Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1065/13.0TYLSB-T.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTO
Descritores: HABILITAÇÃO DE CESSIONÁRIO
NOTIFICAÇÃO DA CESSÃO DE CRÉDITOS
EXCEPÇÃO DO PAGAMENTO POR TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.Sendo requerida uma habilitação de cessionário no âmbito de um processo de insolvência, no qual se tem em vista a satisfação dos credores, gozam estes últimos de legitimidade processual para à mesma deduzir oposição, porquanto da procedência daquele incidente poderão resultar consequências para a almejada satisfação dos respectivos créditos.

II.Não obstante a notificação da cessão de créditos ao devedor cedido (bem como a aceitação ou conhecimento efectivo pelo mesmo) não seja facto constitutivo do direito do cessionário, é já condição da eficácia do negócio em relação ao mesmo.

III.Nessa medida, tendo ocorrido o pagamento do crédito ao cedente em momento anterior àquele em que a cessão chegou ao conhecimento do devedor, poderá este último invocar tal excepção perante o cessionário.

IV.Ao constante no ponto anterior não obsta o facto de tal pagamento ter sido efectuado, não pelo devedor, mas por terceiro.

V.O pagamento do crédito realizado ao abrigo do disposto no artigo 767.º, n.º 1 do CCivil (segundo o qual a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação), na ausência de estipulação em contrário, acarreta a extinção do mesmo.

VI.Correspondendo a habilitação de cessionário a um incidente processual que visa a substituição do primitivo credor/cedente por um outro sujeito/cessionário, só se justificará tal substituição desde que o processo esteja ainda pendente, já que só assim se poderá falar em modificação subjectiva da instância.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

IRELATÓRIO

Por apenso ao processo de insolvência referente a Y … SA veio A …Lda”, em 27/04/2022, deduzir incidente de habilitação de cessionário contra a insolvente, requerendo a sua habilitação enquanto cessionária, em substituição da cedente credora M … RL (que se passará a designar apenas por M …).
Para o efeito alegou ter celebrado com esta última, em 17/04/2017, um contrato de cessão de créditos através do qual a mesma lhe cedeu os créditos que detinha sobre a insolvente e que se encontram reconhecidos nos autos, conforme documento que juntou (documento n.º 1).
Nessa mesma data, o legal representante da cedente conferiu mandato directo a advogado escolhido pela cessionária, através da emissão e assinatura de procuração (documento n.º 2), sendo que, desde então, tem a segunda suportado todos os custos da cessão operada (quer judiciais, quer relativos ao mandato conferido).

Foram notificados para os termos do incidente o Administrador da Insolvência (AI), em representação da massa insolvente, e a devedora.

Apenas o primeiro, em 13/05/2022, deduziu oposição, pugnando pela improcedência da habilitação.[1]
Para tanto alegou: que o crédito aqui em causa se encontra extinto por pagamento desde 22/04/2022 (pagamento esse realizado pela credora B …SA), pelo que inexiste fundamento para a habilitação; que apenas teve conhecimento da alegada cessão com a sua notificação para o incidente (em 09/05/2022);  que a requerente tem como único gerente T sendo sua beneficiária efectiva a filha deste último; que o referido gerente, após lhe ter sido negada legitimidade processual para intervir no processo, passou a fazê-lo camufladamente através dos credores “NOS - Comunicações, SA” e M …RL (submetendo ao processo sucessivos requerimentos e recursos infundados), dessa forma tentando enganar o Tribunal; que, já aquando da cessão, o gerente da requerente era Susana …, a qual é colaboradora da primitiva credora sociedade de advogados; que a insolvente é detida a 100% pela sociedade Y … II, SA, sociedade já declarada insolvente e cujo presidente do conselho de administração era o referido X.
Juntou documentos.

Em 16/05/2022, intervindo de forma espontânea, veio a credora B … SA pugnar pela improcedência da habilitação, bem como pela confirmação da extinção do crédito subjacente à mesma, por via do pagamento realizado por aquela (nos moldes já invocados pelo AI), pagamento esse que ocorreu pelo montante de 16.328,56€ (valor do crédito, acrescido de juros de mora contabilizados desde a data da declaração da insolvência até 30/04/2022), tendo sido emitido o respectivo recibo de quitação.
Aquando de tal pagamento, a cessão não tinha sido dada a conhecer à insolvente ou à credora, sendo que esta última apenas dela teve conhecimento com a notificação do requerimento que a M …RL apresentou em 02/05/2022, nesta Relação de Lisboa, pelo que a mesma não é oponível à insolvente, acarretando a improcedência da habilitação.
Para a eventualidade de assim se não entender, defende que sempre a habilitação deverá ser recusada por estarmos perante uma transmisão de créditos ocorrida para “tornar mais difícil a posição da B …SA e dos demais credores da insolvência no processo, obstaculizando à satisfação dos mesmos(mediante a instrumentalização da posição da M …RL por X, tal como o AI também havia defendido).
Refere que, apesar de a cessão ter ocorrido há 5 anos, nunca foi comunicada aos autos, existindo mesmo o propósito de a ocultar; que a mandatária da cedente substabeleceu, sem reserva, em nova mandatária que é remunerada pela requerente e que também representa esta última (sendo que, não obstante a razão pela qual foi outorgada a procuração junta com o requerimento inicial, inexiste justificação plausível para, decorridos 5 anos, a cessão não ter sido revelada e a cedente continuar a intervir nos autos); a cessão apenas foi realizada após ter sido inviabilizada a possibilidade de intervenção no processo por parte de X, cujas dissidências com o AI estão espelhadas nos autos; a habilitação apenas foi requerida após a concretização do pagamento do crédito pela aqui credora e, apesar de ter sido dada quitação desse pagamento, veio a M …RL (através da sua mandatária, comum à requerente) insurgir-se contra o mesmo, o que revela interesses distintos dos que assistiriam a um credor legítimo. 
Juntou documentação.

Em 24/05/2022, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Ao abrigo do disposto nos art. 3.º e 547.º do C.P.C., ex vi art. 17.º do C.I.R.E., notifique a requerente para, querendo, se pronunciar sobre a alegada extinção do crédito e a consequente impossibilidade de prosseguimento da lide. // Prazo: 10 dias.”

Foi então apresentada pronúncia em 30/05/2022 (o requerimento foi apresentado em nome da cedente, tendo, no dia 01/06, sido peticionada a sua rectificação no sentido de passar a aí constar o nome da requerente), na qual[2] se alegou que a B …SA, aquando do pagamento, não ignorava que a cessão de créditos tinha sido realizada e que a mesma, juntamente com a M …RL, criou a “aparência do negócio de extinção de uma dívida (…) sobre a qual não tinham qualquer interesse direto ou legitimidade para atuarem nos papéis que abusivamente assumiram”, qualificando tal negócio de nulo.
Mais se invocou ter a B …SA actuado em abuso de direito (não tendo qualquer interesse como devedora das quantias reconhecidas à cedente), com má-fé processual (pois apenas visou “afastar” a credora M …RL e, dessa forma, viabilizar a homologação do plano de insolvência, bem como fazer extinguir os direitos da A …Lda, sendo que “o crédito em causa tem outras cambiantes e interesses para os seus titulares que não se esgotam no simples recebimento de valores, sobretudo ao perceber que a estratégia processual da “pagadora” revela interesses dúbios (…)”), e com reserva mental – (…) ao querer eliminar o credor M …RL (cedente) e a cessionária (A …Lda), através de um pagamento ilegal a quem já não era titular do alegado crédito, com o exclusivo objectivo de se livrar de um embaraço à sua estratégia de enriquecer nestes autos à custa da obtenção para si de um património de valor substancialmente superior ao que insiste em atribuir-lhe, agiu sob reserva mental (art. 244º do CCivil), que ora expressamente se invoca, com o conhecimento do declaratário que aceitou receber o que sabia já não lhe ser devido (a aqui cedente do crédito) - havendo aqui reserva mental mútua para benefício mútuo, com claro prejuízo para terceiros (a cessionária);” -, bem como não ter a mesma legitimidade para requerer a inoponibilidade da cessão de créditos.
Concluiu-se pela nulidade do pagamento e prosseguimento dos autos de habilitação.

Em 14/06/2022, pelo tribunal a quo foi proferida a SENTENÇA, na qual, após ter reconhecido legitimidade à credora FILTPTREL para deduzir oposição, julgou improcedente o incidente de habilitação, com fundamento na extinção pelo pagamento do crédito cedido.

