Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
610/11.0TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTA CONJUNTA
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP20121122610/11.0TJVNF.P1
Data do Acordão: 11/22/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA E, CONHECIDO O MÉRITO, PROCEDENTE A ACÇÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É nula a sentença que não especifica os fundamentos de direito justificativos da decisão e não se pronuncia sobre a questão jurídica fundamental, que constitui a essência do litígio e da divergência das partes.
II - No depósito bancário, a titularidade da conta pode nada ter a ver com a propriedade das quantias nela depositadas por serem realidades jurídicas diferentes e independentes.
III - Numa conta colectiva ou conjunta, ainda que se presumam iguais as quotas de cada um dos co-titulares no saldo, nada tendo sido convencionado entre o cliente e o banqueiro, não pode este exigir que a desvinculação de um co-titular seja feita em impresso próprio, comunicada aos demais e por todos assinada, para ser eficaz, já que produz efeitos, como acto de renúncia que é, logo que for apresentada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº. 610/11.0TJVNF.P1 – 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº. 22)
Des. Dr. Fernando Manuel Pinto de Almeida (1º Adjunto)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (2º Adjunto)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

A Autora B… instaurou, em 21-02-2011, no 2º. Juízo Cível da Comarca de Vila Nova de Famalicão, acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra o Réu C…, S.A..

Pediu que seja a Ré condenada a restituir/repor na conta D. O. nº ……….., titulada pela Autora e aberta na sucursal da Ré, daquela cidade, a quantia de 15.324,26 € (quinze mil trezentos e vinte e quatro euros e vinte e seis cêntimos), acrescidos de juros à taxa legal, contados a partir da data de entrada da causa em juízo, até integral pagamento.

Causa de pedir invocada: incumprimento contratual.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que a A. celebrou com a R. um contrato de depósito bancário à ordem, em regime de conta conjunta ou colectiva, domiciliada no balcão de … (D.O. nº ………..); nessa conta, figurava como co-titular D…; em 18-02-2010, esta (D…), dirigiu-se a esse balcão e solicitou a sua desvinculação enquanto titular da referida conta; preencheu e assinou, para o efeito, um impresso fornecido pela Ré que para tal constitui documento idóneo e aprovado por esta; após tal diligência, foi a D… informada pelos representantes da Ré que, a partir daquela data, o património financeiro existente na dita conta, passava a ser titulado exclusivamente pela Autora, informação que aquela logo deu a conhecer a esta, entregando-lhe a cópia do referido documento; aconteceu que, consultando o saldo da conta, constatou ter sido nela escriturado, em 08-07-2010, um movimento a débito no montante de 15.324,26 €, correspondente a 50% do respectivo crédito; a Autora não tinha dado instruções à Ré para realizar aquele movimento; porém, foi informada pela Ré que ele tinha origem em notificação efectuada por Agente de Execução e na sequência da penhora do depósito efectuada em 15-03-2010, no processo judicial nº 3249/08.4TJVNF (em que é exequente a própria Ré), no qual figurava como executada a dita D…, mas tudo já depois da renúncia por esta à titularidade da conta; acrescentou que, sendo alheia a tal processo e, a D…, à conta, aquele movimento a débito foi abusivo e ilegal.

Juntou o dito documento (fls. 9), cópia de uma carta e procuração.

A Ré foi citada.

Contestou (fls. 19 a 24), alegando que, na verdade, executou a D… com base numa livrança por ela avalizada, vencida e não paga e, na sequência de diversas diligências para o efeito nesse processo acabou por ser penhorado o valor correspondente a 50% do saldo credor existente naquela conta conjunta e de que ela continuava co-titular; com efeito, não obstante o alegado pela Autora, a D… não ficou, com o preenchimento e entrega do referido impresso, desvinculada da conta, porque, para tal, necessitava [não diz porquê nem com que fundamento concreto] de preencher um outro impresso de cujo modelo junta cópia, e que este fosse também subscrito pela A. (como co-titular), tal como foi informada no descrito acto (18-02-2010) pela funcionária do R. que a atendeu, sob pena de o pedido não ser atendido, como não foi, porque a D…, apesar de para tal alertada deste resultado, se recusou a proceder como lhe foi dito; tal se compreende porque, dada a natureza conjunta, colectiva ou solidária da conta, tal implica custos e obrigações diversas para todos os co-titulares, sendo ilegítima a desvinculação por um deles sem que este dê conhecimento aos demais e sem que o Banco saiba que todos o tomaram, pois poderia o Banco ver-se na contingência de responder perante a Autora por eventuais responsabilidades em mora ou descobertos que passariam a onerar só aquela.

Concluindo pela improcedência da acção, juntou uma cópia do tal impresso (fls. 25 e 26) e procuração.

Foi proferido Saneador tabelar e, por alegada simplicidade, dispensada a elaboração de Base Instrutória.

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, conforme acta (fls. 41 a 43).

Foi proferida decisão sobre a matéria de facto (fls. 44 a 48), de que não houve quaisquer reclamações.

Seguiu-se a prolação de sentença (fls. 49 a 56), na qual, após indicação do elenco de afirmações que o tribunal recorrido considerou como factos provados; enunciação de que a questão a resolver consistia em saber se, à data da penhora realizada, o património financeiro existente na conta à ordem era titulado, exclusivamente, pela Autora, e, por isso, abusivo e ilegal, o movimento a débito efectuado nela pela Ré; citação de longo extracto da parte da fundamentação de direito de uma Decisão Sumária proferida em 28-11-2003, no Tribunal da Relação de Lisboa, subscrita pelo Exmº. Desembargador Arnaldo Silva; e mediante ponderação, em sede de fundamentação de direito, apenas que:

«Provou-se que a autora não é a única titular da conta DO ………... A conta em causa, desde a sua abertura, é também co-titulada por D…, filha da autora.
Na verdade, em 18 de Fevereiro de 2010 a D… preencheu o documento de pedidos diversos junto com a petição inicial como doc. nº 1. No entanto, não ficou por isso desvinculada da conta, continuando sua co-titular.
Também se provou que no âmbito da execução identificada nos autos, foi penhorado à ordem do respectivo processo o montante de € 15.324,26, em 13 de Maio de 2010. Aquele valor correspondia a 50% do saldo credor disponível na conta DO ………... Atendendo à natureza da conta - conta conjunta - o valor penhorado corresponde ao saldo que se presumia pertencer à co-titular D… à data da penhora.
Na verdade, tal como referido no aresto supra citado, no que respeita à atribuição do saldo, na conta conjunta vale integralmente a presunção do art.º 1403º, n.º 2 do Cód. Civil «ex vi » art.º 1404º do mesmo código, pelo que, os direitos crédito dos titulares da conta sobre as quotas do respectivo saldo se presumem quantitativamente iguais.
Assim, do que ficou dito resulta que a penhora do saldo da conta DO ……….., porque co-titulada também por D…, foi e é perfeitamente válida, regular e legítima.»

