 2ª R..
O caso em apreço não preenche nenhum critério de competência exclusiva do artigo 63º do CPCivil, para além de que não resulta estabelecido no Acordo de Reserva qualquer pacto de aforamento nos termos e para os efeitos do artigo 94.º do CPC, não tendo assim as partes atribuído competência a qualquer tribunal para dirimir os litígios que pudessem emergir ou estivessem relacionados com a celebração ou execução desse Acordo.
Não podem permitir-se as demandas artificiosas mediante as quais o demandante tenta subverter as normas integrantes do Direito Internacional Privado para propor a acção num tribunal de um país que entenda para si mais conveniente.
A infracção de regras de competência internacional determinam a incompetência absoluta do tribunal (artº 96º, al. a), do CPC), excepção dilatória de conhecimento oficioso (artºs 97º, nº 1, e 577º, al. a), do mesmo diploma legal).
Em face do exposto, há que julgar improcedente a apelação.
5. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente por não provado e, consequentemente, manter na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.
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Lisboa,  11/5/2023
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Rui Manuel Pinheiro Oliveira
Teresa Prazeres Pais