Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1021/18.2T8AGH.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
PROIBIÇÃO LEGAL E IMPERATIVA
REGRAS ADMINISTRATIVAS
INTERESSES DE ORDEM PÚBLICA
APROPRIAÇÃO INDEVIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A aquisição do direito de propriedade por usucapião pressupõe, para além da vontade do possuidor em a invocar: a) a posse correspondente ao exercício do direito de propriedade; b) o decurso do prazo previsto na lei para o caso; e c) a inexistência de disposição legal em contrário.
II - O exercício do direito à aquisição originária de direitos reais de gozo por usucapião pode ter de ceder quando afronte diretamente normas imperativas e interesses de ordem pública, como sejam os casos em que esteja em causa procedimentos administrativos relacionados com o ordenamento do território ou a segurança urbanística, cuja definição e gestão se encontra constitucionalmente atribuída à Administração Pública.
III - Havendo proibição legal e imperativa que obrigue à conformação do direito de propriedade a determinadas regras administrativas que servem interesses públicos relacionados com as finalidades atribuída constitucionalmente ao Estado, nomeadamente no que se refere à disciplina social do ordenamento do território, a aquisição do direito de propriedade, mesmo que por usucapião, não pode ser admitida se não respeitar os fins para os quais essas limitações legais foram estabelecidas.
IV - No caso, o que se passou foi apenas um ato particular de apropriação indevida duma pequena parcela de terreno que fazia parte do lote do Autor pelos proprietários do lote vizinho, que nele edificaram um muro divisório, de forma inconsciente, por erro na conformação dos alinhamentos das estremas entre os dois lotes, por referência ao que se encontrava nos desenhos que serviram de base ao Alvará de Loteamento emitido pela Câmara Municipal.
V- Nestas condições não houve violação das regras de licenciamento administrativo relativos ao loteamento, nem de normas imperativas, nem de interesses de ordem pública relevantes, relacionados com a definição geral da utilização dos solos, constitucional e legalmente, atribuída à Administração Pública.
VI - Houve apenas violação do direito de propriedade do Autor, o que não constitui limite legal ao exercício do direito à aquisição do direito de propriedade pelos Réus por via da invocação da usucapião.
VII - Justifica-se ao juiz aplicar o Art.º 6.º n.º 5 do R.C.P. quando, por elementares razões de equidade, ponderando a correspetividade entre os serviços prestado pelo Tribunal e o valor da retribuição devida a título de taxa de justiça em função apenas do valor da ação, se verificar que existe uma disparidade evidente entre a complexidade da ação, os valores económicos aí efetivamente em discussão e o mero valor tributário apurado apenas em função do valor da causa reportado à data da propositura da ação, nos termos do Art.º 299.º n.º 1 do C.P.C..
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
R… intentou ação de reivindicação, em processo declarativo comum, contra L…M… e R…M…, menor de idade, «por si e na qualidade de Herdeiros da Herança Ilíquida e Indivisa deixada por óbito de M…M…», falecido em 15 de maio de 2007, pedindo que seja declarado que o A. é dono e legítimo proprietário do prédio urbano que identificou no artigo 5.º da petição, com área total de 1.020 m2, por ser seu possuidor legítimo e que confina com o dos R.R.; que deveriam ser condenados a reconhecer que o prédio destes, identificado no artigo 12.º da petição, tem apenas a área de 949 m2; a restituírem ao A. a faixa de terreno indevidamente ocupada, com área de cerca de 26 m2, por inexistência de título que sustente a manutenção dessa ocupação; a demolirem o muro indevidamente construído na parte norte do prédio do A., incluindo as sapatas do mesmo e sebes que se mostrem plantadas no terreno do A., edificando muro na estrema do seu prédio e dentro da área que lhe cabe. Mais peticiona a condenação dos R.R. a pagarem ao A. indemnização por danos patrimoniais no valor de €6.035,70, acrescido do valor diário de €182,90, por dia útil, até cumprimento da obrigação de reposição do muro; e nos demais danos que vierem a ser apurados em liquidação de sentença.
Alega, em termos sucintos, que é dono do lote 4, com área de 1.020 m2, sito na Canada das Duras, descrito na matriz predial urbana do concelho da Horta sob o artigo … e descrito na Conservatória de Registo Predial da Horta sob o n.º …/19950906, que foi por si adquirido em hasta pública, o qual confronta a norte com os lotes 5 e 6, sendo o primeiro dos quais pertença dos R.R., constituído por imóvel afeto a habitação, com área total de 949 m2, inscrito na matriz predial urbana do concelho da Horta sob o artigo … e descritos na Conservatória de Registo Predial da Horta sob o n.º …/19950906.
Sucede que, quando o A. solicitou o levantamento topográfico que define a área do lote 4 e das estremas confinantes, de acordo com as peças desenhadas no projeto de licenciamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, e verificou que os muros da vedação construídos pelos proprietários do lotes 5 e 6 não respeitavam os alinhamentos previstos nesse projeto de licenciamento, havendo um afastamento de 38,80 metros junto ao limite da via de circulação da Canada das Duras, ocupando o lote 5 atualmente uma área de 960 m2, quando deveria ter apenas 949 m2, sendo uma faixa de 26 m2 pertencentes ao prédio do A..
Pretende assim que, ao abrigo dos Art.ºs 1311.º e 1305º do C.C., conjugado com o Art.º 7.º do C.R.P., se reconheça o seu direito de propriedade e que os R.R. restituam a parte que ilegitimamente ocupam, indemnizando o A. pelos prejuízos causados, pois está impossibilitado de executar a obra de construção licenciada para o seu lote sem que seja reposto o muro no seu alinhamento devido e com remoção das suas sapatas, tendo o seu empreiteiro já solicitado a suspensão da respetiva empreitada, o que tem um custo diário de €155,00, mais IVA de 18%, num total de €182,90.
Regularmente citados, os R.R. contestaram requerendo logo a intervenção principal provocada da Região Autónoma dos Açores – Direção Regional do Orçamento e Tesouro e suscitando a questão prévia do valor da ação. Quanto ao mais, admitindo o direito de propriedade do A. sobre o mencionado lote 4, impugnaram os seus limites e o historial de aquisição do terreno, apresentando o seu relato no que toca à aquisição do lote 5 e respetiva edificação. Sustentaram ainda que, mesmo que se tenha por procedente a pretensão do A., sempre estariam verificados os requisitos da acessão industrial imobiliária ou da usucapião. Nessa medida, pugnam pela improcedência total dos pedidos, com exceção da declaração da propriedade do A..
O incidente de intervenção principal provocada deduzido pelos R.R. foi indeferido, vindo posteriormente a ser decidido o incidente do valor da ação que fixou o valor da causa em €7.275,75.
Designada diligência para conciliação das partes, que não foi possível, determinou-se então a realização oficiosa de perícia colegial.
Apresentado o competente relatório pericial, foram apresentadas reclamações e solicitados esclarecimentos.
Entretanto, realizou-se audiência prévia, tendo o A. sido convidado a pronunciar-se especificamente sobre a matéria de exceção que não se mostrava devidamente individualizada pela R., bem como a concretizar, querendo e em face do decurso do tempo, os danos invocados na petição inicial.
O A. ofereceu então articulado de ampliação do pedido por danos patrimoniais, que passou de €6.035,70 para €6.950,20, tendo em atenção o valor diário de €182,90, entretanto já decorrido até 1 de dezembro de 2018, sendo que o A. teria sido obrigado a alterar o projeto quanto a uma estrutura do betão armado, por estar impossibilitado de fazer a construção nos alinhamentos anteriores, havendo um diferencial que importava em €28.104,45. Em conformidade, pediu que os R.R. fossem condenados, por danos patrimoniais, no valor de €35.054,65 e que fosse corrigido o valor da ação.
Após contraditório, a ampliação do pedido e da causa de pedir foi admitida, mas o valor da ação foi mantido, fixando-se então os temas da prova e o objeto do litígio.
Entretanto, admitidos os meios de prova requeridos pelas partes, designou-se audiência final e, após a produção da prova e discutida a causa, veio a ser prolatada sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por provada, nos seguintes termos:
«a. declara-se que o Autor é dono e legítimo proprietário do prédio designado por lote 4, com a área de 1.020 m2, sito na Canada das Dutras – Rua …, inscrito na matriz predial urbana da Matriz e concelho de Horta sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Horta sob o nº …/19950906 (com registo de aquisição a favor do Autor pela Ap. 3162 de 2017/01/25), com a área total de 1.020 m2, por ser possuidor de título legítimo;
«Condenam-se os Réus L…M… e R…M…, por si e na qualidade de únicos herdeiros de M…M… a:
«b. demolir o muro que divide o seu lote do do Autor, incluindo as sapatas do mesmo e sebes que se mostrem plantadas no terreno do Autor;
«c. edificar muro na estrema do seu prédio observando um alinhamento da estrema sul do lote 5 e lote 6 confinante com a estrema norte do lote 4 que consista num segmento reto entre o início do lote 5 na Rua … e a marcação de um afastamento de 38,80m ao limite da via de circulação da Canada das Dutras na estrema nascente do loteamento (correspondente a 2,00m do estacionamento norte contiguo à Canada das Dutras + 3,00m do correspondente passeio e de + 33,80m correspondente ao comprimento da estrema nascente do lote 6), nos termos na peça desenhada n.º 5 intitulada “Planta do Loteamento” do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995;
«Absolvendo-se os Réus do demais peticionado».
É dessa sentença que a R., L…M…, por si e, na dupla qualidade de herdeira e de legal representante de seu filho menor, R…M…, enquanto únicos herdeiros de M…M…, veio interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
1. A Sentença recorrida declarou que o A. era dono e legítimo proprietário do prédio-lote 4, sito na Rua …, freguesia da Matriz, concelho da Horta, inscrito na respetiva matriz sob o art.º …º e descrito na CRP da Horta sob o nº …, por ser possuidor de título legítimo, o que aliás a R., nestes termos, nunca contestou.
2. Decidiu igualmente que o A., apesar de ter adquirido um lote não delimitado a Sul (lote 3) e demarcado por muros a Norte (lotes 5 e 6), tinha direito à área precisa declarada no registo predial – 1.020 m2 – e, consequentemente, condenou a ora recorrente a demolir o muro que divide o seu lote, nº 5, daquele, incluindo as sapatas do mesmo e sebes, e ainda a edificar um novo muro na (nova) estrema do seu prédio, parte da Sentença (als b) e c)) de que aqui se recorre.
3. O cerne da ação reconduziu-se à comparação “técnica” entre uma planta de loteamento de 1995 (da autoria da Câmara Municipal da Horta) e um levantamento topográfico de 2018 efetuado pelo A., e às inúmeras “respostas” de uma perícia colegial, em detrimento de uma justa composição do litígio.
DA MATÉRIA DE FACTO:
4. A recorrente optou por não revisitar toda a prova gravada na audiência de discussão e julgamento, pois as desconformidades essenciais prendem-se com questões de Direito.
5. Todavia, do mero cotejo entre os factos provados e os factos alegados nos articulados (ainda que aparentemente acessórios ou de carácter instrumental) e respaldados nos documentos juntos aos autos, entendemos que o Tribunal a quo não deu cabal cumprimento ao disposto no artigo 607º, nºs 4 e 5 do CPC, dificultando a ponderação das várias soluções plausíveis de Direito, à luz da realidade económico-social e das regras da experiência comum.
DOS FACTOS (indevidamente) NÃO CONSIDERADOS, que deveriam passar a constar dos factos provados:
6. 5.1 – Os promotores do loteamento 6/95 foram a Região Autónoma dos Açores, J…Jr. e E…F….
Este facto consta do alegado em 33º da Contestação (assim como dos arts 2º a 6º) e dos documentos juntos aos autos, mormente o alvará de loteamento – doc. 5 junto à PI.
O facto provado em 5 descreve o loteamento 6/95, omitindo apenas os seus promotores, que eram/são os proprietários do anterior terreno rústico (art. 185º freguesia da Matriz) onde incidiu a operação de loteamento, sendo o respetivo Alvará titulado pelos três.
7. 6.1 – O proprietário do lote 3 é a Região Autónoma dos Açores.
Este facto foi alegado em 22º da PI e 19º (e 2º a 6º) da Contestação e consta da certidão de registo predial (doc. 2 PI) e do Título de Alienação (doc. 4 PI).
Em primeiro lugar, sabemos quem são todos os proprietários que confrontam com o terreno do A. (factos provados em 6, 11 e 13), exceto quem é o proprietário do lote 3.
Em segundo, anote-se que os factos articulados na petição inicial sob os artigos 22º a 27º não foram considerados provados, ou melhor, não foram considerados relevantes para a boa decisão da causa, mas o facto do lote do aqui recorrido não estar delimitado a Sul, no confronto com um lote que a Região continua por vender, revela, no mínimo, o desinteresse dos serviços públicos na gestão das suas propriedades e na gestão urbanística, concretamente dos loteamentos por si promovidos e dos consequentes lotes por si alienados, facto da maior importância, como se tentará demonstrar infra.
8. 7.1 - Os Réus adquiriram em 1998 o seu lote a J…Jr e mulher, ele arquiteto, à época, da Câmara Municipal da Horta, e autor de todas as peças desenhadas do processo de loteamento 6/95.
Estes factos foram alegados em 33º da Contestação, nunca impugnados e constam dos documentos juntos aos autos: certidão de registo predial (doc. 6 PI) e alvará de loteamento (doc. 5 PI) e projeto de um loteamento (doc. 9 PI e doc. 2 Contestação).
À semelhança do referido em a), o facto provado em 7 descreve o lote nº 5, propriedade da ora apelante e de seu filho, mas omite o anterior proprietário/vendedor e a sua intervenção no processo de loteamento, diferentemente dos factos provados em 1 a 5, no que respeita ao lote do A..
Ademais, serviria para melhor contextualizar o facto provado em 36 (e de certo modo também o facto provado em 35).
9. 34.1 - …Sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que não lesavam ninguém e como tal exerciam um direito legítimo.
O Facto provado em 34 transcreve os artigos 39º e 40º da Contestação, razão pela qual não se percebe porque é que não foi igualmente dado por provado o artigo 41º da Contestação, todos eles definidores da posse exercida pelos RR no seu prédio.
Embora se possa alegar que se tal posse foi exercida de forma pacífica, não terá havido oposição de ninguém, e que se foi de boa-fé, foi na convicção de que o direito lhes pertencia e não lesavam terceiros, julgamos serem situações diversas que se completam ou se confirmam.
De resto, entendemos ser relevante, que anteriormente à aquisição do lote 4 pelo recorrido, o seu proprietário, RAA, que era o único que de alguma forma se poderia opor ao local em que a apelante construiu o seu muro, nunca o tenha feito.
DOS FACTOS (indevidamente) CONSIDERADOS, que deveriam ser alterados ou eliminados:
10. Facto Provado nº 10, na sua última parte: …”o qual foi finalizado em junho de 2018”
Conforme alegado em 21º e 22º da Contestação, e documento junto sob o nº 1 (impugnando o disposto em 16º a 19º da PI), o levantamento topográfico entregue pelo A. a fim de instruir o seu processo de licenciamento de obras, com vista a edificar a sua habitação, não foi o documento nº 8 junto à PI, realizado (cfr. art.º 17º PI) ou finalizado em junho de 2018, mas sim aquele, de fevereiro de 2017, onde nenhuma discrepância de áreas foi assinalada.
Pese embora o Mmº Juiz a quo discorra sobre a impugnação de documentos e a forma incorreta como ela foi levada a cabo, s.m.o., neste particular, não se tratou de impugnar a letra ou a assinatura do documento ou sequer de atacar o teor técnico do seu conteúdo, mas tão só de alertar o Tribunal de que não tinha sido aquele concreto documento a alertar o A. para as supostas desconformidades de estremas, o mesmo é dizer, que o documento nº 8 junto à PI foi feito a posteriori de outro (doc. 1 junto à Contestação, que este, sim, deveria então ter alertado o A.), com o intuito de justificar desconformidades de áreas, verificadas apenas aquando do início da construção da sua moradia, em junho de 2018.
Por conseguinte,
A Sentença deveria ter registado o facto de terem sido realizados pelo menos dois levantamentos topográficos pelo A., um em fevereiro de 2017 que deu entrada na CMH e outro em junho de 2018 que serviu de suporte ao pedido de reivindicação.
E no mínimo, o facto provado em 10 devia ser alterado, terminando em “e lotes 5 e 6 a Norte”.
11. Ora da forma como toda a prova se encontra estruturada, o facto provado em 11 devia ser igualmente alterado, passando então a ter a seguinte redação:
 “O A., com base num levantamento topográfico finalizado em junho de 2018, verificou que os muros de vedação construídos pelos proprietários dos lotes 5 (lote dos Réus) e 6 não estavam a respeitar os alinhamentos de estremas previstos nas peças desenhadas que constam no projeto de licenciamento nº 6/95 de 11 de agosto de 1995, e contatou pessoalmente a Ré, L…M…, e informou-a que o muro erguido por esta não estava a respeitar os limites previstos no loteamento”.
12. Facto Provado nº 20
Não se entende qual a relevância do facto provado em 20, para uma justa decisão da causa, bem pelo contrário.
Sendo verdade que o seu teor foi escrito pelo arquiteto da obra da Ré no respetivo Livro de Obra, ele por si só nada prova e a intenção com que ele foi aduzido pelo A. em 36º da PI, foi impugnada em 44º da Contestação.
Com efeito, esta menção foi aposta no Livro de Obra a 20 de fevereiro de 2000, precisamente o dia em que se iniciaram os arranjos exteriores (cfr. facto provado 19 e doc. 13 PI), pelo que a observação “pequenas diferenças” nunca se poderia referir à implantação do muro…
Deste modo, deveria ser eliminado dos factos provados.
13. No nosso entender, com relevância para a boa decisão da causa, estes (novos) factos, articulados entre si e ambos em articulação com os demais, designadamente com os factos provados em 5, 7, 8, 10, 33, 34, 35 e 36, reforçavam o seguinte juízo (que se retomará infra na impugnação da matéria de direito), diverso daquele que veio a ficar plasmado na Sentença recorrida:
14. A aqui recorrente adquiriu em 1998 a J…, promotor do loteamento 6/95 e autor das respetivas peças desenhadas, o lote 5 (facto provado em 7, que se explicitaria com 5.1 e 7.1), lote este já demarcado (facto provado em 36), pelo que não teve qualquer necessidade de mandar realizar um levantamento topográfico (facto provado em 35).
15. Por seu turno, o aqui recorrido adquiriu o lote nº 4 em hasta pública à RAA em dezembro de 2016 (facto provado em 2), mas o mesmo encontrava-se apenas delimitado a Norte pelos muros dos lotes nºs 5 e 6 (facto provado em 8), tendo a construção do muro do lote 5 sido finalizada em abril de 2000 (facto provado em 21).
16. O lote do A. não se encontrava demarcado a Sul com o lote nº 3 (factos provados em 8 e 10) e este (lote nº 3) permanece desde 1995 na propriedade da RAA, uma das promotoras do loteamento (5.1 e 6.1) e os seus representantes, durante mais de 16 anos (desde 28.4.2000 até 13.12.2016), nunca se queixaram ou por alguma forma se opuseram quanto ao local de implantação do muro divisório da ora apelante (34.1).
17. Nem o A. se queixou junto da Ré, desde a aquisição do seu lote em 2016, passando pela instrução (com o respetivo levantamento topográfico do terreno) do seu pedido de licenciamento de obras junto da CMH, até ao verão de 2018, altura em que começou a construir a sua casa (factos provados em 2 e 9 e, preferencialmente reformulados, 10 e 11, e 12).
DA MATÉRIA DE DIREITO:
18. A Sentença refere que, tratando-se de uma típica ação de reivindicação, e não restando dúvidas de que o A. é o proprietário do lote 4, a polémica jurídica emerge da sua concreta área, considerando que o registo predial atesta 1.020 m2, mas existe “um segmento de terreno que se encontra ocupado – e devidamente delimitado por um muro – pelo lote 5”.
19. Desde logo, repare-se, que em momento algum a Sentença refere a área que se encontra em falta no lote do A. por estar indevidamente localizada no lote da Ré.
20. Tão-somente se dá por provado o facto nº 16, o qual, em rigor, só atesta que, do limite da via de circulação da Canada das Dutras ao exterior do muro da R., na intersecção das estremas Sul e Este, existe uma distância de 39,80 m, em vez de 38,80 m conforme facto provado em 15.
21. E segundo este facto (nº 15) também ficou provado que, depois da via e do passeio, o terreno teria de medir, em linha reta, 33,80 m.
22. Mas ficou igualmente provado que “no projeto de construção da piscina (…) é representado o comprimento da estrema nascente do lote 5 com o valor total de 33,92 m entre os limites norte e sul” (facto provado nº 25).
23. Ou seja, existindo um único ponto de referência para se traçar a estrema a Sul do lote 5 (limite da via de circulação), que não é sequer um “ponto fixo inalterável”, o Tribunal a quo focou-se apenas em centímetros e metros, em retas e afastamentos, desvalorizando a análise crítica do conjunto de toda a prova, e mesmo no que respeita à prova documental – essencialmente planta de loteamento de 1995 e levantamento topográfico de 2018 efetuado pelo A.,
24. Interpretou ambos os documentos como se tivessem sido produzidos com o mesmo objetivo, na mesma altura e com recurso às mesmas técnicas, ferramentas e equipamentos,
25. E sobretudo, como se nos anos 90 a implantação de “pontos” num terreno irregular e em declive fosse (ou melhor, pudesse ser) precisamente igual à operação de desenhar “pontos” numa folha de papel.
26. Na verdade, para o Mmº Juiz a quo, “trata-se de traduzir num concreto segmento de terreno as concretas medidas de um concreto projeto” (cfr. pág. 14 Sentença).
27. Todavia, esta tarefa, nem para três engenheiros civis de profissão, se mostrou de muito fácil concretização….
28. Com efeito, se atentarmos nas respostas dos Peritos, o lote 5 teria a área de 958,90 m2 (mais 9,90 m2 do que os 949 m2 registados) e as 12 sapatas que servem de alicerce ao muro, ocupariam no subsolo do lote 4 e a uma profundidade média de 1 m, 4,80 m2 (cfr. Relatório Pericial de 15 de fevereiro de 2021, quesitos 3 a 5, 8, 9, 11, 12 e 14).
29. Mas após exaustivas reclamações do A, muitas das respostas vieram a merecer teor diferente (cfr. Relatório Pericial Modificado de 1 de junho de 2021), se bem que tenham mantido a área (indevidamente) ocupada pelo lote da ora apelante, área esta que o Mmº Juiz a quo optou por nunca referir na Sentença.
30. No entanto, mesmo as “Medidas dos Peritos”, foram sempre retiradas do papel, da comparação entre a Planta de loteamento de 1995 e um (outro) levantamento topográfico, supostamente realizado após o levantamento topográfico do Autor, e executado pelo departamento de Obras Públicas sediado na cidade da Horta, do Governo Regional dos Açores.
31. Ora, a nosso ver erradamente, o Mmº Juiz a quo partiu logo da premissa de que o terreno do Autor não tinha a área registada, mas tinha de a ter.
32. Desta forma, nem sequer ponderou a versão defendida pela Ré e sobejamente descrita na doutrina e na jurisprudência, de que o registo predial não é “constitutivo”, pelo que o facto de o Autor ter adquirido um lote com a área de 1.020 m2, não lhe conferia a garantia que o lote tivesse de ter rigorosamente 1.020 m2.
Efetivamente,
33. “O registo predial, cujo objeto são factos jurídicos, tem por escopo principal dar a conhecer aos interessados a situação jurídica do bem, garantindo a segurança e genuinidade das relações jurídicas que sobre ele incidam, assegurando que, em regra, a pessoa que se encontra inscrita adquiriu validamente esse direito e com esse direito permanecerá para os seus futuros adquirentes. (…) Com efeito, as descrições predial, a matricial ou a notarial de um prédio, pese embora constituam elementos (enunciativos) importantes de identificação, não servem, exclusivamente, para a exata determinação física ou da real situação desse prédio, enquanto unidade fundiária contínua” (Ac. de Revista do STJ de 5.5.16).
34. Ou, segundo Oliveira Ascensão, “Se bem que, de acordo com o estatuído no art.º 7.º do Código do Registo Predial, a inscrição no registo predial faça presumir a titularidade do direito de propriedade, o certo é que essa presunção não abrange a área ou a definição da delimitação física do prédio. Afigura-se-nos ser entendimento pacífico que a presunção resultante da inscrição do direito não abrange a área, limites, estremas ou confrontações dos prédios descritos no registo pois que o registo predial, que não é constitutivo, não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio” (Direito Civil – Reais, pág. 352).
35. Se ambas as partes, por raciocínios diversos, consideram que aquela faixa de terra (nem sequer concretizada na Sentença, mas delimitada por muro, pertença da Ré), lhe pertence em exclusivo, e se obviamente só a uma delas pode pertencer, julgamos que o recurso à presunção do registo não se pode aqui aplicar.
36. Pelo que a Sentença violou o artigo 7º do Código do Registo Predial, interpretando-o de forma errada, ao assumir que o lote nº 4, adquirido pelo A., tinha de ter forçosamente a área de 1.020 m2, e como tal só considerou relevante para a boa e justa decisão da causa, a prova documental e a testemunhal que corroboraram aquela conclusão.
37. Por outro lado, e conforme todo o exposto anteriormente, a Ré sempre alegou uma versão diferenciada dos acontecimentos, com consequências jurídicas diversas, não obstante admitir, em última instância, que se porventura houve alguma pequena divergência na implantação do muro na estrema Sul do seu prédio, confrontante com a estrema Norte do prédio do Autor, ela já teria adquirido tal segmento de terreno,
38. Invocando assim exceções perentórias, como causas impeditivas da procedência do pedido do A., designadamente a acessão, que se desenhava nos quesitos formulados para a Perícia, e mormente a usucapião.
39. E ultrapassada a questão, que o Mmº Juiz a quo julgou pacífica, “da contestação-reconvenção e da contestação-defesa por exceção perentória” (cfr Manuel de Andrade, Manual de Processo Civil, 2ª ed. Coimbra Ed, págs 322 e segs), foram dados por provados os seguintes factos:
“33. Há mais de 18 anos, que a Ré, e até 2007 com seu marido e desde 2005 também com seu filho, vivem na habitação ali construída, utilizando e cuidando do jardim e de todos os espaços exteriores;
34. À vista de toda a gente, de forma pública, pacífica, contínua, ininterrupta e de boa-fé.”
E deveria ter sido dado igualmente por provado o disposto supra em 9.:
“34.1 - …Sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que não lesavam ninguém e como tal exerciam um direito legítimo”.
Foi ainda dado como facto provado:
“21. Do livro de obra consta que no dia 28 de abril de 2000 os muros dos arranjos exteriores ficaram concluídos, à exceção do muro confinante com a estrada”.
40. Nesta conformidade, provada estava a forma originária de aquisição do direito de propriedade sobre tal segmento de terreno, por usucapião, nos termos do disposto no artigo 1287º do Código Civil, assim impedindo o efeito pretendido pelo A. e, em última análise, assim justificando Decisão diversa da proferida.
41. Não obstante, o Mmº Juiz a quo entendeu que tal implicaria “a violação de disposições imperativas e de ordem pública, tendo presente que se trataria de uma alteração ao que se mostra determinado no respetivo alvará e projeto de loteamento” (cfr. pág. 17 Sentença, penúltimo parágrafo).
42. Admitindo a Decisão recorrida que “a jurisprudência se divide de forma relevante” nesta matéria, abstemo-nos aqui de analisar todos os respetivos Acórdãos que se debruçam sobre o tema, muitos deles invocados na douta Sentença.
43. No entanto, por muito similares que sejam os termos e expressões utilizados em tais arrestos, há que caracterizar minimamente os casos.
44. Ora, o Ac. do STJ de 3.12.2019, no proc. 1102/03.7TBILH.C1.S1, referenciado na Sentença, trata de um caso diverso, em que há centenas de metros quadrados que invadem o prédio do respetivo Autor, inserido em área de Reserva Agrícola Nacional, por ato deliberado do loteador, que “autorizou” os vários RR, proprietários dos 3 lotes contíguos, a demarcarem as suas estremas em desconformidade com os termos do respetivo alvará de loteamento, e ali a edificarem, pelo que necessariamente improcederam os pedidos de acessão imobiliária.
45. É pois por isto que no citado acórdão se pode ler (sublinhado nosso), antes da passagem descrita na Sentença de que ora se recorre: “Tal significa que, na hipótese dos autos, não estamos confrontados com um «conflito de vizinhança» emergente de mero erro material de medição e definição das extremas dos prédios, mas com uma situação de fraude à lei (…) contornando as áreas imperativamente definidas no respetivo alvará , consolidando-se, sem mais, tal situação com a ocupação, aproveitamento e utilização pelos interessados…”
46. Por outro lado, atribuir preponderância às normas de interesse público e de gestão urbanística no caso vertente, era não só injusto, como socialmente despropositado e totalmente penalizador para os interesses dos privados face à atuação e ao exemplo dado pelos poderes públicos.
47. Efetivamente, a Ré adquiriu o seu prédio por compra em 1998, construiu a sua habitação e implantou os seus muros nos limites do seu lote, de acordo – ou pelo menos assim julgou, de boa-fé – com as medidas constantes do alvará de loteamento, até porque traduzidas na demarcação prévia já existente no local (facto provado 36).
48. Ao passo que o Autor, que viu a zona (e o muro) antes de licitar no ato de arrematação, adquiriu o seu lote, em dezembro de 2016.
49. É verdade que o adquiriu a uma entidade pública, a RAA, mas não é menos verdade que optou por confiar e posteriormente exigir aquilo a que se acha com direito, à vizinha.
50. Ora, no que respeita a interesses públicos, a RAA, promotora do loteamento e vendedora do lote 4, foi sua proprietária (e igualmente dos lotes 2 e 3) durante 21 anos, sem demonstrar a mínima preocupação pela gestão da coisa pública, quer em relação à Ré, apurando, na qualidade de proprietária confinante, se o muro estava executado de acordo com as regras do loteamento, quer em relação ao A. ou a qualquer outro putativo comprador, diligenciando na demarcação dos lotes postos à venda com recurso a hasta pública e apurando se efetivamente as áreas, confrontações e demais elementos prediais estavam atualizados e conformes aos títulos.
51. No caso dos autos, e por maioria de razão, justificar-se-ia dizer como no Ac. do STJ de 6.4.17, proc. 1578/11.9TBVNG.P1.S1: “não se argumente (…) com o interesse público que as leis referentes ao loteamento visam satisfazer. É que também as regras da usucapião são determinadas por razões de interesse público consistente na defesa da paz pública”.
52. De resto, não estamos em presença de qualquer obra clandestina ou de qualquer operação urbanística ilegal, conforme é até sustentado no Ac. do TRG, de 1.2.18, proc. 505/15.9T8BCL.G1.
53. Acresce que, aceitando que aquilo que porventura ocorreu foi um erro de medição, ainda assim estamos na presença de escassos 9 ou 10 metros quadrados (menos de 1% da área do lote), diluídos num estreitíssimo triângulo ao longo de praticamente toda a estrema a qual se desenvolve ao longo de mais de 30 ml.
54. E numa zona aliás onde a construção é proibida, dado o afastamento mínimo de 4 metros a ambas as laterais do lote 4 (cfr. alvará de loteamento, doc. 5 junto à PI e artigo 54º Contestação, ainda que este facto também não tenha sido considerado relevante na Decisão recorrida, tendo ao invés sido dado por provado o facto 29).
55. Razão pela qual também sempre se sustentou, ao abrigo do disposto no artigo 1344º/2 do Código Civil, que o Autor não tinha qualquer interesse em impedir a manutenção das sapatas de suporte do muro da Ré, que eventualmente estejam enterradas no subsolo do seu lote.
56. Pelo que a Sentença recorrida violou o disposto no artigo 1287º do Código Civil (e artigos 1251º, 1258º, 1260º a 1263º/als a) e b),1268º, 1288º, 1294º/1/a) e 1316º, todos igualmente do C.C.), ao considerar existirem condicionantes de natureza urbanística a impedir o reconhecimento da usucapião.
57. Bem como fez uma incorreta interpretação dos diplomas sobre loteamentos urbanos, DLs 448/91, de 29.11 e 555/99, de 16.12, uma vez que a situação dos autos não se reconduz a atos nulos, consentâneos com alterações do respetivo alvará, por violação de normas imperativas,
58. Não se traduzindo, portanto, na expressão do artigo 1287º do CC “salvo disposição em contrário”.
59. Ora, caso o Tribunal a quo tivesse decidido diferentemente, os contras factos alegados e provados pela Ré teriam outrossim impedido o efeito jurídico pretendido pelo A,
60. E consequentemente a Ré não teria sido condenada a demolir o seu muro, incluindo as sapatas e as sebes e plantas (al. b) parte decisória Sentença).
Sem prescindir,
61. Mesmo que por hipótese a Sentença recorrida venha a ser confirmada, nunca poderá condenar a ora recorrente a “edificar muro na estrema do seu prédio observando um alinhamento (…)”, tenha sido, ou não, pedida pelo Autor.
62. Condenar a demolir o muro ou condenar a proceder a uma nova demarcação no confronto com o prédio do A. segundo as medições que o Tribunal a quo entendeu como válidas, é uma coisa, mas ordenar o direito de tapagem de um prédio privado, i.é., obrigar um cidadão a murar o seu prédio, é outra completamente diferente.
63. Com efeito, dispõe o artigo 1356º do Código Civil: “A todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo”.
64. Pelo que o proprietário também pode optar por não murar, ou por escolher uma forma de tapagem em detrimento de outra, ou até, por nem ter meios económicos que lhe permitam, ou por outra razão qualquer, não tapar o seu prédio de modo nenhum.
65. Consequentemente, a Sentença violou o artigo 1356º do Código Civil, assim como pôs em causa a liberdade pessoal da recorrente, impondo-lhe um ónus e condicionando o modo como deve disfrutar da sua propriedade privada, concretamente, definindo o modo de tapagem do seu prédio, ofendendo direitos consagrados constitucionalmente (cfr. art.ºs 62º/2, 18º e 202º/2 da CRP),
66. Devendo assim esta parte da Sentença (edificar muro), constante da al. c), ser eliminada.
Pede assim que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença e substituindo-a por outra que decrete a absolvição dos R.R. quanto aos pedidos apresentados.
O A. respondeu a essa apelação e apresentou recurso subordinado, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:
1. O Réus inconformados com a Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” (que julgou a ação parcialmente procedente), vêm dela recorrer, de facto e de direito.
2. Desde já, referir que a Sentença Recorrida se mostra devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito (com exceção da parte que o Autor impugna em sede de recurso subordinado).
3. Os factos que os Réus impugnam mostram-se corretamente valorados com respostas devidamente fundamentadas pelo Tribunal Recorrido, factos que só poderão conduzir logicamente à decisão jurídica proferida.
4. Contrariamente ao alegado pelos Recorrente, a Sentença não refere que o Autor tem direito à área de 1.020 m2, mas sim descreve a inscrição do Imóvel e que o mesmo está referido "com área de 1.020m2" - facto provado 1 -, aliás a mesma tipologia de descrição é utilizada para descrever o prédio dos Recorrentes onde refere com uma área total de 949 m2 – facto provado 7. A Sentença não refere que o lote 4 estava demarcado por muros a Norte. Pelo contrário, a Sentença no facto provado 8 refere que “O prédio do Autor (lote 4) não se encontrava demarcado nem delimitado por muros próprios estando apenas construídos os muros de vedação dos lotes 5 e 6”.
5. Com todo o respeito, os Recorrentes fazem uso de uma “técnica” que é a de repetirem muitas vezes a mesma inverdade, que a mesma poderá tornar-se verdade.
6. O cerne da presente ação reconduziu-se entre muito mais, também à comparação entre os alinhamentos de estremas previstos na planta de implantação das peças desenhadas que constam no projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 da autoria, não da Câmara Municipal da Horta, mas sim do Arq. J… Jr., um dos promotores do loteamento 6/95 a par a Região Autónoma dos Açores, e E…F… e a implantação do muro construído pelos RÉUS a Norte do lote 4 e consequentemente a Sul do lote 5 e que não respeita os alinhamentos que assim era obrigado conforme se pôde constatar do LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO efetuado pela DELEGAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS DO FAIAL, documento que a solicitação do Tribunal foi junto aos autos e aceite como válido por ambas as partes e que serviu de base à peritagem colegial, confirmando-se a ocupação indevida de parte do Lote 4 pelos Réus (com medições in loco).
7. A Peritagem foi colegial e unânime em todas as questões a que respondeu, concluindo-se que «bate certo em tudo» menos no muro da Ré, tal como se escreve na sentença.
8. 5.1 – Os promotores do loteamento 6/95 foram a Região Autónoma dos Açores, J… Jr e E…F….
Em nenhum dos documentos referidos, pode ser retirada a conclusão que os promotores eram os antigos proprietários do terreno rústico (art.º 185º freguesia da Matriz) onde incidiu a operação de loteamento.
9. 6.1 – O proprietário do lote 3 é a Região Autónoma dos Açores.
Mais uma vez é falso o alegado pelos Recorrentes. Embora o Tribunal não tenha efetuado uma menção exaustiva a todos os artigos da PI ou da Contestação não é correto afirmar que os artigos 22º a 27º não foram considerados provados, ou melhor, não foram considerados relevantes para a boa decisão da causa, pois na explicação dada ao FACTO PROVADO 16 é bem explicito que a Entidade Pública efetuou o Levantamento Topográfico (confirmado assim o descrito nos artigos 22º e 23º da PI) e que esse levantamento serviu de base à análise e parecer dos peritos e à definição das medidas a considerar para a correta definição da estrema entre os lotes 4, 5 e 6.
Igualmente da explicação dada aos FACTOS PROVADOS 11 e 12 é confirmado o descrito nos artigos 24º da PI nomeadamente que o Levantamento Topográfico efetuado pela Entidade Pública foi entregue à RÉ quando é referido “…Ficaria então por explicar, à luz do alegado pela Ré, por que motivo se falaria do muro em causa, se entregariam cópias de levantamentos topográficos, mas nunca se abordaria a circunstância deste estar mal alinhado ou de ser necessário reposicioná-lo – devida e necessariamente – no terreno dos Réus. Mais ainda se for tido em conta que a Ré de facto reconhece que então lhe foi inclusivamente «entregue um rolo de papel de grandes dimensões», sendo certo – portanto – que apenas se poderá concluir que o manifesto desconhecimento que revela no restante artigo 32.º da Contestação só ao seu desinteresse é imputável.”.
Os artigos 26º e 27º são referentes ao facto de muro erguido pelos proprietários do lote 5 não respeita os alinhamentos nos termos do previsto no projeto loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 (artigo 26º da PI) e que a planta do loteamento do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 (doc. 9) é suficientemente clarificadora no sentido de identificar quais as medidas a adotar para uma correta definição dos limites de cada lote (artigo 27º da PI) O FACTO PROVADO 11 confirma o artigo 26º da PI e o FACTO PROVADO 15 confirma o artigo 27º da PI.
10. 7.1 - Os Réus adquiriram em 1998 o seu lote a Josival Alves Barreto Jr e mulher, ele arquiteto, à época, da Câmara Municipal da Horta, e autor de todas as peças desenhadas do processo de loteamento 6/95.
Em nenhum dos documentos referidos, certidão de registo predial (doc. 6 PI) e alvará de loteamento (doc. 5 PI) e projeto de um loteamento (doc. 9 PI e doc. 2 Contestação), podem ser tiradas as conclusões pretendidas pelos REUS de que o Lote 5 adquirido pelos Réus fosse anteriormente propriedade de J… Jr. e mulher e que o mesmo era arquiteto à época, da Câmara Municipal da Horta.
11. 34.1 - …Sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que não lesavam ninguém e como tal exerciam um direito legítimo.
Não foi dado como provado o 41º da Contestação, nem poderia ser dado como provado, pois o 41º da Contestação refere que "...na convicção de que não lesavam ninguém e como tal exerciam um direito legítimo.". Ora pelo contrário, foi provado que os Réus tinham convicção de que lesavam o direto do proprietário do lote 5 porquanto é dado como provado (FACTOS PROVADOS 19 a 25) que no dia 20 de Fevereiro de 2000 os Réus iniciaram os arranjos exteriores e na execução dos mesmo, verificaram-se "... diferenças entre ... os alinhamentos em obra..." já em maio de 2005 os Réus desenvolveram um projeto de construção de uma piscina, projeto esse aprovado por deliberação camarária como adenda ao processual 01/81/98 tendo sido emitido para efeito o alvará de edificação n.º 238/2005 de 28 de julho de 2005, sendo que nesse projeto os Réus, nomeadamente na peça desenhada n.º 2 referente à planta de implantação, representaram o comprimento da estrema nascente do lote 5 com o valor total de 33,92 ml entre os limites norte e sul. Na realidade, os Réus têm conhecimento que ocupam o valor total de 34,90m conforme é confirmado na resposta dos Peritos ao quesito 17 da perícia colegial e ainda têm conhecimento que edificaram o muro entre os Lotes 4 e 5 com as sapatas enterradas (como tal ocultas) que se projetam para o interior do lote 5 em aproximadamente 50 cm conforme é confirmado pela resposta dos Peritos ao quesito 11 da perícia colegial.
Ou seja, sabendo desde 2000 que ocupavam mais do que poderiam ocupar incluindo com sapatas que estava ocultas, resolveram não declarar no projeto de construção da piscina submetido a licenciamento Camarário em 2005, o comprimento real que ocupam 34,90m, o que obviamente iria revelar a desconformidade com o projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, o que levaria a Edilidade a não aprovar o projeto e obrigar à demolição e correção do alinhamento do muro edificado pelos Réus, optaram isso sim, por inscrever na peça desenhada n.º 2 referente à planta de implantação da construção da piscina apenas uma ocupação de 33,92ml, menos 1 metro do que realmente ocupam e não ultrapassando assim no papel o máximo que lhes era permitido, o que é notório da sua MA-FÉ.
Facto Provado nº 10, na sua última parte: …”o qual foi finalizado em junho de 2018”
12. Nesta sede, os Réus tentam confundir os diversos documentos apresentados e analisados, subvertendo a informação passível de ser extraída, com o objetivo de descredibilizar as provas apresentadas e a justeza da apreciação da prova. Ora o doc. 8 junto à PI, é UM LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO efetuado em junho de 2018 pelo AUTOR, que conforme é referido no disposto no 17º da PI foi com base nesse documento que “ o Autor verificou que os muros de vedação construídos pelos proprietários dos lotes 5 (lote dos Réus) e 6 não estavam a respeitar os alinhamentos de estremas previstos nas peças desenhadas que constam no projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 e serviu para a "...implantação topográfica de todos os vértices que definem a área do lote 4 e consequentemente as extremas confinantes com o lote 3 a Sul e lotes 5 e 6 a Norte com base nas peças desenhadas que constam no projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995". (FACTO PROVADO 10) A correção com que este documento foi elaborado veio a ser confirmada através de um OUTRO LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO efetuado pela DELEGAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS DO FAIAL e requisitado posteriormente pelo tribunal e aceite como válido por ambas as partes, que serviu de base à peritagem colegial e que confirmou a ocupação indevida de parte do Lote 4 pelos Réus.
Em momento algum o AUTOR se refere ao Doc.8 da PI como o levantamento topográfico do projeto de licenciamento da Moradia! já o Doc n.º 1 junto à Contestação dos RÉUS é um TERCEIRO LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO efetuado pelo Arquiteto P…G… em 2017 e apenas para analisar a topografia e orientação cardeal de uma área de terreno e dessa forma definir o melhor enquadramento da construção da moradia unifamiliar, mas que não tem nem nunca teve, a pretensão de enquadrar o Lote 4 dentro do projeto do Loteamento 6/95 e como tal nem sequer estão representados todos os elementos que definem loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995. Os DOIS LEVANTAMENTOS EFETUADOS EM JUNHO DE 2018 - UM PELO AUTOR E O OUTRO PELA DELEGAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS DO FAIAL esses sim é que alertam para a desconformidade da construção do muro edificado pelos RÉUS na sua estrema confinante com o AUTOR.
13. A alteração do FACTO PROVADO 11 requerida pelos RÉUS não tem fundamento, uma vez que o mesmo apenas confirma a realidade passada “Verificando o Autor que os muros de vedação construídos pelos proprietários dos lotes 5 (lote dos Réus) e 6 não estavam a respeitar os alinhamentos de estremas previstos nas peças desenhadas que constam no projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, contactou pessoalmente a Ré, L…M…, e informou-a que o muro erguido por esta não estava a respeitar os limites previstos no loteamento” (FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO – FACTO PROVADO 11 e 12).
14. Do Facto Provado nº 20:
Ao Contrário do que tentado pelos RÉUS O FACTO PROVADO n.º 20 em conjunto com os FACTOS PROVADOS n.º15 a 29 são de grande relevância pois são a demonstração, clara e inequívoca que os RÉUS, desde o início da Construção no seu Lote 5 e mais concretamente do seu muro confinante com o lote 4, sabiam qual a marcação que deveria ser atendida para a correta implantação do mesmo (FACTO PROVADO 15), que na realidade não respeitaram essa marcação (FACTO PROVADO 16), que em 20 de fevereiro de 2000 tiveram conhecimento que não respeitavam a marcação e foi inclusive registado no livro de obra que existia uma diferença nos alinhamentos (FACTO PROVADO 20), além da parte visível do muro também foram construídas sapatas que projetavam ainda mais no subsolo e como tal ocultas para o interior do lote 4 (FACTO PROVADO 29), ao invés de repor a legalidade e corrigir o alinhamento com que edificaram o seu muro, optaram por ocultar tal informação e dessa forma ter obtido o alvará de utilização em 10 de novembro de 2000 (FACTO PROVADO 22), em maio de 2005 aquando do desenvolvimento do projeto para a construção da piscina ao invés de inscrever no projeto os 34,90ml de comprimento entre os limites norte e sul (eu seja comprimento na estrema nascente do lote 5) que realmente ocupavam na parte visível, conforme é patente na resposta dada pelos Peritos ao quesito 18 da Prova Pericial, optaram por inscrever apenas 33,92 ml ocultando mais uma vez que o seu muro confinante com o lote 4 estava a ultrapassar os limites do lote 5 dos RÉUS (FACTO PROVADO 25) e que com essas ações conseguiram durante 18 anos ocupar indevidamente uma parte do lote 4 que não lhes pertence (FACTO PROVADO 33) e que devido a ocultação de tais elementos conseguiram que não houvesse até junho de 2018 a oposição de ninguém (FACTO PROVADO 34), beneficiando para esse efeito que o proprietário do lote 4, até 16 de janeiro de 2017 ser a Região Autónoma dos Açores (FACTOS PROVADOS 2 e 4).
