Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10633/21.6T8LSB.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: ABANDONO DO TRABALHO
ACIDENTE DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Tendo o Autor comunicado ao Réu que havia sofrido um acidente através da pertinente documentação médica a atestar a sua incapacidade para o trabalho, não se tendo apurado factos reveladores de que o Autor não tinha intenção de retomar o serviço, não pode concluir-se pela verificação de uma situação de abandono do trabalho em qualquer das modalidades previstas no art.º 403.º, do Código do Trabalho).
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
1.1. AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra SUCH - Serviço de utilização Comum dos Hospitais, ambos com os sinais dos autos.
Alegou que foi ilicitamente despedido pelo Réu, pedindo a condenação deste a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à reintegração, estando vencida a importância de €5.180,00, e os respectivos juros de mora.
Foi realizada a audiência de partes, sem acordo.
O Réu contestou, impugnando a versão do Autor.
Teve lugar a audiência final.
Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, em conformidade com as disposições legais e fundamentos acima citados, julgo integralmente procedente a presente acção e, em consequência:
-- A. Condeno a ré Such – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais a reintegrar o autor AAA no seu posto de trabalho.
B. Condeno a ré Such – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais no pagamento ao autor AAA de todas as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde a data do despedimento ilícito até à reintegração; sendo que, à data de 30-4-2021, o respectivo montante em dívida ascendia a €5.180,00 (Cinco mil, cento e oitenta euros).
C. Às quantias acima referidas em B. acrescem juros de mora à taxa legal sobre tais prestações desde o seu vencimento”.

 1.2. Inconformado com essa decisão dela recorre o Réu, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
A. i. A ora Recorrente entende que o Douto Tribunal andou mal em não ter considerado como provado, e com relevância para a Decisão da causa, o fato de o Recorrido não ter efetuado, em devido tempo, a entrega do certificado temporária para o trabalho e referente ao período entre 9 de agosto e 7 de setembro;
ii. Da prova produzida, e em especial do depoimento de parte do Recorrido (prova gravada 2022046100809 minutos 20:38 a 29:25), bem patente ficou que a Recorrente nunca teve conhecimento de qualquer comunicação das baixas do Recorrido, e referentes a junho, julho e agosto de 2020.
iii. Tanto mais que, a baixa referente ao mês de agosto de 2020, a qual tinha início a 9 de agosto e termo a 7 de setembro de 2020, tão só foi entregue após o Recorrido ter rececionado, a 31 de agosto de 2020, a carta que o notificava do abandono do posto de trabalho.
iv. É o próprio Recorrido quem espontaneamente afirma “eu simplesmente não me preocupei na situação de que não tinham recebido”
v. Posto que deveria o Mertº Juiz “a quo” ter dado como provados os seguintes fatos: <> O Autos não fez a entrega do certificado da incapacidade temporária para o trabalho, referente ao período entre 9 de agosto e 7 de setembro de 2020, e <> O Autor só fez a mesma entrega após ter rececionado, a 31 de agosto de 2020, a carta que o notificava do abandono do posto de trabalho, tendo-se dirigido ao hospital e feito a mesma entrega e 7 de setembro (cfr. docº 10 junto com a p.i).
B.
