Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
262/08.5GAPRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: JULGAMENTO SEM A PRESENÇA DO RÉU
GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO
MEDIDA DA PENA
RELATÓRIO SOCIAL
Nº do Documento: RP20101202262/08.5GAPRD.P1
Data do Acordão: 12/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: 1 - Verificados os condicionalismos de prestação de termo de identidade e residência (196ºCPP) e a notificação do arguido nos termos do artº 333º nºs 1 a 3 do CPP, a audiência deve prosseguir mesmo estando faltoso o arguido, ficando representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor.
2 - As garantias de defesa do arguido são asseguradas:
2.1 – A montante do julgamento, com a nova modalidade do TIR e consequentes obrigações e advertências e a notificação do julgamento com a expressa advertência de que, no caso de não comparência, o julgamento pode ter lugar na sua ausência, devidamente representado pelo defensor;
2.2. - Na audiência, pela possibilidade de o defensor poder requerer a sua audição na segunda data designada para o efeito;
2.3 - Depois da audiência, pelo direito ao recurso, após notificação da sentença proferida.
3 - Na determinação da medida da pena deve o Tribunal atender às “condições pessoais do agente e sua situação económica” (71º CP)
4 - A conduta omissiva do arguido – não comparecendo a julgamento, não contestando, nem indicando testemunhas – não dispensa o Tribunal de, oficiosamente, determinar a elaboração dum relatório social que lhe permita o conhecimento das condições pessoais, sociais e económicas do arguido de modo a melhor o habilitar a dosear a pena e a pronunciar-se acerca da medida substitutiva que ao caso possa caber.
5 - O julgamento comporta duas fases (sistema da cesure mitigada): (i) a fase da culpabilidade, na qual o tribunal comprova os elementos respeitantes aos factos da responsabilidade do arguido, as circunstâncias que graduam a sua culpa, as condições de punibilidade; (ii) a fase da determinação da sanção, na qual se entra na individualização da pena ou medida de segurança.
6 - O Tribunal pode em qualquer altura do julgamento solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, sendo certo que a produção da prova complementar considerada necessária à aplicação da pena ou medida de segurança, tem lugar em audiência para o efeito reaberta, ouvindo-se sempre que possível o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto (Processo n.º 262/08.5GAPRD.P1).
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I.Relatório.

No Processo Comum Singular nº 262/08.5GAPRD do 1º juízo criminal de Paredes, por Sentença de 27 de Outubro de 2009, a arguida B………., com a restante identificação constante de fls. 210, foi condenada, pela prática de um crime de um crime de falsificação p. e p. pelos arts. 255º, 256º, nº1, al. c) e nº3 ambos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão; e ao abrigo do disposto no art. 45º do C. Penal foi decidido substituir a pena de prisão aplicada pelo cumprimento de prisão em dias livres, em fim-de-semana, em períodos de 36 horas (trinta e seis) horas, entre as 9h00 de Sábado e as 21h00 de Domingo, o que corresponderá a 42 (quarenta e dois) períodos, devendo iniciar-se no 5º fim-de-semana subsequente ao trânsito em julgado da presente decisão – art. 45º, nº1, 2 e 3 do C. Penal e art. 487º, nº1 do C. Penal.
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Inconformado com a sentença dela veio a arguida B………., interpor recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (após ser ordenada correcção das mesmas) que se transcrevem:
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O Mº Pº junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso pugnando:
- pelo não conhecimento do recurso de facto, por a recorrente não ter dado cumprimento ao ónus de especificação que se impunha por força do 412º, n.º3 do CPP;
- pelo não provimento da questão da violação do direito de defesa quer por que não se considerou imprescindível a presença da arguida na audiência de julgamento (pois, a arguida foi representada para todos os efeitos possíveis, pela sua defensora oficiosa, nos termos do disposto no artigo 334º, n.º4 do CPP) quer porque mesmo verificada eventual não fundamentação do despacho da Srª juiz a quo não resulta qualquer nulidade insanável, mas quando muito um irregularidade que se encontra sanada por não ter sido atempadamente arguida;
- pelo provimento da última questão posta pela recorrente, por não estar habilitado o processo com todos os elementos necessários - sobre a situação familiar, social e económica da arguida - para a determinação da pena, configurando a ausência de tais elementos o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, referido no artigo 410º, n.º1 al. a) do CPP.
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 280.
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido do parcial provimento do recurso, quer por verificação da nulidade insanável a que se refere a al. c) do Artigo 119º do CPP, com as consequências previstas no artigo 122º, especificamente quanto ao termo do julgamento sem a presença da arguida; quer por verificação de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, dada a necessidade de produção de prova suplementar com o fim de apurar da situação económica, social, profissional e familiar com vista à determinação mais adequada da escolha e medida da pena; quer por a sentença não ter afastado a possibilidade de substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 379º, n.º1 a. c) do CPP.
Terminou emitindo parecer no sentido de o recurso merecer parcial provimento, na perspectiva de que se conclua pelas nulidades da sentença (artigos 119º c) e 379º, n.º1 c) do CPP) e se determine a reabertura da audiência a fim de que as mesmas sejam rectificadas.
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Efectuado despacho preliminar, sendo o recurso tempestivo e não sendo caso de conhecimento em decisão sumária, foram colhidos os vistos e realizada a conferência, pelo que cumpre decidir.
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II- Fundamentação.
1.É a seguinte a factualidade apurada na 1ª Instância. (transcrição)
“II – Fundamentação
A. Resultou provado com interesse para a decisão da causa que:
1. A arguida é vizinha da denunciante C………. e vivem ambas na mesma rua e prédio.
2. A C………. é beneficiária do abono de família, subsidio este que recebe periodicamente, todos os meses, da Segurança Social Portuguesa, no montante de 163,27€ e que lhe é enviado por cheque para a sua residência e via postal ou correio - CTT.
3.Em circunstâncias de tempo, modo e lugar que não foi possível apurar, a arguida, sem qualquer autorização legítima, entrou na posse e detenção do cheque n.° ………., emitido pela Segurança Social Portuguesa sobre o banco D………., com a data de 08/10/2007, no montante cartular de €163,27, à ordem da C………. e que correspondia ao subsídio ou abono de família do mês de Outubro de 2007, que a denunciante regular e mensalmente recebia.
4.A arguida logo se apercebeu que aquele cheque se destinava ao pagamento de prestações sociais da qual não era beneficiária, que a sua posse e detenção era ilegítima, e que a quantia que aquele titulo cartularmente exibia pertencia e destinava-se à queixosa, de quem aliás era vizinha.
5.Não obstante isso, a arguida, em data não apurada, mas em Outubro de 2007, pelo seu punho, escreveu e assinou o verso do cheque com o nome e apelidos da denunciante, apondo ainda um bilhete de identidade com um número e dados fictícios, criando assim a aparência de um endosso regularmente efectuado.
6.Na posse desse título, que desta forma adulterara, depositou esse cheque na conta bancária n.° ……….. no dia 24/10/2007, da agência de Paredes da E………., titulada pelo marido F………., abaixo identificado.
7.A arguida sempre deteve esse cheque contra a vontade da referida C………. e era dele possuidor sem qualquer autorização.
8.No decurso do inquérito, a denunciante C………. recebeu entretanto a quantia relativa ao cheque.
9. A arguida agiu deliberadamente, com intenção de causar prejuízo patrimonial à denunciante e obter enriquecimento ilegítimo para outrem, sabendo que ao endossar com assinatura falsa o cheque e ao deposita-lo em conta bancária a que não era legitimamente destinado, fazia constar do título facto juridicamente relevante, abusivo e com notória valência normativa cartular.
10. Tinha igualmente conhecimento que o cheque era um documento comercial transmissível por endosso e com uma capacidade aquisitiva ou valor liberatório equivalente ao da moeda com curso legal.
11.Agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
12. A arguida foi anteriormente condenada pela prática em 3.03.2003, pela prática de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256º, nº1, al. a) e nº3 do C. Penal, no proc. nº581/03.7GAPRD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €1; pela prática em 9.02.2003 de um crime de burla p. e p. pelo art. 217º, nº1, 30º, nº2 e 79º do C. Penal, no proc. nº5520/03.2TDLSB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, na pena de 190 dias de multa à taxa diária de €7; pela prática em 18.08.2005, de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256º, nº1, do C. Penal e de 1 crime de furto p. e p. pelo art. 203º, nº1 do C. Penal, no proc. 1453/05.6TAPRD, do 1º Juízo, do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, na pena de 8 meses de prisão suspensa por dois anos; pela prática em 19.12.2006 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3/01, no proc. 357/07.8GBPNF, do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de €3; pela prática em 07.1.2008 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3/01, no proc. sumário nº29/08.0GAPRD, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, na pena de 2 meses de prisão suspensa por um ano; pela prática em 07.01.2008 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3/01, no proc. nº984/07.8GAPRD do 1º Juízo Criminal de Paredes, na pena de 2 meses de prisão suspensa por um ano; pela prática em 04.04.2008 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3/01, no proc. 314/08.1GAPRD, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, na pena de seis meses de prisão suspensa por dois anos subordinada a condição.
B – Não resultaram não provados quaisquer factos com interesse para a decisão da causa.
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C) Motivação de facto e exame crítico das provas
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Questões a resolver:
Assim, delimitados e encaminhados pelas conclusões formuladas em sede de motivação de recurso, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
Questão 1). Nulidade insanável do despacho que determinou o início do julgamento sem a presença da arguida, ao abrigo do artigo 119º al. c) do CPP, por insuficiência de fundamentação e por ter considerado prescindível a presença da arguida na audiência de julgamento e por violação do direito de defesa da arguida e ainda por não ter sido aceite como válido o relatório médico junto a fls. 204.
Questão 2). Erro de julgamento, em relação aos pontos de facto n.ºs 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11; mormente no que concerne à atribuição “da autoria da assinatura do cheque de fls. 134 à arguida e ao depósito do montante deste cheque na conta do marido da arguida”, com erro na apreciação da prova e violação do princípio in dúbio pró reo.
Questão 3). Violação das regras de determinação da medida da pena quer por se não ter procedido à atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72º, al. c) do CPP, quer por se mostrarem necessários para correcta determinação da medida da pena elementos de que o tribunal não dispõe e que tinha obrigação de obter, como sejam elementos relativos à situação económica, social e familiar da arguida.
Questão 4). Alteração da medida substitutiva encontrada (prisão por dias livres) por uma pena substitutiva não detentiva.
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III. Apreciação do recurso.
Esta relação conhece de facto e de direito, nos termos do artigo 428º do CPP e o recurso interposto pelo recorrente, visa não só a decisão de direito como o julgamento da matéria de facto.
Vejamos as questões.
- 1).Nulidade insanável do despacho que determinou o início do julgamento sem a presença da arguida, ao abrigo do artigo 119º al. c) do CPP, por insuficiência de fundamentação e ainda por não ter sido aceite como válido o relatório médico junto a fls. 204, e por ter sido considerada prescindível a presença da arguida na audiência de julgamento. Esta questão encerra, na realidade duas questões a primeira prende-se com a fundamentação do despacho que determinou o início da audiência de julgamento sem a presença da arguida e a segunda, como se deu conta o Digníssimo PGA, no seu parecer, prende-se com a finalização da audiência de julgamento na ausência da arguida.
O despacho que a recorrente pretende atacar foi proferido na primeira sessão de julgamento, a 19.10.2009, estando a arguida devidamente representada pela sua defensora, e tem o seguinte teor:
“Não resultando do documento junto que a arguida na data de hoje esteja efectivamente impedida de comparecer em audiência e concordando com a promoção precedente, aguardem os autos a junção no prazo legal de documento que prove tal impossibilidade.
Uma vez que a arguida B………. não se encontra presente neste Tribunal, apesar de, para o efeito, ter sido devidamente notificada a fls. 187, e prestou termo de identidade e residência a fls. 91, nos termos previstos no artigo 196º, do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro – e dado que a sua presença desde o início da audiência não se afigura indispensável para a descoberta da verdade material – dar-se-á início à presente diligência conforme previsto no art. 333º, n.º2, do mesmo corpo de normas.
Notifique”.
Dispõe o artigo 97º, n.º5 do CPP, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Ora, resulta do teor do despacho que se deixou transcrito que o mesmo se encontra devidamente fundamentado com as normas legais pertinentes - artigo 196º, do CPP, com a redacção vigente e artigo 333º, n.º2 do CPP - e fazendo apelo à não indispensabilidade da presença da arguida para a descoberta da verdade material. Sendo certo que, ao compulsar o termo de identidade e residência, constante a fls. 91 dos autos (a que se faz referência no despacho), verifica-se que o mesmo se encontra redigido consoante prescreve o artigo 196º, do CPP, nomeadamente, quanto ao conhecimento que dele foi dado à arguida das obrigações e advertências constantes nas alíneas do n.º2 do artigo em questão e, verifica-se também que a notificação de fls. 179 e 187º (a que se faz referência no mesmo despacho), se encontra efectuada de acordo com o disposto no artigo 333º, nº2 e 333º, n.º3 do CPP.
Assim, não temos dúvidas de que o despacho posto em crise, se encontra devidamente fundamentado, e consequentemente devidamente fundamentado o início da audiência de discussão e julgamento na ausência da arguida.
Se fosse o caso de o despacho não se encontrar devidamente fundamentado, o efeito de tal falta de fundamentação seria o de mera irregularidade, a arguir no prazo do artigo 123º, do CPP, e portanto, por não arguida tempestivamente, devidamente sanada.
Quanto à questão de não ter sido aceite como válido o relatório médico junto a fls. 204, no que respeita à impossibilidade da arguida comparecer a julgamento, não tendo sido interposto recurso do despacho que assim não considerou na audiência de 19.10.2009, quando em 07.12.2009 foi interposto recurso da sentença proferida nos autos, já tal despacho que, com base no referido documento, não considerou justificada a falta da arguida à audiência, havia transitado em julgado.
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Vejamos, então, a questão do termo (e por consequência de todo o decurso) da audiência sem a presença da arguida.
Pretende a recorrente que o tribunal de primeira instância, ao considerar que não era indispensável a presença da arguida para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material, violou o direito de defesa da arguida, por não promover a sua audição noutra sessão, pelo que se verificaria a nulidade insanável prevista no artigo 119º al. c) do CPP
Afigura-se-nos, a todas as luzes, manifesto que a recorrente não tem razão.
Vejamos, então. Decorre dos autos que a recorrente no seguimento de notificação para ser interrogada e constituída como arguida, foi constituída arguida a 22.09.2009 (vide fls. 86), altura em que lhe foram comunicados os direitos e deveres processuais decorrentes dessa sua posição processual de arguida e, nessa mesma data, foi sujeita a termo de identidade e residência, de onde releva, para o que agora nos ocupa, que foi dado conhecimento à arguida das obrigações decorrentes do termo de identidade e residência, em cumprimento do artigo 196º, n.º3 do CPP, e nomeadamente: “De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333º do C. P. Penal…”, em conformidade com a alínea d) do n.º3 do artigo 196º do CPP.
Como decorre da conciliação dos documentos de fls. 179 e 187 a arguida foi notificada via postal simples. O depósito em receptáculo pelo distribuidor postal ocorreu em 13.07.2009. Por força do artigo 113º, n.º 3 do CPP, considera-se a arguida notificada no dia 18.07.2010. A notificação visava comunicar à arguida que comparecesse a 19.10.2009, às 14 horas, a fim de ser ouvida em audiência de julgamento, sendo advertida de que faltando, esta (audiência) poderá ter lugar na sua ausência, sendo representada para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor; em caso de adiamento, fica desde já designado o dia 26.10.2009, às 14 horas, nos termos do artigo 312º, n.º2 do CPP, podendo nesta data ter lugar a sua audição, a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado, ao abrigo do disposto no artigo 333º, n.º3 do CPP.
Não obstante tal advertência, a arguida faltou à audiência e apresentou um documento (constante a fls. 204) que, por emitido a 17.09.2009 e prever um período de convalescença da arguida de cinco semanas a partir de 19.09.2009, não foi considerado bastante para justificar o seu impedimento efectivo naquela data e audiência, tendo sido determinado que se aguardasse a justificação da falta.
Sustenta a recorrente, que o Tribunal devia ou ter adiado a audiência ou providenciado pela sua audição e, ao assim não fazer, violou o seu direito de defesa.
Vejamos, então.
Resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320-C/2000 de 15.12, que as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal por esse diploma legal visavam resolver «algumas causas de morosidade processual» que comprometiam, ao tempo, «a eficácia do direito penal» e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
E resulta que, o legislador dando-se conta que “uma das principais causas de morosidade processual” consistia nos sucessivos adiamentos das audiências de julgamento por falta de comparência do arguido, e pretendendo obstar a tal morosidade, propôs-se limitar “os casos de adiamento da audiência em virtude dessa falta”, nomeadamente, quando o arguido foi regularmente notificado.
Para tanto, após concluir que a posição do arguido no processo penal é protegida pelo princípio da presunção de inocência, prevista no n.º2 do artigo 32º da Constituição, em articulação com o princípio in dúbio pró reo, entendeu não ser de permitir a total desresponsabilização do arguido em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento, razão que aduziu para introduzir as alterações constantes do referido Decreto-Lei e, nomeadamente, a introdução da modalidade de notificação por via postal simples, e a permissão para que o tribunal pondere a necessidade da presença do arguido na audiência, só a podendo adiar nos casos em que regularmente notificado da mesma a sua presença desde o início da audiência se afigurar indispensável para a descoberta da verdade material. Mantendo o arguido o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se toda a prova se produzir na primeira data marcada conferindo ao advogado constituído ou defensor a faculdade de requerer a audição do arguido na segunda data designada pelo juiz nos termos do n.º2 do artigo 312º.
Atendendo aos motivos, assim, expostos, e ao disposto no artigo 333º, n.º1 a 3 do CPP (na redacção introduzida pelo Dec-Lei n.º 320-C/2000 de 15.12), perante a falta do arguido à audiência de julgamento para a qual foi regularmente notificado, a regra é a de que a audiência deve prosseguir, só devendo ser adiada se o Tribunal considerar a presença do arguido indispensável desde o seu início. O que se nos afigura só em casos muito excepcionais ocorrerá, atento o direito do arguido ao silêncio.
Portanto, a regra é a de que verificados os condicionalismos de prestação de termo de identidade e residência, conformes com o artigo 196º do CPP, e a notificação do arguido nos termos dos artigos 333º nºs 1 a 3 do CPP, a audiência deve prosseguir mesmo estando faltoso o arguido, ficando representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor. Para este prosseguimento só se exige ao juiz que faça um juízo de não indispensabilidade da presença do arguido desde o início da audiência, com fundamento no não prejuízo para a descoberta da verdade material, aliás em conformidade com o que lhe é exigido em termos de produção de prova, pelo artigo 340º do CPP.
As garantias de defesa do arguido são asseguradas por três vias:
- a montante do julgamento pelo esquema arquitectónico gizado pelo legislador com a nova modalidade do termo de identidade e residência prevista no artigo 196º do CPP, e consequentes obrigações e advertências, e a notificação do julgamento com a expressa advertência de que, no caso de não comparência, o julgamento pode ter lugar na ausência, devidamente representado por defensor;
- na própria audiência de julgamento com a possibilidade de, mesmo no caso de toda a restante prova se produzir na primeira sessão de julgamento, o defensor/advogado do arguido requerer a sua audição na segunda data designada para o efeito, isto é, para defesa pessoal do arguido, caso em que tem de se adiar a continuação da audiência para a data já designada.
- e depois da audiência ter lugar com a consagração do direito ao recurso do arguido, após prévia notificação da sentença proferida.
Sem embargo sempre se dirá que o n.º6 do artigo 32º da CRP introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/97 veio exactamente permitir à lei ordinária a possibilidade de estabelecer “os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.”
E, por sua vez o Tribunal Constitucional concluiu que não padecia de inconstitucionalidade:
- a norma do artigo 333º, n.º1 do CPP, ao permitir a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, se a sua presença não foi considerada indispensável (AC. TC n.º 465/04).
- a norma do n.º3 do artigo 333º do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido apenas pode ser ouvido em audiência de julgamento se o requerer no próprio dia em que tem lugar a audiência de julgamento na ausência. (Ac. do TC n.º 206/06).
Como escrevem os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4ª edição, 2007, Vol. I, pag. 523 «O n.º 6 [do artigo 32º da CRP], aditado pela Lei Constitucional n.º 1/97, pretende dar guarida constitucional à dispensa do arguido ou acusado em actos processuais, designadamente a audiência de julgamento, permitindo o julgamento na ausência do arguido». (…) «A Constituição condiciona a legitimidade destes actos à observância dos direitos de defesa. Entende-se por direito de defesa, nestes casos, o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, o direito de requerer que seja ouvido em segunda data, o direito à notificação da sentença e o direito ao recurso, o direito de requerer e conseguir que a audiência tenha lugar na sua ausência, o direito a defensor».
Os referidos direitos foram assegurados ao arguido, em nome do denominado processo equitativo, tendo-lhe sido asseguradas possibilidades reais e efectivas de contrariar a acusação, das quais são manifestação, a assistência de defensor, a notificação da sentença (fls. 235), e o presente recurso.
Finalmente impõe-se abordar o artigo 119º al. c) do CPP, com o objectivo de averiguar se foi cometida a nulidade invocada.
Dispõe o artigo 119º, al. c) do CPP que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
Ora, decorre da norma transcrita que a ausência do arguido ou do seu defensor só constitui a nulidade insanável prevista na al. c) do artigo 119º, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, o que pelas razões aduzidas anteriormente não é manifestamente o caso.
A questão poderia colocar-se com propriedade se, o defensor do arguido presente na audiência de julgamento, tivesse requerido a audição deste ou o tribunal tivesse considerado a sua presença necessária para a descoberta da verdade material e, na primeira hipótese, não tivesse sido admitida a audição do arguido ou, na segunda hipótese, nada tivesse sido diligenciado com vista a fazer o arguido presente à audiência.
Assim, entendemos que não se verifica em qualquer das circunstâncias a apontada nulidade, quer por a audiência de julgamento se ter iniciado sem a presença da arguida com base no despacho que atrás transcrevemos, quer por a audiência de discussão e julgamento ter decorrido e terminado com a arguida ausente, tendo em conta que a audição da arguida não foi requerida pelo seu defensor.
Pelo exposto improcede na totalidade a questão colocada, mesmo na interpretação mais ampla que lhe demos.
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- 2).Conhecimento da invocada questão do erro de julgamento, em relação aos pontos de facto n.ºs 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11; mormente no que concerne à atribuição “da autoria da assinatura do cheque de fls. 134 à arguida e ao depósito do montante deste cheque na conta do marido da arguida”, com erro na apreciação da prova e violação do princípio in dúbio pró reo.
Há erro de julgamento quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que tivesse sido feita prova do mesmo e como tal deveria ter sido considerado como não provado; ou quando se dá como não provado um facto, que em face da prova produzida, deveria antes ter sido considerado provado - vide neste sentido o Ac. do STJ de 20 de Abril de 2006, proc. 06P363, Rel. Rodrigues Costa, disponível no site da dgsi.
O erro de julgamento só pode ser sindicado, actualmente com o recurso à gravação, uma vez que a transcrição foi abolida pela reforma de 2007.
O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância.
A recorrente indicou os pontos de facto n.ºs 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11 (mormente no que concerne à atribuição “da autoria da assinatura do cheque de fls. 134 à arguida e ao depósito do montante deste cheque na conta do marido da arguida”), como os pontos em que houve erro julgamento, e indicou as provas que na sua versão - depoimento da ofendida e do seu companheiro que por tendenciosos, confusos, imprecisos, não deveriam ter merecido credibilidade - impunha que se desse por não provada tal matéria.
A apreciação da prova é regida pela regra geral contida no art. 127º do C.P.P., de acordo com a qual o tribunal - ressalvadas as excepções integradas no princípio da prova legal ou tarifada (na qual, no caso concreto, se inclui a prova pericial junto aos autos, por força do artigo 163º do CPP, que a recorrente esquece e que apoda de “presunções derivadas do exame pericial”) - forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente ao princípio da legalidade da prova (cfr. arts. 32º nº 8 da C.R.P., 125º e 126º do C.P.P. ) e ao princípio “in dubio pro reo”.
O ataque que a recorrente desfere à forma como o tribunal recorrido decidiu a matéria de facto não assenta na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida. Pelo contrário a sua discordância centra-se na forma como foram valoradas as provas produzidas, insurgindo-se contra a credibilidade que foi reconhecida à ofendida e ao seu companheiro.
Ouvida a gravação da prova, verifica-se que a convicção adquirida pelo tribunal a quo, aliás, clara e bem fundamentada, emerge como absolutamente conforme com as regras da experiência comum.
Com efeito, ouvidos os suportes magnéticos do ocorrido no julgamento, na sessão de 19 de Outubro de 2009, relativamente a C………., das 14:36:39 às 14:46:05 e relativamente a G………, das 14:46:49 às 14:49:21, verificamos que tais testemunhas, respectivamente ofendida e companheiro desta, nas suas declarações esclarecem (de modo mais completo a testemunha C……….) o tribunal, sobre a forma como deram pela falta do cheque, cujo original se encontra nos autos a fls. 134, esclarecendo a testemunha C………. que este cheque lhe era dirigido e era do abono das filhas. E que durante uma determinada semana, mais ou menos há dois anos, tendo em conta a data do julgamento, esperava a chegada do cheque em questão, que o esperou durante toda a semana e como ele não veio, foi à Segurança Social inteirar-se do que estava a acontecer. Entretanto, na Segurança Social foi-lhe dito que o cheque havia sido processado no computador e que aguardasse cerca de dois meses para se saber o que aconteceu ao cheque. Decorridos esses cerca de dois meses a ofendida voltou à segurança Social, onde lhe foi dito que o cheque havia sido pago, a ofendida C………. fez lá “um papel” a pedir o cheque, e foi-lhe enviada uma fotocópia através da qual veio a saber, com intervenção da GNR, que o cheque havia sido depositado numa conta da arguida ou do marido dela. Não é neste momento despiciendo referir que, como disse a ofendida, o cheque vinha para o correio, referindo-se à sua caixa de correio, e que a arguida é sua vizinha morando no andar por cima do seu. De onde decorre, segundo as regras da experiencia, ocasião propícia à apropriação do cheque.
ESTE É O ITINERÁRIO DO CHEQUE CONHECIDO PELA OFENDIDA.
Quanto à assinatura constante no verso do cheque, efectivamente a ofendida faz alguma confusão com o ser sua ou não ser sua, principalmente em relação ao nome C………., mas acaba, sem “qualquer condução de depoimento” ou sem “perguntas capciosas ou contendo em si a resposta” por responder “essa assinatura não é minha”; “essa letra não é minha”; “nunca recebi esse cheque em casa”.
A testemunha, G………. referiu que a “esposa” “estava à espera do cheque faz este mês dois anos” e foi à caixa do correio e não estava lá cheque nenhum. Ela “foi saber à segurança social onde ele andava” e com a fotocópia do cheque que veio de Lisboa foi à GNR, onde acabou por saber que o cheque estava depositado na E………..
E foi esta prova testemunhal, que o tribunal a quo conjugou (devidamente) com a prova documental e pericial, junta aos autos, do seguinte modo:”
No cheque de fls. 134, em conjugação com a informação de fls. 11 e 44, prestada pela E………. de onde resulta ter sido o cheque depositado em conta titulada pelo marido da arguida.
Do confronto entre a cópia do bilhete de identidade da ofendida C………. junto a fls. 10 e o nº de bilhete de identidade aposto no verso do sobredito cheque se extrai ser o mesmo diverso e portanto ter sido este “criado” para efeito.
O exame pericial à letra da arguida conclui ser muitíssimo provável que a escrita aposta no verso do aludido cheque seja da autoria daquela, quando simultaneamente conclui com muitíssima probabilidade não ser do seu marido. Ora sendo certo que a arguida era e é vizinha da ofendida a quem era destinado o cheque, que este foi depositado na conta titulada pelo marido da arguida (sendo que este se tem de ter por afastado como suspeito da autoria da assinatura) a prova assim conjugada permite concluir ter sido a mesma quem assinou o cheque em questão.
O que concerne à intenção da arguida a mesma resulta evidenciada nos factos sendo certo que não resulta dos autos que não seja pessoa medianamente informada, sendo certo que já antes fora condenada por violação do mesmo bem jurídico.
No CRC junto aos autos a fls. 192 e ss. quanto aos antecedentes criminais da arguida.”
A esta apreciação dos factos, nomeadamente na conjugação dos documentos entre si, não há qualquer reparo a fazer, por tal apreciação se mostrar em absoluto conforme com as regras da lógica e da experiência e note-se que a conclusão (que a recorrente põe em causa) de que “não resulta dos autos que (a arguida) não seja pessoa medianamente informada”, podia mesmo em face dos factos formular-se numa conclusão positiva de que resulta dos factos, que a arguida é pessoa medianamente esclarecida e informada, pois que o esclarecimento e informação da arguida decorre do facto de ela ter aposto um número de BI que não corresponde ao número do seu BI, junto com a assinatura da ofendida e, decorre, ainda, do facto de o cheque ter sido “depositado” numa conta titulada apenas pelo seu marido, com o óbvio objectivo de dificultar a ligação daquela conta à arguida.
Quanto à assinatura constante do verso do cheque de fls. 134 quando comparada com a letra da ofendida, da arguida e do marido desta, resulta das conclusões do exame pericial, efectuado à letra destes três intervenientes processuais (exame de fls. 124 a 151), constantes a fls. 129, o seguinte:
Admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura aposta no verso do cheque, de fls. 14 (doc. 1 deste relatório), não seja da autoria de C………..
Admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura aposta no verso do cheque, de fls. 14 (doc. 1), seja da autoria de B………..
Admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura aposta no verso do cheque, de fls. 14 (doc 1), não seja da autoria de F………..
Nos termos da nota informativa sobre exames periciais de escrita manual, junta no relatório a fls. 132 e 133, a expressão “Muitíssimo Provável”, e “Muitíssimo Provável Não” aproximam-se da certeza. e indicam o mais alto grau de semelhança ou dissemelhança que pode ser estabelecido entre duas escritas comparadas.
E resulta ainda da mesma nota informativa, no que tange à validação dos resultados que “Nos exames periciais de escrita manual do L.P.C. intervêm no mínimo dois peritos: um que executa a perícia e outro que valida o resultado. Relativamente à validação das conclusões, cada exame pericial é verificado por um segundo perito e ambos devem chegar a uma conclusão unânime.
Ora decorre do que deixamos exposto, que ao contrário do que pretende a recorrente os resultados da perícia transmitem-nos uma probabilidade, próxima da certeza, com resultados fidedignos por validados por dois peritos, quer no resultado da perícia quer na unanimidade das conclusões a que chegou.
E das conclusões da perícia resulta, a exclusão da ofendida e do marido da arguida, como autores da assinatura suspeita aposta no verso do cheque de fls. 134, enquanto resulta como muitíssimo provável tal assinatura ser da autoria da arguida nestes autos, B………..
Por outro lado, não se colocou ao tribunal da primeira instância a questão de fazer uso do princípio in dúbio pró reo, porque nenhuma dúvida existe em face da conciliação da prova documental, pericial e testemunhal produzida, que foi a arguida que apôs com o seu próprio punho, a assinatura correspondente ao nome da ofendida, no verso do cheque junto a fls. 134. Sendo que o referido cheque foi posteriormente depositado numa conta de F………., indicado como testemunha, que conquanto não tenha prestado declarações em audiência, não o fez exactamente ao abrigo do artigo 134º, n.º1 al. a) do CPP, por ser marido da arguida. Do que decorre que a conta onde foi depositado o cheque em causa, tem como titular o tal F………., marido da arguida.
Pelo exposto, a prova foi devidamente apreciada e conjugada, e a sentença encontra-se devidamente motivada, não há qualquer erro na apreciação da prova, não há que lançar mão do princípio in dúbio pró reo, pelo que nada há a censurar à primeira instância, nesta sede.
Improcede, portanto esta questão.
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- 3).questão da violação das regras de determinação da medida da pena quer por se não ter procedido à atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72º, al. c) do CPP, quer por se mostrarem necessários para correcta determinação da medida da pena elementos de que o tribunal não dispõe e que tinha obrigação de obter, como sejam elementos relativos à situação económica, social e familiar da arguida.
Invoca como fundamento desta questão, o não ter sido apreciado na fixação da medida da pena, a circunstância atenuante constante do processo, consistente no ressarcimento da ofendida por parte da arguida.
E ainda, que o Tribunal não atendeu a todas as circunstâncias relevantes para o doseamento da pena, uma vez que não determinou a realização de relatório social, atenta a ausência da arguida, não tendo sido ponderadas as condições sociais, económicas e familiares da arguida, por desconhecidas.
Vejamos os factos constantes da sentença e relevantes para a fixação da medida da pena:
«8.No decurso do inquérito, a denunciante C………. recebeu entretanto a quantia relativa ao cheque.
12. A arguida foi anteriormente condenada pela prática em 3.03.2003, pela prática de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256º, nº1, al. a) e nº3 do C. Penal, no proc. nº581/03.7GAPRD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €1; pela prática em 9.02.2003 de um crime de burla p. e p. pelo art. 217º, nº1, 30º, nº2 e 79º do C. Penal, no proc. nº5520/03.2TDLSB, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, na pena de 190 dias de multa à taxa diária de €7; pela prática em 18.08.2005, de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256º, nº1, do C. Penal e de 1 crime de furto p. e p. pelo art. 203º, nº1 do C. Penal, no proc. 1453/05.6TAPRD, do 1º Juízo, do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, na pena de 8 meses de prisão suspensa por dois anos; pela prática em 19.12.2006 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3/01, no proc. 357/07.8GBPNF, do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de €3; pela prática em 07.1.2008 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3/01, no proc. sumário nº29/08.0GAPRD, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, na pena de 2 meses de prisão suspensa por um ano; pela prática em 07.01.2008 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3/01, no proc. nº984/07.8GAPRD do 1º Juízo Criminal de Paredes, na pena de 2 meses de prisão suspensa por um ano; pela prática em 04.04.2008 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do D.L. 2/98 de 3/01, no proc. 314/08.1GAPRD, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, na pena de seis meses de prisão suspensa por dois anos subordinada a condição.»
O Tribunal a quo fundamentou assim a escolha e medida da pena:
«Pela prática de um crime de falsificação de documentos, punível pelos preceitos legais já acima mencionados, é abstractamente aplicável uma pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias.
Inexistem in casu causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Atento o critério expresso no artº 70º do Código Penal, quando ao crime sejam aplicáveis, alternativamente, uma pena privativa da liberdade e uma pena não detentiva, o Tribunal dá preferência a esta última, conquanto fiquem asseguradas de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, nos termos de artº 40º, nº 1, do mesmo Código.
No caso em apreço, são cada vez mais elevadas as exigências de prevenção geral, em face do cada vez maior desrespeito pelos deveres determinados pela autoridade a reclamar por isso uma punição que reafirme eficazmente a validade da norma violada.
A prevenção especial faz-se sentir no caso em apreço de modo muito intenso, a arguida tem antecedentes criminais, tendo já sido anteriormente condenada, para além do mais, por duas vezes por violação do mesmo tipo legal, uma das quais em pena privativa da liberdade suspensa na sua execução, fazendo perspectivar como incontornável a consideração de que uma pena de pendor pecuniário, mormente a multa, abstracta e alternativamente aplicável não se afigura adequada a satisfazer as apontadas exigências, nomeadamente de prevenção especial, ditadas pela postura da arguida que apesar das sucessivas condenações de que foi alvo não adopta conduta coincidente com o respeito devido aos interesses tutelados pela lei, pelo que em face do exposto se impõe aplicar uma pena de prisão privativa da liberdade por só esta se mostrar adequada à realização das finalidades de punição.
A pena de prisão será fixada, dentro da moldura penal abstracta em função das exigências de prevenção e da culpa do agente (como medida inultrapassável – artº 40º, nº 2, do Código Penal), atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do arguido e contra ele, nos termos do artº 71º, nº 2, do Código Penal.
No caso decidendo, para além dos aspectos já aludidos aquando da escolha da sanção, importa ponderar os seguintes:
- actuou com dolo directo;
- A ilicitude é no caso em apreço de grau médio/elevado;
-a arguida tem antecedentes criminais, havendo já sido anteriormente condenada, por duas vezes, para além do mais, pela prática do mesmo tipo de ilícito.
Assim, ponderadas as sobreditas circunstâncias, agravantes e atenuantes, julgo adequada e equitativa a aplicação da pena de 7 (sete) meses de prisão.”
Vejamos então.
Dispõe o artigo 71º do C. Penal que: a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
A intensidade do dolo ou da negligência;
Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Dispõe o artigo 72º, nº1 do C.P que “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
n.º2 Para efeito do disposto no número anterior, são considerados, entre outras, as circunstâncias seguintes: c) ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados.”
Dos dispositivos transcritos resulta que, os factos sobre a reparação dos danos causados ou reparação das consequências do crime, têm relevância em sede de medida da pena, eventualmente em sede de atenuação especial da pena, e caso assim se não entenda sempre em sede de atenuante geral, no âmbito do cômputo da pena.
Verifica-se que nos factos necessários ao doseamento da pena, não consta o facto de a arguida ter procedido ao ressarcimento da ofendida, nem a medida desse ressarcimento. E, também se verifica que nem tal facto, nem o facto menor, constante do n.º 8 dos factos provados, foram levados em conta no cômputo da pena.
E a verdade é que os autos contêm factos relevantes para esse desiderato, nomeadamente o facto que decorre dos documentos juntos aos autos a fls. 102 e 103.
Por conseguinte devia constar dos factos provados, o seguinte facto (que resulta dos documentos juntos aos autos a fls. 102 e 103):
O ex-arguido F………., marido da arguida, juntamente com esta (B……….) vieram, juntar documento comprovativo de terem procedido ao depósito no montante de 163,27euros na E………., em 22.09.2008, destinado ao ressarcimento do prejuízo da ofendida (fls. 102 e 103).
Em conformidade aditamos este facto aos factos provados, como facto n.º 13, por se entender que o mesmo é relevante para a medida da pena e por o mesmo resultar de prova documental junta aos autos pela arguida.
Quanto à medida da pena, sustenta a recorrente a falta de elementos respeitantes à situação económica, social e familiar da arguida, e necessários para o doseamento da pena.
Como vimos o art. 71º do Código Penal, após explicitar, no nº1, que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, enuncia, no nº 2, um conjunto de circunstâncias a que o julgador deve atender na determinação da pena, entre as quais se contam “as condições pessoais do agente e a sua situação económica”.
Neste aspecto, a matéria de facto revela apenas os antecedentes criminais da arguida (artigo 12º dos factos provados) que se deixaram elencados na parte transcrita na decisão.
Nada mais se sabe, designadamente quanto às condições pessoais da arguida e sua situação económica, à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena e quanto à conduta posterior ao facto.
Embora, quanto a esta última circunstância esteja já assente o facto enumerado sob o artigo 8º (embora algo indiferente à contribuição da arguida para tal conclusão), e aquele que este Tribunal de recurso fixou agora, como facto nº 13 dos factos provados.
O tribunal não apurou, pois, pormenorizadamente as condições pessoais da arguida. É certo que para tanto contribuiu a arguida, que, regularmente notificada, quer da acusação, quer da marcação do julgamento, não apresentou contestação, nem indicou testemunhas. Não esteve presente na sessão da audiência em que foi produzida a prova, e não elucidou o tribunal acerca das suas condições pessoais.
Este conjunto de circunstâncias, que deriva duma conduta omissiva da arguida, não dispensava, no entanto, o tribunal de, oficiosamente, determinar a elaboração dum relatório social pelos serviços competentes da DGRS, ficando, assim, numa situação de conhecimento das condições pessoais, sociais e económicas da arguida que lhe permitissem, de modo bem mais seguro, dosear a pena e pronunciar-se acerca da medida substitutiva que ao caso há-de caber.
Não o tendo feito, como revela a mera análise do texto da decisão, existe uma situação de insuficiência da matéria de facto para a decisão relativa à medida da pena.
Concluindo-se pela insuficiência na matéria de facto, restrita aos elementos necessários ao correcto doseamento da pena, impõe-se uma breve análise do sistema de determinação da sanção no sistema português a fim de averiguar os termos em que se deve fazer baixar o processo para esse efeito.
Dentro do sistema da césure mitigada ou ténue consagrada pela associação dos artigos 369º e 368º do CPP, introduziu-se uma fase destinada à aplicação da medida da pena, com certa autonomia em relação à fase da determinação da culpabilidade. A fase do julgamento pode assim ser cindida em duas fases, a fase da culpabilidade, sobre a qual dispõe o artigo 368º do CPP, onde o tribunal comprova os elementos respeitantes aos factos da responsabilidade do arguido, as circunstâncias que graduam a sua culpa, as condições de punibilidade. E a fase da determinação da sanção, prevista no artigo 369º do CPP, onde comprovados os elementos referidos anteriormente, se entra na individualização da pena ou medida de segurança, tomando-se em linha de conta os elementos respeitantes aos antecedentes criminais do arguido, às perícias sobre a personalidade e o relatório social.
Decorre do disposto no artigo 369º do CPP, que se resultar da deliberação tomada, na sequência da audiência de julgamento, dever ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, o presidente do tribunal lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social (n.º1).
De seguida o mesmo presidente pergunta se o tribunal considera necessária produção de prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar, deliberando e votando o tribunal sobre a espécie e a medida da sanção a aplicar imediatamente, se não for entendida necessária aquela prova, ou após a produção da prova nos termos do art. 371.º, se entendida necessária (n.º 2).
Importa, neste contexto, recordar que o tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo (art. 370.º).
E que, para produção da prova complementar considerada necessária à aplicação de pena ou medida de segurança, tem lugar em audiência para o efeito reaberta (art. 371.º, n.º 1), ouvindo-se sempre que possível (…) o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido. Vide neste sentido o Ac. do STJ de 18.12.2008, proc. 08P2816, Rel. Simas Santos.
Entendemos, assim, que se deve proceder em primeira instância à reabertura da audiência para determinação da sanção (artigo 371º do CPP), o que é permitido pela consagração no artigo 369º de uma fase de julgamento limitada (razoavelmente autónoma) à determinação da sanção em face da questão da culpabilidade. Para tal efeito deve solicitar-se sempre (necessariamente) e antes de tal reabertura o devido relatório social, deixando-se ao critério do tribunal a quo a eventual produção de outras provas que venham a ser consideradas necessárias para a determinação da sanção, nomeadamente as previstas no artigo 371º, n.º2 do CPP.
E após haverão de ponderar-se os factos já provados, nomeadamente os factos enumerados sob os números 8º, 12º e 13º (este último facto fixado por este tribunal de recurso) e os que hão-de apurar-se, conjugados com o disposto nos artigos 71º e 72º do CP, para efeitos de eventual atenuação especial da pena e, não sendo caso disso, sempre para efeitos do cômputo da medida da pena.
Se a pena escolhida for de prisão seguir-se-á a ponderação da substituição da pena encontrada, por qualquer das penas de substituição elencadas no código penal e que ao caso caibam, e nomeadamente, a ponderação em relação a todas as penas substitutivas não detentivas e se nestas se não encontrar pena substitutiva bastante para efeitos de prevenção, segue-se a eleição dentro das detentivas daquela que se mostrar mais adequada para o efeito pretendido, não sem antes providenciar pelo afastamento das que se mostrarem menos gravosas para a arguida, mas não servirem as finalidades de prevenção exigidas.
Do que fica exposto resulta que, improcede o recurso quanto à questão da realização da audiência na ausência da arguida e relativamente ao erro de julgamento e que se considera definitiva a determinação da culpabilidade efectuada pelo Tribunal recorrido.
Procedendo apenas parcialmente o recurso, quanto à questão da falta de elementos para a determinação correcta da medida da pena.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento da questão da alteração da medida substitutiva encontrada (prisão por dias livres) por uma pena substitutiva não detentiva.

IV- Decisão.
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso da arguida, ordenando a reabertura da audiência para determinação da sanção, nos termos do art. 371.º do CPP, necessariamente com realização de relatório social, mas confirmando a decisão recorrida quanto à determinação da culpabilidade da mesma arguida.
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Custas do decaimento pela recorrente, nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal (e artigo 8º do Regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa em 4 [quatro] UC.
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(Documento elaborado pela relatora e integralmente revisto por quem o subscreve – artigo 94.º, n.º 2 do CPP).
Porto, 02 de Dezembro de 2010.
Maria Dolores da Silva e Sousa
José João Teixeira Coelho Vieira