Contudo e no que respeita à BOA-FÉ dos RÉUS há muito que se diga pois se é certo que quando adquiriram o lote 5 o mesmo encontrava-se demarcado com estacas e arame (FACTO PROVADO 36) não tiveram o cuidado de aferir com precisão se essa vedação estava ou não corretamente implantada pois não efetuaram qualquer levantamento topográfico aquando da construção que desenvolveram no lote 5 (FACTO PROVADO 35) e muito menos se explica se construíram de BOA-FÉ atendendo que aquelas estacas de madeira e arame seriam o limite do seu lote, como é que executaram as sapatas projetadas para o interior do lote 4 pois aí já não existia qualquer dúvida que ao colocar as sapatas para lá do limite das marcações que tinham estavam a ocupar o lote 4.
15. O título de alienação foi emitido em 16 de janeiro de 2017 (FACTO PROVADO 4) pelo que a aquisição é nessa data e não em 13 de dezembro de 2016 que é a data da hasta pública (FACTO PROVADO 2).
16. O prédio do AUTOR, lote 4, não se encontrava demarcado nem delimitado por muros próprios em nenhuma das estremas (FACTO PROVADO 8).
17. Não é reclamada a área de 1020m2 mas sim que o muro do lote 5 está mal implantado e que “rouba” 26,74 m2 da área que pertence ao lote 4.
18. É claro e inequívoco no relatório da Perícia, colegial e unânime, em resposta aos quesitos 3 e 11 que o lote 5 ocupa na área visível 959,38 m2 ou seja mais 10,38m2 do que os 949 m2 a que tinha direito e que no sobsolo ocupa uma faixa adicional contigua ao muro com 0,50m correspondente à área afetada onde estão implantadas as 12 sapatas que tem 16,36m2 o que totaliza 26,74m2 de ocupação indevida do lote 4 pela construção do muro do lote 5.
19. Os RÉUS tentam confundir os factos provados para tentarem descredibilizar todo o processo: Os FACTOS PROVADOS 15 e 16 são referentes às marcações que devem ser atendidas para a correta implantação do alinhamento da estrema sul do lote 5 e lote 6 confinante com a estrema norte do lote 4 informação que pode ser extraída da peça desenhada n.º 5 intitulada “Planta do Loteamento” do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, no caso um segmento reto entre o início do lote 5 na Rua … e a marcação de um afastamento de 38,80m ao limite da via de circulação da Canada das Dutras na estrema nascente do loteamento (FACTO PROVADO 15).
20. Na realidade os RÉUS não respeitaram a marcação de um afastamento de 38,80m na estrema nascente do loteamento a que estavam obrigados, mas sim construíram com uma marcação de 39,80m na estrema nascente do loteamento (FACTO PROVADO 16) o que leva naturalmente a que entraram para dentro do Lote 4. Já o FACTO PROVADO 25 não é referente à marcação na estrema nascente do loteamento que deve ser atendida para a correta implantação alinhamento da estrema sul do lote 5 e lote 6 confinante com a estrema norte do lote 4, mas apenas sim ao comprimento da estrema nascente do lote 5, que a esse propósito os RÉUS aquando da elaboração do projeto de construção da piscina em maio de 2005 nomeadamente na peça desenhada n.º 2 referente à planta de implantação, representaram o comprimento da estrema nascente do lote 5 com o valor total de 33,92 ml entre os limites norte e sul (FACTO PROVADO 23 a 25) quando na realidade comprimento da estrema nascente do lote 5 mede 34,90ml , conforme é patente na resposta dada pelos Peritos ao quesito 18 da Prova Pericial, desta forma os RÉUS e com a inscrição de um comprimento menor do que o real ocultaram de todos que estavam a ultrapassar os limites possível para o seu lote 5.
21. Ficou plenamente demonstrado, quer pela prova documental, quer pela prova pericial e demais prova produzida, que as técnicas que existiam quer à data da elaboração do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, quer à data da construção do muro do lote 5 por parte dos RÉUS quer em junho de 2018, eram as mesmas e conforme foi referido pelo Meritíssimo Juiz em Sentença que “com efeito, e contrariamente ao que foi sendo insistentemente aventado pelos Réus, a operação em causa não se envolve em abstração ou imperscrutabilidade, trata-se, repete-se, tão-somente, de traduzir num concreto segmento de terreno as concretas medidas de um concreto projeto. E, nesta operação, não existe margem de erro atendível, trata-se de, com base no sistema métrico e com utilização de um engenho adequado, medir a distância entre dois pontos físicos. No caso dos autos, então, implicará medir certa distância à qual o muro deverá ser construído, sendo que essa dita distância se encontra desde sempre indicada no documento determinante para o efeito: o projeto de loteamento.
22. Ora, a haver divergências entre o papel e o terreno, não se alcança outra explicação que não a de terem sido mal executadas as medições o que acaba até por não surpreender dada a falta de rigor manifestada, no caso, bem mais pelos Réus do que pelo Autor.
23. Note-se que os presentes autos se fundam na constatação do Autor, em momento em que dá início aos mais elementares procedimentos de demarcação, de discrepâncias entre o loteamento e o estado das coisas no local, fundado nomeadamente, num levantamento topográfico que ele próprio promoveu.
24. Pois recuando precisamente aos anos em que, ora o loteamento foi elaborado e aprovado, ora a Ré adquiriu o seu lote, demonstrou-se à saciedade – exclusivamente com elementos probatórios carreados pelos próprios Réus – que estes não realizaram levantamento topográfico e que a demarcação foi feita com estacas e arames, com base em procedimentos necessariamente menos rigorosos que aqueles que o ora Autor viria uns anos mais tarde a adotar.
25. Portanto, a existir falta de rigor na tradução prática das medidas por força dos procedimentos adotados – como insistem os Réus – esta ser-lhes-á manifestamente imputável em face da disparidade dos meios utilizados por estes e pelo Autor.
26. Ademais, não pode deixar de ser notado que – como paradigmaticamente concluiu um dos peritos – o projeto de loteamento e o mais recente levantamento topográfico são por demais eloquentes ao exibir uma total coincidência entre as respetivas linhas, unicamente com exceção do muro que divide os lotes de Autor e Réus.
27. E aqui, repete-se, não se trata de um qualquer exercício subjetivo ou sujeito a uma qualquer margem de erro ou discricionariedade, senão proceder a uma medição simples de certa distância a partir de certo ponto fixo.
28. Ora, confrontada a realidade existente e aquela que devia existir por força do loteamento, identifica-se uma disparidade de marcações que importa corrigir porquanto das mesmas decorre que o Autor se encontra privado de um segmento de terreno que, efetivamente, lhe pertence.
29. Ao contrário do que os RÉUS querem fazer querer, não existem teores diferentes nas respostas dos Peritos.
30. Na resposta ao quesito n.º 3 em 15 fevereiro de 2021 os Peritos indicam os 958,90m2 de área murada ocupada pelo Lote 5, contudo existe um pequeno triângulo junto à Rua …, que não está dentro da área murada pelo Lote 5, mas que também é sua propriedade e foi esse acréscimo de área que foi considerado na resposta dada pelo Peritos ao esclarecimento dado ao Quesito 3, em 1 de junho de 2021 passando área total ocupada pelo Lote 5 a ser de 959,38m3 ou seja mais 0,48m2 do que apenas a área dentro de muros indicada em 15 de fevereiro de 2021. Já quanto ao Quesito 11 o solicitado era a área da faixa adicional ao longo do muro, os Peritos em 15 de fevereiro de 2021 não responderam à área da faixa mas sim e apenas, ao somatório das áreas correspondente ao retângulo ocupado por cada sapata individualmente “O muro foi edificado com sapatas de 0,50mx0,80m para o interior do Lote 4, ocupando a área de 4,80 m2 (área correspondente às 12 sapatas)” Em 1 de junho de 2021 e no pedido de esclarecimento efetuado em que indica que no Quesito 11 o solicitado aos Ex.mos Peritos é qual a área da faixa adicional no subsolo e não o somatório das áreas do conjunto de sapatas, isto porque não sendo um muro edificado com uma sapata continua, a área entre cada sapata individualizada encontra-se condicionada à sua utilização uma vez que não é possível a construção de um muro alinhado nem a colocação de infraestruturas ao longo dessa faixa de terreno afetada pela instalação das sapatas, assim solicita-se ao Ex.mos Peritos que esclareçam (dando resposta cabal ao questionado) qual a área da faixa adicional de 0,50m ao longo de praticamente todo o muro onde se encontram as sapatas. Os Peritos responderam “A área da faixa solicitada é de 16,36 m2, correspondendo a 32,71 m (Cumprimento do muro) x 0,5 (largura ocupada pelas 12 sapatas).”
31. Ou seja, não existem as contradições que os RÉUS pretendem fazer passar e que no fundo tentam apenas “baralhar para reinar e descredibilizar”.
32. A Peritagem nunca teve em conta o LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO realizado pelo AUTOR em junho de 2018, mas sim e apenas o LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO efetuado pela DELEGAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS DO FAIAL também em junho de 2018, e requisitado posteriormente pelo tribunal e aceite como válido por ambas as partes, embora ambos os trabalhos sejam coincidentes, como aliás não poderia deixar de ser pois não se tratam de documentos subjetivos.
33. “As medidas dos Peritos” foram retiradas do papel, confirmadas no local pelos mesmos e com termos de comparação entre as plantas e peças desenhadas do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 e o levantamento topográfico executado pelo departamento de Obras Públicas do Faial e sobre todo esse trabalho refere o Meritíssimo Juiz que “reteve, todavia, o Tribunal uma afirmação do Sr. Perito M…S…, particularmente reveladora e que, ainda que de natureza conclusiva, sintetiza o que de mais relevante apresentam as conclusões da perícia. Assim, atesta que, sobrepondo-se o levantamento topográfico de 2018 e o loteamento «bate certo em tudo» menos no muro da ora Ré.” Ora e em suma é mesmo que dizer que o projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 foi elaborado com todo a exatidão necessária, que no projeto os limites de cada lote estão corretamente definidos, que no projeto as áreas estão bem calculadas e atribuídas a cada lote e a única discrepância que existe é no muro edificado pelos RÉUS que através dessa construção aumentaram a área que estava destinada ao Lote 5 de 949 m2 para um total de 975,74 m2 ou seja mais 26,74m2 correspondendo a 959,38 m2 de área à superfície Resposta aos quesitos 3 e 4 da Prova Pericial e mais 16,36 m2 de área no sobsolo conforme respostas ao quesitos 11 e 12 da Prova Pericial que foram retirar ao Lote 4. conforme respostas aos quesitos 13 e 14 da Prova Pericial.
34. Os RÉUS afirmam que o Meritíssimo Juiz partiu da premissa que o terreno do Autor não tinha a área registada, mas tinha que ter, mas na realidade não é essa a conclusão que se pode tirar! Na Realidade o que é provado, é que os RÉUS ao não cumpriram com as regras de implantação do seu Lote 5 a que estavam obrigados por força do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, (FACTOS PROVADOS 15 e 16) e como tal ocuparam uma faixa de terreno com cerca de 26 m2 que pertence ao Lote 4 e que é essa a faixa que têm que devolver;
35. Ainda que possa ser verdade a hipótese de os RÉUS terem construído os seus muros limites que eram traduzidas na demarcação prévia já existente no local, não ficou explicado com que referências foram as aludidas “estacas” de delimitação colocadas, sendo, contudo, certo que os RÉUS não confirmaram com a diligência que lhes seria exigível por forma de Levantamento Topográfico que as mesmas respeitavam as medidas constantes do alvará de loteamento (FACTO PROVADOS 35 e 36). Mas já quanto à construção das sapatas que se projetam ainda mais no subsolo do lote 4 e como tal ocultas, ocupando uma faixa adicional de 16,36 m2 para lá do limite da alegada demarcação prévia já existente no local que os RÉUS se referem, sobre essa ocupação no sobsolo é por demais evidente que com a construção das sapatas da forma com que fizeram os RÉUS tinham plena consciência que ocupavam indevidamente aquilo que não lhes pertencia mas que ocultaram essa informação e que só veio a ser detetada aquando da abertura das valas para implantação das infraestruturas do lote 4 em junho de 2018 (FACTO PROVADO 29).
36. A área do lote 4 só deixou de estar conforme após os RÉUS terem ocupado indevidamente parte do lote 4 com a construção do seu muro fora dos alinhamentos previstos, isto é fevereiro de 2000, ou seja, há 18 anos e não há 21 anos FACTO PROVADO 20.
37. A Alteração da dimensão dos lotes determinada por uma operação de loteamento sem a respetiva autorização camarária e cumprindo todas os regulamentos aplicáveis é efetivamente uma operação urbanística ilegal.
38. Conforme ficou devidamente provado através da Prova Pericial a área ocupada indevidamente é de 26,74m2 correspondendo ao diferencial de 10,38m2 relativo aos 949m2 a que os RÉUS tinham direito e os 959,38m2 de área que realmente ocupam à superfície Resposta aos quesitos 3 e 4 da Prova Pericial e mais os 16,36 m2 de área no sobsolo conforme respostas aos quesitos 11 e 12 da Prova Pericial ambas as áreas que foram retiradas ao Lote 4. conforme respostas aos quesitos 13 e 14 da Prova Pericial.
39. Os RÉUS insistindo numa narrativa de desvalorização da prova ocultando-as da forma a que lhes dá mais jeito, não mencionam a resposta dada pelos Peritos em 1 de junho de 2021 ao quesito 20 da Prova Pericial em que é questionado “No quesito 20, a questão é apenas se estava previsto o uso da área não sendo questionado se estavam previstas infraestruturas, mas tendo em consideração a resposta dos Peritos, com base nos docs 3 e 4 da contestação (peças desenhadas referentes à edificação de redes de águas, esgotos e estacionamento de veículos do projeto de edificação do lote 4), ou seja infraestruturas, deverá a resposta ser completada pelos Srs. Peritos, para que fique completa. “ tendo sido dada a seguinte resposta unanime “Na folha 24/30 da contestação dos Réus (rede de águas prevista construir do lote 4) prevê tubagens, nomeadamente uma torneira de rega localizada no muro limite entre o lote 4 e o lote 5, e na folha 25/30, da contestação dos Réus (rede de esgotos prevista construir no lote 4) que além de ter uma zona destinada a parqueamento de duas viaturas na faixa existente entre a moradia e o muro limite entre o lote 4 e o lote 5 existe uma rede enterrada de drenagem de esgotos” mais é ainda afirmado pelo Peritos em resposta ao quesito 22 o seguinte” As rede de infraestruturas de águas e esgotos (apresentadas nas peças desenhadas do lote 4 e que constam da contestação dos réus), são redes que implicam a abertura de valas para a sua colocação, deveriam ser executadas, por estarem enterradas, primeiramente à execução da estrutura em betão armado que irá sobrepor essa zona, e ainda estando prevista uma estrutura em consola em betão armado até ao limite do lote 5, torna-se impossível construir esse elemento conforme o previsto em projeto sem ultrapassar a atual delimitação definida pelo muro edificado pelo lote 5, pelo que só após a resolução da contenda é que poderá ser construída a consola até ao limite que vier a ser definido. “FACTO PROVADO 29”. Pelo que NÃO É VERDADE que seja proibida a construção numa faixa com o afastamento mínimo de 4 metros a ambas as laterais do lote 4, mas sim que foi inclusive aprovada pela Câmara Municipal da Horta quando emitiu a favor do Autor o alvará de construção n.º 20/2018 a construção nessa faixa e ao contrário do afirmado o AUTOR tem por força da execução do Projeto Aprovado todo o interesse em impedir a manutenção das sapatas de suporte do muro da RÉUS dentro do seu subsolo.
40. Mas não deixa de ser desconcertante a Argumentação dos RÉUS: o AUTOR não pode e como tal nem terá interesse em construir dentro de uma faixa limite do seu lote 4 e que lhe pertence por direito da aquisição, mas os RÉUS já podem a seu belo prazer construir o que quiserem dentro dessa mesma faixa limite do lote 4 mas que nem adquiriram e como tal nem lhes pertence.
41. Os Réus não tendo deduzido qualquer exceção separadamente, conforme impõe o artº 572º, c) do CPC e menos formulam qualquer pedido de procedência de alguma exceção e nem pedido reconvencional, o Tribunal nem deveria ter-se pronunciado sobre as questões da alegada acessão e usucapião.
42. E mesmo que tivéssemos perante exceções, as mesmas sempre improcederiam, como aliás, improcederam.
43. Os lotes das partes pertencem a um loteamento urbano aprovado por alvará emitido pela edilidade camarária. Não se pode declarar a acessão sobre prédios urbanos e ainda mais, quando estes fazem parte de uma operação de loteamento, que assentam em disposições legais que são de interesse e ordem pública revestindo carácter imperativo…; a acessão não poderá incidir sobre obra ou plantação na qual seja possível separar; a má fé é impeditivo da acessão.
44. No caso, a edificação da Ré inicialmente prevista, teria uma frente virada a nascente com comprimento de 32,25m, conforme planta de implementação do processo de licenciamento da habitação da Ré – doc 1 junto com o pedido de ampliação. Na prática, construiu nessa mesma frente um muro de vedação de 34,90 m, conforme resulta da Perícia (resposta ao quesito 18 da Perícia), ocultando posteriormente aquando da apresentação da planta de arranjos exteriores – vide doc. 16 da petição (construção da piscina) tal ocupação-, tendo apenas inscrito como comprimento ocupado 33,92 m. Denota-se claramente a má-fé porque sabia que ocupava um comprimento superior à dimensão máxima do seu lote (34,40m) e mesmo ao que propôs construir inicialmente.
45. Não se mostram alegados, e muito menos verificados os pressupostos ínsitos nos artigos 1325º, 1339º, 1340º e 1343º do CC.
46. Igualmente, jamais os Réus poderiam adquirir a parcela de terreno por via da usucapião.
47. Para além de inexistência dos fundamentos essenciais da figura da usucapião, referir que tendo o lote adquirido pelo Autor pertencido ao património privado da Região Autónoma dos Açores, o prazo para eventual usucapião, é o previsto na Lei nº 54, de 16 de julho de 1913 (sobre os prazos substantivos ínsitos no CC, acrescem mais metade dos mesmos prazos).
48. Acresce que, dos autos resulta evidenciada uma clara má-fé por parte da Ré na ocupação que vem desde o ano de 2000 pelo que, mesmo a se desconsiderar o prazo referido infra, o prazo para usucapir seria de 20 anos a contar do ano de 2000, prazo esse interrompido com a oposição do Autor manifestada desde o ano de 2018, conforme evidenciam os factos provados 11, 12 e 27.
49. Será assim, de manter inalterada a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido (na parte em que os Réus recorrem), porque a mesma se mostra bem fundamentada (de acordo com a lei, a doutrina e a jurisprudência), não violando nenhuma das normas jurídicas apontadas.
Pede assim a total improcedência do recurso interposto pelos R.R..
Sem prejuízo, o A. também deduziu recurso subordinado, apresentando as seguintes conclusões autónomas a esse respeito:
1º Vem o Autor impugnar os factos não provados sob as alíneas A) e B) da matéria de facto, com base em erro na apreciação das provas factos esses, que conjugados com os demais factos provados pelo Tribunal Recorrido teria de ter como consequência a condenação dos Réus em indemnização ao Autor nos termos peticionados;
2º Também andou mal o Tribunal Recorrido ao não condenar os Réus em sanção pecuniária compulsória e na repartição das custas processuais, assim como na fixação de taxa de justiça complementar de seis UC por força da aplicação do artigo 6º, 1) e tabela I-A do RCP;
3º Com base nos seguintes meios probatórios (sua conjugação com vários factos provados, que também se identificam), devidamente apreciados e valorados, com recurso às regras da experiência e ao senso comum:
factos provados 1 a 14, 16, 27 a 32, documentos 7, 20 e 21 da petição, documentos do requerimento de ampliação da causa de pedir e do pedido de 18.10.2021 – admitido na sua totalidade por despacho de 24.11.2021 (docs. 2, 5, 6A e 6B, 7A a 7C, 8A e 8B, 9A e 9B, 10 e 11), depoimento da testemunha P…C… – vide depoimento gravado e prestado em AJ de 11.03.2022 (entre o minuto 08:30 e 18:40 (20220311150123_12148204_3993025) e declarações de parte do Autor - vide depoimento gravado e prestado em AJ de 11.03.2022 (entre o minuto 26:20 e 1:01:50 (20220311105916_12148204_3993025) e resposta dos Srs. Peritos ao quesito 22, deverá o tribunal dar como provado o seguinte facto:
A. Em face dos constrangimentos causados pelo posicionamento do muro, o Autor realizou alterações ao projeto com vista a permitir a prossecução dos trabalhos.
E ainda provado o facto B, com a seguinte redação:
B. O Autor alterou a estrutura de betão armado da consola para estrutura metálica, que terá um custo acrescido de € 28.104,45.
4º Dos danos apurados no facto provado 31, deverão os Réus ser condenados no seu valor (€ 6.950,20), sendo que os demais custos com os demais danos (que decorrem), em face dos constrangimentos que os muros dos Réus provocaram e ainda originam à obra do Autor, incluindo o do conteúdo do facto B), deverão ser liquidados em sede de execução de sentença, por verificados na íntegra, todos os pressupostos da responsabilidade civil ínsitos no art.º 483º e seguintes do CC e por preenchido o 609º, nº 2 do CPC;
4º Resultando dos factos provados e, consequentemente da decisão, que a edificação do muro dos Réus viola o direito à propriedade do Autor, não se abstendo os Autores de colocar termo a tal ocupação, estamos perante um comportamento pessoal dos Réus, e assim, de um facto infungível, pois apenas aqueles podem repor a situação ilegal pelo que, mantendo-se tal violação, assiste o direito ao Autor/Recorrente ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, que se este computa em € 182,90 diários até a edificação do muro e reposição integral da situação, nos termos definidos na sentença;
5º Andou mal o Tribunal Recorrido ao fixar a repartição da taxa de justiça em 95% para o Autor e 5% para os Réus pelo que, a manter-se a Decisão Recorrida, atenta a finalidade primordial da presente ação, com procedência dos pedidos principais, a repartição das custas deverá ser fixada ao contrário, ou seja, 95% para os Réus e 5% para o Autor;
6º Também deverá ser anulada a fixação de uma taxa de justiça suplementar de seis UC, porquanto não se vislumbra que a complexidade e extensão do presente processo seja anormal. Aliás, a maioria da prova foi produzida por Peritos a quem as partes já pagaram pelo seu trabalho;
7º A Sentença Recorrida, na parte que aqui vai impugnada, fez uma incorreta análise dos factos e aplicação do direito, violando os artigos 341º, 342º, 362º, 392º, 396º, 483º e seguintes e 829º-A do CC e artigos 5º, 410º, 413º e 607º, nºs 3 a 5º e 609º, nº 2 do CPC e artigo 6º, 1) e tabela I-A do RCP.
Pede assim a procedência do recurso subordinado, alterando-se a decisão de facto quanto aos factos não provados a) e b), devendo os R.R. serem condenados nos termos assim defendidos e alterada a condenação por custas proferida pelo tribunal recorrido.
Os R.R. foram notificados das contra-alegações, mas não responderam ao recurso subordinado.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) A reivindicação da parcela de terreno ocupada pelos R.R. tendo como pressuposto saber se ela incide sobre o lote do A.;
c) A aquisição por usucapião (ou por acessão) dessa parcela apesar da desconformidade com licenciamento de loteamento;
d) O direito de tapagem;
e) A responsabilidade civil dos R.R. por danos patrimoniais;
f) A sanção pecuniária compulsória;
g) A responsabilidade por custas; e
h) A aplicação da taxa suplementar estabelecida no Art.º 6.º n.º 1 do R.C.P..
 