i. Não decidiu corretamente o Mertº Juiz “a quo” ao proferir a douta Sentença do modo como o fez, ou seja, 2º motivo para a cessação do contrato de trabalho celebrado entre o autor a e ré deve ser considerado improcedente, pelo que a cessação operada pela ré configura um despedimento informal e sem justa causa …”. Fundando tal posição por o autor nunca ter manifestado perante a ré a sua intenção de não retomar as suas funções, alem de que, face ás sucessivas baixas apresentadas pelo autor impõe concluir-se que o contrato de trabalho encontrava-se suspenso na sua execução. Porém,  
ii. Sendo certo que, e por força da lei, a suspensão contratual dá-se quando exista impedimento do trabalhador a prestar a sua atividade, por causa que não lhe seja imputável, e que dure mais de um mês;
iii. Todavia, no presente caso, em que o Recorrido, após ter expirado um prazo de baixa médica, conhecida pela Recorrente – 9 de junho de 2020 -, deixa de comparecer ao serviço, não justifica a sua ausência, não é crível que a ora Recorrente averigue a razão, o porquê de tal conduta, nem que fique a aguardar o decurso do prazo de uma eventual suspensão, que nem sequer sabia se tinha fundamento legal para vir a acontecer;
iv. Exigia-se que o Recorrente indica-se os motivos da sua falta, que no presente caso, não o fez, nem tão pouco teve o cuidado de atentar ao teor da mensagem que, alegadamente, enviou a 12 de junho e em 14 de julho de 2020 (fato dado como provado. E, mais, não serão necessário conhecimentos informáticos para entender o que ali está escrito, basta saber ler, e tanto mais que o Recorrente tem o 3º ciclo de escolaridade (fato dado como provado 16);
v. Pelo que, decorridos os prazos das baixas de junho, julho e agosto, e pelo fato de o Recorrente não ter retomado a sua atividade, nem nada disser, findo o prazo de 10 dias úteis (art.º 403 nº 2 do CT e Clausula 126 nº 2 do AE, podia o ora Recorrente considerar a presunção de abandono de trabalho;
vi. Ora, o Recorrente não tem conhecimento, a que título vai imputar a ausência do recorrido a doença deste, ou como poderia concluir pela suspensão do contrato de trabalho se nenhuns elementos para tal?
vii. Foi dado como provado que o Recorrido não fez chegar ao conhecimento da Recorrente a razão da sua ausência, nem nada exige que se indague sobre tal, é perfeitamente legítimo que se considere o abandono de trabalho, utilizando a presunção legal que a Lei estabelece a favor da Recorrente (art.º 403 nº 2 do CT e Clausula 126 nº 2 do AE);
viii. Ora, a ausência do recorrido por um período mínimo de 10 dias úteis, no caso 52 dias úteis, entre 9 de junho e 7 de setembro, sem que tivesse da sua parte a existência de qualquer comunicação, leva forçosamente à presunção de abandono de trabalho podendo a ora Recorrente, com base em tal ausência, emitir a comunicação a que refere o nº 3 do art.º 403 do CT e nº 5 da Clausula 126 do AE, enquanto formalidade essencial para que a cessação do contrato por abandono de trabalho seja operante (fato provado 13);
ix. Se o recorrido pretendia evitar, a partir do momento em que terminou a baixa, que a mencionada presunção não funciona-se contra ele deveria ter providenciado pela comunicação sucessiva das razões da sua ausência;
x. Não obstante até alegou que o fez – fatos provados 10 e 11, todavia não logrou fazer prova de tais fatos, como lhe era exigível;
xi. Passando a funcionar a presunção, legal, “iuris tantum” só poderia ser ilidida, nos termos do nº 4 do art.º 403 do CT e Clausula 126 nº 4 do AE, com a demonstração por motivo de força maior.
xii. O que o Recorrido não fez prova, e se atentarmos ao fato provado 11, em que o Recorrido recebe a mensagem nos documentos, datados de 12.06.2020 e 14.07.2020, com o seguinte teor “Endereço não encontrado. A sua mensagem não foi entregue a (…)”, isto por um lado, e por outro, quanto à baixa de agosto de 2020, que se iniciou a 9 de agosto de 2020 e termo a 7 de setembro de 2020, nem tão pouco se preocupou em tentar enviar;
xiii. Transparecendo de toda a factualidade dada como provada, que a presunção legalmente estatuída, o abandono de trabalho passou a presumir-se, não conseguindo o Recorrido ilidir a mesma presunção;
xiv. Como o Recorrido não provou que fez a comunicação à Recorrente, prevista no art.º 403 nº 4 do Cód.Trabalho indicativa dos motivos da sua ausência, ou até a impossibilidade, por motivos de força maior, de a efetuar, nem demonstra que a ora Recorrente tinha deles conhecimento, não pode relevar para a contagem do aludido prazo de 10 dias úteis, uma eventual demonstração “a posteriori” de entretanto ter ocorrido uma causa de suspensão do contrato de trabalho.
xv. Pelo que, não podia o Mert.º Juiz “a quo” ter decidido do modo como decidiu.
