Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8838/20.6T8LRS.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PEDIDO IMPLÍCITO
INDEMNIZAÇÃO
DESPEDIMENTO
CONTRATO A TERMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I–O pedido deve ser formulado na conclusão da petição inicial.

II–São de atender os denominados pedidos implícitos, ou seja, pedidos que resultam do articulado por nele serem alegados os factos que consubstanciam a respectiva a causa de pedir, maxime se trata de pedidos meramente declarativos que constituem pressuposto da procedência dos pedidos expressamente formulados e, com a leitura da petição inicial, se revelem com nitidez os efeitos jurídicos pretendidos.

III–Se o pedido expressamente formulado de condenação da R. no pagamento de uma indemnização de antiguidade foi formulado tendo como pressuposto necessário, devidamente alegado, que a R. procedeu ao despedimento ilícito da A., não incorre em excesso de pronúncia nem em condenação além do pedido a sentença que, no seu dispositivo, declarou ilícito o despedimento.

IV–Em caso de invalidade do termo aposto em contrato de trabalho, a comunicação do empregador de fazer cessar o contrato no respectivo termo configura um despedimento ilícito.

(Elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1. Relatório


1.1. AAA, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra BBB peticionando[1] se considere que a A. “1. Dispõe de contrato de trabalho sem termo e com vínculo à EE desde 01.10.2019. 2. Deve a EE pagar à Autora o valor referente a férias, subsídio de férias, subsídio de Natal (13º mês), subsídio de refeição e horas de formação não pagas, no valor de 2.895,35€, até 30.09.2020, e 3. Indemnização a arbitrar pelo Exmo. Tribunal, até 45 dias de retribuição base por cada ano completo e fração de antiguidade, cujo valor não deve ser inferior a três meses de retribuição”.

Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: ter celebrado com a R. um contrato de trabalho pelo prazo de 3 meses em 01 de Outubro de 2019, que se renovou sucessivamente; que a R. lhe comunicou que o contrato de trabalho a termo certa caducaria em 30 de Setembro de 2020 o que traduz um despedimento, porque o contrato de trabalho era já sem termo, e que há créditos laborais por satisfazer nos quais se incluem férias, subsídios de férias e de Natal e compensação por formação em falta.

Realizada a audiência de partes, a R. apresentou contestação na qual invocou, em suma, que não nos encontramos perante um verdadeiro despedimento, pois existia apenas um contrato de trabalho a termo certo entre Autora e Ré que teve início em um de Abril de 2020 e caducou em trinta de Setembro de Setembro de 2020 e os dois primeiros contratos de trabalho a termo que foram celebrados não se renovaram e portanto já tinham terminado, tendo os três contratos de trabalho celebrados vigorado de forma sucessiva. Termina pedindo a sua absolvição do pedido.

Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgando a presente ação parcialmente procedente, decide-se
A. Declarar que entre autora e ré vigorou um contrato de trabalho sem termos, com início em 01-10-2019;
B. Declarar que a ré despediu ilicitamente a autora em 30-09-2020;
C. Condenar a ré a pagar à autora, a título de indemnização em substituição da reintegração, correspondente ao mínimo de três meses de retribuição base, a quantia de € 1.905,00 (mil, novecentos e cinco euros);
D. Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 1.270,00 (mil, duzentos e setenta euros), a título de férias e subsídio de férias.
E. Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 476,25 (quatrocentos e setenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), a título de proporcionais do subsídio de Natal de 2020;
F. Absolver a ré de demais peticionado.
*
Custas a cargo da ré – art.º 527.º do CPC.
[…]»

1.2. A R., inconformada interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(...)

1.3. A A. respondeu pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

1.4. O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 319, no qual o Mmo. Julgador a quo afirmou não se verificar a nulidade da sentença suscitada pela recorrente. Veio ulteriormente a conferir efeito suspensivo ao recurso, atenta a caução prestada.

1.5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta opinou pela improcedência do recurso em douto Parecer a que apenas respondeu a R., dele discordando.

Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, são as seguintes:
1.ª– da nulidade da sentença por excesso de pronúncia e condenação em objecto diferente do pedido – arts. 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, e e) do CPC;
2.ª– de saber se a recorrente procedeu ao despedimento da recorrida. 
                                                                                                               Antes de prosseguir, cabe ter presente que se mostram definitivamente decididas – por não impugnadas no recurso de apelação, quer em via principal, quer subordinada, o que acarretou o seu trânsito em julgado nos termos do artigo 635.º, n.º 5 do Código de Processo Civil –, as questões relacionadas com o reconhecimento de que entre autora e ré vigorou um contrato de trabalho sem termo, com início em 01 de Outubro de 2019, e com o reconhecimento dos créditos da A. de € 1.270,00 a título de férias e subsídio de férias e de € 476,25 a título de proporcionais do subsídio de Natal de 2020.

3. Fundamentação de facto
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
i. 1º A autora iniciou a sua relação com a Ré em 01.10.2019, em regime de trabalho por conta da EE, e conforme às instruções e orientações recebidas;
ii. 2º Data em que iniciou o contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 3 meses;
iii. 3º Com motivo alegado “acréscimo excecional de atividade da empresa, e justifica-se ao abrigo da alínea f) do n' 2 do art.' 140.' do Código do Trabalho”, sem mais, conforme consta da cláusula primeira do mesmo;
iv. 6º Em 01-01-2020, autora e ré assinaram um novo contrato de trabalho, também, a termo certo, por igual período (3 meses);
v. 8º E pelos mesmos motivos “acréscimo excecional de atividade da empresa, e justifica-se ao abrigo da alínea f) do n° 2 do art° 140 do Código do Trabalho”; sem mais!
vi. 13º Autora e ré assinaram novo contrato com data de 01.04.2020, igualmente a termo certo, mas agora pelo prazo de 6 meses;
vii. 15º E pelos mesmos motivos “acréscimo excecional de atividade da empresa, e justifica-se ao abrigo da alínea f) do n° 2 do art° 140 do Código do Trabalho”, sem mais;
viii. 16º No contrato de 01-01-2020, passou a constar a retribuição mensal de € 635,00 (cláusula terceira), por aumento do ordenado mínimo nacional - a trabalhadora recebia esse valor desde janeiro;
ix. 17º A autora auferia/aufere o valor de € 635,00, a cujo valor era abatido o desconto para a SS (€ 69,85);
x. 18º No final do mês de março recebeu o valor de 565,15€, por transferência bancária, aberta em Banco, com sede em território Nacional;
xi. 19º No início de abril assina o novo contrato e passados uns dias fica em casa, por a ré lhe ter dito que estava em layoff, e no final do mês recebeu € 200;
xii. 20º Em maio recebeu o valor de € 350, mas em junho, julho e agosto não recebeu nenhum valor;
xiii. 23º Pediu pagamento do valor correspondente à percentagem do layoff, mas nada lhe foi pago;
xiv. 24º Em 24.07.2020, através do seu mandatário, contactou a EE;
xv. 25º Nessa carta, recebida em 27.07.2020, informou e solicitou informação sobre:
“ (...)
1. O não pagamento do valor percentual (66%), do vencimento, que lhe cabe receber, tem-lhe provocado enormes danos e está a deixá-la no limiar da condição humana!
2. qual a situação da mesma;
3. data de remissão do processo à Segurança Social, e qual a situação do mesmo;
4. solicito cópia do processo remetido à SS;
5. motivo pelo qual não lhe têm sido pagos os valores correspondentes; (...)”;

xvi. 26º Não obteve resposta e em 24.08.2020 deu entrada ao Procedimento Cautelar, Proc. n.0 6604/20.8T8LRS, Juiz 2, deste Juízo do Trabalho;
xvii. 27º Em 08-09-2020, a autora recebeu uma carta da EE, com data de 31.08.2020, com registo nos CTT de 01.09.2020, a informar que: “o seu contrato de trabalho a termo certo com início em um de abril de 2020 irá caducar no próximo dia trinta de setembro de 2020...”;
xviii. 35º A EE deduziu Oposição ao procedimento cautelar e referiu que não estava em layoff;
xix. 36º No início da Audiência Final, realizada no dia 29-09-2020, as partes chegaram a acordo nos seguintes termos:

«Transação
1– A Requerida reconhece-se devedora e aceita pagar à Requerente a quantia líquida de 2.840,90 € (dois mil, oitocentos e quarenta euros e noventa cêntimos), correspondente ao valor requerido de 2.275,75 €, acrescido da retribuição do corrente mês de setembro no valor de 565,15 €.
2– A Requerida procederá ao pagamento da referida quantia, através de cheque (nº …, emitido sob a conta do ….), com data de pagamento do dia de hoje (29-09-2020), emitido a favor da Requerente e neste ato entregue em mão à mesma, o que a Requerente aceita.
3– A Requerida mais desobriga a Requerente de comparecer no local de trabalho, considerando a já comunicada extinção do vínculo laboral.
4– As custas em dívida são em partes iguais por Requerente e Requerida, prescindindo ambas de custas de parte e sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Requerente.»

x. Tal transação foi de imediato homologada.
xxi. 39º A trabalhadora ficou dispensada de se apresentar ao trabalho e até à data não foi convocada;
xxii.  50º Até à data a ré não emitiu o certificado de trabalho, o documento (…) para a trabalhadora apresentar na SS, não fechou contas, nem emitiu recibo final à trabalhadora;
xxiii. 52º Estando, ao presente, as remunerações pagas até 30.09.2020, durante esse ano só lhe foi pago, em dezembro de 2019, o valor de € 133,50 referente a 3/12 avos do valor que lhe cabia receber do subsídio de Natal.
[...]»

Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso uma vez que no caso sub judice não foi impugnada a decisão de facto e não ocorre qualquer das situações que autorizam o Tribunal da Relação a alterá-la oficiosamente ou a determinar a sua ampliação (cfr. o artigo 662.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
                                                                                                               *
4. Fundamentação de direito
                                                                                                               *
4.1. A recorrente invoca que a decisão recorrida é nula de acordo com o disposto no artigo 615º, nº. 1, alínea d), segunda parte, e alínea e) do Código de Processo Civil, pois conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, dado que a Autora não formulou perante o tribunal qualquer pedido de declaração de que foi despedida ilicitamente pela Ré e é também nula pois condena em objecto diverso do pedido pela Autora que não pediu ao Tribunal que declarasse que tinha sido despedida ilicitamente pela Ré.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando:
“(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

A primeira causa de nulidade constitui cominação à violação do limite imposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º, do mesmo Código, de acordo com o qual o tribunal “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficiosos de outras”.

E a segunda reporta-se à inobservância dos limites impostos pelo artigo 609.º, n.º 1, condenando em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do mesmo.

Nos termos do artigo 552.º, n.º 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Civil, na petição inicial o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção, bem como formular o pedido, que irá conformar o objecto do processo e condicionar a decisão de mérito, pelo que o tribunal, sob pena de nulidade, deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras, e não pode também condenar em quantidade superior ou objecto diverso do pedido – artigo 615º, n.º1, alíneas d) e e), do CPC.

As questões a que se reportam os artigos 608.º e 615.º do Código de Processo Civil de 2013 são as que se centram nos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições das partes na causa, ou seja, “as que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções[2].

Decorre com toda a nitidez do princípio expresso no n.º 2 do citado artigo 608.º, bem como do princípio do pedido consagrado no n.º 1 do artigo 609.º – que emanam do carácter essencialmente dispositivo do processo, atribuindo às partes a iniciativa e o impulso processual, e do princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada a deduzir oposição –, a limitação do poder conformador do tribunal pela quantidade e pela qualidade do objecto da acção.
O pedido, que de acordo com o nº 3 do artigo 581.º do CPC, é o “efeito jurídico que se pretende obter com a acção representa “o corolário lógico dos fundamentos[3] e deve ser formulado de forma expressa na conclusão da petição inicial[4].

O pedido, enquanto efeito potenciado pelo facto jurídico concreto em que se traduz a causa de pedir (artigo 581.º, n.° 4, do CPC), é uma realidade complexa pois é o corolário de uma construção jurídica gradual alicerçada na teia elementar desenvolvida pelo peticionante, seja ele autor ou reconvinte. Corresponde, portanto, a uma pretensão, que pode ser logicamente precedida de mais de que um juízo declaratório. E assim sucederá na medida em que o resultado final desejado - a pretensão - suponha necessariamente no seu percurso uma, ou mais, componentes jurídicas logicamente causais da respectiva formação[5].

Daí que pacificamente se aceite a atendibilidade dos chamados pedidos implícitos, ou seja, pedidos que resultam do articulado por nele serem alegados os factos que consubstanciam a respectiva a causa de pedir, maxime se trata de pedidos meramente declarativos que constituem pressuposto da procedência dos pedidos expressamente formulados[6].

É o que se verificou no caso sub judice.

Na verdade, o pedido de condenação da R. no pagamento de “indemnização a arbitrar pelo Exmo. Tribunal, até 45 dias de retribuição base por cada ano completo e fração de antiguidade, cujo valor não deve ser inferior a três meses de retribuição” foi formulado na presente acção tendo como pressuposto que a R. procedeu ao despedimento ilícito da A.

É o que resulta designadamente dos artigos 30.º e 31.º da petição inicial, em que a A. alega que a comunicação da caducidade do contrato implicou o seu despedimento, e do pedido nela formulado de condenação da R. na reintegração ou em indemnização a arbitrar à trabalhadora, “cuja opção a trabalhadora comunicará em tempo, na linha do estipulado pelo artº 391º do CT", bem como de condenação no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, com fundamento nas considerações expressas nos artigos 57.º, 58.º, 61.º e 63.º  daquele articulado.

O mesmo resulta da peça processual apresentada pela A. quando, a convite do tribunal, vem esclarecer os seus pedidos incluindo o indicado pedido de indemnização de antiguidade, afirmando previamente no ponto I do requerimento que lhe cabe “optar entre a reintegração e a indemnização” e informa optar pela indemnização.

Ou seja, na economia da petição inicial, o pedido expressamente formulado de condenação da R. no pagamento desta indemnização tem como pressuposto necessário que a R. procedeu ao despedimento ilícito da trabalhadora.

Apesar de a A. não ter feito constar expressamente na conclusão do petitório o inerente pedido de declaração da ilicitude do despedimento, o mesmo resulta implícito, tendo sido alegados no articulado inicial os factos que o fundamentam (a respectiva causa de pedir) e constituindo a sua procedência um pressuposto necessário da procedência do pedido indemnizatório ali expressamente formulado.

E a R. bem o entendeu, como resulta designadamente da alegação constante da resposta ao aperfeiçoamento (a fls. 46), na qual escreveu: “Ora, como se sabe para ser arbitrada uma indemnização à Autora esta terá de provar que existiu um despedimento ilícito desta por parte da Ré BBB o que se afigura que neste caso concreto não aconteceu”. Como bem salienta o Mmo. Juiz a quo, se a ré não entendesse, tal como o Tribunal, que tinha sido tacitamente pedida a declaração da ilicitude do despedimento, não se defenderia com a falta de prova, mas sim, e desde logo, com a falta de pedido.

Nessa sequência, o próprio Despacho Saneador, ao apreciar a congruência da petição inicial, afirmou que “este não era um caso de ineptidão [parcial] da petição inicial, muito menos de ineptidão total, uma vez que a lei permite que, nos casos em que é peticionado que se declare o despedimento ilícito, o trabalhador opte, até ao encerramento da discussão em audiência de julgamento, entre a reintegração e a indemnização”, partindo já nessa fase do pressuposto de que lhe era pedida a apreciação da ilicitude do despedimento.

Assim, a sentença final debruçou-se sobre as questões enunciadas na petição inicial da presente acção e discutidas nos articulados subsequentes, as quais eram fundamentais para aferir da existência dos direitos peticionados, tendo a sentença analisado os diversos aspectos que era necessário analisar para lhes dar solução, movendo-se no seu exclusivo âmbito.

Consideramos pois que, ainda que a A. não tenha formulado expressamente o pedido de declaração da ilicitude do alegado despedimento, a invocação inequívoca deste despedimento ilícito na petição inicial, como pressuposto necessário do pedido indemnizatório formulado, mostra-se suficiente para que se afirme que no pedido formulado nesta acção se contém, ainda, o pedido implícito de declaração da ilicitude do despedimento.

Assim, perante o enquadramento normativo a que se procedeu e os contornos do caso "sub judice", afigura-se-nos que a sentença, ao conhecer e declarar que a R. despediu ilicitamente a A. no ponto B. do veredicto, actuou em estrita consonância com os fundamentos nela explanados, não conheceu de questão de que não lhe era lícito conhecer nos termos do artigo 615.º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, nem condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Improcede a arguida nulidade.
                                                                                                               *
4.2. Cabe a este passo aferir se a R. procedeu ao despedimento da A.

Alega a recorrente que estava convencida que tinha celebrado um terceiro contrato de trabalho a termo certo válido com a A. com a duração de seis meses e decidiu comunicar à A. que o seu contrato de trabalho a termo certo iria terminar de acordo com o preceituado no art. 344º, nº. 1 do Código do Trabalho, pois era esse o mecanismo legal que a lei laboral prevê para fazer cessar o contrato de trabalho a termo certo, agindo sempre de boa-fé e não sendo sua intenção proceder a um despedimento propriamente dito da A..

Acrescenta que na transacção judicial celebrada no procedimento cautelar desobrigou a A. de comparecer no local e trabalho considerando a já comunicada extinção do vínculo, o que a A. entendeu muito bem e adoptou um comportamento revelador de que não tinha intenção de voltar a trabalhar para a R., daqui concluindo que o vínculo tinha já cessado através dessa transacção, pelo que não ocorreu um despedimento, nem tem que pagar a indemnização em que foi condenada.

A sentença sob recurso, a este propósito, emitiu as seguintes considerações:
«[…]
Provou-se que por carta datada de 31-08-2020, com registo de 01-09-2020 e recebida em 08-09-2020, dirigida pela ré à autora, aquela comunicou a esta o seguinte: «o seu contrato de trabalho a termo certo com início em um de abril de 2020 irá caducar no próximo dia trinta de setembro de 2020...»
Vejamos se esta declaração pode ser interpretada como um despedimento.
O despedimento consubstancia uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.
Tecnicamente, o despedimento é uma declaração vinculada (porque condicionada à verificação de determinados motivos que a lei considera como justificativos da cessação da relação laboral), constitutiva (porquanto o ato de vontade do empregador tem efeitos por si mesmo, sendo, consequentemente, uma forma de cessação de exercício extrajudicial), e recipienda (pois só é eficaz depois de ter sido recebida pelo seu destinatário).
Portanto, sendo uma das formas de cessação do contrato de trabalho por parte do empregador, o despedimento constitui, estruturalmente, um negócio jurídico unilateral recetício, através do qual o empregador revela a vontade de fazer cessar o contrato.
Pese embora a empregadora diga que o contrato irá caducar, pois constrói a frase como se estivesse a tratar de um contrato a termo certo, o que ela pretende significar, realmente, é que está a pôr fim à relação laborar para o futuro, pelo que esta declaração não pode deixar de ser considerada um despedimento.
[…]»

Adiantando, devemos dizer que é patente o acerto deste juízo.     
O despedimento constitui um modo de extinção da relação laboral, que opera pela manifestação da vontade unilateral do empregador no sentido da extinção do vínculo e pela sua comunicação efectiva ao trabalhador, pelo que o mesmo produz o seu efeito logo que chega ao conhecimento do trabalhador destinatário – cfr. os artigos 217.º e 224.º, nº 1, do Código Civil.

Como se afirmou no Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 2020[7] “[q]uando chega ao conhecimento do trabalhador a comunicação do empregador de que decide fazer cessar o contrato de trabalho, esta declaração de vontade opera os seus efeitos jurídicos e o contrato cessa a partir desse dia ou de outro, posterior, que conste da comunicação, independentemente do tipo de contrato, da legalidade da actuação do empregador, de o trabalhador não desenvolver a sua actividade já há alguns dias e da correspondência da comunicação ao tipo de contrato e ao efeito jurídico pretendido operar”.

Ora, inexistem quaisquer dúvidas de que a R. comunicou à A. que o vínculo contratual que as unia iria cessar em 30 de Setembro de 2020 – vide o facto xvii. Ou seja, interpretada a declaração por ela emitida segundo a doutrina objectivista da impressão do destinatário consagrada no artigo 236.º do CC, é de concluir que, lendo a missiva da R., ficou naturalmente claro para a trabalhadora que o seu contrato iria cessar a partir do indicado dia 30 de Setembro.

E inexistem, também, quaisquer dúvidas de que, sendo o contrato de trabalho em causa por tempo indeterminado – como decidiu a sentença, em juízo decisório que a recorrente não questionou –, a razão invocada para essa cessação (a caducidade) não tinha correspondência com a realidade contratual nem implicava, à luz da lei, a cessação do contrato (vide o artigo 343.º do Código do Trabalho). Aliás, há muito a lei circunscreve os casos em que a caducidade constitui causa de cessação do contrato de trabalho, defendendo a doutrina que as hipóteses de caducidade devem ser consideradas excepcionais e se deve ser particularmente exigente quanto à verificação dos requisitos de que a lei faz depender a sua verificação, atento o carácter radical dos efeitos da caducidade e a ausência em geral de qualquer procedimentalização[8].

Tendo presente este quadro normativo, não vemos que a argumentação da recorrente de algum modo conforte a tese que defende.

Com efeito, e em primeiro lugar, em nada releva a boa ou má fé do empregador para efeito de considerar a contratação a termo lícita ou ilícita, havendo que apurar apenas da conformidade da vinculação com o regime jurídico da contratação a termo plasmado nos artigos 139.º e ss. do Código do Trabalho. O mesmo sucede com a determinação do sentido e da eficácia da declaração negocial do empregador, que igualmente não dependem da boa ou má fé do declarante, mas de critérios objectivos enunciados nos artigos 236.º e 224.º do Código Civil, respectivamente. Pelo que é inócua a alegação da R. de que agiu sempre de boa-fé e estava convencida que tinha celebrado um terceiro contrato de trabalho a termo certo válido.

Em segundo lugar, não procede a alegação de que a carta remetida não pode ser interpretada como um despedimento da A. com o argumento de que a R. não pretendia proceder ao despedimento, mas invocar a caducidade do contrato de trabalho a termo. A questão que se coloca na interpretação da declaração negocial da R. é a de saber se, com a mesma, a R. visava comunicar à A. que pretendia pôr fim ao contrato. Isto porque em ambos os casos, o empregador tem que comunicar à outra parte a vontade de fazer cessar o contrato. A questão de saber se a declaração negocial extintiva emitida pelo empregador se deve qualificar como um despedimento ou se é susceptível de integrar a comunicação da caducidade prevista no artigo 344.º, n.º 1, 1.ª parte do Código do Trabalho, não depende da intenção do empregador – pois esta intenção é a de comunicar a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, em ambos os casos – mas do enquadramento jurídico a que se proceda da mesma declaração.

Em terceiro lugar, de modo algum a análise da transacção efectuada no dia 29 de Setembro de 2020[9], permite concluir que o vínculo laboral que existia entre Autora e Ré cessou através dela, como invoca a recorrente. Pelo contrário. O que aí se clausulou no ponto 3. – “A Requerida mais desobriga a Requerente de comparecer no local de trabalho, considerando a já comunicada extinção do vínculo laboral” – é perfeitamente consonante com o facto de a extinção do contrato apenas operar os seus efeitos no dia 30 de Setembro, como comunicado. Se o contrato cessasse na data da transacção, dia 29 de Setembro, cessavam logo nesse dia 29 todas as obrigações dele emergentes, nada tendo a R. que desobrigar. O expressamente clausulado denota que as partes perspectivavam que o contrato se mantinha então em vigor e, mais ainda, que tinham em mente a comunicação já efectuada no sentido da extinção do vínculo laboral no dia seguinte.

Neste contexto, naturalmente que a recorrida entendeu muito bem que ficou desobrigada para sempre de voltar a trabalhar para a recorrente (no dia 29 por expressa declaração de desobrigação da sua ainda empregadora e nos dias 30 e subsequentes porque o vínculo se extinguiu no dia 30, conforme a comunicação anterior), sendo o seu comportamento de não mais comparecer no seu local de trabalho e de não ter qualquer intenção de voltar a trabalhar para a Ré revelador de que considerou o contrato de trabalho cessado na sequência da declaração extintiva emitida pela R. e relatada no facto xvii.

Sendo a única questão que se coloca a da qualificação da cessação contratual operada pela R. como caducidade do contrato de trabalho ou despedimento, e não se verificando os pressupostos legais da caducidade – na medida em que se concluiu que o contrato mantido entre as partes tem de ser considerado um contrato de trabalho sem termo desde o seu início, por força do disposto no n.º 1, alínea c), do artigo 147.º do Código do Trabalho –, é manifesto que, quando a R., ora recorrente, lhe pôs fim com efeitos a 30 de Setembro de 2020, por meio da carta enviada à A. ora recorrida em 31 de Agosto do mesmo ano, nada mais fez do que proceder ao seu despedimento sem procedimento que o antecedesse[10].

Pelo que bem andou a sentença em declarar que se verificou um despedimento e que o mesmo foi ilícito, daí extraindo as devidas consequências indemnizatórias, como peticionado.

Não procede a apelação, também neste aspecto.
                                                                                                               *
4.3. As custas do recurso devem ser suportadas pela recorrente, que nele decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil). Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que haja.
                                                                                                                                              *
6. Decisão
Em face do exposto:
6.1. julga-se improcedente a nulidade arguida;
6.2. nega-se provimento à apelação e confirma-se a sentença da 1.ª instância.
Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
                                                                                                               *

Lisboa, 15 de Março de 2023



(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)
(Alda Martins)



[1]Atende-se já ao pedido reformulado pela A. na sequência de despacho judicial.
[2]Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.10.30, Revista n.º 3350/03 da 7.ª Secção. No mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2005 (Recurso n.º 255/05, da 4.ª Secção) e de 10 de Maio de 2006 (Recurso n.º 481/05, da 4.ª Secção), todos sumariados em www.stj.pt. Assim também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, Coimbra, 2018, p. 737.
[3]Vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, Coimbra, 2018, p. 493.
[4]A estrutura da petição inicial comporta o intróito, a narração e a conclusão.
[5]Vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Abril de 2007, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo II, p 27.
[6]No âmbito da acção de reivindicação de propriedade, é comum o entendimento de que se o autor se limita a pedir a restituição da coisa, não formulando expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, este pedido deve considerar-se implícito naquele, apesar de serem dois os pedidos que integram e caracterizam esta acção – o pedido de reconhecimento do direito de propriedade (“pronuntiatio”) e, bem assim, o de restituição da coisa (“condemnatio”) – vide, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa 2011.02.01, processo n.º 136/05.1TBFUN.L1-1, in www.dgsi.pt, e o Acórdão da Relação do Porto de 2007.01.18, processo 0636918, no mesmo sítio. Em distinto âmbito, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2010, processo n.º 476/99 P1.S1, acessível no mesmo sítio, que é de considerar que no pedido formulado na acção sobre que versou se contém o pedido de condenação da ré no cumprimento das obrigações que decorrem da celebração do contrato. Ainda na mesma esteira, decidiu o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2019.07.04, processo n.º 493/12.3TJCBR-K.P1.S2, que, ainda que não tenha formulado expressamente na acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, o pedido de declaração de caducidade do direito de resolução, a invocação da preclusão do prazo de dois anos que a lei estabelece para o administrador da insolvência resolver o negócio, traduzindo a arguição implícita dessa caducidade, mostra-se suficiente para que a mesma possa ser conhecida com todas as consequências legais.
[7]Processo n.º 5097/19.7T8SNT.L1, inédito, tanto quanto nos é dado saber.
[8]Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 915 e ss.
[9]No âmbito do Procedimento Cautelar nº. 6604/20.8T8LRS, do Juízo do Trabalho de Loures - Juiz 2.
[10]É numerosa a jurisprudência que tem entendido que, em caso de invalidade do termo aposto em contrato de trabalho a termo, a comunicação do empregador de fazer cessar o contrato no respectivo termo configura um despedimento ilícito, de que são exemplos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2022.09.07, processo nº 6670/17.8T8PRT.P1.S1, de 2019.03.06, processo nº 10354/17.4T8SNT.L1.S1, de 2017.02.22, processo nº 2236/15.0T8AVR.P1.S1, de 2015.02.24, processo nº 178/12.0TTCLD.L1.S1, de 2012.10.18, processo nº 3415/09.5TTLSB.L1.S1 e os Acórdãos da Relação do Porto de 2016.04.18, processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1, de 2019.01.21, processo n.º 836/18.6T8AVR.P1, todos in www.dgsi.pt.