*
Inconformadas com tal sentença, a requerente/cessionária e a primitiva credora/cedente dela interpuseram, em conjunto, RECURSO de apelação, tendo para tanto formulado conclusões.
Porém, estas últimas não respeitam o ónus de sintetização imposto pelo artigo 639.º, n.º 1 do CPC - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. As epigrafadas conclusões correspondem, quase na íntegra, à reprodução da motivação do recurso.
Face ao incumprimento de tal ónus, prescreve a lei processual civil que o relator a quem o processo for distribuído, deve convidar o recorrente a sintetizar as conclusões – artigos 639.º, n.º 3, e 652.º, n.º 1, al. a).
Atendendo, contudo, ao facto de inexistirem dúvidas quanto às questões a decidir, julgamos não dever ter lugar qualquer despacho convite ao aperfeiçoamento das conclusões, pelo que se opta por suprir o referido incumprimento, recusando-se a reprodução das denominadas “conclusões” das recorrentes (no essencial, eliminando-se as citações doutrinárias e jurisprudenciais) e realizando-se uma verdadeira síntese das questões suscitadas.[3]
Tais conclusões/questões são então:
I.A douta sentença recorrida padece de vícios que a invalidam, designadamente erro na aplicação e interpretação da lei e contradição entre a fundamentação de facto e a decisão que indefere a habilitação de créditos a favor da cessionária, sendo exígua na fundamentação dada ao sentido da decisão, bastando-se com uma mera conclusão de que o crédito cedido e habilitando se encontra extinto pelo pagamento omitindo qualquer análise crítica aos argumentos expendidos pelas recorrentes, quer no seu requerimento inicial de habilitação (p.i. neste apenso T), quer na resposta às contestações apresentadas à habilitação.
II. A Sentença recorrida não faz a análise ao enquadramento legal constante da resposta da aqui recorrente e ignora-o, havendo neste particular omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.
III. A sentença recorrida viola o disposto nos art. 585º CCivil e art. 356º, n.º 1 CPC ao permitir a contestação da habilitação pela credora B …SA, uma vez que tal intervenção está reservada ao devedor.
IV.A credora B …SA não tem qualquer interesse no pagamento liberatório do crédito cedido, pois que também nunca veio habilitar-se ou subrogar-se na posição de credor cedente;
V.É esta credora que declara e confessa que apenas pretendia o afastamento puro e simples de um credor incómodo (ora recorrente) para os seus particulares interesses neste processo.
VI.O Tribunal recorrido deveria ter conhecido imediatamente da ilegitimidade alegada deste credor para intervir neste incidente, por não se encontrar em condições de integrar nenhum dos sujeitos admitidos por lei a fazê-lo - o que não fez.
VII.Pelo contrário, o Tribunal recorrido ignorou o que as recorrentes alegaram relativamente à falta de interesse daquele credor na operação dissimulada e em fraude à lei da tentativa de pagamento de um crédito a non domino, para satisfação de interesses particulares desse mesmo credor, que confessadamente assume até no seu requerimento - é o de afastar este credor do processo de insolvência por ser o único que se manifestou e defendeu uma solução diametralmente oposta à que o dito credor pretende e não o de pagar o crédito.
VIII.O valor do crédito cedido para as aqui recorrentes e cessionárias do crédito integra outras dimensões para além da dimensão monetária, nomeadamente a de contestar a solução propugnada pela dita credora B … SA de aprovar um plano de recuperação que apenas a beneficia a ela, excluindo desse racional a possibilidade de conversão de créditos dos outros credores.
IX.Os valores reconhecidos nos autos aos credores vêm sofrendo forte desvalorização monetária ao longo do tempo, em contraponto com a fortíssima valorização dos ativos da insolvente que permitem antecipar que a sua rentabilização pagará a todos os credores e ainda aos credores da sociedade que detém todo o seu capital, a Y … II, SA.
X.Neste contexto de movimentos opostos (desvalorização dos créditos reconhecidos vs. valorização dos ativos da sociedade insolvente), existe uma dimensão de interesses associada ao crédito habilitando que é o de tutelar as operações que ocorram nos autos de insolvência e a de poder participar no capital social da sociedade em caso de aprovação de um plano de recuperação com aumento de capital - o que inelutavelmente não poderia ter sido ignorado pela meritíssima juiz a quo que, ainda por cima, conhece todo o demais processado e tem uma visão completa dos interesses em confronto nestes autos.
XI.Errou, pois, o tribunal recorrido ao interpretar extensivamente, mas sem o referir, as normas de legitimidade para intervir no incidente de habilitação aqui em causa, mais considerando o bloco de interesses que subjazem à estratégia montada “às escondidas” (pasme-se (!) até do mandatário constituído nos autos que representava a denominada titular dos créditos - que já não o era por força da cessão que fizera muito antes à aqui recorrente A…Lda), admitindo que os mesmos fossem tidos em consideração na sua decisão ora recorrida e decidindo pela extinção do crédito pelo pagamento, mesmo sabendo que tal pagamento não era liberatório (pois, a ter verdadeiramente ocorrido o foi a quem já não era o titular do crédito) e que mais não era do que uma ação conspirativa com o único e exclusivo interesse de afastar esta credora (habilitanda) dos autos por manifesto e estrito interesse particular deste credor, mas com prejuízo mais do  que evidenciado para um conjunto muito assinalável de credores desprotegidos desta esfera de interesses que atua atrás de uma cortina de fumo (que será aqui o próprio administrador de insolvência a apadrinhar as soluções dos seus interesses pessoais), bem como de afastar em definitivo a possibilidade de ressarcir credores da única accionista da aqui insolvente (a Y … II, SA).
XII. O administrador de insolvência, na parte em que não copia os fundamentos da credora B … SA, apenas alega motivos de ordem pessoal e não de ordem funcional como fundamentos da sua contestação: “A presente cessão dos créditos visa dificultar a posição do Administrador da Insolvência no âmbito do processo de insolvência” (marcações da nossa autoria).
XIII. Depois invoca que a habilitação de credor prejudica o normal andamento do processo, mas sem demonstrar nenhum facto ou circunstância que fundamente tal afirmação desmedia, despropositada e muito suspeita de parcialidade.
XIV.Errou também o Tribunal recorrido quando afirmou na sua douta sentença que o terceiro que foi pagar à socapa à credora cedente o crédito que já não lhe pertencia e que não sabia da cessão. Porém, como resulta das afirmações do administrador de insolvência na sua contestação: “Também conforme já se havia adiantado nos presentes autos, o Engº X está a tentar enganar este douto Tribunal mediante a compra de um crédito de valor irrisório (face ao acervo de todos os créditos reconhecidos neste processo de insolvência) ultrapassando assim a questão já reconhecida da falta de legitimidade” (sublinhado e negrito nossos).
XV. O facto confessado pelo administrador de insolvência era por si só suficiente para se concluir pelo conhecimento da cessão do crédito aqui em causa à sua actual titular e aqui recorrente, resultando aqui um erro substancial na apreciação da prova que conduz à nulidade da decisão recorrida.
XVI. A credora B …SA é presidente da Comissão de Credores estava informada de todos os detalhes da ação do administrador judicial.
XVII. O administrador judicial produziu declarações erradas e falsas, com intenção difamatória relativamente a uma credora, devendo ser imediatamente destituído.
(…)
XVIII.–Entre a B …SA e a M …RL (credora cedida) ocorreram factos absolutamente simulados em que uma sociedade (B …SA) que não devia nada à outra (M …RL) que, por sua vez já não era credora de nada, por ter cedido o seu crédito à recorrente. Para tanto, entenderam criar a aparência do negócio de extinção de uma dívida, mas sobre a qual não tinham qualquer interesse direto ou legitimidade para atuarem nos papéis que abusivamente assumiram (de devedora e de credora respetivamente).
XIX.– A credora B … SA para tentar afastar a credora M …RL (cujo crédito é da recorrente A …Lda. desde 2017) atuou em manifesta má-fé, como decorre da sua declaração expressa no artigo 11º do referido articulado de 22-04-2022, no qual não se exime de confessar sem reservas que o animus do pagamento não foi o de satisfazer o crédito em causa (solvendi), mas foi apenas e citando “precisamente para viabilizar a homologação do aludido plano e a recuperação da Y …SA que a ora Recorrente procedeu ao pagamento de crédito da M …RL” (realces nossos) - animus decipiendi.
XX.– A posição processual do credor M …RL (cedida à aqui Recorrente) não está sujeita à sua mera eliminação por vontade de um qualquer credor da insolvência que se sente desconfortável com a sua presença, tanto mais que o crédito em causa tem outras cambiantes e interesses para os seus titulares que não se esgotam no simples recebimento de valores, sobretudo ao perceber que a estratégia processual da “pagadora” revela interesses dúbios que, aliás, fundamentam o presente recurso.
(…)
XXIV.– A B …SA, ao querer eliminar o credor M …RL (cedente) e a cessionária (A …Lda), através de um pagamento ilegal a quem já não era titular do alegado crédito, com o exclusivo objectivo de se livrar de um embaraço à sua estratégia de enriquecer nestes autos à custa da obtenção para si de um património de valor substancialmente superior ao que insiste em atribuir-lhe, agiu sob reserva mental (art. 244º do CCivil), com o conhecimento do declaratário que aceitou receber o que sabia já não lhe ser devido (a aqui cedente do crédito) - havendo aqui reserva mental mútua para benefício mútuo, com claro prejuízo para terceiros (a cessionária);
XXV.– Por isso, é nulo o pagamento efetuado pela B … à M …RL no que respeita à extinção do crédito reclamado e verificado por esta nestes autos (arts. 244º, n.º 2 e 240º, n.º 2 do CCivil).
XXVI.–A B … SA não contratou a transmissão singular de dívidas da insolvente para a sua esfera, o que sempre demandaria o cumprimento do regime específico para tal negócio previsto nos artigos 595º e ss. do CCivil, em especial o n.º 2 do 595º.
XXVII.–Em nenhuma perspectiva plausível se imporia à cessionária do crédito (A …Lda) da cedente M …RL, a obrigação de notificar a B …SA da cessão de créditos em causa, nos alegados termos do artigo 583º do CCivil,
XXVIII.–Porquanto esta entidade – B …SA - nunca teve qualquer interesse legítimo que a habilitasse como devedora para que lhe tivesse sido comunicada a cessão de créditos (ou para que aqui assumisse a qualidade de debitor cessus).
XXIX.–A requerente A …Lda (cessionária) é livre de escolher, ao abrigo do princípio da oportunidade e na legítima defesa dos seus interesses, o momento em que entende habilitar-se como credora nos presentes autos por contrato válido e eficaz de cessão de créditos em que figura como cedente a também requerente M …RL, tal como fez com o crédito que adquiriu à NOS Comunicações, S.A. no mesmo ano, cuja habilitação de cessionária, habilitação essa da mesma data da presente – cfr. Apenso U, mereceu entendimento contrário deste Tribunal, conforme sentença já transitada em julgado.
XXX.– A nota individualizante no negócio da cessão de créditos é a de que tal negócio opera os seus efeitos independentemente da vontade do devedor cedido - como sucede neste caso - e como ensina o insigne e saudoso Prof. Mota Pinto em Teoria Geral do Direito, 3ª Edição Actualizada, Coimbra Editora, pp.490, “… o conhecimento efectivo da reserva é motivo de nulidade. Nem sequer se exceptua expressamente o caso de ter havido uma boa intenção…”.
(…)
XXXIV.– A credora B …SA agiu em abuso de direito, por não lhe ser conhecido qualquer interesse como devedora das quantias que estão reconhecidas àquela credora, mas que foram já antes (muito antes) cedidas a outra entidade.
XXXV.– A credora B …SA diz ter feito o pagamento do crédito aqui em causa sem cuidar de antes obter a posição de devedora junto da insolvente destes autos - como deveria e lhe seria exigível ao abrigo dos princípios da boa-fé, dos bons costumes, assim evitando colocar-se em situação de abuso de direito. Ao não o ter feito, está agora impedida – o que aqui expressamente se invoca - de chamar em seu proveito o regime do artigo 583º do CCivil, uma vez que não é, nem nunca foi, no âmbito dos presentes autos devedora à dita credora M... & V... .
(…)
XXXVII.–A B …SA agiu em fraude à lei se entendida como “comportamento que, mantendo a aparência de conformidade com a lei, obtém algo que se entende ser proibido por lei”(pese embora neste caso nem se verifique o requisito da legalidade), bem como de má-fé (art. 227º do CCivil) e em abuso de direito (art. 334º do CCivil), como decorre do segmento expositivo seguinte.
XXXVIII.–O único interesse da credora B …SA ao proceder ao “pagamento” (em conluio evidente com a cedente do crédito que também não podia ignorar o contrato de cessão de créditos que celebrou com a recorrente) foi o de afastar as posições incómodas para os seus interesses nestes autos e que são os plasmados nos diversos requerimentos e recurso, ou seja o de que a mesma credora B …SA pretende receber nestes autos ativos de valor económico superior ao dos seus créditos e prejuízos dos demais credores e ainda dos credores da Y …II, SA, entre as quais a ora recorrente A …Lda que ali detém créditos superiores a oito (8) milhões de euros!
XXXIX.– Todos estes factos são do conhecimento da credora B …SA e do administrador de insolvência que insistem em escamoteá-los por forma a conseguirem o desiderato há muito delineado de obterem lucros milionários com a operação harmónio ilegal e pendente de recurso nesta Relação (Proc. n.º 1065/130TYLSB-R.L1 - 1ª Secção), cuja oposição verdadeira e única é assumida pela credora M …RL e agora pela habilitanda do seu crédito, a A…Lda, ambas recorrentes.
XL.– Ao agir desta forma a credora B …SA evita de forma muito conveniente que a massa insolvente (a devedora) ou os seus representantes cometam o crime de favorecimento de credores p. e p. no artigo 229.º do CPenal e artigo 297º, n.º 1 do CIRE, agindo materialmente em benefício de um dos credores, mas por interposta pessoa, fazendo um pagamento proibido em violação do princípio da igualdade entre credores.
XLI.– Por isso, o pagamento efetuado pela credora B …SA não pode ter efeito liberatório de um crédito de outro credor no mesmo processo antes de o mesmo e a devedora terem conhecimento integral dos termos em que foi efetuado, valendo como prioritária a habilitação anterior nos autos pela credora cessionária do mesmo crédito, atento o facto de os efeitos da cessão de créditos serem plenos com a celebração do respetivo contrato, com exceção da oponibilidade à devedora anterior ao conhecimento.
XLII.–O pagamento feito não extingue o crédito, pois foi tecnicamente feito a terceiro (cfr. art. 770º CCiv); a ratio da exigência de notificação do devedor cedido restringe-se à sua exclusiva proteção, de modo a tornar liberatório o pagamento que realize ao cedente quando não haja sido avisado da transmissão.
XLIII.–Não faz sendo que tal tutela excepcional (ineficácia relativa) abranja "terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação” (art. 767º, 1), nem tal solução tem respaldo na lei.
XLIV.– A cessão é plenamente oponível ao terceiro uma vez que que pagou a quem já não era credor – e é com o cedente que tem de se entender perante a frustração da sua expectativa de extinção do crédito.
XLV.– A douta sentença recorrida é também nula por violação do disposto no art. 615º, nº 1, als. b) e c) do CPC.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão,
Concedendo provimento ao presente recurso e revogando a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente a habilitação como credora da aqui recorrente A … Lda.,
Farão V. Ex.as a costumada
JUSTIÇA!”

Pela credora B …SA foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES, tendo peticionado nas mesmas: “a) O requerimento de interposição de recurso da M …RL ser indeferido; b) Ser o Recurso ser admitido com efeito meramente devolutivo e com subida nos próprios autos; c) Ser o valor do Recurso fixado em € 12.048,76; d) Serem julgadas improcedentes, por não provadas, as nulidades arguidas no Recurso ora sob resposta; e) Ser admitida a ampliação do objeto do recurso e, nessa sequência, julgada procedente a impugnação da decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, deduzida pela B … SA ao abrigo do n.º 2 do artigo 636.º do CPC; e) Ser o incidente de habilitação de cessionário deduzido pela A … Lda julgado improcedente.

Como conclusões apresentou:

14.1.–PRIMEIRA QUESTÃO PRÉVIA: ABUSO DO DIREITO DE RECORRER
1.–A conduta da M …RL – que começou por ceder o seu crédito à A …Lda, depois recebeu da B …SA o pagamento integral do mesmo e, por último, veio, no Recurso sob resposta, colocar em causa a validade do pagamento que aceitou e nunca restituiu – ultrapassa manifestamente os limites da honestidade, correção e lealdade, impostos pelos bons costumes e pela boa-fé.
2.–Assim sendo, deve o Tribunal obstar à conduta da M …RL, por aplicação da doutrina do abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), designadamente nas modalidades de venire contra factum proprium e de tentativa de se prevalecer de uma conduta própria censurável (“nemo auditur propriam turpitudinem allegans”).
3.–No caso vertente, a conduta abusiva da M …RL consubstanciou-se na interposição do Recurso ora sob resposta, razão pela qual deverá o mesmo ser indeferido, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea a), parte final, do CPC.

14.2.– SEGUNDA QUESTÃO PRÉVIA: EFEITO E MODO DE SUBIDA DO RECURSO
4.- Nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 5, e n.º 6, alínea b), do CIRE, o recurso tem efeito meramente devolutivo e sobe nos próprios autos do presente apenso (apenso T).

14.3.– TERCEIRA QUESTÃO PRÉVIA: VALOR DO RECURSO
5.- Nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, deve ser fixado ao presente recurso o valor de € 12.048,76, por corresponder ao montante do crédito em que a A … Lda se pretendia habilitar e, por conseguinte, ao valor do seu decaimento ou sucumbência na sentença recorrida, que recusou a habilitação.

14.4.–AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO: DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

14.4.1.- Enquadramento
6.-Nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do CPC, a B … SA vem requerer, pelo presente, o aditamento à matéria de facto provada de um conjunto de factos adicionais que resultam dos autos e que são relevantes para a apreciação da causa e do presente Recurso, prevenindo a hipótese de procedência das questões nele suscitadas.