Termos em que,
Deve a Mui Douta Sentença “a quo” ser revogada e absolver-se a Recorrente de todos os pedidos Só assim se fará JUSTIÇA.
1.3. O Autor contra-alegou com vista à manutenção da sentença.
1.4. O recurso foi admitido com o efeito e regime de subida adequados.
1.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir
2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º s 3, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Deste modo, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem na impugnação da matéria de facto e em aquilatar se ocorreu abandono do trabalho por parte do Autor.
3. Fundamentação de facto
3.1. Encontram-se provados os seguintes factos:
1. O réu é uma pessoa colectiva de Direito privado e utilidade pública administrativa, que exerce a sua actividade nas áreas instrumentais à actividade de prestação de cuidados de saúde, designadamente nas seguintes áreas [documento n.º 2 junto com a PI – certidão permanente da ré – e documento n.º 1 junto com a contestação – Estatutos da ré -, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido].
2. O autor foi admitido ao serviço do réu em 01/03/2019, mediante contrato de trabalho escrito, a termo incerto, para desempenhar as funções inerentes à categoria de técnico de electromecânica (documento n.º 3 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
3. O seu local de trabalho era nas instalações do CHULC, EPE – Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (Hospital …).
4. Mediante a retribuição mensal ilíquida de €600,00, que passou para €635,00 no ano de 2021, a que acrescia a quantia de €4,77 por dia efectivo de trabalho a título de subsídio de alimentação.
5. No âmbito do aludido contrato, o autor cumpria o horário de 40 horas semanais, das 08:00 h às 17h00, de segunda a sexta-feira, com uma hora de almoço.
6. A 02-4-2019, o autor, por motivos alheios à sua vontade e no âmbito da sua vida privada, sofreu um acidente.
7. O autor entrou de baixa médica, desde essa data.
8. Tais baixas foram sendo sucessivamente renovadas.
9. O autor procedeu à entrega dos respectivos atestados médicos a funcionária do Hospital …, de nome ….
10. Nos meses de Junho e de Julho de 2020, o autor recorreu ao envio via internet dos respectivos atestados médicos.
11. Nestes termos, o autor dirigiu-se a um ponto de serviço partilhado Net, para remeter para a ré os atestados médicos por via electrónica. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos documentos juntos com a PI e identificados com os n.ºs 28 e 29. Do documento n.º 28 consta a data “12-6-2020” e do documento n.º 29 consta a data “14-7-2020”. Em ambos os aludidos documentos consta a seguinte mensagem: “Endereço não encontrado. A sua mensagem não foi entregue a (…)”.
12. Não obstante o acima expresso no ponto anterior, o autor ficou convicto que os respectivos atestados tinham sido remetidos e recebidos pela ré.
13. A 27-8-2020, o autor procedeu ao levantamento nos CTT da comunicação enviada pela ré no dia 25-8-2020, através da qual a mesma lhe comunicava a cessação do contrato de trabalho por abandono do trabalho (documento n.º 30 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
14. A 07-9-2020, o autor dirigiu-se às instalações do Hospital de São José, onde procedeu à entrega dos atestados médicos à Sra. D. …. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos documentos n.ºs 9, 10 e 11 juntos com a PI, do qual se destacam os seguintes aspectos: tais documentos configuram certificados de incapacidade temporária respeitantes, respectivamente, aos seguintes períodos temporais de incapacidade do autor: de 10-7-2020 a 8-8-2020, de 9-8-2020 a 7-9- 2020 e de 10-6-2020 a 9-7-2020.
15. O autor não tem conhecimentos informáticos para saber se os emails acima referidos tinham ou não sido recebidos.
16. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da denominada “Ficha de Empregado”, junto pela ré como documento n.º 2 da contestação. Mais se provou (artigo 72.º, n.º 1, parte final, do Cpt):
17. Após ter aguardado na respectiva lista de espera, o autor foi intervencionado cirurgicamente, no mês de Dezembro de 2021.