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. O A. é dono e legítimo proprietário do imóvel constituído por um terreno para construção designado por lote 4, com a área de 1.020 m2, sito na Canada das Dutras — Rua …, prédio que se mostra inscrito na matriz predial urbana da Matriz e concelho de Horta sob o artigo …. e descrito na Conservatória do Registo Predial da Horta sob o nº …/19950906;
2. O A. adquiriu tal imóvel por "Arrematação em Hasta Publica" à Região Autónoma dos Acores, realizada no dia 13 de dezembro de 2016;
3. O preço da compra foi de €48.648,00;
4. Foi emitido em 16 de janeiro de 2017 e remetido ao A. o título definitivo da alienação;
5. O prédio do A. (designado por lote 4), resultou de uma operação de loteamento, registado na Camara Municipal da Horta sob o n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, sobre o prédio n.º …/230288, com uma área total de 6.823 m2 e que foi dividido em 6 lotes, com as seguintes áreas: Lote 1 — 863 m3; Lote2 — 999 m2; Lote 3 — 1012 m2; Lote 4 — 1020 m2; Lote 5 — 949 m2 e Lote 6 — 816 m2, todos destinados a construção de habitações;
6. O lote 4 confronta a Norte com os lotes 5 e 6, a Sul com o lote 3, a Leste com V… e a Oeste com a Rua ...;
7. O Lote 5 é propriedade dos R.R. e é constituído por um imóvel afeto a habitação, com a área total de 949 m2, sito na Rua …, n.º …, prédio que se mostra inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Matriz e concelho de Horta sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Horta sob o nº …/19950906 (com registo de aquisição a favor da 1.ª Ré e do falecido M…M… pela Ap. 2 de 1998/04/08);
8. O prédio do A. (lote 4) não se encontrava demarcado nem delimitado por muros próprios estando apenas construídos os muros de vedação dos lotes 5 e 6;
9. O A. adquiriu o seu imóvel com vista a edificar uma habitação, para o que, em 21 de junho de 2018, a Câmara Municipal da Horta emitiu a favor do A. o alvará de construção n.º 20/2018;
10. O A. solicitou a implantação topográfica de todos os vértices que definem a área do lote 4 e consequentemente as estremas confinantes com o lote 3 a Sul e lotes 5 e 6 a Norte, o qual foi finalizado em junho de 2018;
11. Verificando o A. que os muros de vedação construídos pelos proprietários dos lotes 5 (lote dos R.R.) e 6 não estavam a respeitar os alinhamentos de estremas previstos nas peças desenhadas que constam no projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, contactou pessoalmente a R., L…M…, e informou-a que o muro erguido por esta não estava a respeitar os limites previstos no loteamento;
12. Mais disse o A. à R. que tal situação o impedia de construir o seu muro no limite do lote 4 e de prosseguir com a obra de edificação da sua moradia;
13. O A. também contatou o proprietário do lote 6, E…F…, comunicando-lhe a mesma situação, tendo sido agendada uma reunião entre ambos;
14. Uma vez apurado que o muro erguido por E…F… invadia a propriedade do A., os intervenientes acordaram na demolição do muro e a respetiva desocupação da parcela ocupada, tendo-se edificado novo muro, respeitando assim as áreas constantes do loteamento;
15. A peça desenhada n.º 5 intitulada “Planta do Loteamento” do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 prevê que o alinhamento da estrema sul do lote 5 e lote 6 confinante com a estrema norte do lote 4 se faz através de um segmento reto entre o início do lote 5 na Rua … e a marcação de um afastamento de 38,80m ao limite da via de circulação da Canada das Dutras na estrema nascente do loteamento (correspondente a 2,00m do estacionamento norte contiguo à Canada das Dutras +3,00m do correspondente passeio e de +33,80m correspondente ao comprimento da estrema nascente do lote 6);
16. O muro da estrema nascente do lote 5 encontra-se construído com base num afastamento de 39,80m ao limite da via de circulação da Canada das Dutras;
17. A construção desenvolvida no lote 5 tem como base o projeto registado com o número processual 01/81/98 e o mesmo teve alvará de construção n.º 32/99 emitido a 02 de fevereiro de 1999, com validade inicial de um ano terminando, em 02 de fevereiro de 2000;
18. No dia 02 de fevereiro de 2000 foi concedida prorrogação do prazo da empreitada de pelo menos 90 dias através do alvará de construção n.º 42/00 o que transferiu o prazo de conclusão da obra para o dia 02 de maio de 2000;
19. Os arranjos exteriores iniciaram-se no dia 20 de fevereiro de 2000;
20. No verso do livro de obra encontra-se registada a verificação de «algumas pequenas diferenças entre as cotas do projeto e os alinhamentos em obra o que originou alterações ao projeto a apresentar»;
21. Do livro de obra consta que no dia 28 de abril de 2000 os muros dos arranjos exteriores ficaram concluídos à exceção do muro confinante com a estrada;
22. Foi concedido o alvará de utilização n.º 123/2000, emitido em 10 de novembro de 2000 da obra da R. edificada no lote 5;
23. Em maio de 2005 ainda no âmbito dos arranjos exteriores a desenvolver no interior do lote 5, foi entregue um projeto de construção de uma piscina;
24. No dia 25 de maio de 2005 por deliberação camarária foi aprovada a construção da piscina como adenda ao processual 01/81/98 tendo sido emitido para efeito o alvará de edificação n.º 238/2005 de 28 de julho de 2005, com validade inicial de um mês terminando, em 28 de agosto de 2005;
25. No projeto de construção da piscina, nomeadamente na peça desenhada n.º 2 referente à planta de implantação, é representado o comprimento da estrema nascente do lote 5 com o valor total de 33,92 ml entre os limites norte e sul;
26. Nessa sequência, foi concedido o alvará de utilização n.º 161/2006, emitido em 20 de julho de 2006;
27. O A. remeteu uma carta à R., L…M…, no dia 17 de setembro de 2018, com uma proposta para resolução da situação relativa ao muro;
28. O A. deu início às obras para edificação de uma moradia no seu lote em momento não concretamente apurado, mas após 21 de junho de 2018;
29. A implantação do muro e respetivas sapatas pelos proprietários do lote 5 dentro do lote 4 impediam a construção física das infraestruturas nos alinhamentos previstos no projeto inicial;
30. Os trabalhos de construção estiveram suspensos entre 9 de outubro de 2018 e 30 de novembro de 2018;
31. Na sequência da suspensão dos trabalhos o A. suportou um valor diário por cada dia útil de suspensão no montante de €182,90, num total de 38 dias - €6.950,20;
32. A obra foi parcialmente concluída, ficando em falta a construção da consola e arranjos exteriores na faixa entre o corpo do edifício da habitação e a estrema norte do lote 4;
33. Há mais de 18 anos, que a R., e até 2007 com seu marido e desde 2005 também com seu filho, vivem na habitação ali construída, utilizando e cuidando do jardim e de todos os espaços exteriores;
34. À vista de toda a gente, de forma pública, pacífica, contínua, ininterrupta e de boa-fé;
35. A R. não realizou levantamento topográfico quando adquiriu o seu lote com vista a construir a sua moradia, no ano de 2000;
36. Aquando da sua aquisição, o lote encontrava-se demarcado com estacas e arame.
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Foram ainda julgados por não provados os seguintes factos:
A. Em face dos constrangimentos causados pelo posicionamento do muro, o A. realizou alterações ao projeto com vista a permitir a prossecução dos trabalhos;
B. O A. alterou a estrutura de betão armado da consola para estrutura metálica, a qual teve um custo acrescido de €28.104,45.

Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Fixadas as questões a apreciar neste recurso, que fazem parte do objeto da apelação, cumprirá agora delas tomar conhecimento pela sua ordem de precedência lógica, começando pelas questões relacionadas com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

1. Da impugnação da matéria de facto.
Os Recorrentes pretendem impugnar a decisão sobre a matéria de facto considerando que a sentença teria sido omissa sobre determinados factos que discriminaram, bem como sustentando que haveriam factos provados que deveriam ser alterados, indicando os concretos meios de prova que no seu entender determinariam decisão diversa e especificando quais as concretas redações que deveriam ter sido atendidas em cada caso.
De igual modo, o Recorrido, em sede de contra-alegações e no quadro do recurso subordinado que deduziu e foi admitido, também pretendeu alterar o julgamento dos factos dados por não provados na sentença recorrida, explicitando quais os concretos meios de prova que, no seu entender, deveriam ser atendidos e conduziriam a decisão diversa, especificando qual a redação que deveria ser fixada como provada.
Apreciando, nos termos do Art.º 662.º n.º 1 do C.P.C., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa. Mas, nos termos do Art.º 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que, ao Recorrido, por contraposição, caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim, a quem apela, específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância, mas concretizando os concretos meios de prova que levariam a decisão diversa e especificando qual a decisão que se impunha em termos factuais.
No caso, em termos genéricos, podemos dizer que ambas as partes respeitaram os ónus de impugnação estabelecidos na lei processual. Pelo que cumpre apreciar as impugnações apresentadas, começando pelas questões suscitadas no recurso de apelação principal.

1.1. Dos factos alegadamente omissos na factualidade provada.
Existe um primeiro conjunto de factos que os Recorrentes entendem que se mostram omissos na factualidade provada e que, no seu entender, seriam relevantes para o conhecimento do mérito da causa, devendo ser aditados ao que já constaria provado nos pontos 5, 6, 7 e 34 da sentença recorrida.
Vejamos então cada uma das situações em causa.

1.1.1. Da identidade dos promotores do loteamento.
Consideram os Recorrentes que deveriam ter sido dado por provado, em complemento ao que consta do ponto 5 dos factos provados pela sentença recorrida que os “os promotores do loteamento 6/95 foram a Região Autónoma dos Açores, J…Jr. e E…F…”, tal como alegado no artigo 33.º da contestação, sendo que esse facto resulta demonstrado pelo documento n.º 5 junto com a petição inicial, que constitui o Alvará de Loteamento. Pretende-se com isto evidenciar que os promotores do processo administrativo de loteamento eram os proprietários do terreno inscrito na matriz sob o artigo 185.º, que foi objeto desse concreto loteamento.
O Recorrido, nesta parte, limita-se a evidenciar que não existe prova documental nos autos de que os promotores do loteamento fossem os proprietários desse terreno.
Apreciando, tendo em atenção a oposição à impugnação apresentada pelo Recorrido, verificamos que os Recorrentes, apesar de se referirem a isso, não pretendem que seja aditado que os promotores eram os proprietários do terreno inscrito na matriz rústica sob o artigo 185.º. Isto sem prejuízo de, nos termos do Art.º 9.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 448/91 de 29 de novembro, que aprovou o regime jurídico dos loteamentos urbanos, se estabeleça muito claramente que: «1- O licenciamento de operações de loteamento é requerido ao presidente da câmara municipal pelo proprietário do prédio ou por quem tenha poderes bastantes para o representar». Ao que acresce que, nos termos do Art.º 29.º n.º 1 al. a) do mesmo diploma, determina-se que o Alvará de Loteamento deve identificar quem é o seu titular.
Por outro lado, não há dúvida que os R.R. terão adquirido, por compra, o seu lote a J…Jr. e sua esposa (cfr. doc. de fls. 21 – certidão permanente da Conservatória de registo predial da Horta relativo ao lote 5), sendo que o primeiro seria, como se verá, um dos “promotores” do processo de administrativo de loteamento, no sentido de que o Alvará de Loteamento foi emitido também em seu nome.
Seja como for, o aditamento aqui pretendido fazer refere-se apenas à identidade dos promotores do loteamento. Ora, esse facto foi efetivamente alegado no artigo 33.º da contestação e o mencionado documento n.º 5, junto com a petição inicial, consta efetivamente a fls. 18, sendo aceito como verdadeiro por ambas as partes.
Ora, nesse documento n.º 5 é dito explicitamente que o Alvará de loteamento n.º 6/95 é emitido em nome de “R.A.A., J…Jr. e E…F…”. Trata-se, portanto, de facto incontrovertido que pode ser aditado, tal como documentado, na própria redação do ponto 5 dos factos provados.
Assim o ponto 5 passará a ter a seguinte redação:
«5. O prédio do A. (designado por lote 4), resultou de uma operação de loteamento, registado na Câmara Municipal da Horta sob o n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, de que resultou a emissão de Alvará de loteamento emitido em nome de “R.A.A., J…Jr. e E…F…”, o qual incide sobre o prédio n.º …/230288, com uma área total de 6.823 m2 e que foi dividido em 6 lotes, com as seguintes áreas: Lote 1 — 863 m3; Lote2 — 999 m2; Lote 3 — 1012 m2; Lote 4 — 1020 m2; Lote 5 — 949 m2 e Lote 6 — 816 m2, todos destinados a construção de habitações»;

1.1.2. Da propriedade do lote 3.
Os Recorrentes pretendem ainda que seja aditado ao ponto 6 dos factos provados que o lote 3 é propriedade da R.A.A.. Mas, com todo o devido respeito, não há qualquer litígio com o lote 3, cuja titularidade é, para o caso, completamente indiferente, sendo que não existe prova documental que certifique que a R.A.A. seja a proprietária atual (à data do presente litígio) desse lote, conforme muito bem realça o Recorrido. Em conformidade, por irrelevância do facto e por falta de prova, julgamos desatender a impugnação nesta parte.

1.1.3. Da data de aquisição do lote 5 pelos R.R. e identidade da pessoa a quem adquiriam, como sendo o autor das peças desenhadas do loteamento 6/95.
De seguida, pretendem os R.R. aditar ao ponto 7 dos factos provados na sentença recorrida que: «Os Réus adquiriram em 1998 o seu lote a J…Jr. e mulher, ele arquiteto, à época, da Câmara Municipal da Horta, e autor de todas as peças desenhadas do processo de loteamento 6/95».
Reforçam que alegaram esse facto no artigo 33º da Contestação e que tal nunca foi impugnado, constando provado por certidão de registo predial (doc. 6 PI), Alvará de Loteamento (doc. 5 PI) e projeto de loteamento (doc. 9 PI e doc. 2 Contestação).
O Recorrido entende que nenhum desses factos pode ser retirado dos documentos mencionados e, por isso, deve ser desatendida a impugnação.
Apreciando, como já vimos, esses factos foram alegados no artigo 33.º da contestação, mas não podem ser tidos como integralmente aceitos por falta de impugnação deles pelo A.. Por um lado, porque não corresponderem a alegação, expressa e devidamente identificada, como exceção perentória. Por outro, porque o tribunal apenas permitiu o exercício do contraditório à matéria dos artigos 36.º e 38.º e ss. da contestação (cfr. despacho a fls. 191 proferido em audiência prévia). Assim, não havendo no caso lugar a resposta à contestação, nesta parte, devem esses factos ser tidos por impugnados, considerando a posição expressa na petição inicial considerada na sua globalidade, por analogia com o disposto no Art.º 574.º n.º 2 do C.P.C. para o caso da contestação. Isto sem prejuízo do que ficou a constar do ponto 7 da sentença recorrida ter sido dado por provado, precisamente, porque se julgou que, nessa parte, as partes estavam de acordo sobre essa matéria. O que agora não pode ser posto em causa, já que não houve impugnação desses concretos factos.
Quanto à prova documental invocada como prova para o aditamento proposto, apenas é certo que os R.R. terão adquirido o lote 5, por compra, a J…Jr. e sua esposa (cfr. doc. de fls. 21 – certidão permanente da Conservatória de Registo Predial da Horta relativa a esse lote), sendo que o registo dessa aquisição data de 8 de abril de 1998 (cfr. “ap. 2 de 1998/04/08” constante do mesmo documento) e, portanto, a escritura de compra e venda, se não foi celebrada em data anterior, é pelo menos contemporânea dessa data.
Evidentemente que o Alvará de Loteamento não prova que J…Jr. fosse autor das peças desenhadas que estiveram na base do processo de loteamento, nem que fosse funcionário da Câmara Municipal, ou arquiteto de profissão. Desse documento apenas resulta que o Alvará foi emitido, entre outros, em seu nome.
O documento n.º 9 junto com a petição inicial (doc. de fls. 22 a 23), é o Alvará de obras de construção n.º 20/2018 e tem dois desenhos (fls. 23 e verso) cuja autoria não está identificada, nem os Recorrentes indicam prova que permita determinar esse facto como verdadeiro.
É certo que que se pode constatar que no documento de fls. 23 verso aparece impresso o nome “J…”, mas não temos como confirmar se essa menção se refere ao mencionado “promotor do loteamento” ou sequer à autoria do desenho.
Já quanto aos documentos juntos com a contestação (que não estão sequer numerados), aparece um desenho a fls. 92 em que também está impresso o nome “J…”, mas o problema coloca-se nos mesmos termos que deixámos consignados relativamente ao documento de fls. 23 verso.
Visto isto, em face da ausência doutra prova que pudesse conduzir a resposta diversa, só poderemos ter por certo o que consta do documento de fls. 21 a 21 verso, donde resulta o registo da aquisição do lote 5, por compra, e o sujeito passivo da transação assim registada.
Atendendo à impugnação, apenas nessa parte, julgamos que pode ficar aditado ao ponto 7 dos factos provados o sujeito passivo desse ato de aquisição por compra. Em conformidade, determinamos a alteração do ponto 7 dos factos provados que passa a ter a seguinte redação:
«7. O Lote 5 é propriedade dos R.R. e é constituído por um imóvel afeto a habitação, com a área total de 949 m2, sito na Rua …, n.º…, prédio que se mostra inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Matriz e concelho de Horta sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Horta sob o nº …/19950906 (com registo de aquisição, por compra, a favor da 1.ª Ré e do falecido M…M… pela Ap. 2 de 1998/04/08, sendo sujeitos passivos desse ato: J… Jr. e esposa)»

1.1.4. Da posse pública, pacífica e de boa-fé.
Pretendem ainda os Recorrentes relevar que o tribunal deu por provada a matéria dos artigos 39.º e 40.º da contestação, no ponto 34 dos factos provados, mas o mesmo não ocorreu com o alegado no artigo 41.º do mesmo articulado, devendo assim ser aditado ao ponto 34: “… sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que não lesavam ninguém e como tal exerciam um direito legítimo”.
O Recorrido opôs-se a esta parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto fundamentalmente com base nos factos já dados por provados, de onde poderia resultar que os R.R. sabiam desde 2000 que ocupavam mais do que poderiam ocupar, sendo certo que não impugnou os factos já dados por provados em 33 e 34.
Apreciando, com o devido respeito, é claro que a convicção expressa pelo Tribunal Recorrido quanto à decisão sobre a matéria de facto provada no ponto 34 resulta da falta de impugnação desses factos pelo A., que teve oportunidade de impugnar os mesmos (cfr. despacho de fls. 191), mas não o tendo feito. Acresce que agora também não impugnou, em via de recurso, os factos provados em 33 e 34. Portanto está assente a existência duma posse pública, pacifica e de boa-fé, embora o que tivesse ficado consignado no ponto 34 contenha alguns conceitos jurídicos, que, ainda assim, podem ser assumidos como tendo um certo sentido prático-factual.
Deste modo, nesta parte, só conseguimos compreender a impugnação sobre a decisão de facto com o sentido de por ela se visar dar uma maior concretização factual sobre o que seja utilização desse lote “de forma pública, pacífica, contínua, ininterrupta e de boa-fé”, tal como ficou provado no ponto 34 e na sequência do que também consta do ponto 33 dos factos provados. Nessa medida, afiguram-se-nos em grande parte legítimas as precisões pretendidas fazer ao ponto 34, eliminando-se as expressões que pudessem ter um sentido mais conclusivo.
Julgamos por isso alterar a redação do ponto 34 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
«34. À vista de toda a gente, de forma pública, pacífica, contínua, ininterrupta e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que não lesavam ninguém e exerciam um direito legítimo».

1.2. Dos factos provados que devem ser alterados.
Numa segunda linha, os Recorrentes pretendem alterar a redação de factos provados, por alegada incorreção do julgamento dos mesmos, o que se refere nomeadamente aos pontos 10, 11 e 20, sendo certo que, quanto a este último, o propósito da impugnação é a sua eliminação, pura e simples, por alegada irrelevância.
Vejamos então cada uma destas alegadas situações.

1.2.1. Da data de finalização do levantamento topográfico solicitado pelo A.
No ponto 10 dos factos provados da sentença recorrida ficou assente que: «O A. solicitou a implantação topográfica de todos os vértices que definem a área do lote 4 e consequentemente as estremas confinantes com o lote 3 a Sul e lotes 5 e 6 a Norte, o qual foi finalizado em junho de 2018». Mas, os Recorrentes pretendem que seja eliminada a referência à data de junho de 2018, eliminando-se toda esta última parte do ponto 10, nomeadamente quando se acrescenta: “o qual foi finalizado em junho de 2018”.
Consideram os Recorrentes, como alegaram nos artigos 21º e 22º da Contestação, que o levantamento topográfico entregue pelo A. a fim de instruir o seu processo de licenciamento de obras, com vista a edificar a sua habitação, não foi o documento nº 8 junto à petição, realizado ou finalizado em junho de 2018, tal como alegado no artigo 17.º da petição inicial, mas sim aquele, de fevereiro de 2017, onde nenhuma discrepância de áreas foi assinalada.
Portanto, foram realizados pelo menos dois levantamentos topográficos pelo A., um em fevereiro de 2017, que deu entrada na CMH, e outro em junho de 2018, que serviu de suporte ao pedido de reivindicação nesta ação.
O Recorrido opôs-se à impugnação assim apresentada por considerar que o documento n.º 8, como havia alegado na petição inicial, é o levantamento topográfico efetuado pelo A. em junho de 2018, com base no qual verificou que os muros dos lotes 5 e 6 não respeitavam os alinhamentos das peças desenhadas no projeto de loteamento, o que veio a ser confirmado por outro levantamento topográfico efetuado pela Delegação de Obras Públicas do Faial, que foi aceito pelas partes, e que serviu de base à peritagem colegial, daí resultando a confirmação de que havia uma ocupação indevida de parte do Lote 4 pelos R.R.. O documento 8 não correspondia assim a um levantamento topográfico relativo ao projeto de licenciamento da moradia. Já o documento n.º 1 junto com a contestação corresponde a outro levantamento topográfico, efetuado pelo Arquiteto P…G… em 2017, mas destinava-se apenas para analisar a topografia e orientação cardeal de uma área de terreno e definir o melhor enquadramento da construção da moradia unifamiliar, mas não tem, nem nunca teve, a pretensão de enquadrar o Lote 4 dentro do projeto do Loteamento 6/95, não estando nele sequer representados todos os elementos que definem loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995. Portanto, foram os levantamentos de junho de 2018 e o da Delegação das Obras Públicas do Faial que alertaram o A. para a desconformidade dos muros construídos pelos R.R..
Apreciando, com o devido respeito, não se compreende o sentido da impugnação apresentada, porque o facto impugnado reporta-se claramente ao documento de fls. 22 a 23, datado de junho de 2018, no qual assentou a convicção do Tribunal a quo e donde resultam evidenciadas as discrepâncias verificadas, e não aos documentos de fls. 91, ou 91 verso (não numerados), juntos com a contestação, dos quais não consta sequer data visível que os possa situar no ano “2017”, nem qualquer situação relacionada com divergência com os desenhos das estremas do Alvará de Loteamento aqui em causa. Diremos assim que, neste contexto, a existência do levantamento topográfico de 2017 é, para o caso, completamente irrelevante, sendo que o facto provado reflete o que foi alegado pelo A. nos artigos 15.º a 17.º da petição inicial e está conforme com a prova documental a que o mesmo se reporta, o que não é posto em causa pela impugnação apresentada. Pelo que, motivos não vemos para eliminar a parte final do ponto 10 dos factos provados, tal como proposto pelos Recorrentes.

1.2.2. Da alteração ao ponto 11 dos factos provados.
Os Recorrentes pretendem depois que seja alterada a redação do ponto 11 por forma a evidenciar que foi com base no levantamento topográfico de junho de 2018 que o A. verificou que os muros de vedação construídos pelos R.R. não respeitavam os alinhamentos das estremas previstos nas peças desenhadas no projeto de licenciamento n.º 6/95. Mas, como todo o devido respeito, a nova redação proposta, na verdade nada altera de relevante ao que já consta por provado no ponto 11. Nessa medida, julgamos que a impugnação improcede também nesta parte.

1.2.3. Da irrelevância do ponto 20 dos factos provados.
Finalmente, os Recorrentes pretendem que seja eliminado dos factos provados o ponto 20, por considerarem que esse facto é completamente irrelevante.
O Recorrido, pelo contrário, entende que esse facto é da maior relevância, porque, conjugado com os factos 15 a 29, constituem a demonstração, clara e inequívoca, que os R.R., desde o início da construção no seu Lote 5 e, em particular do seu muro confinante com o lote 4, sabiam qual a marcação que deveria ser atendida para a correta implantação do mesmo, que não respeitaram essa marcação, tal como provado nos pontos 15 e 16, e que em 20 de fevereiro de 2000 tiveram conhecimento que não respeitavam a marcação e foi inclusive registado no livro de obra que existia uma diferença nos alinhamentos (cfr. facto provado 20).
Apreciando, a oposição do Recorrido diz tudo o que a propósito se poderia dizer. É evidente que o facto dado por provado tem a sua relevância instrumental, nomeadamente quanto à possibilidade de os R.R., através do responsável pela obra de edificação dos muros de vedação do seu lote, poderem vir a saber que, desde a sua origem, não respeitavam as estremas fixadas no processo de loteamento. Se o facto, tal como provado, é suficiente para se chegar a tal conclusão é algo que já tem a ver com a apreciação do mérito da causa e que não interessará para já aprofundar.
Estamos, portanto, perante facto com alguma relevância, que resulta dos registos constantes do livro de obra (pág. 14 e 17 do ficheiro – “pdf” de ref.ª n.º 2893919 – p.e.) e, em rigor, não foi posto em causa como correspondendo à verdade. Assim, sendo um facto verdadeiro e com potencial relevância, deve subsistir nos factos provados, improcedendo a impugnação nesta parte.

1.3. Dos factos não provados nas alíneas A) e B).
O Recorrido, no quadro da relevância do recurso subordinado por si interposto, também impugnou a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que os dois factos julgados por não provados na sentença recorrida, nas alíneas A) e B), passassem a figurar nos factos provados.
Em causa está que foi dado por não provado que:
«A. Em face dos constrangimentos causados pelo posicionamento do muro, o A. realizou alterações ao projeto com vista a permitir a prossecução dos trabalhos;
«B. O A. alterou a estrutura de betão armado da consola para estrutura metálica, a qual teve um custo acrescido de €28.104,45».
Esta matéria releva para a apreciação do pedido de indemnização por danos patrimoniais formulado pelo A., por este ter sido obrigado a suspender os trabalhos de construção no seu lote, tendo ficado assente que o A. iniciou obras após 21 de junho de 2018 (facto 28), mas como a implantação do muro dos R.R., e respetivas sapatas, estava dentro do lote do A. e impediam a construção física das infraestruturas nos alinhamentos previstos no projeto de construção inicial promovido pelo A. (facto 29), os respetivos trabalhos de construção tiveram de ser suspensos entre 9 de outubro de 2018 e 30 de novembro de 2018 (facto 30), tendo o A. suportado o custo diário dessa suspensão (facto 31). Sendo certo que a obra foi parcialmente concluída, ficando em falta a construção da consola e arranjos exteriores na faixa entre o corpo do edifício da habitação e a estrema norte do lote 4, pertencente ao A. (facto 32).
O Tribunal a quo fundamentou a sua convenção, quanto a todos estes factos em conjunto com a matéria de facto provada, nos seguintes termos:
«A concreta data do início dos trabalhos de construção da moradia do Autor não foi apurada, no entanto resultou inequivocamente das declarações da parte e depoimentos das testemunhas que as obras efetivamente se iniciaram e que, convocando ainda o alvará e o contrato de empreitada (nomeadamente a Cláusula 7.ª, n.º 1 al. a) ) – juntos, respetivamente, sob documento n.º 7 e n.º 16 com a petição inicial –, bem como, em especial, o depoimento do empreiteiro P…C…, tal terá acontecido em junho de 2018 – cf. FACTO PROVADO 28.
«A conclusão presente no FACTO PROVADO 29 decorre da valoração das declarações do Autor, sendo tal entendimento igualmente confirmado pelo empreiteiro PAULO CAMILO e pelos elementos que executaram os trabalhos no terreno e tiveram que os interromper pelo motivo indicado, a saber, as testemunhas J…T… e L…R….
«Já quanto ao facto dos trabalhos terem sido suspensos, foram valoradas as versões unânimes do dono da obra e do empreiteiro, as quais surgem como consequência natural daquilo com se haviam previamente deparado e se encontra já acima escalpelizado – a saber, o posicionamento do muro e as respetivas sapatas, ambos invadindo terreno do Autor –, e surge reforçado pelo auto de suspensão dos trabalhos, assinado pelas referidas partes – cf. FACTO PROVADO 30.
«Já o pagamento da compensação diária resulta cabalmente das faturas e respetivo recibo que foram juntos sob documento n.º 29 com a petição inicial e respetivo recibo, fatura e novo recibo quanto ao mês de novembro, juntos sob documentos n.ºs 3 e 4 com o requerimento de ref.ª 4333002 de 18/10/2021 – cf. FACTO PROVADO 31.
«Mostra-se ainda alegado pelo Autor e reforçado nas respetivas declarações que a constatação das implicações do posicionamento do muro levou a que, não obstante a obra tivesse sido retomada após o período de suspensão, tenha sido necessário reformular o projeto – especialmente, no que respeita à consola –, bem como deixar parte relevante da obra por concluir.
«Sucede, todavia, que é a própria contraditoriedade da alegação do Autor que a torna insustentável. Com efeito, este tanto defende que promoveu alterações ao projeto de forma a que a obra pudesse prosseguir, como assevera que os trabalhos acabariam por continuar, redundando no fim de contas na impossibilidade de construir a consola e de concluir os arranjos exteriores, nomeadamente na parte que confronta com o muro em questão.
«Portanto, ora o Autor reformula o projeto, adaptando-o ao status quo, e termina a construção em conformidade; ora não o altera e a construção fica inacabada.
«Compulsada a demais prova, verifica-se que terá sido este segundo cenário a ter lugar.
«Com efeito, muito embora chegue mesmo a juntar elementos que demonstram a alteração da solução preconizada para a cobertura – cf. novamente requerimento de ref.ª 4333002 de 18/10/2021, incluindo um orçamento contrato adicional – em momento algum se vislumbra que tal tenha passado de uma ideia projetada somente no papel (e nunca concretizada, por exemplo, numa alteração camarária do mesmo), sendo a dita alteração frontalmente desmentida pelo empreiteiro, quando revela perentoriamente no seu depoimento que a pala não foi executada, nem sequer faturada, existindo – em rigor – divergências nunca ultrapassadas que fizeram com que, no fim de contas, a questão das alternativas para a cobertura não tivesse passado da fase de estudo.
«A este último respeito, nem sequer infirma tal juízo o teor do auto de recomeço dos trabalhos uma vez que, novamente, nada mais acrescenta do que uma intenção de adaptar o que tinha sido inicialmente projetado, não existindo prova que demonstre a sua execução.
«Mais ainda, é o próprio Autor que – já em junho de 2021 – interpela a Câmara Municipal solicitando que seja emitido «alvará de utilização», ainda que a título provisório, «até que seja possível retomar o processo de construção dos elementos estruturais e de arranjos exteriores em falta», tendo a edilidade indeferido o pedido uma vez que não existia «conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados», o que revela que a alteração do projeto nunca teve qualquer tradução prática relevante – assim, FACTO PROVADO 32 E FACTOS NÃO PROVADOS A e B».
O Recorrido discorda deste julgamento, tendo em atenção o contrato de empreitada (doc. 20 da PI, datado de 25 de maio de 2018, que na cláusula 7.ª obriga o empreiteiro a iniciar  execução da obra na data de emissão do alvará), o alvará de construção n.º 20/2018 (doc. 7 da PI emitido em 21 de junho de 2018) e os factos provados 28 (início das obras), 10 e 11 (solicitação do levantamento topográfico e constatação da ocupação do lote do A. pelo muro dos R.R., confrontando o A. com esse facto a R.), 12 (que por esse facto estava a impedi-lo de construir o seu muro no limite do lote 4 e de prosseguir com a obra de edificação da sua moradia), 13 e 14 (a resolução do problema com o titular do lote 6, em 19 de julho de 2018, que reconheceu a ocupação do lote do A.). Portanto, concluiu estar evidenciado que só durante o decurso dos trabalhos é que o A. soube da ocupação indevida no seu lote.
Relevou ainda os factos provados 28 e 29 (que só no decurso dos trabalhos foi possível detetar a existências de sapatas enterradas no subsolo e projetadas para o interior do A.), 16 (tomada de conhecimento do trabalho efetuado pelo topógrafo da Secretária Regional dos Transportes e Obras Públicas, que confirmava que o muro erguido pelos proprietários do lote 5 não respeita os alinhamentos nos termos do previsto no projeto loteamento n.º 6/95) e facto 30, conjugado este com o doc. n.º 21 de fls. 55 verso a 56 (“Auto de Suspensão dos Trabalhos” entre o Autor e o Empreiteiro que identifica a situação que impedia a instalação das redes gerais nesse local, assim como a execução da estrutura de betão armado – cfr. alíneas 3 e 4 do auto de suspensão) e com a resposta dada pelo Peritos ao quesito 22 no dia 1 de junho de 2021 (cfr. fls. 181, donde resulta: “As rede de infraestruturas de águas e esgotos (apresentadas nas peças desenhadas do lote 4 e que constam da contestação dos réus), são redes que implicam a abertura de valas para a sua colocação, deveriam ser executadas, por estarem enterradas, primeiramente à execução da estrutura em betão armado que irá sobrepor essa zona, e ainda estando prevista uma estrutura em consola em betão armado até ao limite do lote 5, torna-se impossível construir esse elemento conforme o previsto em projeto sem ultrapassar a atual delimitação definida pelo muro edificado pelo lote 5, pelo que só após a resolução da contenda é que poderá ser construída a consola até ao limite que vier a ser definido”). Ao que acrescem ainda os factos provados em 27 (carta de 17 de setembro da tentar nova solução amigável com a R.) e 31 (relativos aos custos de suspensão dos trabalhos).
Portanto, de tudo isso resultaria que os trabalhos estiveram suspensos entre o dia 1 de setembro de 2018 e 8 de outubro de 2018, data da recusa da R. em outorgar qualquer acordo de resolução da situação, e que justificaram que o A. tenha suportado custos de €4.572,50, relativos a 25 dias úteis de suspensão dos trabalhos. No entanto, perante a impossibilidade de prever uma data para que o processo fosse julgado, mas com a noção que seria um período longo do qual resultaria a obrigação de pagar ao Empreiteiro uma compensação de valor totalmente insustentável, optou por adaptar o projeto por forma a que permitisse o recomeço dos trabalhos, na expectativa que, durante o decorrer das obras, o processo judicial fosse concluído e a obra pudesse ser realizada em conformidade.
Por isso, no dia 27 de novembro de 2018, celebrou um acordo adicional à empreitada, de que resultava a substituição da estrutura em betão armado da pala que se sobrepunha à área do lote 4, que estava invadida pelos R.R., por uma estrutura metálica que tivesse o mesmo acabamento arquitetónico, mas que fosse possível construir numa fase final da empreitada sem inviabilizar o desenvolvimento da restante construção (cfr. doc. 10 de fls. 212).
Ora, a impossibilidade de continuar a obra sem proceder as alterações ao projeto é corroborada pela resposta dada ao quesito 22 pela Prova Pericial, supra transcrita, sendo que no dia 1 de dezembro de 2018 foi lavrado o “Auto de Recomeço dos trabalhos” (cfr. doc. 2 de fls. 197), com menção a que estava prevista a construção de uma pala em betão armado que, pela sua natureza, teria que ser construída em simultâneo com a laje de teto do piso 0, o que impedia a construção da estrutura do edifício e todos os trabalhos subsequentes, ficando acordada a alteração do tipo de estrutura prevista, da pala para estrutura em elementos metálicos, ficando apenas na fase de execução das estruturas em betão armado os respetivos chumbadores de ligação (cfr. alínea 3) do auto de recomeço dos trabalhos).
O valor do adicional ao contrato, que permitiu retomar os trabalhos, foi de €28.104,45 e corresponderia, em valor, ao equivalente de compensação a pagar ao empreiteiro para manter a obra suspensa por mais 153 dias úteis, sendo que na prática desde o dia 1 de dezembro de 2018 até à presente data já decorreram 1161 dias úteis, o que perfazeria o valor de compensação a suportar em €212.346,90. Por outras palavras, considera que demonstrou justificar-se plenamente a opção de alterar a estrutura da pala (prevista em projeto) de betão armado para uma estrutura metálica, por ser uma solução economicamente mais vantajosa, sendo que, não fora esta solução e a obra não teria prosseguido, encontrando-se agora parcialmente concluída, ficando em falta apenas a construção da pala e arranjos exteriores na faixa entre o corpo do edifício da habitação e a estrema norte do lote 4 (cfr. facto provado 32), mas cuja conclusão pode ser imediatamente realizada com a montagem da estrutura metálica da pala logo após a decisão deste processo transitar em julgado e, dessa forma, ser possível cumprir com os pressupostos que levaram a Edilidade a não emitiu a licença de utilização, porquanto a obra ainda não se encontra em conformidade com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados (cfr. doc. de fls. 214 verso).
Neste contexto, defende o Recorrido, aqui impugnante, que, ao contrário do que foi sustentado pelo Mm.º Juiz, a alteração foi mesmo implementada, foi mais que um estudo que não passou do papel, só podendo a formalização dessa alteração ser remetida à Câmara Municipal da Horta aquando da apresentação das telas finais, devendo respeitar na integra o projeto de arquitetura aprovado pela edilidade.
Vinca finalmente a ideia que os factos não provados foram todos confirmados pela testemunha P…C…, que tinha conhecimento direto dos factos – confrontado com o conteúdo do orçamento complementar do requerimento de ampliação (doc. 10 de fls. 212) –, quer quanto ao seu valor, quer quanto à necessidade da alteração (de estrutura em betão para pala metálica) e, embora o valor ainda não tenha sido pago, a estrutura em metal está em obra (cfr. gravação entre o minuto 08:30 e 18:40). O que foi igualmente corroborado pelo depoimento do A. (gravação entre o minuto 26:20 e 1:01:50) e é suportado pelos documentos 1 a 14, 16, 27 a 32, documentos 7, 20 e 21 da petição e 2, 5, 6A e 6B, 7A a 7C, 8A e 8B, 9A e 9B, 10 e 11 do requerimento de ampliação da causa de pedir e do pedido de 18.10.2021.
Os Recorrentes nem sequer responderam a esta impugnação dos factos.
Apreciando, diremos que os factos já provados permitem a conclusão de que o A. iniciou a obra (facto provado 28) e que a implantação do muro, e das respetivas sapatas, pelos proprietários do lote 5, dentro do lote 4, impediam a construção física das infraestruturas nos alinhamentos previstos no projeto de construção inicial relativo ao prédio do A. (facto provado 29). Por outro lado, os trabalhos de construção levados a cabo por iniciativa do A. tiveram efetivamente de ser suspensos entre 9 de outubro de 2018 e 30 de novembro de 2018 (facto provado 30), o que teve na sua base a constatação do facto provado em 29.
É isso mesmo que resulta da fundamentação da convicção constante da sentença a propósito do ponto 30 dos factos provados, quando aí se diz: «Já quanto ao facto dos trabalhos terem sido suspensos, foram valoradas as versões unânimes do dono da obra e do empreiteiro, as quais surgem como consequência natural daquilo com se haviam previamente deparado e se encontra já acima escalpelizado – a saber, o posicionamento do muro e as respetivas sapatas, ambos invadindo terreno do Autor –, e surge reforçado pelo auto de suspensão dos trabalhos, assinado pelas referidas partes – cf. FACTO PROVADO 30».
Portanto, não há dúvida que o facto que determinou a suspensão dos trabalhos, dada por provada no ponto 30, suporta-se no documento de fls. 55 verso a fls. 56, donde resulta, nos seus pontos 1) e 2), que o muro e as sapatas desse muro, construído pelos proprietários do lote 5, estão implantados no lote 4 e tal impossibilita a instalação de infraestruturas com os alinhamentos previstos no projeto de execução da obra do A. (cfr. pontos 3) a 5) do citado doc. a fls. 55 verso a fls 56 - identificado como “Auto de Suspensão dos Trabalhos” datado de 1 de setembro de 2018), sendo que os factos em que se sustenta esse acordo de suspensão dos trabalhos estão provados nestes autos (cfr. factos provados 11 a 16 e 29).
Também ficaram provados os custos com essa suspensão dos trabalhos, que estão espelhados no ponto 7) desse acordo estabelecido entre empreiteiro e dono da obra (cfr. cit. doc. a fls. 56), tal como ficou assente no ponto 31 dos factos provados pela sentença recorrida.
A tudo isto acresce que também ficou provado que a obra veio a ser retomada e encontra-se já parcialmente concluída, com exceção da consola e arranjos exteriores, precisamente na parte da faixa de terreno sita na estrema norte do lote 4, onde se situa o dito muro e as respetivas sapatas, construídas pelos proprietários do lote 5 (cfr. facto 32).
Ainda assim, o que se põe em dúvida, na sentença recorrida, é se houve uma alteração ao projeto para permitir fazer face aos constrangimentos causados pela existência desse muro, que passaram pela alteração da consola (pala) prevista realizar em betão armado, passando aí a ser feita uma estrutura metálica, que permitiu o prosseguimentos dos trabalhos, mas que importou num acréscimo de custos de €28.104,45.
Na verdade, parece claro que não houve uma formalização duma alteração do projeto junto da Câmara Municipal da Horta. Nem o Recorrido ousa fazer tal afirmação, que sempre teria de ser provada documentalmente. O que houve foi um pedido de emissão provisória de Alvará de Utilização da moradia (cfr. doc. de fls. 213 verso a 214), onde se descrevem as incidências relativas à ocupação do terreno do A. pelo muro divisório construído pelo proprietários dos lotes 5 e 6, explicitando-se o que ainda está por fazer em conformidade com o dado por provado em 32 (cfr. cit. doc. a fls. 214 – ponto 10), alegando-se aí que tal não afetaria as condições de habitabilidade da edificação aí construída, fazendo-se ainda menção à pendência da presente ação em juízo (cfr. cit. doc. a fls. 213 verso ponto 6). Foi esse concreto pedido que veio a ser indeferido pela Câmara Municipal (cfr. doc. de fls. 214 verso).
No entanto, não há dúvida que houve um acordo de recomeço das obras entre empreiteiro e dono de obra (cfr. doc. de fls. 197), suportado na insustentabilidade do custo da suspensão dos trabalhos e na imprevisibilidade do desfecho do litígio com os R.R. (cfr. pontos 1) e 2) do cit. doc.), o que passava por uma solução edificativa diferente, não se fazendo a “pala em betão armado”, prevista para aquele espaço de terreno ocupado pelo muro, e fazendo-se em seu lugar uma estrutura metálica que, pelo menos, permitiria o prosseguimentos dos trabalhos até então suspensos (cfr. pontos 3) a 5) do cit. doc.). O que foi confirmado pelo A., em declarações de parte (gravação aos minutos 44:47 a 45:13), e pelo empreiteiro, P…C…, ouvido como testemunha e subscritor do documento em causa (cfr. fls. 197 verso) – (gravação aos minutos14:15 a 15:29).
Ora, tudo indicia, de acordo com esses mesmos depoimentos, do dono da obra e do empreiteiro, que essa obra (alternativa à pala de betão armado) ainda não foi feita, mas certamente que terão sido realizados os chumbamentos no edifício principal que permitirão a ligação à estrutura metálica, que já se encontra no local para futura instalação. Instalação essa que ficou pendente da resolução do presente litígio, dado que o seu dimensionamento aparenta estar condicionado pelo muro construído pelos proprietários do lote 5, como se evidencia do desenho de fls. 125 (estrutura desenhada onde estão 2 veículos - precisamente na estrema norte do lote 4). Essa estrutura metálica terá o aspeto que se mostra desenhado a fls. 210 e 211 e, de facto, tal como aí se mostra, em pouco se assemelha à pala em betão.
Em todo o caso, a conclusão da obra já só poderá ser realizada com essa alteração, pois a pala já não poderá ser em betão armado, que sempre pressuporia outro tipo de infraestruturas que lhe serviriam de suporte.
Tudo leva assim a crer que a solução implementada acaba por ser irreversível e vai ser mesmo realizada, caso a presente ação venha a proceder, mesmo que não tenha sido objeto de qualquer proposta formal de alteração do projeto à Câmara Municipal da Horta.
Certo é que a implementação desta solução permitiu o prosseguimento dos trabalhos e a cessação dos custos acordados entre dono da obra e empreiteiro relativos à suspensão dos mesmos, por motivo da pendência do presente litígio entre A. e R.R. e dos constrangimentos inerentes ao muro edificado pelos proprietários do lote 5.
Portanto, não se provou efetivamente uma “alteração”, em sentido formal, ao projeto, mas sim a adoção duma solução construtiva de facto que permitiu o prosseguimento dos trabalhos da empreitada, embora deixando pendente a realização da consola e arranjos exteriores na parte da faixa de terreno sita na estrema norte do lote 4, onde é sito o dito muro e as respetivas sapatas em causa nesta ação e cuja eventual demolição irá condicionar a conclusão da obra do A..
Nessa medida, julgamos que devem ser eliminadas, dos factos não provados, as alíneas A) e B) da sentença recorrida, passando a contar dos factos provados dois pontos, com os números 32-A. e 32-B., com a seguinte redação:
«32-A. Em face dos constrangimentos causados pelo posicionamento do muro divisório construído pelos proprietários do lote 5, à imprevisibilidade do tempo necessário para a resolução do litígio com os R.R. e como forma de superarem o agravamento dos custos com a suspensão dos trabalhos da empreitada, o A. acordou com o empreiteiro da obra que estava a realizar no seu lote 4, alterações à solução construtiva inicialmente prevista no projeto, relativa à pala em betão armado, com vista a permitir a prossecução dos trabalhos;
«32-B. Foi acordado entre o A. e o empreiteiro alterar a estrutura de betão armado da consola, inicialmente prevista realizar, para uma estrutura em elementos metálicos, o que importava num acréscimo de custos no valor de €28.104,45».

1.4. Da conclusão final sobre as impugnações sobre a decisão da matéria de facto.
Em face de todo o exposto, a matéria de facto a considerar nesta ação deverá passar        a ser a seguinte:
1. O A. é dono e legítimo proprietário do imóvel constituído por um terreno para construção designado por lote 4, com a área de 1.020 m2, sito na Canada das Dutras — Rua …, prédio que se mostra inscrito na matriz predial urbana da Matriz e concelho de Horta sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Horta sob o nº …/19950906;
2. O A. adquiriu tal imóvel por "Arrematação em Hasta Publica" à Região Autónoma dos Acores, realizada no dia 13 de dezembro de 2016;
3. O preço da compra foi de €48.648,00;
4. Foi emitido em 16 de janeiro de 2017 e remetido ao A. o título definitivo da alienação;
5. O prédio do A. (designado por lote 4), resultou de uma operação de loteamento, registado na Câmara Municipal da Horta sob o n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, de que resultou a emissão de Alvará de loteamento emitido em nome de “R.A.A., J…Jr. e E…F…”, o qual incide sobre o prédio n.º …/230288, com uma área total de 6.823 m2 e que foi dividido em 6 lotes, com as seguintes áreas: Lote 1 — 863 m3; Lote2 — 999 m2; Lote 3 — 1012 m2; Lote 4 — 1020 m2; Lote 5 — 949 m2 e Lote 6 — 816 m2, todos destinados a construção de habitações; - alterado nos termos do ponto 1.1.1. do presente acórdão.
6. O lote 4 confronta a Norte com os lotes 5 e 6, a Sul com o lote 3, a Leste com V… e a Oeste com a Rua …;
7. O Lote 5 é propriedade dos R.R. e é constituído por um imóvel afeto a habitação, com a área total de 949 m2, sito na Rua …, n.º…, prédio que se mostra inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Matriz e concelho de Horta sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Horta sob o nº …/19950906 (com registo de aquisição, por compra, a favor da 1.ª Ré e do falecido M…M… pela Ap. 2 de 1998/04/08, sendo sujeitos passivos desse ato: J…Jr. e esposa) – alterado nos termos do ponto 1.1.3. do presente acórdão.
 8. O prédio do A. (lote 4) não se encontrava demarcado nem delimitado por muros próprios estando apenas construídos os muros de vedação dos lotes 5 e 6;
9. O A. adquiriu o seu imóvel com vista a edificar uma habitação, para o que, em 21 de junho de 2018, a Câmara Municipal da Horta emitiu a favor do A. o alvará de construção n.º 20/2018;
10. O A. solicitou a implantação topográfica de todos os vértices que definem a área do lote 4 e consequentemente as estremas confinantes com o lote 3 a Sul e lotes 5 e 6 a Norte, o qual foi finalizado em junho de 2018;
11. Verificando o A. que os muros de vedação construídos pelos proprietários dos lotes 5 (lote dos R.R.) e 6 não estavam a respeitar os alinhamentos de estremas previstos nas peças desenhadas que constam no projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, contactou pessoalmente a R., L…M…, e informou-a que o muro erguido por esta não estava a respeitar os limites previstos no loteamento;
12. Mais disse o A. à R. que tal situação o impedia de construir o seu muro no limite do lote 4 e de prosseguir com a obra de edificação da sua moradia;
13. O A. também contatou o proprietário do lote 6, E…F…, comunicando-lhe a mesma situação, tendo sido agendada uma reunião entre ambos;
14. Uma vez apurado que o muro erguido por E…F… invadia a propriedade do A., os intervenientes acordaram na demolição do muro e a respetiva desocupação da parcela ocupada, tendo-se edificado novo muro, respeitando assim as áreas constantes do loteamento;
15. A peça desenhada n.º 5 intitulada “Planta do Loteamento” do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 prevê que o alinhamento da estrema sul do lote 5 e lote 6 confinante com a estrema norte do lote 4 se faz através de um segmento reto entre o início do lote 5 na Rua … e a marcação de um afastamento de 38,80m ao limite da via de circulação da Canada das Dutras na estrema nascente do loteamento (correspondente a 2,00m do estacionamento norte contiguo à Canada das Dutras +3,00m do correspondente passeio e de +33,80m correspondente ao comprimento da estrema nascente do lote 6);
16. O muro da estrema nascente do lote 5 encontra-se construído com base num afastamento de 39,80m ao limite da via de circulação da Canada das Dutras;
17. A construção desenvolvida no lote 5 tem como base o projeto registado com o número processual 01/81/98 e o mesmo teve alvará de construção n.º 32/99 emitido a 02 de fevereiro de 1999, com validade inicial de um ano terminando, em 02 de fevereiro de 2000;
18. No dia 02 de fevereiro de 2000 foi concedida prorrogação do prazo da empreitada de pelo menos 90 dias através do alvará de construção n.º 42/00 o que transferiu o prazo de conclusão da obra para o dia 02 de maio de 2000;
19. Os arranjos exteriores iniciaram-se no dia 20 de fevereiro de 2000;
20. No verso do livro de obra encontra-se registada a verificação de «algumas pequenas diferenças entre as cotas do projeto e os alinhamentos em obra o que originou alterações ao projeto a apresentar»;
21. Do livro de obra consta que no dia 28 de abril de 2000 os muros dos arranjos exteriores ficaram concluídos à exceção do muro confinante com a estrada;
22. Foi concedido o alvará de utilização n.º 123/2000, emitido em 10 de novembro de 2000 da obra da R. edificada no lote 5;
23. Em maio de 2005 ainda no âmbito dos arranjos exteriores a desenvolver no interior do lote 5, foi entregue um projeto de construção de uma piscina;
24. No dia 25 de maio de 2005 por deliberação camarária foi aprovada a construção da piscina como adenda ao processual 01/81/98 tendo sido emitido para efeito o alvará de edificação n.º 238/2005 de 28 de julho de 2005, com validade inicial de um mês terminando, em 28 de agosto de 2005;
25. No projeto de construção da piscina, nomeadamente na peça desenhada n.º 2 referente à planta de implantação, é representado o comprimento da estrema nascente do lote 5 com o valor total de 33,92 ml entre os limites norte e sul;
26. Nessa sequência, foi concedido o alvará de utilização n.º 161/2006, emitido em 20 de julho de 2006;
27. O A. remeteu uma carta à R., L…M…, no dia 17 de setembro de 2018, com uma proposta para resolução da situação relativa ao muro;
28. O A. deu início às obras para edificação de uma moradia no seu lote em momento não concretamente apurado, mas após 21 de junho de 2018;
29. A implantação do muro e respetivas sapatas pelos proprietários do lote 5 dentro do lote 4 impediam a construção física das infraestruturas nos alinhamentos previstos no projeto inicial;
30. Os trabalhos de construção estiveram suspensos entre 9 de outubro de 2018 e 30 de novembro de 2018;
31. Na sequência da suspensão dos trabalhos o A. suportou um valor diário por cada dia útil de suspensão no montante de €182,90, num total de 38 dias - €6.950,20;
32. A obra foi parcialmente concluída, ficando em falta a construção da consola e arranjos exteriores na faixa entre o corpo do edifício da habitação e a estrema norte do lote 4;
32-A. Em face dos constrangimentos causados pelo posicionamento do muro divisório construído pelos proprietários do lote 5, à imprevisibilidade do tempo necessário para a resolução do litígio com os R.R. e como forma de superarem o agravamento dos custos com a suspensão dos trabalhos da empreitada, o A. acordou com o empreiteiro da obra que estava a realizar no seu lote 4, alterações à solução construtiva inicialmente prevista no projeto, relativa à pala em betão armado, com vista a permitir a prossecução dos trabalhos - aditado nos termos do ponto 1.2.1. do presente acórdão.
32-B. Foi acordado entre o A. e o empreiteiro alterar a estrutura de betão armado da consola, inicialmente prevista realizar, para uma estrutura em elementos metálicos, o que importava num acréscimo de custos no valor de €28.104,45 - aditado nos termos do ponto 1.2.1. do presente acórdão.
33. Há mais de 18 anos, que a R., e até 2007 com seu marido e desde 2005 também com seu filho, vivem na habitação ali construída, utilizando e cuidando do jardim e de todos os espaços exteriores;
34. À vista de toda a gente, de forma pública, pacífica, contínua, ininterrupta e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que não lesavam ninguém e exerciam um direito legítimo - alterado nos termos do ponto 1.1.4. do presente acórdão.
35. A R. não realizou levantamento topográfico quando adquiriu o seu lote com vista a construir a sua moradia, no ano de 2000;
36. Aquando da sua aquisição, o lote encontrava-se demarcado com estacas e arame.
*
Factos não provados:
A. (eliminado)
B. (eliminado)
Não existem, portanto, factos não provados.
 *
2. Da reivindicação da parcela de terreno ocupada pelos R.R.
Fixada a factualidade relevante para o conhecimento do mérito, cumpre então agora debruçarmo-nos sobre as questões substanciais relativas ao fundo da causa.
Relembre-se que o A. instaurou a presente ação de reivindicação contra os R.R. tendo em vista ser reconhecido como proprietário do prédio que descreveu no artigo 5.º da petição inicial, identificado neste processo como lote 4, o qual teria uma área total de 1.020 m2 e confina a norte, entre outros, com o prédio dos R.R., identificado nos autos como lote 5, o qual teria apenas a área de 949 m2, justificando-se esta ação pelo motivo de os R.R. estarem a ocupar uma faixa de terreno que pertence ao lote do A., com cerca de 26 m2, cuja restituição é concretamente peticionada.
A presente ação visa por isso a tutela do direito de propriedade (cfr. Art. 1305.º e ss. do C.C.), através do exercício do direito de ação de reivindicação (Art.º 1311.º do C.C.), tendo em conta uma determinada realidade registral, que assentava num processo administrativo de loteamento que não teria sido respeitado na sua materialidade in situ.
Nos termos do Art.º 1311.º C.C.: «1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. 2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».
No caso dos autos nunca esteve em discussão que o A. era o legítimo titular do direito de propriedade sobre o prédio correspondente ao lote 4, porque o adquiriu por arrematação em hasta pública em 13 de dezembro de 2016 (cfr. doc. de fls. 17), mostrando-se essa aquisição devidamente registada a seu favor pela apresentação n.º … de 2017/01/25, incidente sobre o prédio descrito na Conservatória de Registo Predial da Horta sob o n.º …/19950906 (cfr. doc. de fls. 14 verso a 15), gozando assim cumulativamente da presunção de titularidade do direito registado, emergente do Art.º 7.º do C.R.P..
O mesmo se deve dizer relativamente à propriedade do lote 5, adquirido por compra pela R., L…, e por M…M…, então ainda solteiros (cfr. doc. de fls. 21), considerando que está aceite por todos os intervenientes neste processo que M…M… terá casado com essa R. e, entretanto, já terá falecido, deixando como herdeiros a sua viúva, a aqui R. L…, e o seu filho, ainda menor de idade, o R. R….
O que esteve em discussão nesta ação foi essencialmente a concreta implantação do lote 4 em confronto com o lote 5, nomeadamente saber se existiria uma ocupação ilegítima duma faixa de terreno que alegadamente pertenceria ao lote 4, com cerca de 26 m2, situada na sua estrema norte, resultante da construção do muro divisório, e das respetivas sapatas, levada a cabo pelos proprietários do lote 5.
Ora, apesar de tudo o que é invocado pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso, a solução desta questão só pode resultar do apuramento objetivo dos factos. Trata-se, portanto, antes de mais, duma questão de facto.
Dito isto, o que resulta provado é que o muro construído pelos proprietários do lote 5 não respeita os alinhamentos de estremas previstos nas peças desenhadas que constam no projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 (cfr. facto provado 11), do qual resultou a constituição, entre outros, desses 2 lotes em confronto nesta ação (cfr. facto provado 5).
A divergência verificada consiste no facto de, na peça desenhada n.º 5, intitulada “Planta do Loteamento” do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995, prevê-se que o alinhamento da estrema sul do lote 5 e do lote 6, confinante com a estrema norte do lote 4, se faz através de um segmento reto entre o início do lote 5, na Rua …, e a marcação de um afastamento de 38,80m ao limite da via de circulação da Canada das Dutras na estrema nascente do loteamento (correspondente a 2,00m do estacionamento norte contiguo à Canada das Dutras +3,00m do correspondente passeio e de +33,80m correspondente ao comprimento da estrema nascente do lote 6) - (cfr. facto provado 15). No entanto, o muro da estrema nascente do lote 5 encontra-se construído com base num afastamento de 39,80m ao limite da via de circulação da Canada das Dutras (cfr. facto provado 16). Em consequência, há 1 metro de diferença no afastamento da estrema nascente do lote 5 relativamente ao limite da via de circulação da Canada das Dutras (39,80m – 38,80m).
Mas daqui resulta que a implantação do muro, e respetivas sapatas, contruído no lote 5, incide sobre uma área do lote 4? Essa resposta só nos é dada no ponto 29 dos factos provados.
Efetivamente, do provado no ponto 29 resulta esse facto como justificação para a suspensão da construção levada a cabo pelo A. no seu lote. Mas, para aí se chegar há que ter em consideração que os Srs. Peritos confirmaram que o lote 5 passou a ocupar mais área (cfr. resposta aos quesitos 4 e 8 a fls. 168 e 169), porque passou a ter 958,90 m2, em vez dos 949,00 m2 constantes do registo predial (cfr. doc. fls. 21) e do Alvará de loteamento (cfr. doc. de fls. 18). Pelo que objetivamente, no local, o lote 5 tem hoje no local mais 9,90 m2. Mas mais relevante ainda, os Srs. Peritos responderam afirmativamente ao quesito 10 (cfr. fls. 169), onde se perguntava se a ocupação feita pela construção do muro e respetivas sapatas no lote 5 se fez no lote 4 e à custa da área deste (cfr. fls. 150). Mais, em resposta ao quesito 11 (redação a fls.  150) os Srs. peritos responderam que o muro com as sapatas foram edificados para o interior do lote 4, ocupando uma área de 16,36 m2, correspondente a 32,71m de cumprimento do muro x 0,50 m de largura, ocupada pelas 12 sapatas (cfr. esclarecimentos prestados a fls. 187). E, em resposta ao quesito 12 (redação a fs. 150) responderam que o lote 5 passou a ocupar 16,36 m2 de área de subsolo, correspondente às sapatas (cfr. esclarecimento a fls. 187). Concluindo, no final, em resposta ao quesito 15, que a ocupação do lote 4 é feita através de parte do muro (cfr. fls. 169), esclarecendo, em resposta ao quesito 19, que esse muro invade a área do lote 4, não respeitando o alinhamento, tendo por base o levantamento topográfico efetuado pela Delegação das Obras Públicas (cfr. fls. 183), que corresponde ao documento junto aos autos de fls. 22 a 23, datado de junho de 2018.
Estas respostas decorrentes da prova pericial, que no final suportam o facto provado no ponto 29, permitem concluir que existe uma faixa de terreno do lote 4, pertencente ao A., que foi ocupada pela construção do muro pelos proprietários do lote 5, sendo que esse muro, incluindo as respetivas sapatas, na parte considerada, têm uma área de ocupação de 16,36m2 (32,71mx0,50).
Nesse pressuposto de facto, assiste ao A. o direito a ver reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio que se mostra registado a seu favor, com uma área de 1.020m2, na qual se inclui a faixa de terreno irregularmente ocupada pelos R.R., através da edificação que fizeram de um muro divisório, e respetivas sapatas, tal como estabelece o Art.º 1311.º do C.C..
3. Da aquisição dessa parcela por usucapião (ou por acessão).
Apesar da faixa de terreno em causa ter sido irregularmente ocupada pelos proprietários do lote 5, vieram os R.R. opor ao reconhecimento do direito de propriedade do titular do lote 4, no que se refere a essa parcela de terreno, a exceção perentória decorrente da usucapião ou da acessão industrial imobiliária.
Quanto à acessão industrial imobiliária, temos de dizer que não foram sequer alegados na contestação os pressupostos legais do seu funcionamento, tal como estabelecidos no Art.º 1340.º do C.C.. Pelo que, a procedência dessa exceção sempre estaria votada ao insucesso, independentemente do que mais foi dito a propósito na sentença recorrida. Aliás, a Recorrente omitiu por completo essa linha de defesa nas alegações do presente recurso, que assim caiu definitivamente, não fazendo parte do objeto da presente apelação.
Resta assim apreciar a questão do ponto de vista da usucapião.
Dispõe o Art.º 1287.º do C.C. que a usucapião é a faculdade conferida ao possuidor de, salvo disposição em contrário, adquirir o direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, quando mantém a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo por certo lapso de tempo.
Trata-se de direito que pode ser exercido por via de ação/reconvenção ou exceção (perentória), tal como aconteceu no caso concreto destes autos. Neste aspeto a única regra relevante é que a usucapião não funciona automaticamente, é uma faculdade que carece sempre de ser invocada pelo possuidor. É isso que resulta do Art.º 1287.º do C.C. e da remissão do Art.º 1292.º do C.C. para as regras da prescrição previstas nos Art.ºs 303.º e 305.º, que se referem à prescrição e à necessidade da sua invocação.
A usucapião pressupõe, para além da vontade do possuidor em a invocar: a) a posse do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo; b) o decurso de prazo legal determinado; e c) a inexistência de disposição legal em contrário.
Comecemos então por considerar o requisito da posse.
O Art.º 1.251º do C.C. define a posse como o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou outro direito real.
A posse distingue-se conceptualmente da mera detenção que, nos termos do Art.º 1290.º do C.C., não permite a aquisição do direito de propriedade por usucapião.
A este respeito é bem conhecida a querela que divide a conceção subjetiva da posse, defendida por Savigny, da conceção objetiva defendida por Jhering.
Sabe-se que cada um destes autores propunha uma orientação metodológica diferente quanto às atribuições do conteúdo do conceito da posse.
Jhering subordinava a posse à realidade objetiva da relação material entre o possuidor e a coisa, da qual a lei faz emergir uma tutela especifica que só é afastada nas situações expressamente tipificadas na lei.  Para Jhering na posse não se pode separar qualquer elemento subjetivo ou objetivo.  Assim, escreveu: «Na realidade o corpus não pode existir sem o animus, nem o animus sem o corpus» (citação de Jhering in “A posse - Estudo de Direito Civil Português” - Manuel Rodrigues, 1996, pág. 77).
Já Savigny faz distinguir a posse da mera detenção pela verificação dum elemento de caráter subjetivo: o “animus possidendi”.
Sem tecer mais considerações sobre esta questão, diremos que tem sido maioritariamente aceite que o nosso legislador aceitou a orientação metodológica de Savigny, sendo elemento de distinção entre a posse e a detenção a existência do “animus”, para lá da relação material do possuidor com a coisa (corpus).
Na jurisprudência sobreleva, neste contexto, muito em particular o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. n.º 85204 - de 14/05/1996, publicado no DR IIª série, de 24/06/1996) que uniformizou a jurisprudência no sentido de que: «Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa», realçando-se que, na sua fundamentação, este AUJ também refere que: «O ato de aquisição da posse que releva para a usucapião terá assim de conter dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus. Se só o primeiro se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insuscetível de conduzir à dominialidade»; e ainda que: «São havidos como detentores ou possuidores precários os indicados no art.º 1253, ou seja, todos aqueles que, tendo embora a detenção da coisa, não exercem sobre ela os poderes de facto com animus de exercer o direito real correspondente».
Veja-se, ainda, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 16/10/2008 (Proc. n.º 08A2357 – Relator: Moreira Alves, disponível em www.dgsipt), de cujo sumário se destaca: «I - A relação material com a coisa (isto é o corpus), em si mesma, não chega para caracterizar a posse, visto que é idêntica na posse e na detenção, daí que seja o elemento subjetivo (o animus) que fará a diferença, caracterizando a situação de facto como posse em nome próprio ou como detenção, consoante a intenção com que o detentor exerce o poder de facto sobre a coisa».
Esta constatação torna-se particularmente patente no que se refere ao instituto da inversão do título da posse, em que o “corpus”, comum à detenção e à posse, só ganha a tutela específica possessória quando cumulada com a verificação simultânea do “animus possidendi”. Por isso, no acórdão do STJ de 13/10/2020 (Proc. n.º 439/18.5T8FAF.G1.S1 – Relator: Jorge Dias, disponível no mesmo sítio) se afirma: «IX - A inversão do título de posse “Trata-se, portanto, de uma conversão duma situação de posse precária numa verdadeira posse, de forma que aquilo que se detinha a título de “animus detinendi” passa a ser detido a título de “animus possidendi”, ou nas palavras de Orlando de Carvalho, citado por este autor, “a inversão do título de posse é uma inversão do “animus”: o “animus não relevante transforma-se em animus relevante” – Prof. Santos Justo, in “Direitos Reais”, Almedina, 2011, 3.ª edição, pág. 194».
Esta orientação é seguida também por Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. III, pág. 5); Penha Gonçalves (in “Direitos Reis – Posse”, págs. 13 a 20); França Pitão (in “Direitos das Coisas”, 1976, pág. 47); Mota Pinto (in “Direitos Reais”, pág. 189); Henriques Mesquita (in “Direitos Reais (lições)” págs. 669 e ss.) e Durval Ferreira (in “Posse e Usucapião”, 3.ª Ed., págs. 164 e ss), sendo também por nós seguida.
No caso dos autos ficou provado que os R.R. gozam duma relação material com a coisa que ocuparam em termos tais que se conformam como o que caracteriza o “corpus” típico do direito de propriedade.
Também agiram com o “animus possidendi” caraterístico desse direito quando no espaço de terreno, que irregularmente ocuparam na estrema norte do lote 4, edificaram um muro com vista a formar a divisória material do seu lote com o que veio a ser adquirido pelo A., pois agiram dessa maneira na convicção que estavam a exercer o direito de tapagem que é reconhecido por lei ao proprietário, nos termos do Art.º 1356.º do C.C..
Acresce que, para além disso, ficou provado que há mais de 18 anos, que a R., e até 2007 com seu marido e desde 2005 também com seu filho, vivem na habitação ali construída, utilizando e cuidando do jardim e de todos os espaços exteriores (cfr. facto provado 33), o que fazem à vista de toda a gente, de forma pública, pacífica, contínua, ininterrupta e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que não lesavam ninguém e exerciam um direito legítimo (cfr. facto provado 34).
Portanto, os R.R. têm a posse dessa faixa de terreno, com corpus e animus, típicos do exercício material do direito de propriedade sobre a coisa (cfr. Art.º 1251.º do C.C.).
Mas para além da posse, a lei exige ainda o decurso de determinado prazo legal, para que a aquisição do direito de propriedade se possa operar (cfr. Art.º 1287.º do C.C.).
Estando em causa coisa imóvel, nos termos do Art.º 1296.º do C.C.: «Não havendo registo do título, nem mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa-fé, e de vinte anos, se for de má-fé».
Na verdade, o que concretamente se verificou foi uma “apropriação de facto” da parcela de terreno em causa e, em consequência, como está em causa uma forma de aquisição originária da posse, o prazo para a usucapião será assim de 15 anos, se a posse for de boa-fé, e de 20 anos, se for de má-fé.
Conforme se refere no Art.º 1258.º do C.C. a posse pode ser titulada ou não titulada, de boa-fé ou má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta.
A posse de boa-fé é aquela em que o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem (Art.º 1260.º n.º 1 do C.C.). Presumindo-se de boa fé a posse titulada e de má-fé a não titulada (cfr. Art.º 1260.º n.º 2 do C.C.), sendo que a posse violenta é sempre considerada de má-fé (n.º 3 do mesmo preceito).
Em face dos termos da lei parece que o legislador adotou uma conceção psicológica da boa-fé, para efeitos de qualificação da posse.
Neste sentido escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2.ª Ed., pág. 20), quando sustentam: «O conceito de boa-fé é de natureza psicológica, e não de índole ética ou moral (com a bona fides dos romanos), embora não esteja divorciado dum fundamento de caráter ético. Possui de boa-fé, na verdade, quem ignora que está a lesar o direito de outrem, sem que a lei entre em indagações sobre a desculpabilidade ou censurabilidade da ignorância» (neste sentido também: Duval Ferreira in “Posse e Usucapião”, 3.ª Ed., pág. 310).
Assim, o que releva é o conhecimento objetivo que o possuidor possa ter, ou não, de que está a lesar o direito de outrem, no mesmo da sua aquisição. Não relevam para o efeito a culpa, ou negligência, do possuidor nesse desconhecimento (contra: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil”, Vol. XIII, págs. 632 e ss.; Menezes Leitão in “Direitos Reais”, 8.ª Ed., pág. 123; e Carvalho Fernandes in “Lições de Direitos Reais”, 3.ª Ed., pág. 284).
No caso, em função dos factos provados em 33 e 24, a posse dos R.R. é pública, pacífica e de boa-fé, durando ininterruptamente há mais de 18 anos.
Porquê 18 anos? Porque é o tempo que decorre entre a data da construção do muro, em 28 de abril de 2000 (facto provado 21), e a data em que o A. confrontou a R. com a desconformidade dessa construção com os alinhamentos do desenho do projeto de Alvará de Loteamento. O que ocorreu, formalmente, por escrito, em 17 de setembro de 2018 (facto provado 27), e antes, informalmente, em data não concretamente dada por provada, mas certamente posterior ao A. ter recebido, em 21 de junho de 2018, o levantamento topográfico de fls. 23 (facto provado em 11).
É certo que a R., e o seu falecido marido, terão adquirido o lote 5 antes de 2000, pois registaram a aquisição por compra desse imóvel em 8 de abril de 1998 (cfr. doc. de fls. 21), mas não se provaram atos de apropriação da parcela de terreno em causa antes da edificação do muro. Pelo que, não existe sequer prova da existência do “corpus” sobre essa parcela de terreno antes de 2000.
Também é verdade que ficou provado que no momento em que foi edificado o muro, no livro de obra, o engenheiro responsável terá consignado que se verificavam «algumas pequenas diferenças entre as cotas do projeto e os alinhamentos em obra o que originou alterações ao projeto a apresentar» (cfr. facto provado 20). Portanto, no ano de 2000, durante a execução da obra relativa ao lote dos R.R., esse tal engenheiro responsável parece ter-se apercebido que não estavam a ser respeitados os alinhamentos em obra. No entanto, não é claro do aí exposto, que o que estaria em causa seriam os alinhamentos relativos ao Alvará de Loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995 e, muito em particular, no que se refere à linha divisória do lote 5 com o lote 4. Muito menos é claro que os próprios proprietários do lote 5 alguma vez tivesse tido a perceção de que os alinhamentos desse alvará não estivessem a ser objetivamente observados. Pelo que, só com base no facto provado em 20 não pode ser posta em causa a boa-fé da posse exercida pelos proprietários do lote 5.
Mesmo que se sustente que a nossa lei prevê um conceito de boa-fé da possa em sentido ético (de desconhecimento, sem culpa, de que a posse lesa o direito de outrem) pensamos que a conclusão seria a mesma. É que a questão tem uma vertente técnica tal, que não a torna exigível ao comum cidadão conhecer com tal grau de pormenor. Veja-se que, o próprio A. só se apercebeu da situação, depois de pedir um levantamento topográfico.
Assim, os R.R. só passaram a ter conhecimento que poderiam estar eventualmente a lesar o direito doutrem quando o A. confrontou a R. com essa possibilidade, depois de junho de 2018 (cfr. factos provados 11 e 27), pois só então poderia aquele, fundadamente, com base no levantamento topográfico de fls. 23, confrontar os R.R. com essa constatação.
O Recorrido veio, no entanto, invocar que no caso não se aplicariam os prazos de usucapião estabelecidos no Código Civil, mas sim os previsto na Lei n.º 54 de 16 de julho de 1913, onde se estabelece que as prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam quando, para além do prazos estabelecidos na lei, tenha decorrido mais metade dos mesmos prazos. Mas, com todo o devido respeito, não vemos como é que semelhante disposição pudesse ser invocada em benefício do A..
É para nós muito claro que os prazos previstos no Código Civil não são objeto aqui de qualquer possibilidade de ampliação, muito menos com base na Lei n.º 54 de 16 de julho de 1913.
Resta assim o último requisito da usucapião, que se refere à inexistência de lei de disposição que não permita o funcionamento desse instituto.
Por regra, entendia-se que este requisito negativo se reportava apenas às situações, como as estabelecidas no Art.º 1293.º do C.C., que explicitamente excluem da possibilidade de aquisição por usucapião relativamente às servidões prediais não aparentes e ao direito de uso e habitação.
No entanto, a jurisprudência tem vindo a acrescentar a estes casos as situações em que o exercício do direito à aquisição originária de direitos reais de gozo por usucapião afronta diretamente normas imperativas e interesses de ordem pública, como sejam os casos em que esteja em causa procedimentos administrativos relacionados com o ordenamento do território ou a segurança das edificações urbanas.
Diga-se que este entendimento está muito longe de ser uniformemente atendido.
Por exemplo, no acórdão do STJ de 6/4/2017 (Proc. n.º 1578/11.9TBVNG.P1.S1 – Relator: Nunes Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt), é dito: «I - A usucapião é um modo de aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo (art.ºs 1287.º e 1316.º do CC) que depende apenas da verificação de dois elementos: a posse e o decurso de certo lapso de tempo, que varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os caracteres da mesma posse. Quando invocada, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art.º 1288.º do CC), adquirindo-se o direito de propriedade no momento do início da mesma posse (art.º 1317.º, al. c), do CC). II - A usucapião serve, além do mais, para “legalizar” situações de facto “ilegais”, mantidas durante longos períodos de tempo, inclusive até a apropriação ilegítima ou ilícita de uma coisa. III - A eventual nulidade decorrente de ilegal fracionamento de um prédio não constitui, por si só, fundamento para recusar a usucapião, porquanto nenhum dos diversos e sucessivos diplomas legais sobre a matéria do loteamento urbano, veio impedir a possibilidade de invocação da usucapião sobre os lotes de terreno resultantes do loteamento ilegal. IV - Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são, em regra, nulos (art.º 294.º do CC), podendo a nulidade ser, em princípio, invocada a todo o tempo por qualquer interessado e até ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.º 286.º do CC); porém, a não fixação de um prazo para a sua arguição não afeta os direitos que hajam sido adquiridos por usucapião. V - Entender que a posse, baseada em ato ou facto proibido por normas imperativas do loteamento urbano (ou do destaque), é insuscetível de conduzir à aquisição da propriedade por usucapião abstrai da realidade económica e social do nosso país, onde especialmente no interior norte e centro, uma boa parte das partilhas entre maiores, nomeadamente de imóveis constitutivos dos acervos das heranças, ainda é ou era feita “de boca” e posteriormente “legalizada” com suporte na usucapião. VI - Por conseguinte, tendo a posse dos réus sobre a parcela de terreno em litígio nos autos se consolidado por usucapião e não resultando provado que a mesma tenha sido “destinada à construção” nem imediata nem subsequentemente à concretização da divisão física do prédio original, mas antes que se encontra há mais de 20 anos a ser utilizada como parque de estacionamento automóvel, não pode deixar de se reconhecer aos réus/reconvintes o direito de propriedade sobre tal parcela».
Neste posicionamento realça-se que, como decorre dos Art.ºs 1259.º e 1296.º do C.C., o facto de a posse não ser titulada ou de boa fé apenas influi no prazo necessário à verificação da usucapião (cfr. Manuel Henrique Mesquita in “Direitos Reais” (sumários das Lições ao Curso de 1966-1967)”, pág. 98 e Durval Ferreira in “Posse e Usucapião”, 3.ª Ed. pág. 501), irrelevando irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, seja por vícios de natureza formal ou substancial (cfr. Ac.s do STJ de 27/6/2006, in CJ/STJ, Tomo 2/2006, pág. 133; e 26/01/2016, proferido no proc. 5434/09.2TVLSB.L1.S1 acessível in www.dgsi.pt).
Considera-se ainda que ao interesse público que as leis referentes ao loteamento visam satisfazer, contrapõe-se que as regras da usucapião também são determinadas por razões de interesse público, consistente na defesa da paz pública, que se justificam por poderosas razões de ordem económico-social (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, pág. 65).
Penha Gonçalves (in “Direitos Reais – A Posse”, pág. 77 a 78) também sustenta que: «As normas que regulam a posse são de ordem pública, por isso, inderrogáveis por vontade das partes».
A tese contrária é sustentada, por exemplo, no Acórdão do STJ de 26/1/2016 (Proc. n.º 5434/09.2TVLSB.L1.S1 – Relator: Sebastião Póvoa, disponível em www.dgsi.pt), de cujo sumário se destaca: «3) Em simultâneo com o instituto da usucapião - de natureza privatística - coexistem no nosso ordenamento jurídico disposições de natureza jurídico-administrativa – de direito público - que disciplinam o ordenamento do território e condicionam a utilização dos solos, estendendo-se os seus efeitos aos atos e negócios jurídicos que os particulares praticam relativamente a bens imóveis. 4) Um dos principais instrumentos de que o legislador se tem servido para conformar e conjugar os interesses públicos e privados no que se refere à utilização dos solos tem sido a legislação sobre loteamentos urbanos, tendo esta como propósito geral impedir o aproveitamento indiscriminado de terrenos para a construção urbana e evitar a criação de núcleos habitacionais contrários ao racional desenvolvimento urbano do território, não olvidando a qualidade de vida das populações (com reflexo nos direitos de personalidade, “máxime” a higiene e salubridade), as infraestruturas urbanísticas e “last but not least” a estética. 5) O diálogo entre o direito civil e o direito do urbanismo e o objetivo de aplicação uniforme e coerente do ordenamento jurídico como um todo implicam que as normas de cariz administrativo respeitantes ao fracionamento, ao loteamento e ao destaque de imóveis sejam atendidas aquando do reconhecimento das formas de aquisição da propriedade, mormente da usucapião. 6) Os tribunais judiciais não podem manter-se como espaços de aplicação exclusiva do direito civil ignorando as intersecções deste com o direito do urbanismo, sendo cada vez mais urgente, face à natureza imperativa e aos interesses públicos que este último prossegue, abandonar este estado “monocromático” das relações entre ambos estes ramos do direito. 7) Na ausência de demonstração do cumprimento das limitações impostas pelas normas administrativas de ordenamento do território relativas à validade das operações urbanísticas como o loteamento ou o destaque (artigos 3.º, alínea a), 5.º, 53.º, n.º 1 e 56.º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, republicado pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28-12, aplicáveis na data da celebração da escritura), não podem os atos de posse baseados num facto proibido por essas leis permitir uma aquisição por usucapião na medida em que contrários a uma disposição de carácter imperativo (artigo 294.º do Código Civil), sendo nula a escritura de justificação que a titula.
8) É nulo, por impossibilidade originária objetiva de cumprimento da prestação (artigos 401.º e 289.º, n.º 1 do Código Civil), o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os recorridos e os justificantes que tenha por referência o prédio objeto de tal escritura de justificação».

Relava-se assim que o instituto da usucapião deve coexistir de forma harmoniosa com as disposições de natureza jurídico-administrativa que disciplinam o ordenamento do território e condicionam a utilização dos solos, estendendo-se os seus efeitos aos atos e negócios jurídicos que os particulares praticam relativamente a bens imóveis. Sendo que as normas do Direito do Urbanismo, são um ramo autónomo do direito, especial ao Direito Administrativo (cfr. Prof. Fernando Alves Correia, in “Manual do Direito do Urbanismo”, I, 2001, págs. 45 e 48), tendo mesmo consagração constitucional, no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, que no seu n.º 4, prevê expressamente que: «O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística».
Deste modo, as decisões básicas sobre o urbanismo deixaram de pertencer aos proprietários, para serem cometidas à Administração Pública, a quem cabem funções de planeamento, gestão e controlo das atividades com reflexos na ocupação, uso e transformação do solo (cfr. Prof. Diogo Freitas do Amaral, apud “Opções Políticas e Ideológicas Subjacentes à Legislação Urbanística”, in Direito do Urbanismo, INA, pág. 99; e Prof. Fernando Alves Correia, ob. cit., pág. 103). Princípio que mereceu consagração na Lei de Bases da Política do Ordenamento do Território e de Urbanismo (cfr. Art.º 4.º da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto). Entretanto, melhor densificado na Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo vigente (Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio), que no seu Art.º 4.º n.º 2 estabelece que: «o direito de propriedade privada e os demais direitos relativos ao solo são ponderados e conformados no quadro das relações jurídicas de ordenamento do território e de urbanismo, com princípios e valores constitucionais protegidos, nomeadamente nos domínios da defesa nacional, do ambiente, da cultura e do património cultural, da paisagem, da saúde pública, da educação, da habitação, da qualidade de vida e do desenvolvimento económico e social».
No que se refere concretamente aos loteamentos urbanos, o sentido das sucessivas leis tem sido o de evitar  a desorganizada ocupação urbanística do solo (cfr. José Osvaldo Gomes, in “Manual dos Loteamentos Urbanos”, 2.ª Edição, Coimbra, 1983, pág. 37), condicionando o loteamento urbano a licenciamento e à observância de determinados condicionamentos. Nessa medida, qualquer ato que violasse as disposições relativas às operações de loteamento, seriam assim nulos, nos termos dos Art.ºs 280.º, 285.º e 294.º do C.C. (cfr. José Osvaldo Gomes, ob. cit., págs. 459 e ss.).
Em conformidade, desde o Dec.Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, que se estabelece que são nulos todos os títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como os instrumentos notariais relativos a atos ou negócios jurídicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abrangidos por operações de loteamento urbanos, que não indicassem o número e data de alvará em vigor, sendo inadmissível o seu registo (Art.º 27.º n.º 1 e 2). Essa cominação foi repetida no Dec.Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro (cfr. Art.ºs 57.º, n.º 1 e 60.º), no Dec.Lei n.º 448/91, de 29 de novembro (Art.ºs 53.º, n.º 1 e 56.º, n.º 3) e no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (Art. 49.º).
Atualmente o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação procedeu a uma distinção entre operações urbanísticas sujeitas a licença administrativa, a comunicação prévia ou a autorização de utilização, sujeitando as operações de loteamento a licença administrativa, enquanto o destaque, desde que reunidas determinadas condições, passou a estar isento de controlo prévio, sem prejuízo da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, como sejam as constantes de planos municipais e intermunicipais ou especiais de ordenamento do território (Art.º 4.º, n.º 1, al. a) e 6.º, n.º 1, alínea d) e n.º 8).
Ora, todas estas normas têm natureza imperativa, considerando os fins públicos que as entidades licenciadoras prosseguem, condicionando a vida das pessoas associadas às operações de loteamento e às obras de urbanização.
Em suma, se se proíbe determinado resultado, devem ter-se por proibidos os meios, ainda que indiretos, de lá chegar, como sejam a usucapião. Por outro lado, a invocação desse direito é um ato nulo, que não pode ter por efeito a aquisição do direito de propriedade, na medida em que contrarie normas legais imperativas que disciplinam as operações de loteamento, de fracionamento ou de constituição de destaques.
Contrapostas as posições, não podemos deixar de ser sensíveis ao argumento de que havendo proibição legal e imperativa à conformação do direito de propriedade a determinadas regras administrativas que servem interesses públicos relacionados com as finalidades atribuídas constitucionalmente ao Estado (em sentido lato), nomeadamente no que se refere à disciplina do ordenamento do território, é evidente que a aquisição do direito de propriedade, mesmo que por usucapião, não pode ser admitida se não respeitar os fins para os quais essas limitações foram estabelecidas.
Sucede que, no caso dos autos, não estamos perante operações de loteamento clandestino ou obras não licenciadas e, portanto, não se pode falar em violação direta das regras que disciplinam o loteamento de prédios rústicos com vista à sua urbanização.
No caso, houve loteamento e o Alvará emitido permitia a urbanização em lotes constituídos para o efeito, sendo que os lotes foram adquiridos por A. e R.R. com base no Alvará de Loteamento 6/95 de 11 de agosto de 1995 (cfr. doc. de fls. 18). Pelo que, não foi violado o Art.º 49.º do Dec.Lei n.º 555/99 de 16/12, onde se estabelece que: «1 - Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos relativos a atos ou negócios jurídicos de que resulte, direta ou indiretamente, a constituição de lotes nos termos da alínea i) do artigo 2.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º e 7.º, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, devem constar o número do alvará ou da comunicação prévia, a data de emissão do título, a data de caducidade e a certidão do registo predial. 2 - Não podem ser realizados atos de primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou de frações autónomas desses imóveis sem que seja exibida, perante a entidade que celebre a escritura pública ou autentique o documento particular, certidão emitida pela câmara municipal, comprovativa da receção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa de que a caução a que se refere o artigo 54.º é suficiente para garantir a boa execução das obras de urbanização. 3 - Caso as obras de urbanização sejam realizadas nos termos dos artigos 84.º e 85.º, os atos referidos no número anterior podem ser efetuados mediante a exibição de certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa da conclusão de tais obras, devidamente executadas em conformidade com os projetos aprovados. 4 - A exibição das certidões referidas nos n.ºs 2 e 3 é dispensada sempre que o alvará de loteamento tenha sido emitido ao abrigo dos Decretos-Leis n.ºs 289/73, de 6 de junho, e 400/84, de 31 de dezembro».
É evidente que o caso dos autos passa completamente ao lado deste dispositivo legal.
O mesmo se diga relativamente ao Art.º 53.º do Dec.Lei n.º 448/91 de 29 de novembro, onde se estabelece que: «1 - Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos a atos ou negócios jurídicos de que resulte, direta ou indiretamente, a divisão em lotes nos termos da alínea a) do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 5.º, 64.º e 65.º, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, deve constar o número do alvará, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão do registo predial. 2 - Na primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou de frações autónomas desses imóveis não se podem celebrar escrituras públicas sem que seja exibida, perante o notário, certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa da receção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa de que a caução a que se refere o artigo 24.º é suficiente para garantir a boa execução das obras de urbanização. 3 - Caso as obras de urbanização sejam realizadas nos termos do artigo 47.º, as escrituras referidas no número anterior podem ser celebradas mediante a exibição de certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa da conclusão de tais obras, devidamente executadas em conformidade com os projetos aprovados».
Por outro lado, não está em causa uma operação de loteamento, que tenha por objetivo a divisão em lotes para construção urbana, tal como é estabelecido no Art.º 3.º al. a) do Dec.Lei n.º 448/91 de 29 de novembro.
Pode é estar em causa um ato de “apropriação” de que resulte indiretamente um destaque duma parte dum lote já licenciado, com vista à sua incorporação noutro lote, também já devidamente licenciado pelo mesmo Alvará de Loteamento. Ora, nos termos do Art.º 5.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 448/91 de 29 de novembro, nos aglomerados urbanos, como é o caso, os atos de destaque duma única parcela de prédio inscrito e participado, são dispensados do regime de licenciamento previsto nesse diploma legal, desde que não resultem mais de duas parcelas que confrontem com arruamentos públicos (al. a) do n.º 1) ou a construção a erigir na parcela a destacar disponha de projeto aprovado pela Câmara Municipal (al. b) do n.º 1).
Sucede que, ambas essas condições previstas no Art. 5.º n.º 1 se verificam no caso, tendo em atenção o desenho da parte ocupada pelos R.R., de acordo com o levantamento topográfico de fls. 23, e o licenciamento camarário da obra relativa ao lote 5, que incluía a edificação do muro em discussão nesta ação (cfr. doc.s de fls. 43 a 45 – Alvará de obras de edificação n.º 238/2005 e Alvará de Utilização n.º 161/2006).
A única questão é que este “destaque” não foi voluntário para o dono do lote 4, mas decorre agora do exercício da faculdade de aquisição por usucapião que a lei civil reconhece aos titulares do direito de propriedade sobre o lote 5, que, sem se aperceberem disso, ocuparam uma parcela de terreno que estava incluída no lote 4.
Finalmente, também não está em causa o disposto no Art.º 56.º do mesmo diploma legal, que comina com a nulidade os atos administrativos respeitantes a operações de loteamento, obras de urbanização e obras de construção civil, que não sejam precedidas de consultas cujos pareceres, autorizações ou aprovações que sejam legalmente exigíveis por lei ou não estejam em conformidade com os mesmos quando de natureza vinculativa (al. a) do n.º 1), ou que violem o disposto em instrumentos de planeamento territorial, normas provisórias, áreas de desenvolvimento urbano prioritário ou área de construção prioritária (al. b) do n.º 1). Nem muito menos, atos jurídicos praticados em violação do Art. 53.º (cfr. n.º 3 do Art.º 56.º).
Como vimos, o que motiva a presente ação nada tem a ver com a ausência duma operação de licenciamento para loteamento urbano, ou com a inobservância dos interesses públicos subjacentes a esse tipo de procedimento administrativo.
O que se passou foi apenas um ato particular de apropriação indevida duma pequena parcela de terreno do lote 4 pelos proprietários do lote 5. O que foi feito de forma (aparentemente) inconsciente, por ter existido um erro na conformação dos alinhamentos da estrema entre os dois lotes, por referência ao que se encontrava nos desenhos que serviram de base ao Alvará de Loteamento emitido pela Câmara Municipal da Horta.
Neste caso, não houve violação de regras de licenciamento administrativo, nem de normas imperativas, nem de interesses de ordem pública relevantes relacionados com a definição geral da utilização dos solos, constitucional e legalmente atribuída à Administração Pública. Houve, apenas e só, violação do direito de propriedade do titular do lote 4. Por essa razão, não existem limites legais ao exercício da faculdade de aquisição do direito de propriedade por usucapião por parte dos titulares do lote 5.
Em face do exposto, a defesa por exceção, relacionada com a invocação da aquisição do direito de propriedade por usucapião sobre a parcela de terreno irregularmente ocupada pelos R.R., deve ser julgada por procedente e, em consequência, deveria a ação ser julgada improcedente por não provada, absolvendo-se os R.R. dos pedidos contra si formulados em c) a f) da petição inicial, procedendo as conclusões que sustentam a solução assim pugnada aplicar ao caso.
A procedência dos pedidos formulados em a) e b) da petição inicial, na parte em que se pretendia o reconhecimento do direito de propriedade do A. relativamente ao prédio identificado no artigo 5.º e dos R.R. como proprietários do prédio identificado no artigo 12.º, na verdade, nunca estiveram em causa nesta ação. Sobre tal pretensão não havia litígio, mesmo sendo certo que a sentença recorrida absolveu, inexplicavelmente, os R.R. do pedido de todo o pedido formulado na alínea b). Seja como for, os Recorrentes vieram apenas pôr em causa a sentença na parte dispositiva de que resultou a sua condenação, ficando de fora do objeto da presente apelação a parte em que aí se decidir absolver os R.R. do demais pedido.
Sobre o que havia litígio era se o prédio do A. tinha 1.020 m2 e o prédio dos R.R. 949 m2. Mas, em função da procedência da exceção relativa à aquisição da parcela de terreno ocupada pelos proprietários do lote 5, torna-se evidente que não podem proceder esses pedidos, na parte que se refere ao reconhecimento das áreas aí mencionadas.
4. Dos demais temas da apelação relacionados com o mérito da causa.
Em face de tudo o que acabámos de expor, evidentemente que ficam prejudicadas as demais questões relacionadas com a impossibilidade de os R.R. poderem ser condenados a construir o muro dentro da estrema do seu prédio, atento ao disposto no Art.º 1356.º do C.C., sendo que o recurso subordinado, relacionado com a pretendida procedência dos pedidos de indemnização por danos patrimoniais causados pelos R.R. e com a alegada “sanção pecuniária compulsória”, porque pressupunha a ilicitude a apropriação da parcela de terreno em causa nos autos (cfr. Art.º 483.º do C.C.), fica igualmente prejudicada, por se tratar agora de ato lícito, exercido em conformidade com o Art.º 1287.º do C.C., com efeitos retroativos à data do início da posse (cfr. Art.º 1288.º do C.C.).
Portanto, mesmo que em determinado tempo tivesse havido uma apropriação ilícita de parte do lote 4 pelos proprietários do lote 5. Neste momento, decorridos mais de 18 anos sobre esse ato, operando-se a aquisição do correspondente direito de propriedade por usucapião, o ato convalidou-se em ato lícito, sendo assim conforme ao exercício do direito de propriedade dos titulares do lote 5, afastando-se desse modo o requisito da responsabilidade civil extracontratual, previsto no Art.º 483.º n.º 1 do C.C..
Restam, no entanto, as questões relacionadas com as custas.
5. Da responsabilidade por custas.
O recurso subordinado suscitava ainda duas outras questões relacionadas com a responsabilidade por custas. Por um lado, por não se concordar com a repartição dessas responsabilidades, tal como determinada no final pela sentença recorrida. Por outro, porque se discordar da aplicação feita ao caso do disposto no Art.º 6.º do R.C.P..
Quanto à responsabilidade por custas, essa decisão fica necessariamente prejudicada pela procedência da apelação apresentada pelos R.R..
Sendo revogada a sentença, inevitavelmente que a responsabilidade por custas cabe inteiramente ao A., por força do seu decaimento total (cfr. Art.º 527.º do C.P.C.).
É certo que o A. deve ser reconhecido como legítimo proprietário do lote 4, mas sobre isso nunca houve litígio, tendo sempre sido aceito pelos R.R.  e, portanto, essa decisão não corresponde a qualquer vencimento de causa (cfr. Art.º 527.º n.º 2 do C.P.C.) ou circunstância por que os R.R. sejam responsáveis em termos tributários, aplicando-se, com as devidas adaptações a regra constante na 1.ª parte do n.º 1 do Art.º 535.º do C.P.C..
O A. será assim responsável pelas custas relativas à 1.ª instância, quer as relativas ao presente recurso.
6. Da taxa de justiça suplementar.
A sentença decidiu também aplicar, ao abrigo do Art.º 6.º n.º 1 e tabela I-A, do Regulamento das Custas Processuais uma taxa de justiça de 6 U.C.s, em face da extensão e complexidade dos presentes autos.
O A., no recurso subordinado que apresentou, veio sustentar que não se verificam razões relacionadas com a complexidade da causa que justificassem a aplicação de semelhante sanção.
Apreciando, o Art.º 6.º n.º 1 do R.C.P. não permite o estabelecimento de qualquer taxa de justiça adicional, em função da complexidade da causa.
A norma que permite isso é o n.º 5 do mesmo preceito, onde se estabelece que: «O juiz pode determinar, a final, a aplicação  dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente regulamento, às ações e recursos que revelem especial complexidade».
Na verdade, esta ação, à qual foi atribuído o valor tributário de €7.275,75, por despacho de fls. 108 a 109, posteriormente confirmado por despacho de fls. 220 verso, apesar do pedido formulado pelo A. no sentido da sua alteração, por força da ampliação do pedido para €36.294,70 (cfr. requerimento de fls. 192 a 195), tem um nível de complexidade, quer quanto às questões jurídicas que suscita, quer quanto ao trabalho que obrigou a realizar, nomeadamente através de prova pericial colegial, com reclamações e esclarecimentos, e prova documental e testemunhal relativamente extensa, que não tem qualquer correspondência com o valor da ação.
Só por uma “technicality” é que a esta ação não foi atribuído o valor de €36.294,70. Pelo que, em vez da taxa de justiça dever ser 2 U.C., conforme a tabela I-A do R.C.P. impõe para ações com valor de 2.000,01 a 8.000 Euros, como efetivamente foi no caso dos autos, em condições normais deveria ser de 6 U.C.s, conforme resulta da mesma tabela I-A para as ações de valor entre 30.000,01 e 40.000 Euros.
Percebe-se que o Mm.º Juiz a quo pretendeu adequar a taxa de justiça devida aos valores efetivamente discutidos nesta ação, que seria o valor da causa, caso a ampliação do pedido tivesse relevado para efeitos de fixação do valor tributário. Simplesmente, o Art.º 6.º n.º 5 do R.C.P., manda aplicar a tabela I-C, não permitindo corrigir o valor da ação a considerar.
Ora, a taxa de justiça prevista na tabela I-C, no caso de aplicação do Art.º 6.º n.º 5 do R.C.P., para as ações com valor de 2.000,01 a 8.000 Euros, é de 3 U.C.s e não de 6 U.C.s.
Logo, apesar de se julgar plenamente justificado que ao caso se deva aplicar o Art.º 6.º n.º 5 do R.C.P., por elementares razões de equidade, ponderando a correspetividade entre os serviços prestado pelo Tribunal e o valor da retribuição devida a título de taxa de justiça, entendemos que a taxa de justiça a aplicar será apenas de 3 U.C.s, procedendo assim, em parte, as conclusões do recurso subordinado em matéria de custas.
Pelas mesmas razões, deverá ser essa a taxa de justiça a considerar igualmente na responsabilidade tributaria relativa à presente instância recursiva.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, por provada, revogando a sentença recorrida na parte que reconheceu que o lote do A. tem 1.020 m2 e condenou os R.R., L…M… e R…M…, por si e na qualidade de únicos herdeiros de M…M…, a demolir o muro que divide o seu lote do do A., incluindo as sapatas do mesmo e sebes que se mostrem plantadas no terreno do A. e a edificar muro na estrema do seu prédio observando um alinhamento da estrema sul do lote 5 e lote 6 confinante com a estrema norte do lote 4, que consista num segmento reto entre o início do lote 5 na Rua … e a marcação de um afastamento de 38,80m ao limite da via de circulação da Canada das Dutras na estrema nascente do loteamento (correspondente a 2,00m do estacionamento norte contiguo à Canada das Dutras + 3,00m do correspondente passeio e de + 33,80m correspondente ao comprimento da estrema nascente do lote 6), nos termos na peça desenhada n.º 5 intitulada “Planta do Loteamento” do projeto de loteamento n.º 6/95 de 11 de agosto de 1995; tudo no pressuposto de que foi julgada procedente a exceção da aquisição da parcela de terreno em discussão nesta ação por usucapião a favor dos R.R.; substituindo, em conformidade, essa decisão recorrida pela de absolver os R.R. desses pedidos, sem prejuízo de se manter o reconhecimento do A. como dono e legítimo proprietário do prédio designado por lote 4, sito na Canada das Dutras – Rua …, inscrito na matriz predial urbana da Matriz e concelho de Horta sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Horta sob o nº …/19950906 (com registo de aquisição a favor do Autor pela Ap. 3162 de 2017/01/25), por ser possuidor de título legítimo.
Mais se julga o recurso subordinado parcialmente procedente no que se refere à condenação em custas por taxa de justiça de 6 U.C.s, reduzindo-se essa responsabilidade para 3 U.C.s, que fica a cargo do A., nos termos do Art.º 527.º n.º 1 do C.P.C., conjugado com o Art.º 6.º n.º 5 do R.C.P. e tabela I-C a ela anexa, o que se torna extensivo à responsabilidade tributária relativa à presente instância recursiva.
- Custas pelo Recorrido, R… (Art.º 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 14 de março de 2023
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva