Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5556/22.4T8LSB-A.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
FALTA DE MANDATÁRIO
NÃO ADIAMENTO
RECURSO AUTÓNOMO DE DESPACHO PROFERIDO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: S
Texto Integral: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A parte - simultaneamente advogado a litigar em causa própria - só pode impugnar o despacho proferido em sede de audiência prévia com o fundamento desta ter sido realizada na sua ausência, no recurso que vier a ser interposto da decisão que ponha termo à causa (art. 644º, nº 1, e nº 3 do CPC), sem prejuízo do mesmo poder ser impugnado nos termos previstos no art. 644º, nº 4, do mesmo Código.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


Relatório


No tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Lisboa – Juízo Local Cível – Juiz 8, corre termos ação declarativa de condenação sob o nº (….), que M(…), residente em (…), em Lisboa, move contra J(…), com domicílio conhecido na Rua (…) em Lisboa e no âmbito da qual, em 25 de novembro de 2022 foi realizada audiência prévia, de cuja ata consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
Presentes:
O Ilustre Mandatário da Autora.
Não Presente:
O Réu.

Iniciada a audiência, às 09:48 horas, e face à impossibilidade de realização da tentativa de conciliação dada a ausência do réu, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
I.–Do valor processual da causa
Nos termos dos artigos 297º, n.º 1 e 2 e 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, fixa-se o valor da causa em € 30.480,80 (trinta mil, quatrocentos e oitenta euros e oitenta cêntimos).
Notifique.
II.–Despacho saneador
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem totalmente.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, sendo regular o respetivo patrocínio.
Inexistem outras exceções, nulidades ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer de imediato e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Notifique.
(…)
Seguidamente, foi dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Autora para, querendo, se pronunciar relativamente ao despacho a proferir quanto à adequação formal, simplificação ou agilização processual e também quanto à identificação do objeto e enunciação de temas de prova, tendo o mesmo dito que deverá versar-se sobre a validade ou existência de um acordo prévio e também das rendas que terão ficado efetivamente por pagar em função da dinâmica contratual.
(…)
Seguidamente, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
I.Adequação formal, simplificação ou agilização processual
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 591º, n.º1, alínea e), 6º e 547º do Código de Processo Civil, consigna-se que a presente ação seguirá o rito processual previsto no modelo legal do processo comum de declaração, por se mostrar adequado, célere, eficaz e útil às especificidades da causa e assegurar um processo equitativo.
Notifique.
II.Identificação do objeto de litígio e enunciação dos temas da prova
A–Do objeto de litígio
O objeto de litígio reconduz-se à questão de saber:
a)-a título principal, se o Réu deve ser condenado a pagar à Autora como obrigação de pagamento de danos por si causados e decorrentes da privação do gozo da fração, a quantia de € 30.480,80 (trinta mil, quatrocentos e oitenta euros e oitenta cêntimos), sendo a quantia de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros) correspondente ao valor do capital, acrescido de juros de mora vencidos sobre cada uma das rendas devidas desde 01 de abril de 2019 até à data da instauração da presente ação e no montante total de juros de € 1.680,80 (mil, seiscentos e oitenta euros e oitenta cêntimos) até integral pagamento e o valor de € 800,00 (oitocentos euros) por cada mês desde a data da instauração da ação até à restituição da fração melhor identificada nos autos acrescido dos juros de mora até integral pagamento;
b)-A título subsidiário, saber se o Réu deve ser condenado a pagar à Autora como obrigação de restituição do endividamento recebido a quantia de € 30.480,00 (trinta mil, quatrocentos e oitenta euros), sendo o valor de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros) correspondente ao valor do capital acrescido dos respetivos juros de mora vencidos sobre cada uma das rendas devidas desde 01 de abril de 2019 até à data da instauração da presente ação e no montante total de juros de € 1.680,80 (mil, seiscentos e oitenta euros e oitenta cêntimos) até integral pagamento e o valor de € 800,00 (oitocentos euros) por cada mês desde a data da instauração da ação até à restituição da fração melhor identificada nos autos acrescido dos juros de mora até integral pagamento.

B–Dos temas da prova
Constituem temas da prova a apurar:
a)-Da existência de uma atuação ilícita e culposa do Réu;
b)-Da existência, natureza, qualidade e quantidade dos danos sofridos pela Autora;
c)-Do nexo de causalidade entre tais danos e a atuação do Réu.
Notifique.
(…)
Seguidamente, pela Mm.ª Juiz foi dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Autora para, querendo, se pronunciar nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 596º, n.º 2 do Código do Processo Civil, tendo o mesmo dito nada ter a reclamar.
Seguidamente, pela Mm.ª Juiz foi concedida a palavra ao Ilustre Mandatário da Autora para, querendo, se pronunciar nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 598º do Código de Processo Civil, tendo o mesmo reiterado todos os meios de prova já apresentados nos autos, aditando ao rol de testemunhas a testemunha (…), tendo reiterado também o pedido de realização de uma perícia tendo em vista os artigos já indicados na Petição Inicial, requerendo-se ao Tribunal que tenha lugar sobre a modalidade de perito nomeado pelo Tribunal e que a escolha desse perito seja solicitada à Associação Nacional de Avaliadores Imobiliários, com sede na estrada do Paço ....., C..... ....., IAPMEI, edifício ..., ...º Andar, ....-... - L_____ ou, não entendendo V. Ex.ª solicitar a esta instituição a respetiva indicação de perito, que se digne solicitar essa indicação a entidade independente que o Tribunal melhor entender.

Seguidamente, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
I.-Da prova
A–Prova testemunhal
Por legais e tempestivos, admitem-se os róis de testemunhas apresentados pela Autora e pelo Réu, bem como o aditamento ora formalizado pela Autora, nos termos dos artigos 498º, 507º, 511º, 552º, n.º 6, 572º, alínea d) e 598º do Código de Processo Civil.
B–Prova documental
Por legal e tempestiva, admite-se a junção aos autos dos documentos apresentados pela Autora e pelo Réu, nos termos do artigo 423º, n.º1 do Código de Processo Civil.
C –Prova Pericial
Notifique o Réu para no prazo de 10 (dez) dias se pronunciar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 476, n.º 1 do Código de Processo Civil.
II.
Relego para momento ulterior a designação de data para a realização de audiência final.
Notifique.
(…)”.
*

O Réu recorreu daquele despacho proferido em ata e formulou as seguintes conclusões:
A)O despacho ora em crise enferma de manifestos erros de apreciação, que importa sejam corrigidos, pelo Tribunal ad quem para uma melhor aplicação do direito e realização da Justiça.
B)O Apelante é Réu e Advogado em causa própria e usa o nome profissional J (…), de acordo com a Lei, legitima e legalmente exerce advocacia em prática individual.
C)O Apelante tinha duas diligências agendadas. Uma para o dia 23/11/2022, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (…), processo n.º (…), para onde remeteu atestado médico, no dia 18/11/2022. A Juíza deste Tribunal adiou a diligência e diferiu a tentativa conciliação para o dia 26 de Janeiro.
D)E uma diligência agendada para o Tribunal a quo, processo (…) para o dia 25/11/2022, tendo o Apelante, no dia 18/11/2022, remetido aos autos um atestado médico a informar que tinha sido acometido de doença súbita que o impedia de se deslocar e estar presente.
E)A doença do Apelante, Advogado em causa própria, impossibilitou-o, em absoluto, de praticar quaisquer actos e de comparecer à audiência prévia, facto que previamente comunicado, o que daria lugar ao respectivo adiamento, pois, o cidadão é indissociável, é incindível, do Advogado.
F)Mas, o Tribunal a quo ignorou a enfermidade e o atestado médico junto aos autos e prosseguiu com a diligência, elaborando a acta de audiência já referida.
G)A enfermidade que vitimou o Apelante/Réu/Advogado e o obrigou a permanecer vários dias em casa constitui justo impedimento - artigo 140.º do CPC. -. Tendo o Apelante usado do dever de diligência exigível ao homem médio, sem que se lhe possa imputar culpa (artigo 487.º 2, do C.C.).
H)Segundo a Jurisprudência, a doença, para constituir justo impedimento, terá de ser súbita, grave e imprevisível, impossibilitando, absolutamente, a prática atempada do acto por motivos não imputáveis ao Apelante. Acórdão do TRG, Proc. 4353/17.3TBRG-A.G1 Ac. do TRP, proc. n.º 4733/11.8TBVFR-A.P1, de 13/05/2013 Ac. do TRG de 20.03.2017 Ac. do TRL, Proc. 11749/17.9T8LSB.L2.L1-7 de 11-12-2019, Audiência prévia- Justo impedimento, Relator Luis Espirito Santo.
I)Foi posto em causa o exercício do contraditório pelas partes, não cabendo à Juíza a quo aquilatar da maior ou menor utilidade da presença de um dos mandatários judiciais, Advogado em causa própria, convocado, mas impedido, por doença, de se deslocar e estar presente na diligência artigos 140.º, 591.º, n.º 1, als. b), c), d) e f), 591, n.º 3, e 596, n.º 2, todos do CPC.)

Termos em que requer ao Tribunal:
1.-Atendendo aos fundamentos invocados, seja não só admitido o presente recurso como julgado inteiramente procedente;
2.-Seja declarado que a enfermidade que vitimou o Apelante/Advogado constitui justo impedimento;
3.-Seja revogado o despacho a quo;
4.-Sejam anuladas as decisões proferidas na audiência prévia que teve lugar no dia 25 de Novembro de 2022, determinando a marcação de nova data para a realização da audiência prévia;”
*

A autora respondeu ao recurso.
*

Em 10 de janeiro de 2023 foi proferido despacho de não admissão do recurso, com os seguintes fundamentos:
I.Requerimento 44183673
O réu veio apresentar um requerimento de recurso de apelação do despacho saneador exarado na ata de audiência prévia constante da referência 42094615.
Constata-se, porém, que tal recurso de apelação autónoma não é admissível, à luz do disposto no artigo 644º, n.º 1 e 2, a contrario, do Código de Processo Civil, em concreto, não se afigura que estejamos perante uma decisão interlocutória cuja impugnação com o recurso da decisão final seja absolutamente inútil no sentido de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando uma inutilização de atos processuais para justificar a subida imediata do recurso, sendo que a decisão em causa pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final ou, se não houver recurso da decisão final, num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão, nos termos do artigo 644º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil.
Em consequência, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 629º, 630º, 641º, n.º 2, alínea a) e 644º do Código de Processo Civil, por legalmente inadmissível, não admito o requerimento de recurso apresentado pelo réu.
Custas do incidente a cargo do réu, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, nos termos do artigo 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.”
*

O Réu reclamou deste despacho, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 643º, do Código de Processo Civil, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
A)O despacho de não admissão de recurso enferma de manifestos erros de apreciação, que importa sejam corrigidos, pelo Tribunal ad quem visando uma melhor e mais assertiva aplicação do direito e realização da Justiça.
B)O Reclamante é Réu e Advogado em causa própria e usa o nome profissional J(…), de acordo com a Lei, legitima e legalmente exerce advocacia em prática individual.
C)O Reclamante tinha duas diligências agendadas. Uma para o dia 23/11/2022, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (…), proc. n.º (…), ao qual remeteu, no dia 18/11/2022, atestado médico, vindo a Juíza a adiar a diligência e a diferir a tentativa conciliação para o dia 26/1/2023.
D)E a diligência no Tribunal a quo, processo (…), para o dia 25/11/2022. De igual modo, o Reclamante, no dia 18/11/2022, remeteu aos autos um atestado médico a informar que se encontrava doente, o que o impedia de se deslocar e de estar presente na audiência prévia.
E)A doença impossibilitou-o, em absoluto, de praticar quaisquer actos e de comparecer, facto que, tempestivamente comunicou e que daria lugar ao adiamento, pois, é Advogado em causa própria.
F)O Tribunal a quo ignorou a enfermidade e o atestado médico, tempestivamente, remetido aos autos e levou a efeito a diligência, como se não houvesse mais datas disponíveis no calendário Gregoriano, naquele juízo.
G)Em que radica a urgência do tribunal a quo para nomear um perito para determinar o valor de renda da fracção durante os anos em que, alegadamente, serão devidos, sem que se tenha pronunciado sobre requerimentos e os documentos constantes dos autos?
H)A doença obrigou o Reclamante, Réu e Advogado, a permanecer vários dias em casa e preenche justo impedimento. O Reclamante usou do dever de diligência exigível ao homem médio, não se lhe podendo imputar qualquer culpa (artigo o 140.º do CPC e 487.º 2, do C.C.).
I)Aos funcionários judiciais, apesar da sua escassez, é permitido, legalmente, fazer greve, ou justificado estarem enfermos com baixa médica. Aos Magistrados do Ministério Público e ao Magistrados Judiciais é justificado que estejam ausentes, ora por outras diligências, ora por doença (603.º, n.º 1 CPC).
J)Já para o tribunal a quo, ao Advogado, em causa própria, não lhe é permitido adoecer, apesar do justo impedimento, medicamente justificado, não adiou, nem reagendou a diligência (603.º, n.º 1 in fine CPC).
K)O tribunal a quo desconsidera o Advogado como sujeito de direitos, o que ofende e viola o princípio Constitucional de Igualdade perante a Lei.
L)De acordo com a Jurisprudência, a doença, para constituir justo impedimento, terá de ser súbita, grave e imprevisível, impossibilitando, absolutamente, a prática atempada do acto. Acórdão do TRG, Proc. 4353/17.3TBRG-A.G1 Ac. do TRP, proc. n.º 4733/11.8TBVFR-A.P1, de 13/05/2013 Ac. do TRG de 20.03.2017 Ac. do TRL, Proc. 11749/17.9T8LSB.L2.L1-7 de 11-12-2019, Audiência prévia- Justo impedimento, Relator Luis Espirito Santo. Acórdão Reclamação - proc. n.º 610/08.8TBFIG-A.C1 de 17-03-2015 - Relator: Falcão de Magalhães - Tribunal Comarca de Coimbra – Secção Cível.
M)O Tribunal a quo colocou em causa o exercício do contraditório pelas partes,  não cabendo à Juíza a quo aquilatar da maior ou menor utilidade da presença de um dos mandatários judiciais, Advogado em causa própria, convocado, mas impedido, por doença, de se deslocar e estar presente na diligência, conforme os artigos 3.º, n.º 3, 4.º, 140.º, 591.º, n.º 1, als. b), c), d) e f), todos do CPC.
N)Requer ao Tribunal ad quem que seja admitida a reclamação, por retenção indevida do recurso, requerendo, ainda, que ordene a anulação da multa aplicada pelo tribunal a quo por constituir uma flagrante ilegalidade.

Termos em que requer ao Tribunal:
1Atendendo aos fundamentos, seja revogado o despacho Ref. 421 790 618, a quo, ora reclamado, que não admitiu o recurso tempestivamente interposto e substituído por outro que o admita (artigos 3.º, n.º 3, 4.º, 140.º, 591.º, als. b), c), d) e f), 603.º, n.º 1, in fine, 641, n.º 2, a) e 643.º todos do CPC, e artigo 487.º todos do C.Civil).
2Seja revogada a multa aplicada pelo tribunal a quo por ilegal.”
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Sobre a reclamação apresentada pela Réu a Autora pronunciou-se nos seguintes termos: “(…) vem oferecer o merecimento aos autos, tendo em conta que o Réu em ponto algum da sua reclamação aborda o fundamento básico dessa reclamação e que é a fundamentação pela qual entende que o Tribunal a quo deveria ter admitido o recurso, limitando-se a reproduzir, quase na integralidade, o conteúdo das alegações de recurso anteriormente apresentadas.”
*

Neste tribunal, por decisão singular da relatora, foi mantido o despacho que não admitiu o recurso – apelação autónoma - interposto pelo Réu.

Dessa decisão reclamou o autor para a conferência, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 643º, nº 4, in fine, e 652º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil, e formulou as seguintes conclusões e pedidos:
1.A decisão singular do Tribunal ad quem colide, frontalmente, com as normas, com a doutrina e com a Jurisprudência constante.
2.O apelante é réu e Advogado em causa própria, exerce advocacia em prática individual e usa o nome profissional J(…).
3.O apelante tinha duas diligências agendadas. Uma para o dia 23/11/2022, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (….), proc. n.º (…), à qual teve de faltar por doença súbita e impeditiva.
4.E a outra diligência no Tribunal a quo, processo n.º (…), para o dia 25/11/2022. O apelante, no dia 18/11/2022, remeteu aos dois processos um atestado médico a informar que se encontrava doente e impedido de se deslocar, de comparecer e estar presente na audiência prévia, o que daria lugar ao adiamento.
5.A doença obrigou o apelante, Réu e Advogado, a permanecer vários dias em casa, o que preenche justo impedimento, pois, o apelante, usou do dever de diligência exigível ao homem médio, não se lhe podendo imputar qualquer culpa ou negligência (artigo o 140.º, do CPC e 487.º, n.º 2, do C.C.).
6.Existiu, comprovadamente, uma situação de justo impedimento que justificou a ausência do advogado em causa própria, à audiência prévia para a qual foi convocado, motivo que deveria ter conduzido o Tribunal a quo a determinar o adiamento da audiência.
7.Mas, não foi esse o entendimento do Tribunal a quo, nem da decisão singular do Tribunal ad quem, que desvalorizaram a enfermidade e o atestado médico.
8.Ou seja, o apelante por não poder comparecer ao acto processual, foi colocado numa situação de inegável desfavorecimento em relação à contraparte, pois a diligência efectuou-se na sua ausência que, assim, foi impedido de se pronunciar sobre requerimentos e documentos constantes dos autos, o que lesou a sua defesa.
9.O Tribunal a quo colocou em causa o exercício do contraditório pelo apelante, pois, não compete à Juíza a quo avaliar da maior ou menor utilidade da presença de um dos mandatários judiciais, Advogado em causa própria, convocado, mas impedido, por doença, de se deslocar e estar presente na diligência, o que foi confirmado pelo Tribunal ad quem, (artigos 3.º, n.º 3, 4.º, 140.º, 591.º, n.º 1, als. b), c), d) e f), todos do CPC).
10.O artigo 603.º, n.º 1, do CPC, estatuí: “Verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento”. (Negrito nosso)
11.A enfermidade do Advogado não foi considerada pelos Tribunais como justo impedimento. Não lhe é permitido adoecer, apesar do atestado médico o comprovar, o que não foi questionado. A decisão dos Tribunais ofende e viola o princípio Constitucional de Igualdade perante a Lei (artigo 13.º, da CRP e 603.º, n.º 1, in fine, do CPC).
12.De acordo com as normas, a doutrina e a Jurisprudência constante, a doença, para constituir justo impedimento, terá de ser súbita, grave e imprevisível, impossibilitando, absolutamente, a prática atempada do acto, o que ocorreu, com o Apelante, como se retira do elenco de acórdãos enunciados:
Acórdão do TRG, Proc. 4353/17.3TBRG-A.G1
Ac. do TRL, Proc. 11749/17.9T8LSB.L2.L1-7 de 11-12-2019, Audiência prévia- Justo impedimento, Relator Luis Espirito Santo.
Acórdão Reclamação - proc. n.º 610/08.8TBFIG-A.C1 de 17-03-2015 - Relator: Falcão de Magalhães - Tribunal Comarca de Coimbra – Secção Cível.
Ac. da Relação do Porto de 01.06.2011, no Proc. 841/06.5PIPRT.
Ac. da Relação de Lisboa de 09/03/29010, Proc.1651/02.4TAOER-A.L1-5.
Ac. do TRP, Proc. 4733/11.8TBVFR-AP1 de 13-05-2013, Audiência prévia- Justo impedimento, Relator Augusto Carvalho (Decisão singular)
Ac. do TRE, Proc. 5863/18.0T8STB-AE1 de 14-01-2021, Audiência prévia- Justo impedimento, Relator Manuel Bargado (Unanimidade)
13.O apelante requer ao Tribunal ad quem, em conferência, que seja admitida a reclamação da sobre a decisão singular, requerendo, ainda, que ordene a anulação da multa aplicada pelo tribunal a quo, por constituir uma dupla penalização e uma flagrante ilegalidade.

Termos em que requer ao Tribunal:
1.Atendendo aos fundamentos invocados, seja admitido o presente recurso e julgado inteiramente procedente;
2.Seja declarado que a enfermidade que vitimou o Apelante/Advogado constitui justo impedimento;
3.Seja revogada a decisão ad quem;
4.Sejam anuladas as decisões proferidas na audiência prévia, que teve lugar no dia 25 de Novembro de 2022, determinando a marcação de nova data para a sua realização, por violação dos artigos 3.º, n.º 3, 4.º, 140.º, 591.º, als. b), c), d) e f), 603.º, n.º 1, in fine, 641, n.º 2, a) e 643.º, todos do CPC, e artigo 487.º do C.C.
5.Seja revogada a multa aplicada pelo tribunal a quo, por constituir uma dupla penalização e uma ilegalidade.
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A Autora respondeu e pugnou pelo indeferimento da pretensão do Reclamante, com a manutenção da decisão singular, por o Réu não ter vindo invocar qualquer razão para que o recurso fosse admitido.
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Colhidos os vistos e submetido o caso à conferência, cumpre decidir.
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Objeto da decisão:
Saber se é de admitir o recurso interposto pelo Réu.
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Fundamentação de Facto
Os factos com interesse para a decisão são os que se deixaram descritos em sede de relatório.
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Do Direito
O Réu não impugna a decisão singular que concretamente foi proferida nestes autos de reclamação. Ou seja, não ataca nenhum dos seus fundamentos nem indica fundamento ou norma que sustente a possibilidade de impugnar, por via de recurso – apelação autónoma – a decisão proferida em sede de audiência prévia e acima reproduzida.
Não estão em causa os fundamentos da sua discordância quanto à decisão recorrida e a decisão singular não se pronunciou sobre os mesmos, por tratar-se de matéria cujo conhecimento lhe estava vedado. Em sede de reclamação cabia decidir, apenas, como se decidiu, sobre a admissibilidade da apelação autónoma.
E pelos fundamentos que se deixaram indicados, concluiu-se que a decisão recorrida não podia ser objeto de apelação autónoma, com subida imediata ao tribunal de recurso, tendo inclusivamente este tribunal indicado as circunstâncias de tempo e modo em que tal recurso poderia ser interposto, inexistindo circunstâncias que permitam conduzir a entendimento diverso, pelo que confirmamos o que foi decidido singularmente pela relatora, nos seguintes termos:
De acordo com o disposto no nº 1, do art. 644º, do Código de Processo Civil, cabe apelação autónoma das seguintes decisões:
a)- Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b)- Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.”

A decisão da qual o reclamante recorreu não é subsumível a qualquer uma das sobreditas previsões.

O nº 2, do mesmo normativo, tipifica, ainda, outras situações suscetíveis de serem objeto de apelação autónoma:
a)- Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b)- Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c)- Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d)- Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e)- Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f)- Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g)- De decisão proferida depois da decisão final;
h)- Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i)- Nos demais casos especialmente previstos na lei”.   
        
Afastadas, no caso, as situações previstas nas alíneas a), a g), e i), atenta a natureza e o objeto do despacho recorrido, e, no que diz respeito à alínea i), a inexistência doutros preceitos do CPC ou de qualquer outro diploma legislativo que prevejam a possibilidade de interposição de apelação autónoma, resta aferir sobre a possibilidade de a mesma ser admissível por força do disposto na al. h), daquele nº 2, do art. 644º, de acordo com a qual, é admissível a apelação autónoma relativamente a decisões intercalares quando, se submetidas às regras gerais, viessem a revelar-se absolutamente inúteis por força de uma decisão posterior favorável, situação que não se confunde quando em resultado dessa mesma decisão favorável haja apenas lugar à inutilização de atos processuais e à sua consequente repetição.

Neste sentido, escreve Rui Pinto[1]: “Relativamente às decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil (al. h) são decisões com efeitos de direito ou de facto irreversíveis, pelo que a procedência recursória diferida não alcançaria efeito útil por não os poder afastar. Ganhar ou perder o recurso a final seria igual, redundando numa utilidade nula.
(…)
A possibilidade de a procedência do recurso poder importar anulação dos atos processuais posteriores à decisão revogada não
constitui inutilidade absoluta".

Ora, no caso dos autos, uma decisão posterior e favorável ao recurso do ora reclamante teria apenas como consequência a mera anulação de atos praticados e a sua consequente repetição, e não qualquer outro efeito, de cariz irreversível, razão pela qual o recurso não é admissível ao abrigo da norma jurídica assinalada.

Deste modo, a decisão que foi objeto de recurso só pode vir a ser impugnada no recurso que vier a ser interposto da decisão que ponha termo à causa (art. 644º, nº 1, e nº 3 do CPC), sem prejuízo, ainda, de poder ser impugnada nos termos previstos no art. 644º, nº 4, do CPC.

Pelo exposto, não nos merece qualquer censura a decisão da Mmª juíza do tribunal a quo, que se mostra conforme com as disposições legais que se deixaram enunciadas.

Decisão

Em consequência do exposto, e ao abrigo do enquadramento jurídico citado, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em manter a decisão que indeferiu a reclamação do Réu e manteve o despacho de não recebimento do recurso proferido em 1ª instância.
Custas pelo reclamante.
Notifique.



Lisboa, 11 de maio de 2023


Cristina Lourenço-(Relatora)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira-(1ª Adjunta)
Ana Paula Nunes Duarte Olivença-(2ª Adjunta)


[1]“Oportunidade Processual de Interposição de apelação à luz do art. 644º, do CPC”, In, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano LXI, 2020, nº 2.