18. Na actualidade o autor não é recebedor de quaisquer quantias em resultado do acidente sofrido.
3.2. Factos não provados
Não se provou que:
a. Que se mantenha a situação de baixa médica, acima referida no ponto 8 dos factos provados.
b. Que, no âmbito do acima exposto nos pontos 10 e 15 dos factos provados, o autor tivesse entregue tais atestados médicos no escritório da ré; e que a ré mantivesse tais escritórios nas instalações do Hospital …, em Lisboa.
c. Que a pessoa de nome … – acima referida nos pontos 10 e 15 dos factos provados – fosse trabalhadora da ré, nomeadamente sua secretária.
d. Que, no âmbito do acima exposto no ponto 11 dos factos provados, o recurso à internet por parte do autor tivesse sido motivado pelo confinamento inerente à pandemia causada pelo agente Coronavírus (SARS-Cov-2 e COVID19).
4. Fundamentação de Direito
4.1. Da impugnação da matéria de facto
Pretende o Réu que se dê como provado que:
 “O Autor não fez a entrega do certificado de incapacidade temporária para o trabalho, referente ao período entre 9 de Agosto e 7 de Setembro de 2020 e 
O Autor só fez a mesma entrega após ter recepcionado a 31 de Agosto de 2020 a carta que o notificava do abandono do posto de trabalho, tendo-se dirigido ao hospital e feito a mesma entrega a 7 de Setembro”.
Invoca, para o efeito, o depoimento de parte do Autor, ora  Recorrido.
Adianta-se, desde já, sempre ressalvando o devido respeito, que o Réu não tem razão.
Relembra-se que o Autor invocou ter sido alvo de despedimento ilícito por parte do Réu. Este, por seu turno, alegou que aquele abandonou o trabalho, pois tendo apresentado em Maio de 2020 junto do Réu o certificado de incapacidade temporária para o trabalho, com a duração de 30 dias, ou seja até 9 de Junho de 2020, nunca mais apresentou qualquer outra justificação para as suas ausências, nem compareceu ao serviço, presumindo-se o abandono do trabalho (art.º 403.º do Código do Trabalho), tendo o Réu agido em conformidade.
Sobre esta temática foi dado como provado, sem que as partes tenham impugnado a respectiva factualidade, que o Autor sofreu um acidente em 02.04.2019 e entrou de baixa médica desde essa data. A baixa médica foi sendo renovada, tendo o Autor procedido à entrega dos respectivos atestados a uma funcionária do Hospital ….  Nos meses de Junho e Julho o Autor recorreu a um posto NET partilhado para remeter ao Réu os atestados por via electrónica, sendo que em ambos os documentos de suporte consta “Endereço não encontrado. A sua mensagem não foi entregue”. Não obstante isso, o Autor ficou convicto que os atestados tinham sido remetidos e recebidos pelo Réu. Mais se apurou que o Réu endereçou ao Autor uma carta datada de 25-08-2020, onde lhe comunicava a cessação do contrato por abandono do trabalho (e onde consta, designadamente, que o Autor “deixou de comparecer no seu local de trabalho desde o dia 10-06-2020 (inclusive). Desde essa data até ao presente, não comunicou por qualquer meio o motivo justificativo da sua ausência ao trabalho, tendo incorrido em faltas injustificadas. …”, tendo-se também apurado que o Autor em 07-09-2020 se dirigiu às instalações do Hospital …  e procedeu à entrega dos atestados médicos à D. …, por incapacidade temporária referentes aos períodos 10-07-2020 a 08-08-2020, 09-08-2020 a 07-09-2020 e de 10-06-2020 a 09-07-2020 (factos provados números 6 – 14).
Perante este acervo fáctico e documentação junta, conclui-se que o Autor fez chegar ao Réu os comprovativos da baixa médica desde a data do acidente até 09 de Junho de 2020, o mesmo não podendo afirmar-se relativamente ao restante período em que esteve de baixa, cujos comprovativos o Réu (só) recebeu em 07-09-2020.  
É, assim, de concluir que a versão pretendida pelo Réu é redundante por já resultar da factualidade provada, não assumindo interesse para a boa decisão da causa. Anota-se, em consonância com o que vem sendo entendido pelos nossos tribunais, que “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual” (Vd., entre outros, o Ac. do TRC de 20-04-2021,  proc. 219/10.6T2VGS.C1, www.dgsi.pt).
Em face do exposto, não se adita a aludida matéria aos factos provados, improcedendo, como tal, a presente questão.
4.2. Do abandono do trabalho pelo Autor
O abandono do trabalho, traduz-se num meio de cessação do contrato de trabalho e está previsto no art.º 403.º, do Código do Trabalho.
Como aí consta:
1) Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar;
2) Presume-se abandono do trabalho a ausência de trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência;
3) O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste;
4) A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência;
5) Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º.
Resulta dos n.ºs 1 e 2, do citado normativo, que a conduta do trabalhador pode ser efectiva ou presumida.
É de considerar abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar. Para haver abandono do trabalho é, pois, necessária a existência, para além da não comparência do trabalhador no seu local de trabalho, de circunstâncias concludentes que indiciem a sua vontade de não mais regressar ao trabalho e, por consequência, que revelem a sua intenção de dissolver o vínculo laboral.
Assim, para a verificação do abandono é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos.
a) Um elemento objetivo, constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, ou seja, a sua não comparência no local e tempo de trabalho a que estava obrigado, não comparência essa voluntária e injustificada;
b) Um elemento subjetivo, constituído pela intenção de não retomar o trabalho, isto é, a intenção de não comparência definitiva ao local de trabalho.
Como se fez constar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2018, proc. 9200/15.8T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt, “ A nível jurisprudencial, o acórdão de 26 de novembro de 2012, proferido no processo n.º 499/10.7TTFUN.L1.S1[8], decidiu que “o abandono do trabalho analisa-se em dois elementos estruturantes: um, objetivo, consistente no incumprimento voluntário do contrato, que na generalidade dos casos se traduz na ausência/não comparência do trabalhador no local e tempo de serviço (o trabalhador deixa de se manter disponível para prestar o seu trabalho ao empregador, incumprindo o vínculo com a sua ausência voluntária e prolongada); outro, subjetivo, traduzido no animus extintivo, que se capta através de algo que o patenteie ou que se exteriorize em factos que, de acordo com a lei, «com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o trabalho»[9]”.
A nível doutrinário, Maria do Rosário Palma Ramalho,[10] ensina que “[n]os termos do artigo 403º, n.º 1, configura-se uma situação de abandono do trabalho com a verificação de dois requisitos cumulativos: a ausência do trabalhador ao serviço e a verificação de factos que, com toda a probabilidade revelem a sua intenção de não retomar o trabalho.”
Por outro lado, como sublinha o Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes[11], “[e]ssa intenção [de não retoma do trabalho], há-de revelar-se com toda a probabilidade, não sendo de modo algum suficiente uma mera verosimilhança, já que também aqui a vontade de demissão, ainda que tacitamente manifestada, deve ser séria e inequívoca.
Como destacou entre nós, por exemplo, o Acórdão da Relação de Évora de 14 de julho de 1998 o abandono é não apenas “uma qualificação jurídica que tem de resultar dos factos provados”, mas inclusive uma qualificação jurídica a que não se deve proceder com ligeireza, havendo antes “necessidade de se proceder a uma muito apertada qualificação jurídica dos factos, para não se cair nas facilidades de uma analogia proibida”, dada a natureza excecional da figura». Refere, ainda, o mesmo Conselheiro que “[o] empregador pode, pois, ter conhecimento de que a ausência do trabalhador, embora injustificada, não corresponde à intenção deste de fazer cessar o contrato de trabalho. Imagine-se que o empregador sabe que o trabalhador sofre de perturbações psicológicas ou do foro psiquiátrico, que o trabalhador partiu no gozo de férias que erroneamente julgou que lhe tinham sido marcadas ou que acreditou, sem razão, poder marcá-las ele próprio ou, ainda, que o trabalhador não comparece ao novo local de trabalho por entender erradamente que a sua transferência foi ilícita. Nestas e noutras situações similares podem existir faltas injustificadas, mas não se poderá falar em abandono”. Ora, o abandono do trabalho não é uma resolução contratual por iniciativa do empregador, mas sim uma resolução por iniciativa do trabalhador, valendo como denúncia do contrato. Acresce que o abandono só pode ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.