Se concluiu nela, então, que «Nos termos expostos, julgo a presente acção improcedente, por não provada e, em conformidade, absolvo a ré do pedido.»

Inconformada, veio a Autora interpor recurso, tendo alegado e formulado as seguintes “conclusões”:

1. O presente Recurso consigna duas partes distintas:

Na primeira parte – invoca-se a nulidade da sentença recorrida com base na manifesta ausência de fundamentação de direito susceptível de justificar a mesma.
Na segunda parte – admitindo sem conceder, que a decisão recorrida não padece do vício insanável a que alude o disposto no art. 668º, nº 1, alínea b) do C.P. C., – invoca-se o conflito entre a matéria de facto dada como provada e a decisão recorrida.

2. No que tange à invocada nulidade da decisão recorrida, a mesma resulta da manifesta ausência de fundamentação de direito susceptível de justificar a decisão sub judice.

3. Com efeito, na sentença, o tribunal tem que indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, sob pena de ocorrer falta de fundamentação de direito.

4. Ora, no caso em apreço a Meritíssima Juiz do Tribunal à Quo, não indicou, não interpretou nem aplicou qualquer normal jurídica passível de fundamentar a decisão recorrida.

5. Objectivamente, a Meritíssima Juiz do tribunal à Quo, limitou-se a remeter a fundamentação de direito da decisão recorrida para o acórdão no T. R. L. que, em bom rigor técnico-jurídico disserta e bem sobre o depósito bancário e as modalidades da contratação bancária, sem, contudo, referir qualquer norma jurídica susceptível de fundamentar a decisão recorrida.

6. Nestas circunstâncias, é óbvia a nulidade da sentença recorrida nos termos do disposto no art. 668º, nº 1, alínea b) do C. P. Civil, dado que, não especifica os fundamentos de direito susceptível de justificar tal decisão.

7. No que concerne ao invocado conflito entre a matéria de facto dada como provada e a decisão recorrida, tal conflito ressalta com evidência cotejando o plasmado nos Pontos – 4º - 5º - 24º dos factos provados com as conclusões da Meritíssima Juíz do Tribunal à Quo.

8. A Meritíssima Juiz do Tribunal à Quo, plasma nos Pontos – 4º - 5º - 24º dos factos provados que a co-titular da conta D. O. nº ……….., efectuou diligencias concretas e expressas junto da Ré C… tendo como objectivo desvincular-se, enquanto co-titular, daquela conta D. O.

9. No entanto, apesar de dar como provados os factos vertidos nos Pontos –4º - 5º - 24º, a Meritíssima Juiz do tribunal à Quo, concluiu que a D… não se desvinculou da conta D. O. ………...

10. Para fundamentar tal conclusão, a Meritíssima Juiz exara no Ponto 29º dos factos provados que:

«Não é legítimo a um co-titular desvincular-se da conta sem dar notícia de tal facto aos restantes co-titulares e sem que a instituição bancária onde a conta se encontra sediada saiba também ela que da desvinculação todos os co-titulares têm conhecimento».

11. Todavia, a Meritíssima Juiz do Tribunal à Quo não fundamentou de facto e muito menos de direito aquela ilegitimidade.

12. Aliás, não se vislumbra qual a norma jurídica que poderá fundamentar tal ilegitimidade.

13. Na verdade, a desvinculação do co-titular de uma conta D. O., resulta da vontade desse co-titular, in casu uma vontade expressa, sendo, por isso, um acto unilateral que não pode depender de terceiros, sob pena de violação do princípio da autonomia da vontade.

14. Aliás, no depósito ou conta colectiva ou conjunta, cada um dos co-titulares tem plena liberdade de movimentação a débito e a crédito, encontrando-se, por isso, numa situação privilegiada quanto à liberdade de levantamento ou depósitos, não carecendo, para tanto, de autorização ou ratificação por parte dos outros co-titulares.

15. Ora, se existe aquela liberdade de movimento a débito e a crédito dos co-titulares da conta D. O., não carecendo de autorização ou ratificação por parte de qualquer outro co-titular, não se vislumbra o fundamento jurídico que determine a ilegitimidade do co-titular na desvinculação unilateral da conta D. O. sem dar conta de tal facto aos restantes titulares.
- quem pode o mais, pode o menos

16. Face ao exposto, resulta claro que o acto unilateral praticado pela D… em 18 de Fevereiro de 2010 – Pontos 4º – 5º – 24º – dos factos provados – enquanto co-titular da conta D. O. nº ………… determina a sua desvinculação de tal conta, passando, desde então, 18/02/2010 – o património financeiro existente na mesma a ser titulado, exclusivamente, pela Autora B….

17. Assim sendo, é óbvio que a penhora de 50% daquele património realizado em 13 de Maio de 2010 – Ponto 22º dos factos provados – é ilegal e abusiva, dado que, a mesma, foi realizada no âmbito do processo nº 3249/08.4TJVNF ao qual a Autora/Recorrente não é parte, nem figura como executada ou co-executada.

18. E, como se demonstrou à saciedade, nessa data – 23 de Maio de 2010 – a totalidade do património financeiro existente na conta D. O. em causa, era titulada, exclusivamente, pela Autora.»

Pede, enfim, que o recurso seja julgado totalmente procedente e, em consonância, revogada a sentença recorrida, condenando-se a Ré a repor na conta D. O. titulada exclusivamente pela Autora/Recorrente a quantia de € 15.324,26, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a entrada em juízo da mesma em 1ª instância, até total e integral pagamento.

O Banco Réu apresentou as suas “contra-alegações”, nas quais salientou que a recorrente não impugnou a matéria de facto, a sentença especifica-os como seu fundamento bem como os fundamentos de direito (disposições do Código Comercial e do Código Civil mencionadas na decisão nela transcrita), pelo que não se verifica a sua arguida nulidade. Acrescentou que a recorrente não indica qual a norma que considera ter sido violada pela sentença recorrida nem o sentido com que, no seu entender, deviam ter sido interpretadas e aplicadas as normas nela invocadas como fundamento jurídico da decisão. Bem assim, que, a recorrente não pode agora vir alegar que o património financeiro existente na conta lhe pertence em exclusivo, uma vez que aceitou toda a matéria de facto, e que, atendendo à natureza da conta, é “manifesto não ser legítimo a um co-titular desvincular-se dela sem dar notícia de tal facto aos restantes co-titulares e sem que a instituição bancária onde a conta se encontra sediada saiba também ela da desvinculação todos os co-titulares têm conhecimento”.

O recurso foi admitido, como de apelação, com efeito devolutivo e subida imediata, nos autos.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir.

II. QUESTÕES

Sabido que, como decorre dos artºs 684º, 685º-A e 660º, CPC, as “conclusões” definem o objecto do recurso, não podendo este Tribunal conhecer, para além das que o devam ser oficiosamente, senão das questões nelas suscitadas, importa apreciar e decidir:

1ª. Falta de indicação pela recorrente da norma violada.

2ª. Nulidade da sentença.

3ª. Requisitos para a desvinculação de um co-titular de conta bancária conjunta.

4ª Consequências de o Banco não ter atendido o pedido escrito entregue por aquele.

III. FACTOS

A sentença recorrida considerou como factos provados, com interesse para a decisão da causa o seguinte rol:

«1. A Autora celebrou com a Ré um contrato de depósito bancário à ordem, em regime de conta conjunta ou colectiva na qual figura como co-titular D….
2. A Ré atribui a tal conta conjunta de depósitos à ordem o nº ………...
3. Ao longo de vários anos a referida conta foi movimentada a crédito e a débito ao abrigo do regime jurídico de conta conjunta ou colectiva.
4. No passado dia 18 de Fevereiro de 2010, a D…, dirigiu-se ao C… – sucursal de … – …. -, balcão onde se encontrava e encontra domiciliada a conta ora sub judice,
5. E solicitou, junto daquele balcão, a sua desvinculação enquanto titular daquela conta D. O. nº ……….;
6. A Autora, através de consulta ao saldo da conta D. O. em causa, constatou a existência de um movimento a débito no montante de 15.324,26 € (quinze mil trezentos e vinte e quatro euros e vinte e seis cêntimos);
7. Correspondendo, tal movimento a débito, a 50% do património financeiro depositado na conta D. O.;
8. A Autora não tinha dado instruções ao Banco Réu para realizar aquele movimento a débito na conta D. O.;
9. D… é executada no processo n.º 3249/08.4TJVNF;
10. A Autora, através do seu mandatário, enviou ao Banco réu a carta, cuja cópia se encontra junta a fls. 11 e 12, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
11. O Banco Réu não manifestou disponibilidade para proceder ao estorno da quantia retirada da conta D. O. nº ………...
12. O Banco Réu é o exequente no processo n.º 3249/08.4TJVNF.
13. A autora não é a única titular da conta DO ………...
14. A conta em causa, desde a sua abertura, é também co-titulada por D…, filha da autora.
15. A sociedade “E…, Lda”, contraiu um empréstimo junto do Banco réu - CLS ……...
16. Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do crédito concedido, designadamente, para garantia do seu pagamento em conformidade com o plano de pagamentos acordado, a sobredita “E…, Lda” subscreveu uma livrança em branco, que entregou ao Banco réu.
17. A livrança foi avalizada por F… e pela D….
18. Face ao incumprimento das obrigações emergentes do empréstimo acima referido, nomeadamente, o não pagamento das prestações acordadas, o Banco réu preencheu a livrança pelo valor em dívida, no montante de € 18.713,17.
19. Não tendo a livrança sido paga na data do seu vencimento, o Banco réu deu então a mesma à execução, em 7 de Outubro de 2008.
20. A execução foi movida contra a subscritora da livrança e os seus avalistas, nos quais se incluía a D….
21. Das diversas diligências de penhora entretanto realizadas no âmbito da execução, foi penhorado à ordem do respectivo processo o montante de € 15.324,26, em 13 de Maio de 2010.
22. Aquele valor correspondia a 50% do saldo credor disponível na conta DO ………...
23. Atendendo à natureza da conta - conta conjunta - o valor penhorado corresponde ao saldo que se presumia pertencer à co-titular D… à data da penhora.
24. Em 18 de Fevereiro de 2010 a D… preencheu o documento de pedidos diversos junto com a petição inicial como doc. nº 1.
25. No entanto, não ficou por isso desvinculada da conta, continuando sua co-titular.
26. A D… dirigiu-se em Fevereiro de 2010 à Sucursal do Banco réu de … solicitando a sua desvinculação da conta em causa.
27. Foi então informada pela colaboradora do Banco réu de que para se desvincular da conta necessitava de preencher o documento junto a fls. 25, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
28. Bem como da necessidade de tal documento ter de ser também subscrito pela outra co-titular da conta e sua mãe, a aqui autora;
29. Não é legítimo a um co-titular desvincular-se da conta sem dar notícia de tal facto aos restantes co-titulares e sem que a instituição bancária onde a conta se encontra sediada saiba também ela que da desvinculação todos os co-titulares têm conhecimento.
30. D… recusou-se a preencher o referido documento, como se recusou a que o mesmo fosse subscrito pela autora.
31. Recusa em que insistiu, apesar de a colaboradora do Banco réu a haver alertado para a circunstância de o pedido de desvinculação não poder ser atendido – como não foi - sem a entrega daquele documento devidamente preenchido e assinado.
32. Ao invés, a D… limitou-se a entregar o documento de pedidos diversos junto como doc. nº 1 com a petição inicial, e nada mais.
33. A autora não tinha de dar instruções algumas ao Banco réu no sentido de este realizar o movimento a débito na conta, atendendo à co-titularidade da mesma.» [negritos por nós colocados para assinalar as partes que abaixo se indicarão como matéria de direito, a expurgar].