14.4.2. Da carta entregue à M …RL no ato do pagamento
7.-Conforme resulta provado do Documento n.º 1 anexo ao requerimento apresentado pela B …SA em 16-05-2022 no presente apenso (T), deve ser aditado o seguinte facto à matéria dada como assente na douta sentença recorrida:
- Concomitantemente com a liquidação do crédito, a B …SA entregou à M …RL a carta datada de 19-04-2022, constante de fls. ..., na qual declarava o seguinte:
«Fazemos referência ao processo de insolvência da Y …SA (doravante, “IPV”), que corre termos no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Lisboa sob o número 1065/13.0TYLSB (doravante, o “Processo de Insolvência”).
No âmbito do Processo de Insolvência, encontra-se definitivamente reconhecido a favor da M …RL um crédito sobre a insolvência de natureza comum no valor de € 12.048,76, inscrito sob o n.º 58 na lista de créditos reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE, cuja cópia se junta como Anexo I.
Pese embora tal não conste da lista de créditos reconhecidos no Processo de Insolvência, assumimos que o crédito se relacione com a prestação de serviços jurídicos à IPV e que, por conseguinte, vença juros à taxa civil, que é de 4% ao ano.
Considerando que a insolvência da IPV foi declarada em 30 de julho de 2013, os juros vencidos desde essa data até 30-04-2022 (3197 dias) ascendem a € 4.279,80. Como é do conhecimento de V.as Ex.as, nesta data, encontra-se pendente o recurso, interposto pela ora signatária, da sentença de não-homologação do plano de recuperação da IPV que havia sido apresentado em janeiro de 2018 pela ora signatária.
Dado que é nossa firme intenção assegurar a recuperação e viabilização da IPV e atenta a circunstância de que apenas V.as Ex.as apresentaram contra-alegações quanto ao recurso interposto pela ora signatária, remetemos em anexo a esta carta um cheque visado, à ordem de M …RL, no montante de € 16.328,56, por intermédio do qual fica integralmente pago o crédito detido por V.as Ex.as sobre a insolvência da IPV.
O pagamento é feito nos termos do disposto no artigo 767.º, n.º 1, do Código Civil, que preceitua que “a prestação pode ser feita (...) por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”.»
8.- Caso assim não se entenda e sem conceder, requer-se que o teor da referida carta seja dado por reproduzido, aditando-se, então, o seguinte facto ao elenco da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
- Concomitantemente com a liquidação do crédito, a B …SA entregou à M …RL a carta datada de 19-04-2022, constante de fls. ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido

14.4.3. – Da declaração de quitação emitida pela M …RL
9.-Conforme resulta igualmente provado do Documento n.º 1 anexo ao requerimento apresentado pela B …SA em 16-05-2022 no presente apenso (T), deve ser aditado o seguinte facto à matéria dada como assente na douta sentença recorrida:
- Nessa mesma data, 22.04.2022, a M …RL entregou à B …SA uma declaração de quitação, na qual declarava o seguinte: «Mais declara que o montante acima mencionado de 16.328,56 lhe foi pago a título de pagamento nos termos do art.º 767/1 do Código Civil, do crédito sobre a insolvência da Y …SA - Procº 1065/13.0TYLSB - Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 1.»
10.- Caso assim não se entenda e sem conceder, requer-se que o teor do recibo de quitação seja dado por reproduzido, aditando-se, então, o seguinte facto ao elenco da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
- Nessa mesma data, 22.04.2022, a M …RL entregou à B …SA a declaração de quitação, constante de fls. ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14.4.4.Da comunicação aos autos do pagamento à M …RL
11.- Como também resulta provado do Documento n.º 1 anexo ao requerimento apresentado pela B …SA em 16-05-2022 no presente apenso (T), deve ser aditado o seguinte facto à matéria dada como assente na douta sentença recorrida:
- Sempre em 22.04.2022, a B ….SA apresentou, no apenso R, o requerimento de fls. ..., o qual foi notificado, entre outros, aos mandatários da massa insolvente, dizendo, para o que agora releva, o seguinte:
«4.- Com o intuito de viabilizar a almejada recuperação da Y …SA, a ora Recorrente pagou, na presente data, à M …RL, que aceitou, a totalidade do crédito detido por esta última sobre a insolvência da Y …SA, incluindo capital e juros vencidos desde a data da declaração de insolvência e até 30 de abril de 2022.
5.- O pagamento foi efetuado pela ora Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 767.º, n.º 1, do Código Civil, que preceitua que “a prestação pode ser feita (...) por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”».

14.4.5.–Do controlo da A …Lda pelo Eng. X
12.- Como resulta provado dos Documentos n.os 3 e 4 anexos ao requerimento apresentado pela B …SA em 16-05-2022 no presente apenso (T), a firma A …Lda corresponde às iniciais do Eng. X e à idade que possuía (48 anos) quando, em 2012, adquiriu a sociedade e alterou a sua firma de V …Lda. para A …Lda.
13.-Como resulta provado do Documento n.º 5 anexo ao requerimento apresentado pela B …SA em 16-05-2022 no presente apenso (T), a declaração de beneficiário efetivo da A …Lda identifica como titular último a Senhora D.ª Francisca ….
14.-Como resulta provado dos Documentos n.os 4, 6 e 7 anexos ao requerimento apresentado pela B …SA em 16-05-2022 no presente apenso (T), a Senhora D.ª Francisca … é a filha do Eng. X.
15.-Como resulta provado dos Documentos n.os 6 e 7 anexos ao requerimento apresentado pela B …SA em 16-05-2022 no presente apenso (T), a Senhora D.ª Francisca … nasceu em 07-10-1997, tendo, por isso, menos de 25 anos de idade.
16.-Como resultou alegado e provado no parágrafo 47 do requerimento apresentado pela B …SA em 16-05-2022 no presente apenso (T), o Eng. X aparece em grande destaque na página principal do site da A …Lda, apresentando-se como “presidente e CEO”.
17.-Atento o exposto, devem ser aditados os seguintes factos à matéria dada como assente na douta sentença recorrida:
- O Eng. X é o presidente e o CEO da A …Lda., cuja beneficiária efetiva é formalmente a sua filha Francisca …, nascida em 07-10-1997.
- O Eng. X controla a A …Lda.

14.4.6. –Da finalidade da cessão de créditos para a A …Lda
18.- Na douta sentença recorrida, foi dado como assente que “X (...) requereu nos autos principais a declaração de impedimento, por incompatibilidade, do administrador nomeado nos presentes autos” e “por decisão proferida nos p.p. em 06-04-2017, foi indeferida a pretensão formulada com fundamento na ilegitimidade do requerente [leia-se, do Eng. X].
19.-Como resulta provado do Documento n.º 1 anexo ao requerimento inicial da A …Lda (apresentado em 27-04-2022), nos considerandos III e IV do «contrato de cessão de créditos» datado de 17-04-2017, a M …RL e a A …Lda declararam o seguinte:
III.– Que não existe tempo hábil para proceder à habilitação judicial da Cessionária nos referidos autos de insolvência, face à assembleia marcada;
IV.– Que por este facto a Cedente confere diretamente mandato judicial a Advogado a indicar pela Cessionária em simultâneo com a assinatura do presente contrato, e declarando a Cessionária assumir o pagamento de honorários e despesas que sejam devidas ao Advogado ora mandatado.
20.–Como resulta provado do Documento n.º 2 anexo ao requerimento inicial da A …Lda (apresentado em 27-04-2022), a M …RL emitiu, em 17-04-2017, procuração forense a favor do Dr. RUI …, com “poderes especiais para participar em todas as assembleias de credores no âmbito do Processo n.º 1065/13.0TYLSB (...) no qual é insolvente a sociedade Y …SA”.
21.–Como resulta provado pelo requerimento com a ref.ª Citius 14710163 / 25480107, constante dos autos principais, a M …RL, representada pelo Dr. RUI …, pronunciou-se, no próprio dia 17-04-2017, sobre “o plano de recuperação apresentado pelo administrador judicial (AJ)”, requerendo (i)- “a não admissão da proposta de plano de recuperação” ou (ii)- “caso assim não se entenda, e ainda não hipótese de os credores aprovarem o plano de recuperação, (...) a não homologação do plano de recuperação” e ainda (iii)- “a aquisição imediata (por pessoa a nomear) das ações da sociedade Growing Together pelo valor nominal de € 50.000,00”.
22.–Como resulta provado pelo requerimento com a ref.ª Citius 14710312 / 25480191, constante dos autos principais, nesse mesmo dia 17-04-2017, a M …RL, representada pelo Dr. RUI …, juntou aos autos um relatório de avaliação do Hotel Conrad preparado para o Eng. X.
23.–Como resulta provado pelo requerimento com a ref.ª Citius 14727214 / 25490586, constante dos autos principais, em 18-04-2017, a M …RL, representada pelo Dr. RUI…, pronunciou-se “quanto ao eventual prosseguimento dos autos para liquidação do ativo”, requerendo “a suspensão das operações de liquidação e partilha pelo tempo necessário à libertação do património da devedora que se encontre onerado ou com encargos resultantes de atos praticados pelo AJ na pendência do presente processo de insolvência”.
24.–Como resulta provado pela ata da assembleia de credores com ref.ª Citius 365428209, constante dos autos principais, a M …RL, representada pelo Dr. RUI…, participou na assembleia de credores de discussão e votação da proposta de plano de recuperação apresentada pelo administrador de insolvência, tendo votado contra a proposta “com os fundamentos invocados no requerimento enviado aos autos”.
25.–Como resulta provado pelo requerimento com a ref.ª Citius 15453688 / 26149009, constante dos autos principais, em 21-06-2017, a M …RL, representada pelo Dr. RUI …, reiterou o teor do seu pedido de não-homologação do plano de recuperação.
26.–Da leitura conjugada de toda esta factualidade resulta que o Eng. X tentou intervir nos autos em nome próprio, requerendo a destituição do administrador de insolvência, mas que essa tentativa falhou, uma vez que, por despacho de 06-04-2017, o tribunal indeferiu o pedido com fundamento na ilegitimidade do Eng. X.
27. –Onze dias depois da decisão referida no parágrafo anterior e na sequência da mesma, a A …Lda (sociedade controlada pelo Eng. X) celebrou o «contrato de cessão de créditos», tendo em vista a intervenção de um advogado indicado pela A …Lda na assembleia de credores de apreciação da proposta de plano de recuperação apresentada pelo administrador de insolvência.
28.–A intervenção pretendida pela A …Lda era no sentido de obstar tanto à admissão / homologação do plano de recuperação como à liquidação da massa insolvente, tendo apresentado dois requerimentos para o efeito em dias sucessivos (17 e 18-04-2017) e, mais tarde, já depois da aprovação do plano em assembleia de credores (21-06-2017), bem como participado e votado desfavoravelmente na própria assembleia de credores.
29.–Por todo o exposto, deve ser aditado o seguinte facto à matéria dada como assente na douta sentença recorrida:
- A transmissão do crédito da M …RL para a A …Lda foi feita para permitir a intervenção, no processo de insolvência da Y … SA, de advogados indicados pela A …Lda e, deste modo, agravar a posição da insolvente / massa insolvente e dos credores da insolvência e obstar à recuperação ou liquidação da massa.

14.5.–A VALIDADE FORMAL DA SENTENÇA RECORRIDA
30.- Em primeiro lugar, a sentença recorrida não incorreu em qualquer contradição entre a fundamentação de facto e a decisão, tanto assim que a Recorrente não concretiza em que consiste a suposta contradição que invoca – nem em sede de motivação, nem em sede de conclusões – e, compulsada a decisão recorrida, tão-pouco se encontra qualquer contradição.
31.-Em segundo lugar, a sentença recorrida não incorreu em omissão de pronúncia, como resulta do facto de dedicar pelo menos três páginas à fundamentação da decisão, nas quais foram expressamente abordadas as questões suscitadas pela Recorrente (v.g., a suposta reserva mental, o suposto abuso de direito e a suposta litigância de má fé da B …SA).
32.-Ainda que assim não fosse – sem conceder –, tem-se hoje como unanimemente aceite que a ausência de um tratamento exaustivo dos argumentos que são suscitados pelas partes não implica omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
33.-Tudo visto, não restam dúvidas de que a sentença recorrida não se encontrada eivada de nulidade, nem por contradição dos seus fundamentos com a decisão, nem por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º do CPC.

14.6.–A LEGITIMIDADE DA B …SA
34.-A B … SA tem legitimidade para intervir no incidente de habilitação de cessionário da A …Lda e, inclusivamente, para contestá-lo.
35.-Com efeito, o artigo 356.º do CPC não pode ser transposto de forma automática e acrítica do processo civil para o processo de insolvência, sem ter em consideração as especificidades deste último, nomeadamente a sua natureza universal ou concursal.
36.-No processo de insolvência, cada credor concorre com todos os outros relativamente ao produto da liquidação ou recuperação da massa insolvente, o que significa que a existência, montante e natureza dos créditos alheios tem um impacto direto na satisfação do crédito próprio ou, o mesmo é dizer, que cada credor tem um interesse direto contrário a todos os demais credores.
37.-Num processo como o de insolvência – de natureza concursal e universal –, deve ser reconhecida legitimidade aos credores da insolvência para contestar o incidente de habilitação de cessionário de terceiros, da mesma forma que são admitidos a impugnar os créditos alheios (artigo 130.º do CIRE), a contestar as ações de verificação ulterior de créditos instauradas por terceiros (artigo 146.º do CIRE), a recorrer da sentença de verificação e graduação de créditos, etc.
38.-Por todo o exposto, no contexto de um incidente de habilitação do cessionário de créditos sobre a insolvência deduzido por apenso a processo de insolvência, o artigo 356.º do CPC deve ser interpretado no sentido de que qualquer credor da insolvência assume a posição de parte contrária e tem legitimidade para contestar.
39.-Mesmo que assim não se entendesse (sem conceder), certo é que a B …SA intervém neste incidente de habilitação de cessionário, não apenas na qualidade de credora da insolvência, mas na qualidade de terceiro que efetuou a prestação ao credor originário / cedente, evitando, assim, que a A …Lda se arrogasse titular desse mesmo crédito e, dessa forma, reclamasse da Insolvente um crédito que já não era devido.
40.-Doutra forma, a B …SA estar-se-ia a conformar com o pagamento em duplicado do crédito outrora detido pela M …RL, e estaria, além disso, a omitir do Tribunal informação relevante e com interesse fundamental para a boa decisão da causa.
41.-Assim, a intervenção da B …SA nos autos deve ser aceite e considerada legítima, à luz do disposto nos artigos 30.º, n.º 1, e 356.º, ambos do CPC – e, além do mais e à cautela, sempre se diga que a B …SA é parte legítima também para responder ao Recurso, precisamente atentos os mesmos fundamentos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 631.º, n.º 2, e 638.º, n.º 5, do CPC.

14.7.–A IMPROCEDÊNCIA DO INCIDENTE DE HABILITAÇÃO DA A …Lda .

42.-A pretensão da A …Lda de se habilitar no crédito sobre a insolvência reconhecido a favor da M …RL é manifestamente improcedente.
43.-Em 22-04-2022, a B …SA pagou integralmente o aludido crédito à M …RL, tendo esta emitido a correspondente declaração de quitação, e informou os autos desse facto (apenso R).
44.-Ora, conforme decorre do disposto no artigo 582.º, n.º 1, do Código Civil, a cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor caso lhe tenha sido notificada, ainda que extrajudicialmente, ou caso este a tenha aceite.
45.-À data em que a B …SA pagou à M …RL, a cessão de créditos a favor da A …Lda ainda não tinha sido notificada à Insolvente ou por ela aceite.
46.- De facto, a comunicação da cessão de créditos só teve lugar com a apresentação do requerimento da M …RL de 02-05-2022, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, notificado à Insolvente, à B …SA e aos demais credores da insolvência em 05-05-2022.
47.-Consequentemente, nas relações credor-Insolvente, até 05-05-2022, era a M …RL quem era a credora da Insolvente.
48.-Assim sendo, no momento em que A …Lda deduziu o presente incidente de habilitação, em 27-04-2022, já o crédito da M …RL se encontrava extinto, por pagamento.
49.-Extinção essa que em nada resulta afetada pela circunstância de o pagamento ter sido realizado por um terceiro, a B …SA, e não pela Insolvente.
50.-De facto, nos termos do disposto no artigo 767.º, n.º 1, do Código Civil, “a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”.
51.- E, ainda que realizada por terceiro – como é aqui o caso da B …SA –, a prestação produz o mesmo efeito extintivo da obrigação que produziria se tivesse sido realizada pelo devedor.
52.–Assim, decorre desde logo da letra da lei (e, em particular, da conjugação do disposto no artigo 582.º, n.º 1, do Código Civil com o disposto no artigo 767.º, n.º 1, do mesmo diploma) que o pagamento do crédito da M …RL por parte da B …SA em 22-04-2022 ocorreu num momento anterior à oponibilidade da cessão de créditos à Insolvente e, como tal, fez operar a extinção do referido crédito.
53.–Nem se diga, como faz o Recurso, que a B …SA não poderia pagar a dívida de forma liberatória porque não a assumiu nem a poderia ter assumido, nos termos do artigo 583.º do Código Civil.
54.-O crédito da M …RL foi pago pela B …SA ao abrigo da faculdade prevista no artigo 767.º, n.º 1, do Código Civil, que atribui a qualquer terceiro – interessado ou não no cumprimento – a faculdade de pagar uma dívida alheia.
55.-E muito menos se diga, como faz o Recurso, que o pagamento realizado pela B …SA configura um negócio simulado, ou fraude à lei ou abuso de direito.
56.-Com efeito, a B …SA entregou à M …RL a quantia pecuniária correspondente ao crédito sobre a insolvência reconhecido a favor desta última, acrescido dos juros moratórios vencidos sobre esse mesmo crédito após a declaração de insolvência, calculados à taxa legal, tudo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 767.º, n.º 1, e 806.º, n.os 1 e 2, do Código Civil e dos artigos 91.º, n.º 1, e 48.º, alínea b), do CIRE.
57.-Não existe nem nunca existiu qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada pela B …SA: a sua vontade real e a sua vontade declarada sempre consistiram em pagar o crédito sobre a insolvência reconhecido a favor da M …RL, satisfazendo, assim, o interesse creditício desta última e contribuindo para viabilizar, na medida do possível, a recuperação da Insolvente.
58.-E também não existiu fraude à lei ou abuso de direito, uma vez que o artigo 767.º, n.º 1, do Código Civil expressamente admite que qualquer terceiro pague uma dívida alheia, mesmo que nisso não tenha interesse, donde se retira que essa falta de interesse não poderá, por si, constituir fundamento de abuso de direito.
59.-De resto, a habilitação da A …Lda no crédito da M … RL sempre deveria ser paralisada por configurar uma situação de abuso de direito, vedada pelo artigo 334.º do Código Civil.
60.-Conforme referido anteriormente (cf. nomeadamente as conclusões 12 a 29 supra), a cessão de créditos e a habilitação de cessionário servem apenas para que a A …LDA e, em particular, o seu gerente, o Eng.º X, possam instrumentalizar a posição da M …RL nestes autos.
61.-O Eng.º X tem procurado intervir reiteradamente nos autos principais a fim de entorpecer o andamento dos mesmos e obstar tanto à liquidação da massa insolvente, como à aprovação e homologação dos planos de recuperação que foram sucessivamente apresentados.
62.-Depois de o tribunal a quo ter decidido, através do despacho de 06-04-2017, que o Eng.º X carecia de legitimidade para intervir pessoalmente no processo, o mesmo optou por comprar os créditos da M …RL a fim de continuar a intervir nos autos, se bem que de forma encapotada.
63.-A melhor prova de que existem outros interesses por detrás do requerimento da habilitação – que não os interesses normais de um credor legítimo – reside no facto de a  A …Lda vir colocar em causa o pagamento efetuado pela B …SA em vez de diligenciar por reaver da M …RL os € 16.328,56 que esta última recebeu.
64.-O verdadeiro objetivo – descrito eufemisticamente nas conclusões VIII e IX do Recurso – consiste em intervir no processo de insolvência a fim de prosseguir os interesses pessoais do Eng. X,...
65.-... alguém que não é credor, não é acionista, não é administrador, não é nada à Insolvente e que já foi julgado parte ilegítima para intervir nos presentes autos.
66.-Isto, sim, representa um desvio ao fim económico-social do direito de crédito, configurando uma situação de abuso de direito nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do Código Civil.
67.-Com efeito, a finalidade de um direito de crédito consiste única e exclusivamente em receber a prestação, como resulta do artigo 397.º do Código Civil: “obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.”
68.-No caso vertente, o crédito foi pago na íntegra e com juros, o que significa que não existe qualquer outro interesse legítimo que possa justificar que o titular desse crédito (caso ainda existisse) continue a intervir legitimamente nos autos
69.-Toda esta atuação da A …Lda configura um exercício inadmissível do direito de crédito da M …RL e da posição processual que lhe está associada, por ser contrária à boa-fé, aos bons costumes e por exorbitar do fim económico e social do direito, devendo ser paralisada por aplicação da doutrina do abuso de direito.

14.8.–SUBSIDIARIAMENTE: QUESTÕES NÃO APRECIADAS PELO TRIBUNAL A QUO
70.-Na douta sentença recorrida, o tribunal a quo considerou prejudicada a questão – oportunamente suscitada nos presentes autos pela massa insolvente e pela B …SA – de a cessão do crédito da M …RL para a A …Lda ter sido feita para tornar mais difícil a sua posição no processo (artigos 263.º, n.º 2, e 356.º, n.º 1, alínea a), parte final, ambos do CPC).
71.-Na eventualidade de este Venerando Tribunal entender que o Recurso procede – sem nunca conceder –, deverá este Venerando Tribunal conhecer da questão referida na conclusão anterior, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, n.os 2 e 3, ambos do CPC.
72.-Sem prejuízo de a B …SA não prescindir do direito a ser ouvida nos termos previstos no n.º 3 do artigo 665.º do CPC, adianta-se, desde já, que a cessão de créditos para a A …Lda foi feita de forma a permitir que o Eng. X (pessoa que controla a A …Lda) interviesse nos autos de insolvência através de um advogado por si escolhido e indicado, ainda que formalmente em representação da M …RL.
73.-Deste modo, pretendeu-se ultrapassar a circunstância de o Eng. X carecer de legitimidade para intervir pessoalmente no processo, conforme o tribunal a quo havia expressamente decidido em 06-04-2017.
74.-Pôde, assim, o Eng. X (pessoa que controla a A …Lda) participar, intervir e votar encapotadamente na assembleia de credores de apreciação da proposta de plano de recuperação elaborada pelo administrador de insolvência, bem como requerer a não-homologação desse mesmo plano e, simultaneamente, a suspensão da liquidação.
75.-Pretendeu-se, em suma, com a transmissão de créditos, possibilitar a dedução de incidentes e questões processuais de forma a inviabilizar – ou, no mínimo, dificultar o mais possível – a liquidação ou recuperação da massa insolvente e, de um modo geral, a satisfação dos credores, tudo em benefício dos interesses pessoais do Eng. X (acionista único da Y …II, SA, que é a acionista única da Insolvente).
76.-Por todo exposto, temos que a transmissão dos créditos da M …RL para a A …Lda foi efetuada de forma a agravar a posição processual da massa insolvente e dos legítimos credores da insolvência, que pretendem ver os seus créditos satisfeitos através da recuperação ou da liquidação da massa insolvente.
77.- Deste modo, ainda que o Recurso procedesse – o que não se concede –, sempre o incidente de habilitação de cessionário deveria ser julgado improcedente, por força do disposto nos artigos 263.º, n.º 2, e 356.º, n.º 1, alínea a), parte final, ambos do CPC.”

O recurso foi correctamente admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II–DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado - artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Não está, porém, este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
Assim, as questões a decidir são:
- Questões prévias suscitadas pela apelada – admissibilidade do recurso intentado pela cedente; efeito e modo de subida do recurso e valor do recurso;
- Nulidade da sentença;
- Legitimidade da credora FILTPTREL V, S.A. para deduzir oposição;
- Ampliação do âmbito do recurso (matéria de facto) requerida pela apelada;
- Erro de julgamento: saber se a habilitação de cessionário deveria ter sido admitida, por alegada inadmissibilidade do pagamento efectuado pela credora apelada à credora/cedente, aqui co-apelante;
- Eventual conhecimento das demais questões não apreciadas pelo tribunal recorrido: aferir se a cessão de créditos foi realizada para tornar mais difícil a posição da parte contrária.

*
III–FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença impugnada pode ler-se:

“Consideram-se assentes para os termos da habilitação, atentos os documentos juntos com a oposição cujo teor não foi impugnado e o que constam dos autos principais, o seguinte:
- por documento intitulado «contrato de cessão de créditos», datado de 17.04.2017, a M …RL declarou ceder o crédito sobre a Y …SA, no montante de € 12.048,76, que se encontra reclamado e reconhecido no âmbito do processo n.º 1065/13.0TYLSB, do Tribunal Judicial de Lisboa, Juízo do Comércio – Juiz 1, à aqui requerente;
- a transmissão operada não foi comunicada à devedora/insolvente;
- X, patrocinado pelo Sr. Advogado Joaquim …, requereu nos autos principais a declaração de impedimento por incompatibilidade do administrador nomeado nos presentes autos;
- por decisão proferida nos p.p. em 06.04.2017, foi indeferida a pretensão formulada com fundamento na ilegitimidade do requerente;
- a referida decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da relação de 19.02.2019;
- por requerimento de 22.04.2018, o mandatário da credora M … RL subestabeleceu os poderes forenses por esta conferidos ao Sr. Advogado Joaquim …;
- Em 22.04.2022, a credora B …SA liquidou à M …RL, o crédito titulado por esta, reclamado nos autos, no valor de € 12.048,76, acrescido de juros;
**

Dos elementos juntos aos autos não se logrou apurar quaisquer outros factos, não se tendo apurado, nomeadamente, que a credora B …SA sabia em data muito anterior que a cessão do crédito havia ocorrido”

Porém, por se assumirem relevantes para apreciação do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC (cfr., ainda, artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4 do mesmo código), aditam-se os seguintes factos[4]:
a)- Em 31/10/2013, em cumprimento do disposto no artigo 129.º, n.º 1 do CIRE, o AI apresentou a lista de créditos reconhecidos[5], da mesma constando M …RL como detendo sobre a insolvente um crédito comum no montante de 12.048,76€.   
b)- Do contrato de cessão junto aos autos consta:
“(…) "M …RL" (…) adiante apenas designada por CEDENTE e neste acto representada por João …, na qualidade de administrador com poderes para o acto, E "A …Lda", (…) neste acto representada por Susana …, na qualidade de gerente e com poderes para o acto, adiante apenas designada por CESSIONÁRIA.

CONSIDERANDO
I.–Que na insolvência da sociedade Y …SA, foi relacionado crédito a favor da CEDENTE no montante de € 12.048,76 (…), crédito esse que se encontra reconhecido como COMUM nos autos de correm termos sob o Processo n° 1065/13.0TYLSB, do Tribunal Judicial de Lisboa, Juizo de Comércio - Juiz 1, adiante designado 'Crédito';
II.–Que, a confirmar-se a existência desse crédito, a CEDENTE pretende transferir para a CESSIONÁRIA, por alienação definitiva e sem direito de regresso, todos os direitos emergentes do mesmo e que a CESSIONÁRIA lhos pretende adquirir;
III.–Que não existe tempo hábil para proceder à habilitação judicial da CESSIONÁRIA nos referidos autos de insolvência, face à assembleia marcada;
IV.–Que por este facto a CEDENTE confere directamente mandato judicial a Advogado a indicar pela CESSIONÁRIA, em simultâneo com a assinatura do presente contrato, e declarando a CESSIONÁRIA assumir o pagamento de honorários e despesas que sejam devidas ao Advogado ora mandatado.

O que ACORDAM efectuar nestes termos e ainda nos das seguintes cláusulas:

Primeira - Objecto
1.- Pelo presente contrato, a CEDENTE cede à CESSIONÁRIA, que aceita a cessão, o Crédito que se vier a confirmar a primeira da referida sociedade possui.
2.- O valor nominal do Crédito cedido corresponde ao valor que consta da Lista de Créditos Reconhecidos e Reclamados junta aos referidos autos.
3.-A cessão acordada constitui uma transmissão definitiva do Crédito com transferência para a cessionária do mesmo.
4.-A cessão compreende quer o direito da CESSIONÁRIA à cobrança do crédito que a CEDENTE possui nesta data sobre identificada sociedade devedora insolvente, quer a assunção pela CESSIONÁRIA dos demais direitos que a CEDENTE possui, nomeadamente para efeitos de habilitação no processo judicial em curso.

Segunda-Preço
1.-O preço total pelo qual a CEDENTE cede à CESSIONÁRIA o Crédito, caso se venha a confirmar a sua existência é de € 6.024,38 (…).
2.-A CESSIONÁRIA pagará na data em que se venha a confirmar judicialmente a existência e validade do Crédito, por transferência bancária para a conta com o IBAN: PT50 (…) o referido preço.
3.-Caso não se venha a confirmar a existência do Crédito, a CESSIONÁRIA para à CEDENTE a título de compensação de encargos adminsitrativos, a quantia de 200,00 (…).

Terceira - Cessão sem "recurso"
1.–A presente cessão entende-se "sem recurso", pelo que a CEDENTE não responde pela confirmação do Crédito, boa cobrança, ou solvência da sociedade devedora, seus fiadores ou avalistas quando existam.
2.–A cessão de créditos é definitiva pelo que a CESSIONÁRIA não goza do direito de regresso sobre a CEDENTE quando não consiga cobrar os créditos da sociedade devedora, seus fiadores ou avalistas.

Quarta – Efeitos da cessão
1.–As partes aceitam que a cessão efectiva do Crédito seja plenamente eficaz a partir da data de assinatura do presente contrato.
2.–A partir desta data todas as operações, incluídas as de cobrança, necessárias para a gestão dos direitos e obrigações ora cedidos, serão realizadas pela CESSIONÁRIA e por sua conta e ordem.
3.–A CESSIONÁRIA assume todos os encargos decorrente do processo a partir da presente data.
4.–O referido nos números anteriores não prejudica a eventual responsabilidade da CEDENTE por multas processuais em que tenha sido condenada no âmbito do processo em curso até à presente data, ainda que o pagamento desses encargos só venha a ser exigido pelo tribunal na conta de custas final.
5.A CEDENTE compromete-se a informar e reembolsar à CESSIONÁRIA qualquer valor que possa receber, em razão do Crédito cedido, a partir da data em que a cessão se torne efectiva.

Quinta - Elementos e documentos que acompanham o contrato.
1.–Com a assinatura do contrato, a CEDENTE entrega à CESSIONÁRIA, o original do mandato judicial a favor do mandatário indicado pela CESSIONÁRIA para que esta o possa juntar, que aqui confirma desde já o recebimento do mesmo.
2.–Após a data de assinatura do presente contrato, a CEDENTE obriga-se ainda a prestar qualquer outra informação ou documentação referente ao Crédito cedido, para além da documentação ou informação constante no presente contrato, que se mostre necessária ao exercício dos respectivos direitos pela CESSIONÁRIA. (…)”
c)-A procuração que a sociedade M …RL outorgou em 17/04/2017, que se mostra junta aos autos, tem o seguinte teor: “João … (…) na qualidade de sócio administrador da sociedade de advogados M …RL (…), constitui bastante procurador da sua representada o Sr. Dr. Rui …, Advogado (…), a quem confere poderes forenses bem como poderes especiais para participar em todas as assembleias de credores no âmbito do Processo nº 1065/13.0TYLSB que corre termos no Tribunal Judicial de Lisboa, Juízo do Comércio – Juiz 1, no qual é insolvente a sociedade Y …SA (…)”.
d)-No dia 22/04/2022, nos autos de recurso a que se reporta o apenso R, a credora B …SA apresentou junto deste Tribunal da Relação de Lisboa um requerimento pelo qual comunicou que o crédito da M … RL sobre a insolvência se encontrava “extinto, por pagamento” - “(…) 4. Com o intuito de viabilizar a almejada recuperação da Y …SA, a ora Recorrente pagou, na presente data, à M … RL, que aceitou, a totalidade do crédito detido por esta última sobre a insolvência da Y …SA, incluindo capital e juros vencidos desde a data da declaração de insolvência e até 30 de abril de 2022. // 5. O pagamento foi efetuado pela ora Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 767.º, n.º 1, do Código Civil (…).
e)-Com tal requerimento anexou cópia do cheque visado n.º 0.........7, datado de 19/04/2022, no montante de 16.328,56€, em nome da cedente M …RL, da mesma constando “Recebido, 22.04.2022”.
f)-Igualmente anexou cópia da carta entregue à cedente, datada de 19/04/2022, na qual se pode ler: “Fazemos referência ao processo de insolvência da Y …SA (doravante, “IPV”), que corre termos no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Lisboa sob o número de processo 1065/13.0TYLSB (doravante, o “Processo de Insolvência”). // No âmbito do Processo de Insolvência, encontra-se definitivamente reconhecido a favor da M …RL um crédito sobre a insolvência de natureza comum no valor de €12.048,76, inscrito sob o n.º 58 na lista de créditos reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE, cuja cópia se junta como Anexo I. // Pese embora tal não conste da lista de créditos reconhecidos no Processo de Insolvência, assumimos que o crédito se relacione com a prestação de serviços jurídicos à IPV e que, por conseguinte, vença juros à taxa civil, que é de 4% ao ano. Considerando que a insolvência da IPV foi declarada em 30 de julho de 2013, os juros vencidos desde essa data até 30-04-2022 (3197 dias) ascendem a € 4.279,80. // (...) Dado que é nossa firme intenção assegurar a recuperação e viabilização da IPV e atenta a circunstância de que apenas V.as Ex.as apresentaram contra-alegações quanto ao recurso interposto pela ora signatária, remetemos em anexo a esta carta um cheque visado, à ordem de M …RL, no montante de € 16.328,56, por intermédio do qual fica integralmente pago o crédito detido por V.as Ex.as sobre a insolvência da IPV. // O pagamento é feito nos termos do disposto no artigo 767.º, n.º 1, do Código Civil, que preceitua que “a prestação pode ser feita (...) por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.”
g)-António … , subscreveu a declaração de quitação datada de 22/04/2022, na qual se consignou: “António … (...) declara ter recebido cheque 0........7, emitido sobre o Banco Novo Banco no montante de € 16.328,56, por parte de Luís … (...) em representação de B … SA // Mais declara que o montante acima mencionado de € 16.328,56 lhe foi pago a título de pagamento, nos termos do artigo 767/1 do Código Civil, do crédito sob a insolvência da Y …SA, Procº 1065/13.0TYLSB - Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 1. // (...) Anexa-se cópia do cheque.
h)- No dia 02/05/2022, em resposta ao requerimento referido em d), a cedente M …RL, representada pela Dra. Margarida …, veio invocar a cessão ocorrida, mais tendo referido: “(…) tendo a sua titular originária e aqui Requerente, deixado de ter qualquer relação com este crédito, o qual deixou de estar na sua disponibilidade. (…) Pelo exposto a titular originária do crédito aqui em causa não pode ter aceitado eficazmente o pagamento de uma dívida que já não lhe pertence há vários anos. (…) ainda que tenha ocorrido um negócio de contornos indescortináveis entre a B …SA (recorrente nos presentes autos) e M …RL relacionado com o pagamento de uma qualquer dívida, sempre terá de concluir-se que se trata de outra que não a que foi cedida à Cessionária A …Lda ou, tratando-se da mesma, sempre o negócio válido é o que tiver ocorrido em primeiro lugar, ou seja, a cessão de créditos (…)”.
i)- Com tal resposta foi junto substabelecimento, sem reserva, do Dr. Rui … para a Dra. Margarida … (datado de 27/04/2022).
j)- X é gerente da requerente “A …Lda[6] desde 13/05/2021 (Ap 1/20210514) – cfr. certidão permanente junta aos autos em 16/05/2022.
l)- Susana … foi nomeada gerente da requerente em 30/11/2011 (Ap 61/20111130), cargo a que renunciou em 13/12/2017, estando tal renúncia registada pela Ap 86/20180529 – cfr. certidão permanente junta aos autos em 16/05/2022.
m)- Como beneficiária efectiva da requerente (detendo 100% do seu capital social) está identificada Francisca …, nascido em 07/10/1997, registada como sendo filha de X – cfr. Declaração do Registo Central de Beneficiário Efectivo e certidão de nascimento juntas aos autos em 16/05/2022.   

E, ainda, em face do disposto no artigo 611.º, n.º 1 do CPC:
n)-Por acórdão proferido no dia 07/07/2022, no apenso R (por esta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa), já transitado em julgado, foi homologado o plano de insolvência apresentado pela credora B …SA em 29/01/2018, alusivo à sociedade devedora Y …SA”.
o)-Por decisão proferida em 06/03/2023[7], o tribunal a quo declarou o processo encerrado, com cessação de todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência.

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Questões prévias:
Não obstante o teor do despacho proferido em 10/04/2023 (no qual se considerou ser o recurso admissível e ter o mesmo sido recebido na forma e efeitos devidos), em face do suscitado nas contra-alegações, cumpre referir o seguinte:
Questionou a apelada a admissibilidade do recurso, defendendo que o mesmo deveria ser indeferido porquanto foi intentado, não apenas pela requerente A …Lda”, mas também pela M …RL.
Contudo, e apesar disso, no recurso qualifica-se o comportamento desta credora como sendo vergonhoso, praticado em abuso de direito, fraude à lei e simulação, sendo que a própria tem vindo a assumir condutas contraditórias, designadamente cedendo o seu crédito à A …Lda, aceitando depois o pagamento extrajudicial desse crédito e, finalmente, colocando agora em causa tal pagamento (que não restituiu) e questionando a licitude do seu próprio comportamento.
Considera a apelada, que a referida credora/cedente assume uma postura que “excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes”.
Decorre da parte final da al. a) do n.º 1 do artigo 641.º do CPC que o requerimento de recurso é indeferido quando “o requerente não tenha as condições necessárias para recorrer”. 
Porém, como refere Abrantes Geraldes[8], o “despacho de rejeição imediata do recurso deve ser reservado para casos em que a mera leitura do requerimento e das alegações torne manifesta a ausência dos requisitos de recorribilidade da decisão. É este critério que permite cindir a mera admissão ou rejeição liminar do recurso da apreciação dos seus fundamentos materiais, que fica reservada para momento posterior.
Ora, não sendo esse o caso, e atendendo a que o recurso não foi unicamente interposto pela credora M …RL, mas também pela requerente A …Lda, para além de a decisão que venha a ser proferida poder também reflectir-se na esfera jurídica da primeira, sempre seria se admitir o mesmo, nos moldes em que o foi.
De seguida, questionou a apelada o efeito e modo de subida de recurso.
Porém, se é certo que o mesmo foi intentado como tendo efeito suspensivo e subida em separado, foi o mesmo correctamente admitido pelo tribunal a quo, ou seja, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Por fim, questiona a apelada o valor do recurso, requerendo que seja o mesmo fixado em 12.048,76€.
Prescreve o n.º 2 do artigo 12.º do RCP que, nos recursos, “o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção.
Pese embora, as apelantes não tenham indicado o valor do recurso (como lhes seria exigível), e a Mma. Juíza a quo também não o tenha indicado no despacho que o admitiu, o certo é que a sentença recorrida fixou o valor do incidente em 273.860.823€.
Como tal, será este o valor a atender, seja porque não compete à Relação fixar o mesmo[9], seja por não ter sido deduzida qualquer impugnação referente ao mesmo, não versando o recurso sobre esta matéria (razão pela qual, independentemente de o valor ser ou não o correcto, não poderá tal questão ser conhecida).

Da putativa nulidade da sentença recorrida
Invocam as apelantes ser a sentença nula por omissão de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC -, porquanto se revela “manifestamente exígua na fundamentação (…) omitindo qualquer análise crítica aos argumentos expendidos pelas recorrentes”.
Mais referem existir “contradição entre a fundamentação de facto e a decisão” pelo que reputam igualmente a sentença nula ao abrigo da al. c) do citado normativo – quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
A Mma. Juíza a quo não se pronunciou quanto às invocadas nulidades, como o impõe o artigo 617.º, n.º 1, do CPC.
Não obstante tal omissão, não se ordenou a baixa do processo para esse efeito (como previsto no n.º 5 do mesmo artigo) por não se revelar indispensável para apreciação do objecto do recurso, do qual se passará a conhecer.
Cumpre apreciar.
As causas de nulidade da sentença vêm previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, cuja al. d) se reporta às situações nas quais o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, casos nos quais ocorre uma omissão ou um excesso de pronúncia.
A nulidade em apreço mostra-se interligada com a previsão do artigo 608.º, n.º 2 do mesmo código, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como é entendimento pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, não se poderão confundir as questões a apreciar com os argumentos invocados pelas partes, sendo que, essencial, é que as primeiras sejam decididas.
Apenas estaremos perante uma omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de se pronunciar quanto à pretensão solicitada e que se impunha conhecer para a tomada de decisão da causa. Pelo contrário, já não terá de existir uma concreta pronúncia sobre cada um dos argumentos/fundamentos invocados, assim como não terá o tribunal de se pronunciar quanto às questões cujo conhecimento tenha ficado prejudicado pelo decidido quanto a outras.[10]
Reportando tais considerações ao caso, impõe-se concluir que a 1.ª instância se pronunciou, sem qualquer dúvida, quanto à questão que importava conhecer, a saber: o pedido de habilitação deduzido pela sociedade A …Lda. E tanto se pronunciou, que julgou o mesmo improcedente. A regra imposta pelo n.º 2 do artigo 608.º (no sentido de ter o juiz de conhecer de todas as questões que importe decidir) mais não significa do que ter de ser conhecido/decidido o pedido formulado sendo que, no caso, a questão que integra o thema decidendum corresponde à peticionada habilitação.
Acresce que não deixou a 1.ª instância de conhecer das questões que pelas apelantes foram suscitadas e que se reportam à conduta que é imputada à apelada (reserva mental, abuso de direito e litigância de má-fé, para além da questão referente à sua alegada ilegitimidade para deduzir oposição).
Se foi ou não o entendimento mais acertado será já outra questão, mas que não se confunde com o apontado vício (a nulidade da decisão traduz um vício intrínseco da mesma, que em nada se confunde com qualquer eventual erro de julgamento).
Já no que concerne à invocada contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, a mesma só ocorreria caso a fundamentação apontasse num sentido que contrariasse o resultado final (violação do chamado silogismo judiciário, segundo o qual as premissas devem condizer com a conclusão), o que igualmente não sucedeu.
Como defende Amâncio Ferreira, “a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.”[11]
Também segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, entre “os fundamentos e a decisão não pode haver uma contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.”[12]
Ao nível da jurisprudência tem-se entendido que esta nulidade está conexionada com dois aspectos: com a obrigação de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças que profere (cfr. artigos 154.º e 607.º, nºs. 3 e 4 do CPC) e com facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico (a que já aludimos supra), em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Porém, como também já referido, não ocorre nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou na sua interpretação.
Ora, não se vislumbra o cometimento da invocada nulidade no caso da sentença recorrida.
Por um lado, importa realçar que as recorrentes não concretizam ou identificam qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, assim como não alegam ser esta última ininteligível por se revelarem ambíguos ou obscuros os seus fundamentos.[13]
Por outro, impõe-se concluir que as recorrentes, simplesmente, discordam da fundamentação, discordância essa que, quanto muito, consubstancia imputação de erro de julgamento, mas, insiste-se, já não contende ou interfere com um qualquer vício formal de estrutura na fundamentação da sentença. [14]
Conclui-se, pois, no sentido de não padecer a sentença recorrida de qualquer das invocadas nulidades, improcedendo, assim, nesta parte, a pretensão recursória.

Da legitimidade da credora FILTPTREL V, S.A. para deduzir oposição:
Defendem as apelantes que a credora em causa não goza de legitimidade para intervir no apenso de habilitação, designadamente deduzindo oposição, sendo que apenas a devedora poderá contestar – artigo 585.º do CC e artigo 356.º, n.º 1 do CPC. Refere que a parte contrária é a massa insolvente e já não os demais credores, os quais se encontram representados pelo AI. Mais alegam que inexiste por parte da credora qualquer interesse no pagamento liberatório do crédito, sendo que a mesma não se veio habilitar ou sub-rogar na posição do credor cedente (tendo visado unicamente afastar a apelante, com prejuízo para os demais credores, encetando “uma tentativa de pagamento de um crédito a non domino, para satisfação de interesses particulares”).
Desde já se dirá não lhes assistir razão.
Prescreve o n.º 1 do artigo 352.º do CPC que, deduzido o incidente de habilitação, ordena-se a citação dos requeridos que ainda não tenham sido citados para a causa e a notificação dos restantes, para contestarem o mesmo.
Sendo requerida uma habilitação do cessionário e notificada a parte contrária para contestar, poderá a mesma impugnar a validade do acto ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo – artigo 356.º, n.º 1, al. a) do CPC.
Como refere Salvador da Costa[15], “A parte contrária é aquela a quem o requerente opõe o contrato em que se baseia o pedido de habilitação.
Sendo certo que, por regra, a parte contrária é o “devedor cedido”, no caso, será a mesma a massa insolvente, representada pelo seu AI.
No entanto, considerando que estamos no âmbito de um processo de insolvência, o qual tem natureza universal ou concursal, não se poderá deixar de afirmar que todos os credores do devedor/insolvente têm interesse directo na apreciação, não apenas do respectivo crédito, mas ainda na dos demais créditos, uma vez que concorrem entre si no que respeita ao produto da liquidação ou à recuperação da massa insolvente.[16]
Na situação em apreço, contudo, tal interesse é ainda mais evidente porquanto a credora aqui apelada liquidou à M … RL (cedente) o crédito que pela mesma foi reclamado no processo (nessa medida defendendo que tal crédito se extinguiu, não podendo ser reclamado pela apelante/cessionária, sob pena de ocorrer pagamento em duplicado).
Como se refere na sentença recorrida, “Considerando a finalidade específica do processo de insolvência, cujo objetivo principal é a satisfação dos credores, no caso, sendo a sociedade B … SA credora nos autos, não se pode negar a existência de um interesse direto em contradizer a pretensão aqui deduzida, pois que a procedência da habilitação acarreta também para si desvantagens, na medida em que permite o reconhecimento de uma dívida que a massa já não tem, diminuindo, consequentemente, as possibilidades de satisfação do seu crédito.”
Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal e concursal, o qual visa a satisfação dos créditos aí reclamados (cfr. artigo 1.º do CIRE) - seja através da aprovação de um plano de insolvência (visando a recuperação da empresa), seja através da liquidação do património apreendido para a massa insolvente e posterior distribuição do produto da sua venda pelos credores -, todos os credores no mesmo têm interesse (interesse esse que, como já referido, para além de ser relativo ao próprio crédito, é igualmente extensivos aos demais que tenham sido reclamados e que possam a vir a ser verificados e graduados, sendo através de todos eles que se vai delimitar o passivo da insolvente).
É, pois, nosso entendimento que sempre a apelada possui um interesse directo na decisão da requerida habilitação, nessa medida lhe sendo reconhecida legitimidade processual para deduzir oposição ao incidente.  

Da ampliação do âmbito objecto do recurso requerida pela apelada:
Nas contra-alegações apresentadas, invocando o disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC, e para a eventualidade de o recurso obter provimento, veio a apelada requerer ampliação da matéria de facto fixada na sentença recorrida.
Para tanto deu cumprimento ao disposto no artigo 640.º do mesmo código (como exigido pelo n.º 3 do citado artigo 636.º).
Não se olvidando que a apreciação da requerida ampliação apenas se impõe em caso de procedência do recurso intentado pelas apelantes, considerando o que supra se consignou quanto à fundamentação de facto, julgamos nada obstar a que, desde já, sobre aquela seja tomada posição.
Sucede que no que concerne à matéria a que aludem os pontos 13.4.2- (teor da carta entregue pela apelada à apelante M … RL), 14.4.3- (declaração de quitação emitida pela mesma apelante) e 14.4.4- (requerimento de 22/04/2022 apresentado pela apelada no apenso R), todos das conclusões de recurso, foi já mesma aditada oficiosamente
Já no que respeita à matéria descrita do ponto 14.4.5 foi igualmente aditada por esta Relação o facto atinente à identificação da beneficiária efectiva da sociedade A …Lda, sendo que, quanto à demais, não foi produzida prova (ser X o presidente e CEO dessa sociedade) ou assume a mesma natureza conclusiva (controlo da A …Lda por X).
Por fim, também o descrito no 14.4.6 assume natureza conclusiva, sendo que tal ilação apenas poderá ser retirada em sede de decisão, em face da factualidade que tiver sido apurada. Nunca o poderá a mesma constar da fundamentação de facto, o que constituiria uma antecipação do juízo decisório.
Termos em que, com ressalva do que foi já aditado à matéria de facto, nada mais há a acrescentar.

Do invocado erro de julgamento:
O CPC consagra no artigo 260.º o princípio da estabilidade da instância, segundo o qual, uma vez citado o réu, deverá a instância manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, “salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
Tal princípio comporta, no entanto, excepções, admitindo-se que a instância sofra modificações, seja no que concerne ao seu âmbito subjectivo (sujeitos processuais), seja quanto ao seu objecto (pedido ou causa de pedir).[17]
A modificação subjectiva concretizar-se-á através da dedução do incidente de habilitação, o qual vem regulado nos artigos 351.º e ss. do CPC. Nestes casos, nada havendo em contrário, o credor primitivo passa a ser substituído por outro credor, mantendo-se inalterada a obrigação do devedor. [18]
No caso, alega a requerente ter celebrado com a credora M …RL um contrato de cessão de créditos.
À figura da cessão de créditos alude o artigo 577.º, n.º 1 do CC - “[o] credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”.
Como refere Almeida Costa[19], estaremos perante a cessão de um crédito quando o credor, mediante negócio jurídico, o transmite a terceiro, operando-se assim a substituição do credor originário por outra pessoa (modificação subjectiva da obrigação), mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional.
Segundo Antunes Varela[20], a validade da cessão depende da verificação de requisitos comuns (a todos os contratos de cessão) e de requisitos especiais (consoante o contrato que em particular tiver sido celebrado), sendo requisitos específicos da transmissão do crédito: a) a cedibilidade do crédito (sendo certo que a incedibilidade do crédito pode resultar da lei, de convenção ou da própria natureza da prestação); b) o carácter não litigioso do direito cedido, quanto a determinadas pessoas; c) a notificação ou aceitação da cessão, ou o seu conhecimento por parte do debitor cessus – cfr. artigo 583.º, n.º 1 do CC; d) a efectiva constituição ou aquisição do crédito na cessão de créditos futuros.
No que concerne à habilitação do cessionário, prescreve o artigo 356.º:1 - A habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, faz-se nos termos seguintes: a) Lavrado no processo o termo de cessão ou junto ao requerimento, que é autuado por apenso, o título da aquisição ou da cessão, é notificada a parte contrária para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo; b) Se houver contestação, o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, é proferida decisão; na falta de contestação, verifica-se se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário. 2- A habilitação pode ser promovida pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária; neste caso, aplica-se o disposto no número anterior, com as adaptações necessárias.
Esta norma deverá, por seu turno, ser conjugada com o artigo 263.º do mesmo código:1 - No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo. 2 - A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recursar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária. 3 - A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que esse não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação.”
Como tem vindo a ser entendido, a habilitação a que alude o artigo 356.º depende da verificação dos seguintes pressupostos: a) pendência de uma acção, b) existência de uma coisa ou de um direito litigioso, c) transmissão, por acto entre vivos, dessa coisa ou direito na pendência da acção, e d) conhecimento da transmissão no decurso dessa acção.
A habilitação de cessionário assume, contudo, carácter facultativo, sendo que, enquanto não ocorrer, o cedente continuará a ser parte legítima no processo (razão pela qual a transmissão inter vivos não acarreta qualquer suspensão da causa). [21]
Havendo oposição à declaração da habilitação pela parte contrária, a mesma poderá ter por fundamento a invalidade (formal ou substancial) do acordo subjacente à cessão ou, ainda, a alegação de a transmissão ter sido feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.
Analisado o negócio jurídico efectuado entre as apelantes (cessão de créditos), não se poderá concluir pela sua invalidade – a cedente tinha poderes para ceder o seu crédito e a cessionária para o adquirir.
E, sendo declarada a habilitação, a mesma acarretará efeitos de natureza meramente processual[22] (cessando a legitimidade processual do cedente com a prolação da decisão que declare o cessionário habilitado a intervir no processo em sua substituição).[23]
Não se mostra, no entanto, possível discutir quaisquer questões atinentes ao direito que foi objecto da cessão (no que respeita à existência e validade do crédito invocado, ou seja, se o cedente, naquele concreto processo, era ou não titular desse crédito que veio a ser transmitido).
Contudo, se é certo que, requerida a habilitação de cessionário, apenas estão previstos como constituindo fundamento para a oposição os consignados na segunda parte da al. a) do n.º 1 do artigo 356.º do CPC (impugnação da validade do acto de cessão ou alegação de a cessão ter sido feita para tornar mais difícil a posição da parte contrária no processo), a partir do momento em que a cessão é notificada ao devedor (o que, não o sendo antes, ocorrerá com a sua notificação para os termos do incidente), a mesma torna-se eficaz em relação a este, o qual poderá opor ao cessionário todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, “com a ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão” – artigo 585.º do CC.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa[24], para além dos referidos fundamentos, a parte contrária pode apresentar “qualquer defesa por impugnação ou por excepção”.
É que, não obstante estarmos perante uma mera substituição do primitivo credor por um novo credor (assumindo o cessionário a posição anteriormente atribuída ao cedente), mantendo-se inalterados os demais aspectos atinentes à relação jurídica creditícia, não se poderá deixar de valorar esta última, pois a obrigação é precisamente a mesma que já existia (como refere Antunes Varela[25],O crédito em que o cessionário fica investido é o mesmo que pertencia ao cedente. (…) Porque nem sequer é requerido o seu consentimento para a operação, o devedor não pode, em princípio, ser colocado perante o cessionário numa situação inferior àquela em que se encontrava diante do cedente.”).
 Sendo causal o negócio que serve de base à cessão, a posição jurídica adquirida pelo cessionário sempre estará delimitada por aquela de que era titular o cedente.
Nessa medida, na eventualidade de o crédito ser pago ao cedente em momento anterior àquele no qual o devedor teve conhecimento da cessão, terá tal facto de ser valorado, podendo, inclusive, acarretar a extinção do próprio crédito, sendo tal efeito oponível ao cessionário. Se, por um lado, a notificação da cessão ao devedor (bem como a sua aceitação ou até conhecimento efectivo) não é facto constitutivo do direito do cessionário, por outro, constitui condição da eficácia do negócio em relação ao devedor (cfr. artigo 583.º, n.º 1 do CPC).  
Só assim não será na eventualidade de o pagamento ter ocorrido já depois de a cessão ter chegado ao conhecimento do devedor (situação na qual os meios de defesa já não poderão operar), sendo que o ónus de prova de tal conhecimento impende sobre o cessionário – n.º 2 do artigo 583.º.[26]
A ter ocorrido tal circunstância (liquidação do crédito), terá a mesma reflexo na pretendida habilitação, a qual pressupõe que o crédito ainda exista.
Reportando ao caso, dir-se-á que não se trata, agora, de aferir se o cedente era ou não titular do crédito, o que, aliás, não é sequer colocado em causa (tendo tal crédito sido reconhecido no processo pelo AI). A questão prende-se antes com uma eventual causa de extinção superveniente da qual o devedor possa lançar mão.
No caso, é inquestionável que o crédito reclamado pela cedente M …RL (que foi reconhecido pelo AI), foi liquidado (não apenas o capital em dívida, mas também os respectivos juros de mora).
Contudo, o pagamento não foi efectuado pela devedora, mas antes por uma outra credora (aqui apelada).
 Julgamos, no entanto, que inexiste obstáculo legal a que assim pudesse ter ocorrido. Se é certo que o pagamento é uma obrigação do devedor (só deste último podendo ser exigido), não se poderá ignorar que o nosso ordenamento jurídico permite que seja o mesmo efectuado por terceiro, desde que respeitados determinados circunstancialismos.
É o que nos diz o artigo 767.º do CC, cujo n.º 1 estatui que “A prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”, salvo se daí resultar prejuízo para o credor ou se tiver sido expressamente previsto que apenas o devedor o deva fazer (n.º 2 da mesma norma).
Como defendido por Fernando Ferreira Pinto e Isabel Teixeira Duarte[27], essencial é que o terceiro efectue a prestação com animus solvendi debiti alieni (com intenção de cumprir obrigação alheia), podendo fazê-lo de forma espontânea (sem o consentimento ou sequer o conhecimento do devedor). Ainda segundo estes autores, “funcionalmente, a prestação do terceiro satisfaz o interesse do credor, alcançando o fim da obrigação e preenchendo a sua função. Sustenta-se, por isso, que a prestação por terceiro não tem em vista o cumprimento da obrigação mas, antes, a satisfação do interesse do credor.
Reportando tais considerações ao caso, em face da matéria considerada provada, assente, desde logo, em documentação que não foi impugnada pelas apelantes, temos por assente que, em 22/04/2022, a credora B …SA liquidou à credora M …RL o crédito que pela mesma tinha sido reclamado no processo de insolvência (crédito esse acrescido dos legais juros de mora), bem como que o fez ao abrigo da transcrita norma do artigo 767.º, n.º 1 do CC.
Na mesma data, aquela apelante (cedente) emitiu a respectiva declaração de quitação – “(…) Mais declara que o montante acima mencionado de € 16.328,56 lhe foi pago a título de pagamento, nos termos do artigo 767/1 do Código Civil, do crédito sob a insolvência da Y …SA, Procº 1065/13.0TYLSB - Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 1”.
Igualmente se mostra assente que a cessão de créditos realizada entre as aqui apelantes não tinha sido comunicada à devedora/insolvente.
E, não obstante a apelante A …Lda defender que a cessão seria já do conhecimento do AI e da apelada, o certo é que nada resulta dos autos que assim permita concluir[28] (nem sequer tendo sido apresentada/requerida qualquer prova quanto a esse facto), para além de que relevante seria que fosse do conhecimento do primeiro (por ser quem representa a massa insolvente).
O pagamento efectuado pela credora B …SA foi dado a conhecer no dia em que foi concretizado, ou seja, em 22/04/2022, mediante requerimento apresentado junto deste Tribunal da Relação (no âmbito do recurso a que se reporta o apenso R). Tal requerimento foi nessa data notificado pela mesma credora/apelada aos demais mandatários, designadamente aos mandatários da devedora (Maria Neuparth e Pedro Franca Pinto – cfr. ref.ª/Citius 574282). Presume-se a concretização da notificação em 26 de Abril (já que dia 25 é feriado nacional) – cfr. artigo 255.º do CPC.
Foi também no citado apenso R, que, em 02/05/2022 M …RL veio informar ter transmitido o seu crédito à A …Lda, deste requerimento tendo notificado a insolvente e a apelada (pelo que se presume que tal notificação se concretizou no dia 5 de Maio).
A habilitação requerida pela A …Lda deu entrada em juízo em 27/04/2022, sendo que a notificação para os termos do incidente – tanto do AI, em representação da massa insolvente, como da insolvente - foi efectuada por carta datada de 05/05/2022 (ref.ªs/Citius 415508047 e 415508052), pelo que se considera concretizada no dia 9 de Maio.
Conclui-se, pois, que o pagamento do crédito da M …RL sempre se terá de ter como efectuado em momento anterior àquele no qual o AI, em representação da massa insolvente, e até a insolvente, tiveram conhecimento da cessão, pelo que não se verifica a ressalva prevista na parte final do artigo 585.º do CC. 
Por outras palavras, embora o pagamento não tenha sido efectuado pela devedora/insolvente, o certo é que o crédito reclamado na insolvência pela M …RL já havia sido satisfeito aquando do momento em que foi requerida a habilitação (sendo que igualmente não ficou demonstrado que a apelada tivesse conhecimento da cessão em data anterior a 02/05/2022, isto é, quando a mesma foi invocada no apenso R).
Nada obsta que tal facto possa ser oposto pela devedora à requerente/cessionária.
Ao contrário do que parece resultar das alegações de recurso, nas oposições deduzidas à habilitação, não foi apenas a credora B … SA, mas igualmente o AI (em representação da massa insolvente), quem defendeu estar o crédito reclamado extinto pelo pagamento – e se a apelada não tinha que ser notificada da cessão, o mesmo não sucede quanto ao segundo.
Poder-se-ia defender que a obrigação de pagamento da devedora não se extinguiu, sendo que, ao pagar, a apelada assumiria a posição de credora daquela.
Contudo, assim não sucede.
Para além de a apelada não ter deduzido qualquer habilitação, também a mesma não se poderá considerar sub-rogada na posição anteriormente assumida pela M …RL – não se está perante uma situação de sub-rogação legal (cfr. artigo 592.º, n.º 1 do CC[29]), assim como igualmente não ocorre qualquer sub-rogação voluntária, porquanto inexiste qualquer manifestação de vontade expressa nesse sentido (cfr. artigos 589.º a 591.º do CC).
Vejam-se, com interesse, os autores citados pela apelada nas suas contra-alegações, nomeadamente Luís Menezes Leitão[30] - “Em relação ao autor do cumprimento, a lei generaliza o princípio da legitimidade activa, atribuindo-a a todas as pessoas, quer estas tenham interesse directo no cumprimento da obrigação, quer não (art. 767.º, n.º 1). (…) Cabe agora examinar os efeitos do cumprimento por terceiro. Essa situação, além de provocar a extinção da obrigação, com a consequente liberação do devedor, pode desencadear outro tipo de consequências jurídicas (…)“- e Pedro Romano Martinez[31] – “Ainda que impenda sobre o devedor, admite-se que a prestação possa ser feita por terceiro. Depois de atender à questão da capacidade (764.º) e à da disponibilidade (765.º), importa determinar a legitimidade para prestar. A vinculação impende sobre o devedor, mas a materialização do cumprimento da obrigação pode caber a terceiro (n.º 1). A prestação efetuada pelo terceiro satisfaz o interesse do credor e realiza o fim da obrigação, com as consequências normais, nomeadamente determinando a extinção do vínculo, salvo a sub-rogação do terceiro.”
Igualmente inexiste qualquer assunção de dívida nos moldes a que alude o artigo 595.º do CC, a qual traduz a aceitação do pagamento de um passivo do devedor perante o credor, continuando este último a ser titular do crédito.
Estamos antes perante um efectivo pagamento desse crédito.
O pagamento foi realizado ao abrigo do disposto no artigo 767.º, n.º 1 do CC, e a M …RL aceitou-o (dando a respectiva quitação), pelo que não haverá qualquer transmissão do crédito para a apelada (solvens), antes ocorrendo a extinção da obrigação – nesse sentido, pese embora para uma situação não idêntica à aqui em causa, mas por se revelar pertinente, veja-se o acórdão do STJ de 28/03/2019[32], em cujo sumário se pode ler: “(…) VIII. Não é qualquer terceiro que cumpra a obrigação alheia que beneficia da sub-rogação, mas apenas aquele a quem foi atribuído esse direito, por vontade expressa do credor ou do devedor, ou aquele a quem a lei reconhece esse direito, quer por ter garantido, previamente, o cumprimento da obrigação, quer por ter um interesse patrimonial e próprio na satisfação do crédito. IX. Não beneficia do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor o terceiro que, apesar de não ter um interesse “direto e próprio” no cumprimento, assume a dívida e realiza a prestação alheia, valendo, antes, a regra geral do artigo 767º, nº 1 do Código Civil, segundo a qual a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, e verificando-se, nessas circunstâncias, a extinção da obrigação.
Quanto à alegada actuação da apelada com reserva mental, abuso de direito e má-fé, considerou o tribunal a quo:
“No que à invocada reserva mental concerne, julga-se que não ficaram demonstrados quaisquer factos suscetíveis de integrar tal vício, pois que não se vislumbra a existência de qualquer contrariedade entre a vontade de liquidar a dívida e a alegada vontade de afastamento do credor do processo – cf. art. 244.º do C.C.. Pelo que sem maiores considerações se julga improcedente a invocada nulidade do pagamento.
A requerente invoca ainda o abuso de direito por parte da FILTPTREL V, S.A. ao proceder ao pagamento por não lhe ser conhecido qualquer interesse como devedora das quantias que estão reconhecidas àquela credora.
Também neste ponto, julga-se que não assiste razão à requerente, pois que a lei prevê a possibilidade do pagamento das dívidas por terceiro que tenha interesse ou não no cumprimento da obrigação. Donde a falta de interesse no pagamento da dívida não poderá, por si, constituir fundamento de abuso de direito.
Alega ainda que a FILTPTREL V, S.A. litiga de ma fé ao pretender fazer extinguir os legítimos direitos da requerente e colocar-se numa situação de claro benefício relativamente aos demais credores, beneficiando ainda credores da insolvência relativamente a outros.
Ora, a factualidade carreada para os autos não revela qualquer conduta processual censurável por parte da credora FILTPTREL V, S.A., sendo certo que não se vislumbra em que medida a extinção do crédito em causa possa prejudicar os demais credores e beneficiar indevidamente aquela, o que também não foi explicado pela requerente.”
Subscrevemos tal entendimento que, pese embora de forma sucinta, analisou e afastou correctamente a aplicação de tais institutos jurídicos, não se justificando um maior desenvolvimento.[33]
Acrescentar-se-á, apenas que, para que existisse reserva mental, necessário seria que tivesse sido emitida uma “declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário” (artigo 244.º, n.º 1 do CC), sendo que, dos autos, resulta que a apelada quis efectivamente pagar o crédito que o AI havia já reconhecido à M …RL, tendo, inclusive, liquidado os respectivos juros de mora (sem prejuízo de, com tal pagamento, ter em vista viabilizar a aprovação do plano de insolvência, porquanto apenas aquela credora havia apresentado contra-alegações no apenso R).
Diga-se, ainda, que causa deveras perplexidade que a própria M …RL venha impugnar o pagamento que lhe foi feito (reputando-o de nulo) e do qual deu quitação nos moldes já anteriormente descritos.
E, considerando que cedente e cessionária são representadas pela mesma mandatária e o recurso foi intentado por ambas (e não apenas pela cessionária), maior perplexidade causa tal impugnação – alegando-se que o pagamento traduz uma acção conspirativa, um vergonhoso negócio, a criação da aparência do negócio de extinção de uma dívida entre a apelada e aquela mesma credora/cedente/apelante, mais se afirmando existir “reserva mental mútua para benefício mútuo, com claro prejuízo para terceiros (a cessionária)”.
Acresce que, como clausulado no contrato de cessão de créditos junto aos autos, a M …RL (na qualidade de cedente) comprometeu-se a “informar e reembolsar” a A …Lda (na qualidade de cessionária), de “qualquer valor que possa receber, em razão do Crédito cedido, a partir da data em que a cessão se torne efectiva” (n.º 5 da cláus. 4.ª).
À cessionária A …Lda, que viu o seu direito afectado, restará, se assim o entender, responsabilizar a cedente. [34]

Por fim, não se poderá deixar de referir que, considerando que a requerida habilitação se cinge ao processo de insolvência (visando, em caso de procedência do incidente, viabilizar a intervenção nos autos pela cessionária, na posição anteriormente assumida pela credora cedente), o certo é que, entretanto, foi o processo encerrado.
Por acórdão proferido no dia 07/07/2022 (apenso R), já transitado em julgado, foi homologado o plano de insolvência apresentado em 29/01/2018 pela credora/apelada B …SA e, por decisão proferida em 06/03/2023, o tribunal a quo declarou o processo encerrado, com cessação de todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência.
Ora, correspondendo a requerida habilitação a um incidente processual que visa a substituição do primitivo credor/cedente por um outro sujeito/cessionário, só se justificará tal substituição desde que o processo esteja ainda pendente – já que só assim se poderá falar em modificação subjetiva da instância – cfr. al. a) do artigo 262.º, al. a) do CPC.[35]
A não se entender assim, não se compreenderia que o legislador tivesse previsto que o transmitente “continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo” - cfr. artigo 263.º, n.º 1 do CPC.
Claro está que, aquando da dedução do incidente, o processo estava ainda pendente, mas foi, entretanto, o mesmo encerrado, perdendo qualquer interesse e utilidade prática a prolação da pretendida habilitação[36].
E tal conclusão sai reforçada se se atender que, segundo defendem as apelantes, não é apenas o valor económico do crédito que está aqui em causa, mas sobretudo a pretensão de “contestar a solução propugnada pela dita credora B …SA de aprovar um plano de recuperação que apenas a beneficia a ela, excluindo desse racional a possibilidade de conversão de créditos de outros credores” – cfr. pontos VIII a X das conclusões de recurso. É, por essa razão, aliás, que invocam a pendência do recurso a que se reporta o apenso R.
Contudo, tal recurso, como referido, foi já definitivamente decidido, decisão essa que consistiu precisamente na homologação do plano de insolvência que havia sido proposto pela aqui apelada.

Termos em que se conclui não poder o presente recurso proceder.

Em face do supra decidido, prejudicado ficou o conhecimento da questão referente à circunstância de a transmissão do crédito ter sido efectuada para tornar mais difícil a posição do devedor.

*

IVDECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas pelas apelantes.


Lisboa, 16 de Maio de 2023 (acórdão assinado digitalmente)


Renata Linhares de Castro
Nuno Magalhães Teixeira
Rosário Gonçalves


[1]Tal requerimento foi precedido de outros dois: no primeiro, datado de 11/05/2022, o AI declarou nada ter a opor ao requerido (mais esclarecendo que o crédito cedido foi reconhecido como comum e pelo montante de 12.048,76€); pelo segundo, datado de 13/05/2022, peticionou o desentranhamento do anteriormente apresentado.
[2]Mais tendo invocado que o pagamento efectuado directamente à M …RL constitui infracção ao artigo 112.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
[3]Sendo que, para tanto, se optou por manter a redacção das conclusões (na parte não eliminada) nos moldes em que foram apresentadas.
[4]Factualidade extraída não apenas dos autos de habilitação aos quais se reporta o presente recurso, mas também obtida através da consulta informática dos autos principais e demais apensos (documentação junta e não impugnada)
[5]Constante do Apenso B, referente à reclamação de créditos.
[6]A sociedade funcionava anteriormente sob a firma “V …Lda”, estando as alterações ao contrato de sociedade registadas pela Inscrição 4 (Ap 160/20130111).
[7]Cfr. Ref.ª/Citius 423710959 dos autos principais: “(…) o Tribunal declara encerrado, por trânsito em julgado da decisão que homologou plano de insolvência, o presente processo em que foi declarada a insolvência de Y …SA (…) // Consequentemente // – Cessam todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, designadamente recuperando a devedora o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão do negócio, sem prejuízo do disposto no art. 234.º do CI.R.E. – art. 233.º, nº 1, al. a). // – Todos os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra o devedor, no caso, sem qualquer restrição que não as resultantes do próprio plano de insolvência e o Estado pode exercer os seus direitos contra o devedor, sem qualquer restrição – art. 233.º, nº 1, al. c). // – Os credores da massa insolvente podem reclamar da devedora os seus direitos não satisfeitos – art. 233.º n.º1, al. d). (…)”
[8]In Recursos em Processo Civil, Almedina, 2020, 6.ª edição actualizada, pág. 214.
[9]Como decidido pelo acórdão do STJ de 08/03/2018 (Proc. n.º 4255/15.8T8VCT-A.G1.S1, relator Chambel Mourisco), “Cabe ao tribunal de primeira instância fixar o valor da causa, estando vedado aos tribunais de recurso usarem as faculdades previstas no art. 306.º do Código de Processo Civil”, disponível in www.dgsi.pt., como todos os demais que vierem a ser citados sem menção à respectiva fonte.
[10]Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 09/06/2011 (Proc. n.º 5/11.6TVPRT-A.P1, relator Filipe Caroço), aludindo à nulidade por omissão de pronúncia: “Exige-se ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Porém, sem que esse dever implique o abordar, de forma detalhada, todos os argumentos, considerações ou juízos de valor trazidos pelas partes. Só acontece quando o juiz olvida a pronúncia sobre as «questões» submetidas ao seu escrutínio pelas partes, ou de que deva, oficiosamente, conhecer, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença. A expressão “questões que deva apreciar”, cuja omissão integra a dita nulidade, não abarca as alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Se o juiz não apreciar todas as questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito que caberiam na melhor ou mais desejável fundamentação da sua sentença ou acórdão, mas vier a proferir a decisão sobre a “questão a resolver”, haverá apenas fundamentação pobre e pouco convincente ou, no máximo, falta de fundamentação, mas não há nulidade por omissão de pronúncia. E não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada. Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
[11]In Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª edição, 2008, pág. 54.
[12]In Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, Almedina, pág. 736.
[13]No que concerne à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, já ALBERTO DOS REIS, escrevia que “A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.”, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 151.
[14]Segundo ANTUNES VARELA, in Manual de Processo Civil, pág. 686, não se inclui na previsão do artigo 615.º o chamado erro de julgamento, designadamente quando se discorda do enquadramento jurídico adoptado (erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta última) ou quando possa ter ocorrido injustiça na decisão.
[15]Cfr. Os Incidentes da Instância, 2020, Almedina, 11.ª edição, actualizada e ampliada, pág. 224.
[16]Razão pela qual o artigo 130.º do CIRE reconhece legitimidade a qualquer interessado para impugnar a lista de credores reconhecidos no processo de insolvência, não apenas no que se refere aos créditos próprios, mas também aos créditos alheios, assim como o artigo 146.º do mesmo código determina que as acções de verificação ulterior de créditos sejam propostas, não apenas contra a massa insolvente e o devedor, mas também contra (todos) os credores (da insolvência).
[17]No artigo 262.º, al. a), do CPC refere-se expressamente que a instância se pode modificar, quanto às pessoas, em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio. 
[18]Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 14/11/2017 (Proc. n.º 712/14.1TBACB-A.C1, relator António Carvalho Martins), “(…) são requisitos da cessão: a) um acordo entre o credor e um terceiro; b) consubstanciado num facto transmissivo (fonte da transmissão); c) a transmissibilidade do crédito (Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 2.º - 90)”.
[19]Cfr. Noções Fundamentais de Direito Civil, 4.ª edição, págs. 179 e ss.
[20]Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 1990, 4.ª edição, revista e actualizada, págs. 291 e ss.
[21]Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in Blog do IPPC, CPC Online, anotação ao artigo 356.º, “Transmitente e adquirente são a mesma parte sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581.º, n.º 2).
[22]Não obstante os referidos efeitos processuais, em qualquer sentença a proferir em incidente de habilitação (mesmo quando não seja deduzida oposição), sempre o tribunal deverá ajuizar quanto ao facto transmissivo que justifica a habilitação - incumbe ao tribunal analisar e valorar a documentação junta pelo requerente e na qual se mostra sustentada a sua pretensão (o contrato de cessão de créditos e respectivo documento anexo no qual estejam elencados quais os créditos transmitidos).
[23]Nesse sentido, entre outros, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 20/12/2017 (Proc. n.º 2377/12.6TBABF.E1.S2, relatora Fernanda Isabel Pereira).
[24]Obra citada, anotação ao artigo 356.º do CPC.
[25]In Das Obrigações em geral, Vol. II, Almedina, 1990, 4.ª edição, revista e actualizada, pág. 315.
[26]O artigo 583.º do CC regula o momento a partir do qual a cessão passa a produzir efeitos em relação ao devedor cedido. Como refere ANA TAVEIRA DA FONSECA, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, págs. 607-608, “A determinação desse momento é relevante, porquanto a partir daí o devedor deixa de poder pagar liberatoriamente ao cedente ou de poder celebrar com ele negócio relativo ao crédito que seja oponível ao cessionário. Essa oponibilidade da cessão ao devedor cedido não coincide com o momento da transmissão do crédito do cedente para o cessionário (…). A cessão produz efeitos em relação ao devedor cedido quando lhe é notificada ou a aceite. Se, porém, antes da notificação ou aceitação o devedor pagar ao cedente (…), esse pagamento (…) não é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão à data em que o facto ocorreu.”. E, continua, visa-se “tutelar a confiança do devedor cedido que paga a um credor aparente”. Também ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em geral, Vol. II, já citado, pág. 299, escrevia: “Transfere-se, deste modo, para o cessionário o ónus de prova do conhecimento da cessão por parte do debitor cessus, sempre que ele tenha interesse em se opor ao pagamento feito ao cedente (…)”.
[27]Cfr. Comentário ao Código Civil …, referido na anterior nota de referência, pág. 1041, anotação ao artigo 767.º.
[28]Referem as apelantes na motivação do recurso que a apelada “já suspeitava” que o crédito pertencia a outrem, remetendo para o teor do artigo 43.º da oposição deduzida pela segunda, no qual se pode ler: “(…) na referida assembleia de credores de 19-04-2017 – a M …RL já se fez representar pelo mandatário indicado pela A …Lda, o Dr. Rui …, como consta da respetiva ata”. Sucede que, tendo o ilustre causídico intervindo na assembleia enquanto mandatário daquela concreta apelante, carece de qualquer sustentação a menção à invocada suspeita pois, desde que devidamente mandatado, qualquer advogado o poderia fazer. Mais se acrescentará que, na sentença recorrida, se consignou não ter ficado apurado que a apelada “sabia em data muito anterior que a cessão de crédito havia ocorrido”, sendo que o presente recurso não contém impugnação da matéria de facto.
Já com relação ao AI, invocam que o mesmo admitiu saber que o crédito tinha sido cedido, porquanto, na oposição que deduziu referiu: “Também conforme já se havia adiantado nos presentes autos, o Eng.º X está a tentar enganar este douto Tribunal mediante a compra de um crédito de valor irrisório (face ao acervo de todos os créditos reconhecidos neste processo de insolvência) ultrapassando assim a questão já reconhecida da falta de legitimidade.” (cfr. artigo 26.º da oposição). Porém, uma vez mais, daqui não se poderá concluir no sentido de ser conhecida a cessão (apenas sendo estabelecida uma conexão entre a razão pela qual terá sido requerida habilitação pela A … Lda e o histórico da actuação do seu gerente ao longo do processo), sendo que, no artigo 2.º da oposição que deduziu, o mesmo AI afirma que “até à data da notificação do presente incidente, o Administrador da Insolvência desconhecia da existência da alegada cessão de créditos.”.
[29]Sendo que, quando o n.º 1 do artigo 592.º do CC refere a existência de um interesse directo por parte do terceiro na satisfação do crédito, como tem vindo a ser entendido, trata-se de um interesse patrimonial e próprio, isto é, de poder o terceiro ser atingido na sua posição jurídica caso o cumprimento não ocorra (o que aqui não sucede).
[30]In Direito das Obrigações, Vol. II (Transmissão e extinção das obrigações. Não cumprimento e garantias do crédito), Almedina, 2008, 6.ª edição, págs. 148-150.
[31]In ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (coord.), Código Civil Comentado, II - Das Obrigações em Geral, Anotação ao artigo 767.º do Código Civil, Almedina, 2021, pág. 953
[32]Proc. n.º 281648/11.7YIPRT.L1.S1, relatora Rosa Tching.
[33]As apelantes invocaram, ainda, na motivação de recurso, que tendo sido julgada procedente a habilitação requerida pela A …Lda no apenso U (no qual foi também invocada uma cessão de créditos, sendo cedente a credora NOS Comunicações, SA) estar-se-á perante uma “oposição de julgados”. Não obstante tal argumento não ter sido transposto nas conclusões de recurso, importa referir que o mesmo se revela destituído de fundamento, porquanto o aí crédito cedido não foi objecto de qualquer pagamento.
Mais invocaram ter a apelada violado o disposto no artigo 112.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, daí resultando “responsabilidade disciplinar” do respectivo mandatário, matéria que extravasa o âmbito do objecto do recurso e cujo conhecimento sempre será da exclusiva competência dos Conselho de Deontologia da mesma Ordem (cfr. artigo 123.º do EOA). 
[34]ANA TAVEIRA DA FONSECA, obra citada, pág. 608, refere que o cedente pode ser responsabilizado por incumprimento da obrigação de notificar o devedor cedido e/ou de garantir a existência e a exigibilidade do crédito – cfr. artigo 587.º do CC. MENEZES LEITÃO, obra citada, pág. 30, concretiza poder o cessionário instaurar contra o cedente uma acção de enriquecimento sem causa.
[35]Citando SALVADOR DA COSTA, in Os Incidentes da Instância, Almedina, 1999, 2.ª edição, pág. 242, “Extinta que se mostre a instância na causa principal tem-se por inadmissível o incidente de habilitação do cessionário, pois nessa circunstância não faz qualquer sentido falar-se em modificação subjectiva da instância.
[36]Cfr. artigo 611.º, n.º 1 do CPC, segundo o qual, a sentença deve tomar em consideração “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”.
Veja-se, ainda, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Vol. V, Coimbra editora, 1984, pág. 85., em anotação ao anterior artigo 663.º (correspondente ao actual artigo 611.º), o qual escrevia ser no domínio dos factos extintivos que a norma poderia ter aplicação mais frequente, referindo que nos casos em que “ocorre um facto novo que exerce influência decisiva sobre a matéria do litígio (…) não pode deixar de ser tomado em consideração. Apurado o facto, a lide cessa, já não tem razão de ser.