Esta comunicação, prevista no n.º 3 do artigo 403.º, do Código do Trabalho, não se traduz num facto constitutivo da extinção do contrato, tratando-se apenas de um requisito ou condição de atendibilidade ou de invocação da cessação do contrato pelo empregador.
Como se referiu, o abandono, nos termos do artigo 403.º, n.º 3, do Código do Trabalho, vale como denúncia do contrato por iniciativa do trabalhador. Porém, como refere João Leal Amado[12][s]ó o empregador poderá invocar tal abandono e, ademais, só após ter satisfeito as exigências estabelecidas no n.º 3, do art.º 403º, comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção, para a última morada conhecida deste. Esta comunicação […] não se traduz numa declaração de vontade extintiva proferida pelo empregador, mas sim numa condição de eficácia da extinção do vínculo imputável ao trabalhador.”
Nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho[13], “[u]ma vez verificada a situação de abandono, a cessação do contrato por ela justificada passa ainda por um procedimento a promover pelo empregador.
Neste sentido o artigo 403º, n.º 3, estabelece que o empregador deve enviar uma comunicação escrita e registada com aviso de receção para a última morada conhecida na qual declare que considera o contrato cessado por abandono.” Por fim, como se diz no acórdão de 06.03.2017, “[p]ara haver abandono do trabalho não basta a verificação das faltas injustificadas [elemento objetivo] sendo, também, necessário que os factos indiquem que, com toda a probabilidade, o trabalhador não tem a intenção de retomar o trabalho [elemento subjetivo].Verificada a situação de abandono, ela não opera automaticamente[14]”.
Abandono do trabalho presumido:
Consta no n.º 2, do artigo 403.º, do Código do Trabalho, que se presume abandono do trabalho a ausência de trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência.
Trata-se de uma presunção “iuris tantum” que pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência [artigo 403.º, n.º 4, do Código do Trabalho].
O legislador ao imputar ao trabalhador a iniciativa da cessação do contrato de trabalho, nos casos em que se presume existir abandono do trabalho, pretendeu celeridade no processo sem desrespeitar o princípio do contraditório.
É o que resulta do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 581/96, de 31 de outubro de 1995[15], proferido nos processos n.ºs 407/88 e 134/89, e publicado no Diário da República, Iª Série-A, de 22 de Janeiro de 1996 [de fiscalização sucessiva das normas da Lei n.º 107/88, de 17 de setembro, que autorizava o Governo a rever o Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual do Trabalho a Termo e o Regime de Suspensão e Redução da Prestação do Trabalho].
Consta no mesmo que: “O artigo 40.º [o artigo relativo ao abandono do trabalho] estabelece uma presunção ilidível de abandono, liga-lhe o efeito de cessação do contrato, e estabelece um procedimento adequado para a invocação dessa cessação (n.º 5). A ausência do trabalhador sem notícias é valorada como facto mais grave do que o mero cometimento de faltas, pois que ali não há lugar a um procedimento disciplinar. Aos «quinze dias úteis seguidos» de um «virar de costas» do trabalhador o legislador ligou uma presunção que, a não ser afastada, vale como rescisão. Daí, porventura, a razão de o pedido se concentrar no problema da presunção: a presunção, porque afastando o procedimento disciplinar, seria inconstitucional. O «valor rescisório» do abandono é inegável e radica-se, afinal, no mesmo fundamento do «valor rescisório» das faltas injustificadas. Trata-se de incumprimento imputável ao trabalhador nos momentos essenciais do contrato, aí que é a própria prestação de trabalho a deixar de ser realizada. Mas o abandono do trabalho constitui uma realidade peculiar. Ele cria uma perspetiva de não retorno que pode fazer emergir a necessidade de a empresa saber definitivamente com o que conta e providenciar sobre a sua própria reorganização. Os destinos do contrato atingiram aí um grau de incerteza que o legislador teve por bem transformar de imediato numa clara situação jurídica (…). O abandono pelo trabalhador sem notícias — e, depois, sem apresentar motivo sério — ultrapassa já o quadro de normalidade das vicissitudes do contrato. Já não existe, em princípio, boa-fé, já não existe nenhuma espécie de relação com a empresa: a situação é em si, como diz Bernardo Xavier, uma «situação extintiva» do contrato (…). A natureza da situação leva a concluir que as determinações do artigo 40.º não são materialmente inadequadas. O legislador empreendeu aí uma valoração diferente da que incide sobre a realidade das faltas, dispensando o processo disciplinar para a cessação do contrato. Veio, porventura, reconhecer as dificuldades que se experimentavam na organização desses processos, perante a impossibilidade de contacto direto com os arguidos [dando conta dessas dificuldades, (…). Mas haverá ponderado também outros níveis de justificação que se reconhecem na regulação do artigo 40.º: o abandono, aquele «complexo factual constituído pela ausência do trabalhador e por factos concludentes no sentido da existência da intenção de o não retomar» (Monteiro Fernandes), mostra que o trabalhador já se demitiu da sua «cidadania empresarial», que se distanciou inexoravelmente do programa do contrato e que diluiu ele próprio o nexo de pertença a uma determinada organização produtiva e à sua dimensão social e humana. As normas do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 estão, assim, justificadas perante a garantia constitucional de segurança no emprego.”
Quanto ao ónus da prova, cabe ao empregador não só o ónus da prova da ausência do trabalhador, mas, também, o ónus de alegar e de provar que ele não recebeu informação sobre o motivo dessa ausência. É esta a orientação jurisprudencial mais recente desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça como resulta do acórdão de 29 de outubro de 2008, proferido no processo n.º 08S2273[16], ao decidir que é ao empregador que compete o ónus de alegar e provar os factos integradores da referida presunção (base da presunção), isto é, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, como também a não receção de comunicação do motivo da ausência. Já anteriormente, o acórdão de 26 de março de 2008, proferido no processo n.º 07S2715[17], se havia pronunciado sobre esta questão nos seguintes termos: «Nos n.ºs 2 e 3 do art.º 450º [do Código do Trabalho de 2003, agora n.ºs 2 e 3, do artigo 403º, do CT de 2009] prevê-se a figura da presunção do abandono, retirada da ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência. Ou seja, no fundo, a lei tipifica tais factos (ausência por mais de 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido tal comunicação) como concludentes da intenção, por parte do trabalhador, de fazer cessar o contrato, permitindo, porém, que o trabalhador ilida a presunção, mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência. E como resulta dos princípios gerais aplicáveis nesse domínio e tem sido sublinhado pela doutrina e jurisprudência, cabe ao empregador que invocou a cessação do contrato o ónus de alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso de presunção do abandono – como acontece, no caso dos autos – os aludidos factos que suportam a presunção - (…).
Trata-se, na verdade, do ponto de vista substantivo, de factos integradores ou constitutivos do abandono do trabalho invocado pelo R. como fundamento da cessação do contrato que os ligou, e, na sua projeção processual na presente ação, como factos impeditivos da pretensão nela formulada pelo A. – de reconhecimento da existência de um despedimento ilícito por parte do R., com as inerentes consequências legais, por alegada inverificação desse abandono de trabalho (art.º 342º, n.º 2 do Código Civil).»
É de manter esta orientação.
Com efeito, a prova do facto conhecido, base da presunção (artigo 349.º do Código Civil), cabe à parte que a presunção favorece, pelo que é ao empregador que incumbe o ónus de alegar e provar os factos integradores da questionada presunção, isto é, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, mas também a não receção de comunicação do motivo da ausência. Tem, pois, o empregador que provar que o trabalhador se ausentou do seu local de trabalho, durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem o ter informado ou de lhe ter dado qualquer explicação para o facto.
Caso seja feita a prova desses factos, presume-se que houve abandono do trabalho, presunção que só pode ser afastada pelo trabalhador através da prova de que foi impedido por motivos de força maior, isto é, por circunstâncias imprevisíveis e estranhas à sua vontade de comunicar a causa justificativa da sua ausência.
Ou seja, para ilidir essa presunção o trabalhador terá que provar que a comunicação da sua ausência só não foi expedida ou só não chegou ao conhecimento do empregador por ter ocorrido um acontecimento inevitável e imprevisível, natural e/ou devido a determinada conduta de um terceiro, que não lhe seja imputável.
Para a ilidir, é necessário, ainda, que o trabalhador alegue e prove que, no caso concreto, agiu com a diligência que lhe era exigida, isto é, com aquela diligência que é própria e característica de uma pessoa “normal”, medianamente prudente, avisada e cuidadosa, como um “bonus pater familias”, e que só por razões que não lhe podiam ser imputáveis se viu impedido de cumprir aquele seu dever de comunicação.
Não é, deste modo, necessário que o trabalhador prove o motivo concreto que levou à sua ausência do trabalho e que a sua intenção não fora a de fazer cessar a relação laboral contratualizada. Basta, para o efeito, que prove a ocorrência de um motivo de força maior, impeditivo da comunicação da razão da sua ausência ao empregador.
Por fim, o abandono presumido também só pode ser invocado pelo empregador, como denúncia do contrato de trabalho após o envio, ao trabalhador, de comunicação da presunção do abandono, através de carta registada com aviso de receção, para a sua última morada conhecida [artigo 403º, n.º 3, última parte, do Código do Trabalho]”.
Importa ainda referir que tendo o Autor sofrido um (involuntário) acidente e tendo estado de baixa por vários meses, o seu contrato, aquando dos factos em questão, encontrava-se suspenso, nos termos do art.º 296.º do Código do Trabalho ( 1- Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar.)
Destarte,
Tendo em conta o supra assinalado, impõe-se considerar que sabendo o Réu do acidente sofrido pelo Autor, tendo-lhe este comunicado a situação através do envio da pertinente documentação médica a atestar  a sua incapacidade para o trabalho relativa a Abril e Maio de 2022 – não se tendo apurado factos reveladores de que o Autor tinha intenção de não retomar o trabalho (pelo contrário, o mesmo tentou o envio ao Réu, pela Net, de comprovativos médicos da continuação da sua baixa médica), não pode concluir-se pela verificação de uma situação de abandono do trabalho em qualquer das suas modalidades. 
Na realidade, tendo ocorrido a suspensão do contrato de trabalho em questão (e não dispondo o Réu de nenhum elemento que lhe permitisse concluir que o impedimento do trabalhador - ausente do serviço por baixa médica há meses - havia cessado) não era legítimo ao mesmo concluir, sem mais, pelo abandono do trabalho por parte do Autor.
Com efeito, como se fez constar no Ac. do TRL de 21-03-2012, proc.  499/10.7TTFUN.L1-4 “3. Encontrando-se o contrato de trabalho suspenso por doença do autor, a ausência deste nunca poderia ser considerada como um abandono do trabalho, pois faltava-lhe o elemento de natureza subjectiva constituído pela intenção definitiva, por parte do trabalhador, em não retomar o trabalho, que também não se podia presumir dado que a ré sabia que o contrato de trabalho que os ligava estava suspenso por doença do autor.”
 Conforme também referido no Ac. do TRC de 18-12-2019, proc. 5117/18.2T8VIS.C1, igualmente citado pelo Autor, “Não há abandono quando o empregador conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade de por termo ao contrato de trabalho; e havendo esse conhecimento tão pouco pode prevalecer ou funcionar a presunção a que alude o nº 2,  do art.º 403.º, do Código do Trabalho”. in www.dgsi.pt  (Itálicos e sublinhados nossos).
Perante este quadro, apenas pode concluir-se que a missiva do Réu endereçada ao Autor nos moldes referidos a considerar cessado o contrato de trabalho que a ambos ligava consubstancia um despedimento ilícito, visto não ter sido este antecedido do respectivo procedimento, nem ocorrer justa causa (art.º 381.º do Código do Trabalho). Termos em que improcede a presente questão.
5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo Réu.
Notifique e Registe.

Lisboa, 2023-05-03
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Alves Duarte