IV. FUNDAMENTAÇÃO

a) Versando o recurso sobre matéria de direito, nas conclusões deve o recorrente indicar as normas jurídicas violadas, bem como o sentido com que, no seu entender, deviam ter sido interpretadas e aplicadas as que tenham sido invocadas como fundamento da decisão. E, invocando-se erro na determinação da norma aplicável, deve também o recorrente indicar a que considera correcta – artº 685º-A, nº 2, CPC.

Caso o recorrente, depois de convidado para tal, não faça tal especificação, a sua pena consiste em não se conhecer do recurso – nº 3.

Ora, quanto à pretensa nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito em que se baseia a consequente decisão, tal indicação está claramente feita (artº 668º, nº 1, alínea b), CPC).

Essa falta constitui, precisamente, o tema principal do recurso.

De maneira que, só se ela de facto não se verificar mas por referência ao restante objecto e ainda que este tenha sido invocado subsidiariamente, é que o problema se poderá colocar.

Com efeito, terá, então, de apurar-se se, por contraponto com o fundamento jurídico que da sentença emane, o alegado conflito a que aludem os recorrentes entre a matéria de facto indicada e a decisão proferida, comporta, e portanto exige, a indicação da norma de direito violada, mal interpretada e aplicada ou erradamente determinada.

Sem embargo, no ponto 13 das “conclusões” supra, a recorrente esboça uma indicação: a desvinculação da conta, que ela defende ter operado com a entrega do documento de fls. 6 (aludido no nº 24 do elenco dos “factos provados”), baseando-se no argumento de que tal consubstancia um acto unilateral independente de terceiros e decorre do princípio da livre autonomia da vontade.

Ora, este princípio teria sido violado. Logo, contendo-se ele – disso ninguém duvidará – no artº 405º, do Código Civil, a ofensa tê-lo-ia atingido.

Há, portanto, uma indicação de norma jurídica violada.

Mas continuemos.

b) A sentença deve, para cumprir o disposto no nº 2, do artº 659º, do CPC, além do mais, indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que correspondam aos factos considerados provados e constituam fundamento da decisão.

A falta dessa especificação fulmina-a com nulidade – artº 668º, nº 1, alínea b).

Na verdade, considerando que no elenco organizado como dos factos provados prolifera matéria de direito (ponto 13: “A Autora não é a única titular da conta…”, pois saber se o é e, sobretudo, se o era no momento da penhora, é conclusão jurídica a retirar dos efeitos, ou falta deles, do pedido de desvinculação; ponto 23: “…saldo que se presumia pertencer à co-titular D… à data da penhora”, quando o que se discute é precisamente se a sua vontade comunicada por meio do documento nº1 de fls. 9 foi eficaz, válida e produziu, ou não, o efeito desvinculante ou de renúncia por ela querido; ponto 25: “…não ficou por isso desvinculada da conta, continuando sua co-titular”, mera conclusão jurídica; ponto 29: “não é legítimo a um co-titular desvincular-se da conta sem dar notícia …”, idem; ponto 33: “A Autora não tinha de dar instruções algumas ao Banco réu no sentido de este realizar o movimento a débito na conta, atendendo à co-titularidade da mesma.”) e que esta, por força do artº 646º, nº 4, CPC, deve ter-se por não escrita, a parte da fundamentação jurídica, onde aquelas conclusões, a partir de factos, deviam ser extraídas por silogismo, acabou por ficar despida.

Recorda-se que a Autora alegou que era a única titular e, portanto, única credora do saldo, porque a co-titular D… se desvinculara e renunciara a tal titularidade. Logo, a Ré incumpriu o contrato ao “aceitar” a penhora sobre a metade supostamente daquela e ao recusar restituir-lhe a totalidade daquele saldo.

E que a Ré defendeu que o pedido de desvinculação comunicado pelo referido documento não produziu efeitos (embora sem apontar razões fácticas e jurídicas concretas disso e das demais exigências). Logo, a D… continuou co-titular.

Portanto, a questão a decidir na acção consistia realmente – e consiste – em saber se, à data da penhora realizada, o património financeiro existente na conta à ordem passou a ser titulado, exclusivamente, pela Autora.

Mas na base dela, ou como fundamento dela, está precisamente o desentendimento entre as partes sobre quais os requisitos necessários para o co-titular de conta conjunta se desligar da mesma: enquanto que a A. defende que a comunicação ao R. pelo documento de fls. 9 é bastante, este entende, pelo contrário, que tem de ser preenchido o impresso cujo modelo juntou a fls. 25, com a participação da co-titular (Autora), e, assim, a primeira, que o efeito visado se produziu e, à data da penhora, já não era co-titular da conta nem do depósito; e, o segundo, que a entrega do impresso foi ineficaz e tudo se manteve como dantes.

Isso é, claramente, questão-de-direito.

O que sobre ela consta referido em vários pontos indicados como sendo matéria de facto, tem-se por não escrito – artº 646º, nº 4, CPC.

Assim sendo, como é, a questão – que foi prematura e indevidamente “resolvida” na decisão da matéria de facto – surge, afinal, omitida na sentença onde devia sê-lo e em sede de fundamentação jurídica.

Esse salto reflectiu-se nitidamente nela, quando se afirma que, apesar do preenchimento do documento de fls. 9, a Autora “não ficou por isso desvinculada da conta, continuando sua co-titular”.

Afirmação que não está juridicamente aí sustentada em qualquer norma, aliás em coerência (embora falaciosa, por partir de erro) com o que ocorreu em sede de decisão de facto, pois se aí já se julgou que a D… “não ficou desvinculada” e que “não é legítimo a um co-titular desvincular-se da conta”, nada mais logicamente havia a decidir, sendo as restantes considerações sobre a pressuposta co-titularidade e atribuição do saldo ou do crédito ao mesmo, mormente a alusão ao disposto no artº 1403º, nº. 2, CC, e penhorabilidade daquele, um mero corolário da situação considerada como “de facto”.

Só que não é assim, com o devido respeito.

Nem mesmo por remissão para a longa transcrição feita (no corpo da Sentença) da Decisão Sumária do TRL se pode considerar existir nela fundamentação de direito.

Tal Decisão Sumária não incidiu sobre questão sequer análoga à que aqui se discute, como se verifica da sua análise (Base de Dados do ITIJ). Trata-se nela, é certo, da classificação e natureza diversa das contas e do regime correspondente dos depósitos nelas feitos, mas não se trata da questão de saber de que modo um co-titular de conta conjunta pode por sua vontade desvincular-se da conta (ou, ao invés, das condições e exigências que o Banco pode ou deve fazer para a aceitar e considerar eficaz). Nem sequer se cura da influência de tais aspectos na abertura de conta bancária, no seu encerramento ou no desligamento dela por algum dos co-titulares, sendo ela colectiva.

Por isso, as normas nessa Decisão citadas não tratam e não resolvem o problema.

Problema cuja solução pode estar – como diz a recorrente – na prevalência da liberdade contratual ou implicar regras que vão desde os usos e costumes do comércio bancário em geral, legislação bancária, passando pelas impostas pelas entidades reguladoras do sector, até às condições gerais (porventura de adesão) ou especiais a que as partes se vincularam (ou não) por ocasião da conclusão do contrato de abertura de contrato (e depósito) e da subscrição dos inerentes documentos.

Não é por o Banco dizer, e os seus funcionários disso fazerem eco, que para a desvinculação da conta é necessário “isto mais aquilo” (passe a expressão plebeia) que tal se considera uma obrigação jurídica a cumprir pelo interessado e sem a qual a pretendida desvinculação não se torna eficaz, nem produz efeitos.

Não é por isso que o Tribunal decide e dá como facto assente que o “pedido de desvinculação não pode ser atendido”. É necessário discernir e apontar a fonte de direito, seja ela voluntária, legal ou outra, de onde emana tal dever e consequente impossibilidade.

Encontram-se, por exemplo, nos “Cadernos do Banco de Portugal” (nº. 9) pistas sobre a questão, designadamente sobre as condições de abertura de contas e do seu encerramento (cfr., pontos 30 e 73).

Assim como o próprio Banco Réu divulga “Condições Gerais” dos Depósitos à Ordem para pessoas singulares, em que as próprias partes não terão atentado ao peticionar, contestar e ao alegar e contra-alegar (cfr. cláusula 17) [documentos acessíveis na Internet].

O Tribunal não pode, assim, dar como facto adquirido que “não é legítimo a um co-titular desvincular-se da conta” sem apontar, atentos os factos provados, a causa jurídica de tal ilegitimidade, ou seja, a norma legal que tal impede.

Portanto, nem sequer, apesar de a ter anunciado como sendo a questão a resolver, a sentença se pronunciou sobre se à data da penhora a Autora era, por direito, a única titular da conta e do respectivo saldo ou se dela se mantinha como co-titular a D…, e qual o fundamento jurídico inerente.

Como se disse, pressupôs esta última hipótese por via do que considerou como facto provado, sem a discutir e daí saltando para a da presunção da igualdade de quotas no saldo credor. Mas aquela, e não esta, era a questão de direito fundamental no processo que devia ter começado por apreciar e decidir e não apreciou nem decidiu.

Daí que a alegada falta de especificação dos fundamentos de direito redunde também numa omissão de pronúncia, prevista no nº 1, alínea d), do artº. 668º, CPC.

A sentença é, portanto, nula, por não especificar os fundamentos de direito justificativos da decisão e por, afinal, não se ter pronunciado sobre a questão jurídica fundamental, que constitui a essência do litígio discutido e da divergência das partes.

Não tendo dito a concreta razão jurídica por que considera ilegítima, inatendível, a solicitada desvinculação, está a Autora impedida de a discutir e o tribunal de recurso de, eventualmente, a reexaminar.

A fundamentação das sentenças é uma exigência constitucional (artº 205º, nº1, CRP) e legal (artºs 158º, nº 1 e 659º, nº. 1, CPC).

É na fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão.

A fundamentação é imprescindível ao processo equitativo e contraditório.

Conclui-se, portanto, pela nulidade da sentença e, assim, pela procedência, nesta parte, da apelação da Autora.

c) Aqui chegados, importa atender ao disposto no artº 715º, do CPC:

“Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.” (nº 1)
“Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.” (nº 2)

Trata-se da chamada regra da substituição ao tribunal recorrido, relativamente à qual A. S. Abrantes Geraldes, concluiu, ao intervir numa sessão do 1º Curso Pós-graduado em Direito Processual Civil Organizado pelo CEJ, FDL e CDLOA [acessível na Internet]:

“3ª - À semelhança da generalidade dos ordenamentos jurídicos da União Europeia, o nosso sistema jurídico-processual assenta fundamentalmente num modelo de substituição, em que o tribunal superior, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça, não se limita, em regra, a anular ou a revogar a decisão recorrida (juízo rescindente), passando de imediato para um juízo rescisório sobre o objecto da causa.
4ª - Com a adopção, como regra, de um regime de substituição, em vez da pura cassação, sai valorizada a intervenção dos Tribunais Superiores. Em lugar da mera revogação da decisão recorrida, assumem a concreta solução do caso, atalhando o caminho e evitando o arrastamento do processo e o desperdício de meios.
5ª - O modelo de substituição, para além das vantagens que determina ao nível da celeridade e da eficácia, corresponde, de forma mais racional, às exigência metodológicas na resolução dos litígios, pois que a natural incompletude ou imperfeição do sistema normativo e a diversidade dos factos em que os conflitos se traduzem não dispensam, em regra, o constante balanceamento entre a matéria de facto e as normas jurídicas que regulam os conflitos de interesses.”

Ponto é que se evite a decisão-surpresa e se faculte às partes a discussão contraditória das questões a conhecer por tal via.

Por isso, o nº 3, do artº 715º, CPC, impõe que o relator, antes de ser proferida decisão, as ouça.

No caso, porém, atendendo a que a matéria que nos propomos conhecer foi exactamente colocada, embora a título subsidiário, entre as “conclusões” da apelação da Autora (para a hipótese de não colher a arguida nulidade da sentença) e pela Ré discutida na sua resposta (aliás, na perspectiva, por esta defendida, da improcedência daquele vício), entendemos estarem elas perfeitamente prevenidas desta pronúncia e plenamente exercido o contraditório.

Por isso, se considerou dispensável e dispensou o cumprimento, inútil, da referida formalidade e decidiu avançar com o conhecimento das restantes questões.

Avancemos, então.

Tese da Autora:

Com o preenchimento, assinatura e entrega do documento nº 1, junto a fls. 9, ficou a D… desvinculada da conta em que figurava como co-titular. Trata-se de acto unilateral, apenas dependente da livre e autónoma vontade daquela, não do conhecimento, autorização ou ratificação de terceiros. Logo, quando a penhora ordenada na execução a esta movida foi comunicada ao Banco, aquela era titular exclusiva de tal conta e credora única do respectivo saldo depositado, inexistindo aí qualquer quota pertencente à executada e penhorável.

Tese da Ré:

A entrega do referido documento não bastava para produzir a desvinculação. Tal efeito, pretendido aquele por meio, era ilegítimo porque, sendo a conta conjunta, colectiva ou solidária, tal implicava custos e obrigações diversos para todos os co-titulares. A D… devia ter preenchido e assinado o necessário impresso de fls. 25 e 26, dá-lo a conhecer à própria Autora como co-titular da conta e colher a respectiva assinatura e só depois entregá-lo ao Banco.

Para apreciarmos e decidirmos, temos de lançar mão dos factos provados, enquanto “elementos necessários”, sem perder de vista também o que cada uma das partes alegou, tinha o dever de provar, mas não conseguiu.

Para o efeito, e como já resultava do que acima se disse, tendo em conta que são inúteis os arrolados nos pontos 9, 12 e 15 a 20 e que constituem matéria de direito os acima apontados como tal, dispomos da seguinte factualidade relevante, agora reorganizada:

1. A Autora celebrou com a Ré um contrato de depósito bancário à ordem, em regime de conta conjunta ou colectiva, na qual figura, desde a sua abertura, como co-titular, a sua filha, D….
2. A Ré atribui a tal conta conjunta de depósitos à ordem o nº ………...
3. Ao longo de vários anos a referida conta foi movimentada a crédito e a débito, ao abrigo do regime jurídico de conta conjunta ou colectiva.
4. No passado dia 18 de Fevereiro de 2010, a D…, dirigiu-se à sucursal de … do Réu, balcão onde se encontrava e encontra domiciliada a conta referida em 2.
5. E solicitou, junto daquele balcão, a sua desvinculação enquanto co-titular daquela conta.
6. Foi então informada, pela colaboradora do Banco réu, que, para se desvincular da conta, necessitava de preencher o documento junto a fls. 25, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
7. Bem como da necessidade de tal documento ter de ser também subscrito pela outra co-titular, a Autora;
8. A D… recusou-se a preencher o referido documento, como se recusou a que o mesmo fosse subscrito pela autora.
9. Recusa em que insistiu, apesar de a colaboradora do Banco réu a haver alertado para a circunstância de o pedido de desvinculação não poder ser atendido sem a entrega daquele documento devidamente preenchido e assinado.
10. Ao invés, a D… limitou-se a preencher e entregar o documento de “pedidos diversos” junto como doc. nº 1 (fls. 9) com a petição inicial, e nada mais.
11. Documento que a Ré recepcionou na data referida em 4, mas não atendeu.
12. A Autora, através de consulta ao saldo da conta D. O. em causa, constatou a existência de um movimento a débito no montante de 15.324,26 €;
13. Correspondendo, tal movimento a débito, a 50% do património financeiro depositado na conta D. O.;
14. A Autora não tinha dado instruções ao Banco Réu para realizar aquele movimento a débito na conta D. O.;
15. A Autora, através do seu mandatário, enviou ao Banco réu a carta, cuja cópia se encontra junta a fls. 11 e 12, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
16. O Banco Réu não manifestou disponibilidade para proceder ao estorno da quantia retirada da conta D. O. nº ………...
17. A D… era executada e o Réu exequente numa acção executiva (nº 3249/08.4TJVNF) instaurada em 7/10/2008, onde, após diversas diligências de penhora realizadas, foi penhorado à ordem do respectivo processo, e como pertencente àquela, o montante de € 15.324,26, em 13 de Maio de 2010, correspondente a 50% do saldo credor disponível na conta DO ………...
18. O movimento referido em 12 resultou desta penhora.

Não há dúvida que a conta bancária em apreço foi constituída, pela Autora, no regime de conta colectiva conjunta e ao abrigo dele movimentada a crédito e a débito, ao longo de vários anos.

“Conta conjunta ou colectiva” no sentido de que cada um dos co-titulares a pode movimentar livremente, a crédito ou a débito, independentemente dos outros, o que, quanto a isso, não difere da solidária, por vezes se confundindo até a designação, dada a vulgaridade de tal regime.

Está também claro que, desde a sua abertura, a D… figurou em tal conta como co-titular.

Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/12/2007 (Relator: Desemb. Granja da Fonseca), «Sendo a conta colectiva ou conjunta, cada um dos co-titulares tem plena liberdade de movimentação a débito ou a crédito.
Encontra-se cada um numa situação privilegiada, quanto à liberdade de levantamentos ou depósitos, não carecendo para tanto de autorização ou ratificação por parte do outro ou dos outros depositantes ou co-titulares.
Há como que uma relação de solidariedade de representação entre os co-titulares, mercê da aceitação da abertura de conta em tais circunstâncias. Daí o designar-se a conta conjunta ou colectiva como conta solidária.
Na verdade, esta conta, denominada colectiva ou conjunta, não pode deixar de se regular pelos princípios que constituem a solidariedade activa, no Código Civil.»

E, citando, o Dr. Coimbra Torres (in R.O.A., Ano 8º, n. os 3 e 4, página 188), continuou:
“Por conta conjunta entende-se a conta de depósito à ordem aberta num estabelecimento bancário em nome de duas ou mais pessoas e que pode ser livremente movimentada individualmente por cada um dos contitulares tanto a débito como a crédito. Isto é: cada um dos contitulares da conta pode em seu nome e sem necessidade de autorização ou ratificação dos outros depositar ou levantar quaisquer quantias até completa absorção do saldo. (...). Pelo simples facto de concordarem na abertura de uma conta conjunta, os contitulares tacitamente aceitam uma ilimitada liberdade recíproca pela qual se sujeitam ao arbítrio de todos.”

Quanto ao direito ao saldo, esclarece-se no mesmo aresto: “É certo que, o direito de crédito dimanado da relação obrigacional ou creditória, oriunda do contrato ou acordo de depósito, que pode ser exercido por qualquer dos titulares da conta ou depósito, sendo o estabelecimento bancário o devedor, distingue-se do direito real sobre a mercadoria, dinheiro, que fora depositado.
A relação jurídica que nasce da abertura da conta de depósito é uma relação jurídica de obrigação e não se confunde o direito de crédito desta emergente para os titulares da conta com a propriedade dos bens objecto do depósito, isto é, com o direito real sobre estes.
O depositante, como credor solidário, tem apenas um direito de crédito, isto é, o direito de receber a prestação a que está adstrito o devedor, o direito de exigir a entrega da importância do depósito.
Mas esse direito não pode confundir-se com a propriedade da coisa depositada.
Enquanto o direito de crédito é atribuído por igual a todos os titulares da conta, a importância do depósito pode pertencer a um só deles ou mesmo a um terceiro e é evidente que, na totalidade, não pode integrar-se no património ou constituir riqueza de todos”.
Podendo, portanto, cada um dos titulares do direito de crédito movimentar livremente a conta, era necessária uma regra que indicasse, na falta de prova da sua participação na quantia depositada, qual a medida da respectiva quota.
Foi isso o que fez o artigo 516º do Código Civil, ao vir dispor, em geral, que, nas relações dos credores solidários entre si, se presume que estes comparticipam em partes iguais no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes ou que só um deles deve obter o benefício do crédito.
Nas contas colectivas, presume-se, assim, que a propriedade das quantias depositadas é pertença de todos os contitulares, em partes iguais.»

Sendo certo que, no depósito bancário (geralmente considerado um depósito irregular, previsto no artº 1206º, CC), o dinheiro entregue ao banco torna-se propriedade deste mas ficando ele com a obrigação de “restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”, a questão da titularidade da conta para efeitos de movimentação e de titularidade do depósito através dela feito “são realidades jurídicas diferentes, mantendo cada uma delas a sua individualidade”, pois “A titularidade da conta bancária pode nada ter a ver com a propriedade das quantias nela depositadas” (Acórdão do STJ, de 31-03-2011, relatado pelo Consº Serra Baptista). Ou, segundo o Acórdão do mesmo Tribunal, de 15-03-2012, relatado pela Consª Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), “A questão da propriedade do dinheiro – ou, melhor dizendo, do direito à sua restituição – é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos (solidária, conjunta ou mista, consoante for acordado”.

Sendo, portanto, os titulares da conta credores solidários, perante o Banco, da prestação fungível a que este está obrigado, presume-se, nos termos do artº 516º, CC, que eles comparticipam em partes iguais no crédito, e, caso do dinheiro depositado fossem comproprietários, presumem-se iguais as quotas de cada um no saldo, conforme artº 1403º, nº 2.

Ora, nem de tal regime (seja referido à titularidade e movimentação, seja ao crédito do valor depositado) nem de qualquer norma jurídica ou de convenção entre as partes, resulta a necessidade e o dever correspondente de a co-titular subscrever o específico impresso imposto pelo banco, dar conhecimento aos demais da sua pretensão e colher as respectivas assinaturas e tudo isso assegurando àquele, para que o seu pedido de desvinculação seja eficaz.

Desde logo, não resulta provado (nem foi alegado) que, entre as partes, mormente por ocasião da abertura da conta e do depósito feito, algo tenha sido convencionado em tal sentido. O que o Banco alega a tal respeito e os seus funcionários disseram à D… não está, pois, juridicamente sustentado.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 31-03-2011, “O contrato de abertura de conta, que não se encontra, em si mesmo, tal como o depósito bancário, especificamente regulado na lei, marca o início de uma relação bancária complexa entre banqueiro e o cliente, traçando o quadro básico do relacionamento entre tais entidades e conclui-se pelo preenchimento de uma ficha, com a assinatura do outorgante/cliente num local bem definido.”

Quando muito, apenas tal assinatura é indispensável na medida em que necessária para validar todas as comunicações e ordens dirigidas ao banqueiro, maxime para a emissão de cheques.

De resto, prevalece a estipulação das partes (artº. 405º, CC) e a consensualidade (artº 219º., CC) do negócio, uma vez que nem a lei comercial (artº 362º, C. Com.) nem a legislação reguladora das instituições financeiras ou bancárias algo prevêem sobre a matéria.

Eventuais usos bancários, porventura atinentes à sua organização e relevantes quando a lei o determine (artº 3º., CC), têm de ser alegados e provados, o que não sucedeu.

É frequente a prática de, na relação com os bancos, ao cliente serem propostas, e este aderir, a condições gerais pré-estabelecidas, estando actualmente em voga as chamadas “Fichas de Informação Normalizada”, das quais podem derivar certos deveres, fazendo do contrato de abertura de conta um “contrato de adesão”. Nada sobre isso, porém, resulta provado nem foi alegado, como devia ter sido pelo Réu.

O próprio Banco de Portugal, como entidade reguladora, reconhece que “geralmente” as condições que regulam a abertura e movimentação das contas são apresentadas sob a forma de contratos de adesão, mas não afirma a obrigatoriedade de o serem nem a proibição da livre estipulação.

Daí que (in Colecção Cadernos do Banco de Portugal, nº 9, Abertura e Movimentação de Contas de Depósito, Fevereiro de 2010, página 18) precisamente à questão de saber se é possível a cada um dos co-titulares interessados desligarem-se da conta colectiva à ordem, renunciando à sua titularidade, responda que “Se outra coisa não tiver sido acordada, o interessado que pretenda renunciar à titularidade, admitindo abdicar da sua parte do saldo, pode comunicar a sua intenção, por escrito, com uma antecedência mínima de 30 dias relativamente à data a partir da qual pretende que a renúncia à titularidade passe a produzir efeitos. Todavia, existem situações em que as instituições de crédito só aceitam a desvinculação da conta de um dos titulares quando os restantes manifestarem expressamente o seu acordo à pretendida desvinculação. Normalmente, as desvinculações de contas estão ligadas à cessação de relações pessoais ou profissionais entre titulares”.

Ora, como se disse, não se mostra que algo tenha sido estipulado. As “situações” ressalvadas não podem ser unilateralmente decididas e impostas, pelo que, no mínimo, têm de ser propostas e o cliente manifestar-lhe adesão. No caso, não se demonstrou a sua eventual existência, nem há fundamento para esta se presumir.

A necessidade do impresso específico e as demais condições exigidas não têm fundamento jurídico que obrigue a co-titular. Pelo facto de esta ter sido delas informada no acto em que se apresentou a pedir a sua desvinculação e se ter recusado a proceder em conformidade, não podia o Réu negar-se a aceitar o pedido e a providenciar adequadamente pela sua efectivação.

A co-titular agiu, pois, legítima e licitamente. Mesmo ao recusar satisfazer os procedimentos exigidos pelo Banco, na medida em que opondo-se a uma pretensa imposição injustificada e desnecessária.

Nem mesmo nos alegados “custos e obrigações diversas” a posição do Réu encontra fundamento relevante, não havendo o menor sinal de “eventuais responsabilidades em mora ou descobertos” que justificassem atitude cautelar. Tal objecção não foi minimamente concretizada e a circunstância de se tratar de conta conjunta, colectiva ou solidária, não afasta nem obstaculiza a exigência à co-titular das obrigações para ela derivadas da sua actuação até ao momento da desvinculação, seja perante o banco seja perante os restantes co-titulares.

É, aliás, curioso verificar que, nas “Condições Gerais de Contas de Depósitos à Ordem”, destinadas a pessoas singulares, adoptadas (ignora-se a partir de que data) pelo próprio Réu C… (consultáveis na Internet), embora se refira (cláusula 17ª, nº3) que o encerramento de conta de depósitos à ordem por iniciativa do cliente depende de declaração de todos os titulares, se acrescenta que tal pode ter “efeitos imediatos, desde que a mesma não apresente saldo negativo ou tenha associadas outras responsabilidades assumidas perante o Banco, provenientes de financiamentos, garantias bancárias, créditos documentários, operações cambiais, descontos de letras, serviços de pagamento, ou de quaisquer outras operações ou serviços”.

Ora, tais circunstâncias condicionantes da aceitação e eficácia da declaração de desvinculação não estão demonstradas (nem, como se disse, foram concretamente alegadas), e nem sequer se sabe se tais condições existiam quando a conta foi aberta “há vários anos”, muito menos que, nesse ou em posterior momento, tenham sido aceites pela co-titular em causa.

O pedido de desvinculação da conta, implicante da perda da sua co-titularidade e, portanto, da possibilidade de a movimentar, e do direito de crédito sobre o saldo ou de nele comparticipar ou quotizar, constitui um acto de renúncia.

A renúncia, como informam P. Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, vol II, 3ª edição, notas ao artº 863º), não é admitida, em termos gerais, no domínio das obrigações, embora tenha lugar próprio nos reais (cfr. Acórdão do STJ, de 19-10-2004, relatado pelo Consº Nuno Cameira e remissão aí feita para Manuel Henrique Mesquita, Obrigações e Ónus Reais, Almedina, 1997, páginas 360 a 395).

Apesar disso, no âmbito da livre autonomia das partes e tendo por objecto direitos disponíveis, a Jurisprudência admite-a (cfr. Acórdão do STJ, de 1/6/2011, relatado pelo Consº Sampaio Gomes).

Tal figura dogmática está minuciosamente tratada no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 11-03-2004. Como acto jurídico voluntário unilateral abdicativo de um direito, vantagem ou interesse, com efeito extintivo imediato (pelo menos na esfera jurídica do renunciante), basta a declaração de vontade não receptícia.

Declaração de vontade que o preenchimento, assinatura e entrega ao Réu do impresso de fls. 9 traduz em termos claros e precisos e que, portanto, aquele devia ter acatado, pois nada de relevante e para tal efeito lhe acrescenta o outro (de fls. 25).

Não o tendo agido assim, como devia, o Réu fez com que a D… continuasse a figurar, indevidamente, como co-titular da conta e, por isso, a compartilhar com a Autora o respectivo saldo do depósito, expondo-o à penhora decretada e realizada ao abrigo do artº 861º-A, do CPC (na execução em que ele próprio era exequente).

Ao depósito irregular (artºs 1205º e 1206º, CC) são aplicáveis, na medida possível, as normas relativas ao contrato de mútuo.

Como “mutuário”, o Réu estava obrigado, por um lado a guardar e conservar o depósito (ou melhor, o crédito dele derivado para a Autora, como única e exclusiva titular da conta) e a restituí-lo “à ordem” (artºs 1185º, 1187º e 1142º, CC).

Não fez uma coisa nem outra. Pelo contrário, não comunicou ao processo executivo, como devia ao abrigo do artº 861º-A, nº 8, CPC, a inexistência da quota-parte da executada D… no depósito de maneira a evitar a apreensão, assim tendo concorrido com a sua falta para a penhora do respectivo valor suposto, nem cuidou de adoptar a conduta que se lhe impunha e era adequada a salvaguardar a integridade do saldo, culminando a sua actuação com a recusa em restituir-lho.

Desta recusa e da violação daqueles deveres resulta incumprimento contratual, presumidamente de culpa de sua (artº 799º., CC).

Quando a obrigação (de restituição) não é voluntariamente cumprida, como devia nos termos dos artºs 406º, nº1, 762º, e 763º, CC, tem o credor o direito de a exigir judicialmente – artº 817º.

A Autora, através da carta que dirigiu ao Réu, interpelou-o para que este repusesse integralmente o saldo da conta, o que ele não aceitou fazer nem fez, constituindo-se em mora e, portanto, na obrigação de a compensar com juros – artºs 804º, 805º, 806º, 559º, C. Civil, conforme pedido.

Acolhe-se, portanto, a tese da Autora e julga-se merecedor de protecção o seu pedido.

Daí a procedência total da acção.

V. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, anulando-se a sentença recorrida, mas conhecendo-se do pedido pela Autora B… formulado na acção, julga-se esta provada e procedente e, em consequência, condena-se o Réu C…, S.A. a restituir-lhe, por reposição na conta D.O. nº ……….., a quantia de 15.324,26 € (quinze mil trezentos e vinte e quatro euros e vinte e seis cêntimos), acrescidos de juros à taxa legal, contados a partir da data de entrada da causa em juízo, até integral pagamento.
*
Custas (da acção e da apelação) pela Ré.

Notifique.

Porto, 22 de Novembro de 2012
José Fernando Cardoso Amaral
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo