Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6/07.9GABCL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: APREENSÃO
VALIDAÇÃO
IRREGULARIDADE
BUSCA DOMICILIÁRIA
DEFENSOR
Nº do Documento: RP201302066/07.9GABCL.P1
Data do Acordão: 02/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de 72 horas referido no art. 178º n.º 5 do CPP é um prazo de mera ordenação processual e a sua ultrapassagem não tem qualquer reflexo sobre a validade das apreensões levadas a cabo.
II – A omissão não constitui sequer irregularidade para os efeitos do disposto no art. 123º do CPP, na medida em que não afeta o valor do ato de apreensão.
III - Ainda que se entendesse estarmos perante uma irregularidade, o certo é que até ao momento da respetiva arguição pelo interessado, o Ministério Público (por estarmos na fase de inquérito) conservava o poder de a reparar [art. 123º n.º 2 do CPP]. E tendo sido validada pelo M° Público antes de ser arguida a sua irregularidade, desapareceu o pressuposto em que o recorrente assentou o fundamento da arguição na medida em que, na ocasião em que a veio suscitar, já a mesma, a existir, se mostrava reparada, porque validada não obstante a sua apresentação tardia.
IV - Mesmo que o M° Público não tenha validado expressamente uma apreensão, podemos afirmar que fiscalizou a sua legalidade e considerou de forma tácita, mas inequívoca, que essa apreensão havia sido válida se, ao deduzir acusação, a incluiu nos meios de prova que indicou.
V - A exigência de "validação pela autoridade judiciária" não passa necessariamente pela prolação de uma decisão expressa e autónoma acerca da validade da apreensão, admitindo-se a sua validação tácita sempre que houver no processo elementos que demonstrem, de forma inequívoca, que o Ministério Público fiscalizou a legalidade das apreensões efetuadas pelos órgãos de polícia criminal e as considerou válidas, caso em que se deve considerar cumprido o disposto no n.º 5 do art. 178º do CPP.
VI – Não constitui uma busca domiciliária, mas uma apreensão, a recolha de objetos num estabelecimento comercial de acesso não reservado e cujo interior e respetivo recheio é perfeitamente visível por qualquer pessoa que nele entre e permaneça.
VII - A arguição de nulidades ou irregularidades constituem uma reação jurídica que pressupõe necessariamente conhecimentos técnico-jurídicos. A possibilidade de reação efetiva não se reduz a uma aparência de possibilidade de reação. Só o arguido acompanhado de advogado que o represente no processo, reúne as condições para poder reagir no próprio ato ou mesmo nos três dias subsequentes àquele em que tiver conhecimento do ato ilegal.
VIII - Assim, não tendo os arguidos defensor antes da dedução da acusação, só depois da notificação que dela lhes foi feita estavam em condições de arguir, como arguiram, a referida irregularidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 6/07.9GABCL.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão com o nº 6/07.9GABCL foram submetidos a julgamento os arguidos B… e C…, tendo a final sido proferida sentença que absolveu o arguido C… e condenou o arguido B… como autor material de um crime de usurpação p. e p. nos artºs. 195º nº 1 e 197º do CDADC na pena de 6 (seis) meses de prisão substituída por 280 (duzentos e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros) e em 190 (cento e noventa) dias de multa à mesma taxa diária, ou seja, na pena única de 470 (quatrocentos e setenta) dias de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), o que perfaz a quantia de € 1.880,00 (mil oitocentos e oitenta euros).
Inconformado com a sentença condenatória, dela veio o arguido B… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. A omissão de validação dos objetos de fls. 5 a 75 nos termos do artigo 178º nº 3 e 5 do CPP constitui uma nulidade sanável tempestivamente arguida nos termos do artigo 120º nº 2 d) do CPP tendo consequentemente a douta sentença violado o disposto nos ditos artigos 120º nº 2 d) do CPP, 178º nº 3 e 5 e o disposto no artigo 122º nº 1 e nº 2 todos do CPP e ainda no artigo 32º nº 1 e 5 da CRP quando interpretado no sentido de que a não comunicação tempestiva pelo OPC em questão e subsequente sindicância com vista à validação tempestiva da respetiva apreensão de objetos pela autoridade judiciária competente não encurta as garantias de defesa do arguido (neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do CPP, 2ª edição atualizada, Universidade Católica, página 491);
2. Sem conceder se for entendido que a omissão supra identificada constitui irregularidade esta foi tempestivamente arguida atendendo a que a contagem do prazo constante do artigo 123º nº 1 do CPP só se inicia (tendo como pressuposto a data da publicidade do processo em questão) a partir da intervenção do arguido em algum ato nele praticado ou a partir de alguma notificação para qualquer termo do processo o que neste caso se tratou da notificação do despacho acusatório aos arguidos pelo que a douta sentença recorrida violou nessa parte os artigos 123º nº 1 do CPP;
3. Se assim não se entender a arguição da irregularidade sempre seria tempestiva atendendo a que o prazo constante no artigo 123º nº 1 do CPP só se inicia a partir da intervenção do arguido em algum ato nele praticado ou a partir de alguma notificação para qualquer termo do processo que permita a cognoscibilidade do ato irregular (conferir Acórdão nº 208/08 de 28ABR03 e o Acórdão nº 203/04 de 24MAR04, ambos do Tribunal Constitucional disponíveis in www.dgsi.pt) o que no caso presente corresponde igualmente à data em que os arguidos foram notificados do douto despacho acusatório pelo que a douta sentença recorrida violou nessa parte os artigos 123º nº 1 do CPP, 20º nº 4 (parte final quando se refere a processo equitativo) e 32º nº 1 e 5, ambos da Constituição da República Portuguesa (quando interpretados como decorre da sentença recorrida no sentido de que impende sobre o respetivo arguido o ónus de arguir vícios processuais sem que resulte do termo do processo ou do ato em que interveio a cognoscibilidade do vício em causa) e 6 § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
4. Sem prescindir sempre se chegaria à conclusão ante elencada atendendo a que até à notificação do douto despacho de acusação não estava qualquer arguido assistido por defensor sendo que só devem ser assacadas aos respetivos arguidos a exigibilidade de reação processual relativamente à prática de determinados atos caso estes estejam assistidos por defensor (conferir Acórdão nº 61/88 do Tribunal Constitucional in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., pp. 611 e ss) pelo que a douta sentença recorrida violou igualmente (pelo que ali se elencou) os já referenciados artigos 123º nº 1 do CPP, 20º nº 4 (parte final quando se refere a processo equitativo) e 32º nº 1 e 5, ambos da Constituição da República Portuguesa (quando interpretados como decorre da sentença recorrida no sentido de que um arguido deve arguir vícios processuais por mote próprio e sem estar munido de um defensor sem que tal constitua um encurtamento das garantias de defesa do mesmo) e 6 § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
5. A busca que precedeu as apreensões em apreço não foram legais porquanto não respeitaram os artigos 120º nº 2 d) e 126º nº 3 do CPP e o disposto no artigo 122º nº 1 e nº 2 do CPP (ou pelo menos não respeitaram o disposto no artigo 123º nº 1 do CPP) ilegalidade que foi tempestivamente arguida pelos arguidos pelo que não se pode considerar o dito vício sanado. Com efeito existia na situação presente o dever de observância do artigo 174º nº 2 e nº 3 do CPP atendendo a que não se verificava nenhuma das situações do nº 5 do referenciado preceito legal não se podendo invocar a alínea c) desse número uma vez que este é aplicável às situações onde ocorreu detenção em flagrante delito de arguidos por crime a que corresponda pena de prisão o que não ocorreu neste processado o que determina a nulidade do ato em questão (artigos 120º nº 2 alínea d), 122º nº 1 e nº 2, 126º nº 3 do CPP) ou pelo menos a irregularidade (nos termos do artigo 123º nº 1 do CPP) do dito ato (conferir Paulo Pinto de Albuquerque na acima discriminada obra a fls. 475) pelo que a douta sentença não respeitou os artigos 120º nº 2 alínea d), 122º nº 1 e nº 2, 126º nº 3 do CPP e artigos 20º nº 4 e 32º nº1 e 5 da CRP quando interpretados como decorre da sentença recorrida no sentido de que a não observância do disposto no artigo 174º nº 2 e nº 3 do CPP não constitui um encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido;
6. A fundamentação legal aduzida na douta sentença (artigo 174º nº 3 alínea c do CPP) nesta matéria respeitante à busca efetuada é aplicável às situações onde ocorreu detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão (aquando da detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão”) pelo que de acordo com o já supra expendido essa não é a situação destes autos uma vez que não se procedeu à detenção dos ditos arguidos pelo que apesar da alegada situação de flagrante delito aquando da busca atendendo à relatada circunstância (inexistência de detenção) esta norma não é aplicável à situação em concreto sendo ao invés aplicável o nº 3 do artigo 174 do CPP que compulsados os autos não foi observado o que determina tal como defendido por Paulo Pinto de Albuquerque (obra citada, página 475) nulidade do ato em questão (artigos 120º nº 2 alínea d), 122º nº 1 e nº 2, 126º nº 3 do CPP) com violação dos artigos 32º nº 1 e 5 da CRP tendo a douta sentença violado os artigos 120º nº 2 alínea d), 122º nº 1 e nº 2, 126º nº 3 do CPP e artigos 20º nº 4 e 32º nº 1 e 5 da CRP (quando interpretados como decorre da sentença recorrida no sentido de que a aplicação do artigo 174º nº 3 do CPP sem que ocorra detenção do arguido em questão dispensa o OPC das exigências contidas no nº 3 desse preceito legal sem que tal não constitua um encurtamento das garantias de defesa do respetivo arguido;
7. Sem prescindir se for entendido que a omissão supra indicada constitui mera irregularidade face à ilegalidade da busca face à inobservância do artigo 174º nº 3 do CPP não se pode considerar o dito vício sanado tendo deste modo a douta sentença violado as sobreditas disposições legais e ainda o artigo 32º nº 1 e 5 da CRP igualmente no sentido já ante discriminado;
8. A inexistência de autos de detenção dos arguidos releva a execução de uma revista ou de uma busca por parte do OPC em apreço sem a respetiva autorização da autoridade judiciária competente teria de ocorrer (conforme já defendido pelo recorrente) após a detenção (por alegada situação de flagrante delito) dos ditos arguidos. Deste modo a ausência de detenção dos arguidos na mesma linha de raciocínio já desenvolvida atrás determina a nulidade nos termos já igualmente expendidos supra atendendo a que não foi respeitado o artigo 174º nº 3 do CPP;
9. Quanto à perícia atendendo a que não foi observado o disposto nos artigos 154º nº 3 e 155 nº 1 do CPP que preceitua a obrigatoriedade de notificação do despacho que ordenar a perícia ao arguido (caso contrário essa omissão não constituiria qualquer vício processual independentemente da sua natureza) entende que essa omissão constitui uma nulidade nos termos do artigo 120º nº 2 alínea c) do CPP atendendo a que nesta é cominado a título de nulidade a insuficiência do inquérito por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios. Deste modo a douta sentença recorrida violou os artigos 120º nº 2 d) do CPP e o disposto no artigo 122º nº 1 e nº 2 ambos do CPP e ainda na parte final do artigo 20º nº 4 e artigo 32º nº 1 e 5 ambos da CRP (quando interpretados como decorre da sentença recorrida no sentido de que a inobservância dos artigos 154º nº 3 e 155º nº 1 coarta o princípio do contraditório pois impede-o de exercer os direitos de defesa previstos e aplicáveis nesta matéria encurtando as suas garantias de defesa);
10. Sem prescindir se for entendido que a omissão em questão constitui mera irregularidade a emenda da referenciada omissão teria de resultar da reparação da irregularidade nos termos do artº 123º nº 2 do CPP pelo que partindo da hipótese académica que o tribunal recorrido tinha competência para reparar essa irregularidade para que tal acontecesse teria de apreciar o mérito e subsequentemente despachar em termos decisórios o requerimento apresentado para esse efeito pela defesa de modo a reconhecer e reparar a dita irregularidade notificando os arguidos para o que tivessem por conveniente (pedir esclarecimentos, nova perícia, etc.) relativamente a esta matéria no âmbito do que está previsto para esses artigos no capítulo em referência (capítulo VI do CPP) pelo que não tendo sido o que sucedeu nestes autos não se “remendou” a dita irregularidade;
11. Sem prescindir sempre não seria suficiente para a sanação desse vício indicar que poderiam os arguidos requerer ao tribunal recorrido a realização de uma nova perícia ou solicitar esclarecimentos ao exmo. Sr. perito em questão e que como não o fizeram considera-se sanado tal vício, uma vez que a mera possibilidade de peticionar nova perícia ou esclarecimentos não constituía qualquer obrigatoriedade para o tribunal recorrido e consequentemente garantia para os arguidos de que tais pedidos fossem aceites atendendo a que existe uma enorme diferença entre a possibilidade de se requerer um pedido nesta matéria e o constante do artº 154º nº 3 e 155º nº 1 do CPP que prevê o direito (que tem como limitação apenas o constante do nº 4 do dito artigo 154º do CPP) e não uma mera possibilidade que pode ser indeferida de acordo com o entendimento do tribunal a quo em questão nos termos do artº 158º nº 1 do CPP, pelo que ocorre um encurtamento dos direitos de defesa dos arguidos atendendo à álea que decorre do sentido do futuro despacho que viesse a incidir sobre este tema (ainda que recorrível uma vez que ainda que assim fosse esse pedido ficaria sempre sujeito ao sentido do acórdão que viesse a incidir sobre o eventual recurso) com violação dos artigos 20º nº 4 (parte final) e 32º nº 1 e nº 5 da CRP (quando interpretados como decorre da sentença recorrida no sentido de que a possibilidade de requerer nos termos 158º nº 1 do CPP esclarecimentos ou nova perícia, pedido sujeito a despacho e ao sentido do mesmo como forma de compensar a omissão do direito elencado nos artºs. 154º nº 3 e 155º nº 1 do CPP não constitui um encurtamento dos direitos de defesa do arguido);
12. Sem prescindir, por outro lado, não é suficiente para se acautelar os direitos de defesa do arguido em causa a faculdade da autoridade judiciária determinar a prestação de esclarecimentos ou realização de nova perícia uma vez que tal restringe consideravelmente as possibilidades de controlo do modo de procedimento do perito o que constitui um encurtamento das garantias de defesa e da garantia do processo equitativo pelo que a douta sentença recorrida violou (no sentido supra expendido) os artigos 20º nº 4 (parte final) e 32º nº 1 e nº 5 da CRP;
13. Sempre sem prescindir de qualquer das formas conforme já antes expendido as irregularidades ou são reconhecidas, declaradas e não supridas com a subsequente produção dos respetivos efeitos jurídicos, ou se consideram sanadas pelo decurso do respetivo lapso temporal ou por não poderem afetar o valor do ato praticado ou são reconhecidas, declaradas e reparadas nos termos do nº 2 do artº 123º do CPP pelo que uma vez que não nos encontramos em nenhuma das situações acima elencadas o vício em apreço não se mostra sanado pelo que a douta sentença recorrida violou os artigos 123º nº 1 do CPP, 20º nº 4 e 32º nºs 1 e 5, ambos da CRP (quando interpretados no sentido de que a inobservância dos atigos 154º nº 3 e 155º nº 1 coarta o princípio do contraditório pois impede-o de exercer os direitos de defesa previstos e aplicáveis nesta matéria encurtando as suas garantias de defesa) e 6 § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
14. Sem prescindir as irregularidades ou são reconhecidas, declaradas e não supridas com a subsequente produção dos respetivos efeitos jurídicos ou se consideram sanadas pelo decurso do respetivo lapso temporal ou por não poderem afetar o valor do ato praticado ou são reconhecidas, declaradas e reparadas nos termos do nº 2 do artº 123º do CPP pelo que atendendo a que não nos encontramos em nenhuma das situações acima elencadas defende o recorrente que os vícios em apreço não se mostram sanados pelo que a douta sentença recorrida violou pelo menos o artº 123º nº 1 do CPP, 20º nº 4 (parte final quando se refere a processo equitativo) e 32º nº 1 e 5 ambos da CRP (quando interpretados no sentido de que a sanação de irregularidades sem ser através do decurso do respetivo período temporal ou quando esta não possa afetar o valor do ato praticado e ainda quando interpretados no sentido de que a competência para a reparação de irregularidades quando o vício em apreço puder afetar o valor probatório do ato praticado se não faça apenas pela autoridade judiciária competente para o ato e enquanto mantiver a direção ou domínio da fase processual em que esta se verificou não constitui um encurtamento das garantias de defesa do respeito arguido) e 6º § 1 da CEDH (conferir Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19JAN00, processo 3145/99 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22NOV05, processo nº 1877/05-1);
15. Deve proceder-se a uma correspondência aritmética entre o quantum temporal da pena de prisão substituída e a pena de multa que decorre dessa substituição (cfr. Juiz Conselheiro Maia Gonçalves, in Código penal Português, 2007, pág. 195, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Lisboa, 2008, págs. 179-180, Acórdão de 24SET07 do Tribunal da Relação de Guimarães, processo nº 1423/07-1 e Acórdão de 25MAR09 deste Venerando Tribunal processo nº 0818079) pelo que defende-se deste modo a alteração do decidido a este respeito na douta sentença recorrida, em concreto, que a pena de multa aplicada em regime de substituição à pena principal de prisão seja fixada em 180 dias;
16. No quantitativo diário fixado nas multas em que foi condenado o recorrente não se ajuizou corretamente a situação económica e financeira deste e dos seus encargos pessoais impondo-lhe um sacrifício inconciliável com o seu circunstancialismo financeiro e económico pelo que violou a douta sentença recorrida o disposto na parte final do artigo 47º nº 2 do CP (veja-se a este respeito transcrição parcial operada na motivação do presente articulado do acórdão do TRP de 19JAN02, processo nº 0140696);
17. Auferindo o recorrente remuneração no quantitativo de € 475, tendo obrigações financeiras decorrentes de investimentos legítimos (como a compra de uma habitação para nela habitar) que praticamente consomem a dita retribuição mensal (€ 370) e não lhe sendo conhecido outro património deve ser fixado o quantitativo diário em €1 (ou sem conceder e caso assim não entendam noutro montante) sendo que mesmo com este quantitativo a pena única cifra-se em € 470 o que face à já aventada situação económica e financeira do recorrente não pode deixar de ser considerada um efeito sacrifício para o mesmo.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso concluindo pela sua improcedência.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a resposta do Mº Público na 1ª instância.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida apreciou as nulidades suscitadas pelo recorrente do seguinte modo: (transcrição)
Os arguidos vieram invocar que:
i) a busca e as apreensões efetuadas não foram tempestivamente validadas;
ii) não constam dos autos quaisquer autos de detenção dos arguidos;
iii) no que à perícia diz respeito, não foi dado cumprimento ao disposto no art. 154.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, doravante CPP,
alegando, em síntese, que se verificam nulidades com natural repercussão em toda a prova.
A questão foi relegada para apreciação em sede de sentença (fls. 174 e 187).
[…]
Quanto à validação das apreensões e da busca:
Nos termos do art.s 201.º, n.º1, do CDADC, “são sempre apreendidos os exemplares ou cópias das obras usurpadas ou contrafeitas, quaisquer que sejam a natureza da obra e a forma de violação, bem como os respetivos invólucros materiais, máquinas ou demais instrumentos ou documentos de que haja suspeita de terem sido utilizados ou de se destinarem à prática da infração”. De acordo com o n.º2, em caso de flagrante delito têm competência para proceder à apreensão as autoridades policiais (…) designadamente (…) a Guarda Nacional Republicana ….”
Dispõe o art. 178.º, n.º5, do CPP; aplicável ex vi do art. 3.º do mesmo diploma, que “as apreensões efetuadas por órgão de policial criminal (art. 1.º, alínea c), do CPP)) são sujeitas a validação pela autoridade judiciária (art.1.º, alínea b), do CPP)), no prazo máximo de setenta e duas horas.”
Vejamos.
A apreensão dos objetos identificados a fls. 5 foi efetuada no dia 28 de Abril de 2007 (fls 3 a 6), comunicada ao Ministério Público no dia 3 de Maio de 2007 (fls. 2) e, nos termos do disposto a fls. 9, contrariamente ao aludido pelos arguidos, validada no dia 08 de Maio de 2007, ou seja, volvidas as setenta e duas horas. A apreensão dos objetos mencionados a fls. 75 (realizada no dia 18 de Junho de 2007) não foi validada. A busca não foi validada.
Quanto às apreensões:
“São sujeitas a validação… no prazo máximo de setenta e duas horas”; não, necessariamente, “validadas” no prazo máximo de setenta e duas horas.
O que se compreende: o prazo fixado destina-se a pressionar a rápida comunicação da apreensão à autoridade judiciária, uma vez que ela não teve conhecimento direto da sua realização [não a ordenou ou autorizou]. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/05/2007, Relator: Pereira Madeira, processo n.º07P1231, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/Pesquisa+Campo?OpenForm, “tal prazo tem, tão-somente, por escopo controlar os atos processuais com reflexos sobre direitos, nomeadamente sobre o direito de propriedade, impondo-se à autoridade que tome posição sobre o motivo das apreensões levadas a cabo de forma a evitar que se conservem apreendidos bens cuja apreensão já se não legitime. Parece-nos que deste normativo não advém de forma direta quaisquer direitos para os titulares dos bens apreendidos.” Esta é, aliás, a regra de procedimento nos restantes “meios de obtenção de prova.” De facto, nas revistas e em algumas buscas a lei estipula que a realização da diligência seja “imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação” – artigos 174.º, n.º6 e 177.º, n.º 4, ambos do CPP.
A preocupação da lei é fixar um prazo curto para a comunicação da realização da diligência à autoridade judiciária. Assim, concluímos – tal como se faz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/11/2007, processo n.ºJTRP00040732, Relator Dr. Artur Oliveira, disponível para consulta em www.dgsi.pt. – que o prazo de setenta e duas horas referido no artigo 178.º, n.º 5, do CPP, não é o prazo para a validação das apreensões das mas para a apresentação das apreensões à autoridade judiciária com vista à sua validação.
Quanto aos objetos identificados a fls. 5:
Tendo sido efetuada no dia 28 de Abril de 2007 e comunicada no dia 3 de Maio é evidente que a apreensão não foi apresentada ao Ministério Público (autoridade judiciária) no prazo de setenta e duas horas.
Quanto aos objetos identificados a fls. 75:
A mesma não foi apresentada nem validada no prazo de setenta e duas horas.
No tocante à prova - quer quanto aos meios de prova, quer quanto aos meios de obtenção de prova - estabeleceu o legislador um regime especial de proibições de prova, art. 118.º n.º3, 125.º, 126.º [disposições gerais, especiais] e concretamente em relação a alguns meios de prova e meios de obtenção de prova, um regime especialíssimo, v.g. prova testemunhal art. 129.º depoimento indireto, 130.º vozes públicas, 187.º, 188.º e 189.º admissibilidade e formalidades das escutas, etc. O regime especial de proibições de prova não trata concretamente nem dá relevo às omissões em causa. Por outro lado, no capítulo III do Título III do CPP- “das apreensões” - não há qualquer disposição que atribua consequência às ditas omissões, pelo que nos resta o recurso ao regime geral das nulidades.
É sabido que a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei. E nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular - art. 118.º, nºs 1 e 2, do CPP.
Percorrido o apertado catálogo dos artºs 119.º e 120.º do CPP, constata-se que as omissões em causa não configuram nulidade. Ora, não cominando o legislador como nulidade a inobservância do referido supra só pode ser qualificadas como mera irregularidade - art. 118.º, n.ºs 1 e 2, 119.º a 123.º do CPP - nesse sentido cfr, entre outros, o decidido no Acórdão do Tribunal de Coimbra de 08/10/2008, CJ, T IV, pg. 51[1].
A irregularidade deve ser arguida “pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias subsequentes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado” – art. 123.º, n.º1, do CPP.
Uma vez que, com a entrada em vigor da Lei n.º48/2007, de 29 de Agosto (em vigor desde o dia 15 de Setembro de 2007 – art. 7.º), o processo deixou de estar sujeito a segredo de justiça (art. 86.º do CPP), sendo, portanto, facilmente consultável pelos arguidos; que o arguido B… prestou declarações e foi constituído arguido no dia 14 de Junho de 2007 (fls. 57 e seguintes) e que o arguido C… foi presente a interrogatório e foi constituído arguido no dia 15 de Julho de 2007 (fls. 67), ou seja, em momento anterior à publicidade do processo, é evidente que, tendo conhecimento, pelo menos, o arguido B…, da primeira apreensão e o arguido C… de ambas (estavam presentes no local) e sabendo que contra eles corria um processo, deviam, após o dia 15 de Setembro de 2007, vir aos autos arguir as irregularidades no prazo de três dias. Mais, o arguido B… veio, no dia 06 de Novembro de 2007 (quando o processo já podia ser consultado), comunicar aos autos a alteração da morada – fls. 94. …. Os arguidos, nessa altura, a propósito nada vieram dizer … fizeram-no, apenas, volvidos vários anos!!.
Sem prescindir.
Por mera hipótese académica, mesmo que se considere que não lhes era exigível tal diligência (até porque não se encontravam representados por Advogado) e que podem arguir as irregularidades a partir do primeiro ato para o qual foram notificados (após a publicidade dos autos) – notificação da acusação, o que ocorreu no dia 15 de Fevereiro de 2010 (cfr. o disposto a fls. 139 e seguintes e no art. 113.º, n.º2, do CPP)-, é manifesto que, apesar de arguidas em tempo, face à legalidade das apreensões efetuadas e à ausência de quaisquer motivos para concluir que as mesmas são excessivas (mormente através da invocação pelos arguidos ou do seu conhecimento oficioso, em sede de audiência de discussão e julgamento, de qualquer ilegalidade cometida), … o vício se mostra sanado.
Quanto à busca:
Nos termos do disposto no art. 174.º, n.º5, alínea c), do CPP e n.º6 do mesmo diploma, uma vez que a busca foi efetuada aquando do flagrante delito e ao crime em apreciação corresponde pena de prisão não lá lugar à obrigatoriedade da respetiva validação, razão pela qual, também, improcede o requerido.
Mesmo que assim não fosse, por mera hipótese, nos termos referidos supra aqui perfeitamente convocáveis, porque se trata de uma mera irregularidade (cfr os preceitos supra citados), também se mostra ultrapassado o prazo para proceder à sua arguição. Entendendo-se que foi atempadamente invocada, face à legalidade da busca, julgo sanado tal vício.
Quanto aos autos de detenção:
Não constam, efetivamente, dos autos os autos de detenção dos arguidos uma vez que os mesmos não foram detidos!! E, salvo devido respeito, não tinham que sê-lo posto que os arguidos não foram apresentados em juízo para julgamento em processo sumário, interrogatório/ aplicação de medidas de coação.
Quanto à perícia:
Efetivamente, nada foi comunicado aos arguidos quanto à realização da perícia que teve lugar no dia 26 de Janeiro de 2010 (fls. 120).
O regime especial de proibições de prova não trata concretamente nem dá relevo à omissão em causa. Por outro lado, no capítulo da prova pericial não há qualquer disposição que atribua consequência à dita omissão, pelo que nos resta o recurso ao regime geral das nulidades.
Como se disse é sabido que a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei. Percorrido o apertado catálogo dos artºs 119.º e 120.º ambos do CPP, constata-se que a omissão em causa não configura nulidade.
Ora, não cominando o legislador como nulidade a inobservância da tramitação imposta para as perícias pelos artigos 154.º e 155.º, a falta de notificação dos arguidos, imposta pelo n.º2 do artigo 154º, e a consequente não nomeação de consultor técnico, permitida pelo nº 1 do artigo 155.º, só poderão ser qualificadas como meras irregularidades (art. 118.º, n.ºs 1 e 2, 119.º a 123.º do CPP – nesse sentido cfr, na jurisprudência, o decidido nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Outubro de 2004, processo n.º5150/2005-3, Relator Dr Carlos Almeida, disponível para consulta em www.dgsi.pt e de 09/07/2008, CJ, 2008, T III, pg. 143, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/01/2004, processo n.º0343780, n.º convencional JTRP0003679, Relator António Gama, disponível para consulta em www.dgsi.pt e, na doutrina, o referido por Rodrigo Santiago, RPCC, Ano 11, Fasc. 3.º).
Os arguidos foram notificados da acusação no dia 15 de Fevereiro de 2010 (cfr. o disposto a fls. 139 e seguintes e no art. 113.º, n.º2, do CPP) e vieram arguir o vício, no dia 18 de Fevereiro de 2010, ou seja, dentro do prazo legal.
Ora, apesar de tempestivamente arguida, face aos esclarecimentos que, em fase de julgamento, querendo, os arguidos podiam ter efectuado aos Srs Peritos (o que não fizeram – em qualquer altura do processo pode a autoridade judiciária competente determinar, oficiosamente ou a requerimento, que os peritos sejam convocados para prestarem esclarecimentos... art. 158.º, nºs 1 e 2, do CPP. Daí que a omissão do Ministério Público pode ser remediada posteriormente, quer oficiosamente, quer a requerimento. E esta possibilidade é um remédio que, se não é totalmente eficaz, pelo menos satisfaz, pois, a intervenção dos consultores técnicos é muito limitada: assistem à realização da perícia e pouco mais, art. 155.º do CPP, pois as respostas e conclusões não podem ser contraditadas, art. 157.º do CPP), à possibilidade de peticionarem a realização de uma nova perícia (art. 158.º do CPP), ou mesmo referir que queriam comparecer em tal exame ou indicar consultores, não se vê razão para considerar que essa qualificação do vício como mera irregularidade constitua qualquer violação do direito de defesa dos arguidos pelo que se mostra sanado (artigo 32.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa).
Sem custas visto a manifesta simplicidade.
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A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
A) No dia 28 de Abril de 2007, cerca das 02H30M, no estabelecimento de bebidas denominado “D…”, sito na Zona Comercial “E…”, na freguesia …, em Vila Nova de Famalicão, estavam a ser difundidas diversas músicas de autores vários, sendo audíveis por número não concretamente apurado de clientes que se encontravam no local;
B) Nas circunstâncias aludidas em A), o C… encontrava-se a exercer, pelo menos, funções remuneradas como organizador de menus, barman e de serviço de mesas, sob a conta, direção e ordens de outrem;
C) O B… era o DJ de serviço, encontrando-se, para o efeito, numa cabine de som, com um aparelho de reprodução com dois leitores de CD de marca Numark, uma mesa de mistura da mesma marca, um equalizador de marca DBX, e 4 amplificadores de som de marca Crown, modelo XLS 402;
D) Existiam dispersas pelo estabelecimento 4 colunas de som da marca Tecnare Modelo K10 de 200w, 12 colunas de som de marca e modelos desconhecidos e 2 colunas de som da marca Tecnare de marca e modelos desconhecidos.
E) O B… colocava os fonogramas com músicas várias no aparelho de reprodução, músicas que depois eram difundidas pelas colunas de som aludidas em D) para serem audíveis pelos clientes do estabelecimento mencionado em A);
F) O B… tinha na sua posse 99 (noventa e nove) fonogramas, no formato Compact Disc Recordable (“CD-R”), a saber:
- um CD-R com a inscrição manuscrita “CD-Moulin Rouge”, com obras musicais interpretadas por vários intérpretes, editadas pela Universal Music, com o título genérico Moulin Rouge:
i) Nature Boy – aut Eden Ahbez (ASCAP/SPA-EP) Int David Bowie
ii) Lady Marmalade – aut Bob Crewe (BMI/SPA-EP)/Kenny Nolan (BMI/SPA-EP) Int. Cristina Aguilera, Lil`Kim, Mya & Pink;
iii) Because We Can – aut Normam Cook Int. Fatboy Slim;
iv) Sparkling Diamonds- aut Peter Brown/Jule Styne/Leo Nolan/Robert S. Rans. Int Nicole Kidman, Jim Broadbent, Natalie Mendoza/Lara Mulcahy and Caroline O´Connor;
v) Rhythm of the night – aut Diane Warren (ASCAP/SPA/EP). Int Valeria;
vi) Your Soung – aut Elton Jonh (PRS-MRS/SPA-EP e RM)/Taupin (ASCAP/SPA-EP). Int. Alessandro Safina & Ewan McGregor;
vii) Children of the Revolution – aut Marc Bolan. Int. Bono Gavin Friday anda Maurice Seezer;
viii) One Day I´ll Fly Away – aut Will Jennins/Joe Sample. Int. Nicole Kidman;
ix) Diamond Dogs – aut. David Bowie (PRS-MRS/SPA-EP e RM). Int. Beck.
x) Elephant Love Medley;
xi) All you need is love – aut. Jonh Lennon (PRS/MRS/SPA-EP e RM)/P.McCartey (PRS-MRS/SPA –EP e RM);
xii) I was made for lovin you- aut Desmond Child (ASCAP/SPA-EP)/Paul Stanley (SESAC/SPA-EP e RM)/Vincent Poncia;
xiii) On more night – aut Phil Collins (PRS-MRS/SPA-EP e RM);
xiv) Pride (in the name of lova) – aut U2 (Paul David Hewson (aka Bono)/David Evans (aka the Edge), Adam Clayton e Lawrence Mullen (todos representados por PRS-MCPS/SPA-EP e RM);
xv) Silly Love Songs- aut. P. Mccarteny (PRS-MRS/SPA-EP e RM);
xvi) Don´t leave me this way – aut Kenneth Gramble/Cary?Grant? Gilbert/Leon Huff;
xvii) Heroes – aut. David Bowie (PRS-MRS/SPA –EP e RM)/Brian Eno (PRS-MRS/SPA-EP e RM);
xviii) I will always love you- aut. Dolly Parton (BMI/SPA-EP);
xix) Your Song – aut Elton John (PRS-MRS/SPA –EP e RM)/Taupin (ASCAP/SPA-EP). Int. Nicole Kidman Ewan Mcgregor Jamie Allen;
xx) Come What May – aut. David Baerwald. Int. Nicole Kidman & Ewan Mcgregor;
xxi) El Tango de Roxanne – aut Mariano Martinez/(Roxanne) Sting (PRS-MRS/SPA-EP). Int. Ewan Mcgregor, Jose Feliciano and Jacek Koman;
xxii) Complainte de la butte – aut. Jean Renoir/George van Parys. Int. Rufus Wainwright;
xxiii) Hindi Sad Diamonds- aut Sameer. Int. Nicole Kidman, Jonh Leguizamo And Alka Yagnik;
xxiv) Nature Boy- aut Eden Ahbez (ASCAP/SPA/EP). Int. David Bowie & Massive Attack;
xxv) Lady Marmalade (Thunderpuss Radio Mix) – aut Bob Crewe (BMI/SPA-EP)/Kenny Nolan (BMI/SPA-EP). Int. Cristina Aguilera, Lil´Kim, Mya & Pink.
- um “CD-R” com a inscrição manuscrita “Now 7- CD1”, com obras musicais interpretadas por vários intérpretes, editadas pela EMI, com o título genérico “now 7 (DUPLO – CD1):
i) Electrical Storm – aut U2. Int U2;
ii) In my place – aut Coldplay (guy Berryman (PRS/SPA-EP e RM)/Will Champion (PRS/SPA-EP e RM)/Jon Buckland (PRS/SPA-EP e RM)/Chris Martin. Int. Coldplay;
iii) Wherever you will go – aut Aaron Karmin/Alex Band (BMI/SPA-EP). Int. Tlhe Calling;
iv) Thousand miles. Int. Vanessa Carlton;
v) Stillness if heart. aut Lenny Kravit (ASCAP/SPA-EP)/Craig Ross. Int Lenny Kravit;
vi) Don’t you know why, int. norah Jones;
vii) Never tear us apart – aut. A. Farriss (APRA/SPA-ES)/M. Hutchance. Int. Joe Cocker;
viii) I´m Alive – aut. Kristian Lundin (STIM-NCB/SPA-EP-RM)/Andreas Carlsson (STIM-NBC/SPA-EP e RM);
ix)One day In Your Life – aut. Anastacia/Sam Watters/Louis Biancaniello (ASCAP/SPA-EP). Int Anastacia;
x) Soak Up the sun – aut. Sheryl Cromw (BMI/SPA/EP)/Jeff Trott (BMI/SPA-EP). Int. Sheryl Crown;
xi) American Girls. Int. Couting Crows;
xii) Are you in- aut Aucubs (José António Pasillas II (ASCAP/SPA-EP)/Brandon Boyd (ASCAP/SPA-EP)/Michael Aaron Einziger (ASCAP/SPA-EP), Chris Kilmore/Alex Katunich (ASCAP/SPA-EP)). Int. Incubus;
xiii) Stop crying your heart you. Int Oasis;
xiv) Check the meaning. Int. Richard Ashcroft;
xv) Hero-aut. Chad Kroeger (SOCAN/SPA/-EP). Int. Chad Kroeger e Josey Scot;
xvi) Girls of summer. Int. Aerosmith;
xvii) Papa don´t preach – aut. Brian Elliot (ASCAP/SPA/EP)/Madonna (ASCAP/SPA/EP). Int. Kelly Osbourne;
xviii) Hot in Herre, Int Nelly;
xix) Without Me- aut Marshall Mathers (BMI/SPA-EP)/Jeffrey Bass (BMI/SPA-EP)/Kevni Bell/Malcolm Mclaren (ASCAP/SPA-EP)/Trevor Horn (PRS/SPA-EP)/Anne Dudley (PRS/SPA-EP). Int. Eminem;
- um “CD-R” com a inscrição manuscrita “Gotan Project-Lunático”, com obras musicais da autoria de Makaroff, Christoph H. Muller (SACEM-SDRM/SPA-EP e RM) e Philippe Cohen Solal (SACEM-SDRM/SPA-EP RM), com excepção das assinaladas, interpretadas por Gotan Project, editadas por Ya Basta, com o título genérico “Lunático”:
i) Amor Porteno. Notas –aut Christoph H. Muller (SACEM-SDRM/SPA-EP e RM)/Philippe Cohen Solal (SACEM-SDRM/SPA-EP RM);
ii) Diferente
iii) Celos
iv)Lunatico
v) Mi Confesion – aut Lucas Lapalma/Eduardo Makaroff (SACEM-SDRM/SPA-EP e RM)/Christoph H. Muller (SACEM-SDRM/SPA-EP e RM)/Diego Gaston Ponce/Philippe Cohen
vi)Solal (SACEM-SDRM/SPA-EP RM);
vii) Tango Cancion;
viii) La Viguela;
ix) Criminal;
x) Arrabal;
xi) Domingo;
xii) Paris, Texas – aut ry Cooder.
Para alguns autores, por apenas se conhecer um apelido, um nome próprio ou artístico, não foi possível determinar se são representados por alguma entidade gestora;
e noventa e seis “CD`s-R”com obras musicais fixadas dos mais diversos autores, intérpretes e editoras, nomeadamente Espacial, Warner Music, Farol Música, Sony/BMG, Zona Música, Farol Música, EMI – Valentim de Carvalho, Universal Music e Vidisco;
G) Os suportes do CD´s-R aludidos em F), do lado oposto ao de leitura, não apresentam “Label” (trabalho e impressão gráfica) com o título genérico da “obra” e o/s nome/s do/s intérprete/s e/ou editor/es, mas, em substituição, tem uma referência manuscrita e/ou apenso um papel com o nome das obras musicais e intérpretes;
H) Os originais apresentam “Label”;
I) Na área central do disco de leitura, não apresentam os códigos de Segurança Source Identification Code (SID), da International Federation of the Phonografic Industry (IFPI), designadamente código de masterização, no anel exterior, identificativo da máquina da masterização; código de molde, no anel interior do disco, identificativo da máquina de moldagem;
J) Os discos originais, na área central do disco de leitura, apresentam os códigos de Segurança Source Identification Code (SID), da International Federation of the Phonografic Industry (IFPI), designadamente código de masterização, no anel exterior, identificativo da máquina da masterização; código de molde, no anel interior do disco, identificativo da máquina de moldagem;
K) Os CD`s-R aludidos em F) são, quanto à fixação de som, inferior qualidade, relativamente aos originais, o que revela tratarem de uma duplicação de obras duplicadas de forma artesanal e ilegal (por meios informáticos ou por equipamentos de gravação digital domésticos);
L) Os suportes materiais são em tudo idênticos aos que se vendem em público como virgens;
M) Todos os fonogramas são quanto ao seu conteúdo (como obras musicais) resultado de criação intelectual e não foram editados pelos legítimos detentores dos direitos.
N) O B… reproduziu, através dos meios técnicos existentes no mencionado estabelecimento, o conteúdo de alguns desses CD´s-R permitindo que fosse audível pelos presentes;
O) O B… sabia perfeitamente das características dos objetos, que os mesmos eram cópias dos originais e que, porque não estava autorizado, não lhe era permitido difundir o seu conteúdo;
P) O B… agiu de forma deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que actuava em prejuízo dos criadores da obra intelectual, o que era contra a lei;
Q) O B… cresceu integrado no agregado de origem, composto pelos progenitores e um irmão mais velho. O relacionamento familiar foi referido como afetuoso e solidário, com dinâmica familiar sustentada em regras e valores socialmente vigentes. Residiam no meio de características semi-urbanas e mostravam-se bem integrados socialmente. A subsistência do agregado foi assumida pelo progenitor, vendedor de profissão, e temporariamente, proprietário de um café. O percurso escolar do arguido iniciou-se em idade normal, tendo frequentado a escola até conclusão do 7.º ano. Abandonou a escola aos 16 anos de idade, quando frequentava o 8.º ano, por dificuldades, desmotivação e oportunidade de iniciar vida ativa. Começou a trabalhar como empregado de armazém e passados seis meses transitou para a atividade de picheleiro, que exerce durante cerca de três anos. Posteriormente, trabalhou como operário de calçado durante sete anos, atividade que deixou por falência da empresa, exercendo, após, a atividade de revistador em empresa têxtil e desde há sete anos trabalha como operário numa empresa de mobiliário de casa de banho, auferindo, mensalmente, €475,00. Suporta, mensalmente, a quantia de €370,00 na mensalidade do empréstimo para aquisição de habitação, €30,00 em gasóleo, sendo a alimentação suportada pelos progenitores. Não há conhecimento de práticas aditivas do arguido. O arguido ocupa os tempos livres no convívio com a família e os seus pares. Gosta de ver televisão, de futebol, de assistir a concertos musicais e de frequentar cafés e bares bem reputados em termos musicais, retraindo-se por questões financeiras. No meio residencial, é descrito como pessoa educada e de temperamento calmo mas que expressa sinais de forte ansiedade em situações não rotineiras;
R) O C… frequenta o 3.º ano de Direito na Universidade …, …, no Porto;
S) Vive com a companheira e um descendente, de 8 anos de idade, em casa própria;
T) Está desempregado e não recebe quaisquer subsídios;
U) A companheira é diretora comercial e aufere quantia não concretamente apurada;
V) O arguido vive mensalmente de quantias que lhe foram adiantadas em razão da quota hereditária por morte do progenitor;
W) Mensalmente, o agregado suporta, em água, eletricidade e gás, em média, €350,00, em alimentação, €250,00/300,00, na propina da faculdade €275,00, e em gasolina €220,00;
X) Os arguidos não têm averbadas nos seus certificados do registo criminal quaisquer condenações.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: (transcrição)
i) no dia aludido em A), se encontravam no D… cerca de 40 ou 50 clientes;
ii) tal estabelecimento era gerido e explorado pelo C…;
iii) o B… efetuou cópias dos originais;
iv) o C… sabia do aludido em iii) e autorizou que ele difundisse os fonogramas na aparelhagem existente no estabelecimento;
v) o C… ao deixar utilizar a aparelhagem permitiu que os CD´s-R fossem difundidos bem sabendo que não havia autorização para tal;
vi) o C… sabia perfeitamente das características dos objetos, que os mesmos eram cópias dos originais e que não lhe era permitido difundir o seu conteúdo;
vii) o C… agiu de forma deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que atuava em prejuízo dos criadores da obra intelectual, o que era contra a lei;
viii) o C… é respeitado e respeitador dos/pelos que com ele convivem;
ix) o B… possuía a totalidade dos originais do CD´s-R aludidos em F);
x) o B… estava convencido que podia dispor e fruir dos respetivos originais e dos aludidos em F);
xi) o B… desconhecia que violava direitos de terceiros.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
Como dispõe o art. 127.º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
O julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo de que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ela foi exposta e adquirida representativamente no processo.
O arguido B… não prestou declarações quanto aos factos constantes do libelo acusatório. Fê-lo, apenas, quanto às condições socioeconómicas.
O arguido C… prestou declarações quanto aos factos e quanto às respetivas condições.
Alegou, em síntese, que, no dia e hora em apreciação, se encontrava no local, a exercer funções por conta e direção de outrem, sem qualquer poder de contratação, direção ou autoridade, concretamente, no que à atividade do DJ concerne; que, no local, se encontrava o co-arguido B… a colocar música e que este, esporadicamente, ali exercia funções de DJ. Negou os factos que lhe eram imputados.
No que reporta ao aludido em A) e N), o Tribunal atendeu às declarações do co-arguido C…[2] (quanto à localização, atividade e objetos que se encontravam no estabelecimento, às pessoas existentes no local e respetivas funções), ao depoimento dos agentes H…, I… e G…, todos intervenientes na operação de fiscalização ao aludido estabelecimento, os quais, em razão desta, meramente profissional, da ausência de qualquer comprometimento e da compatibilidade do referido com o teor do expediente elaborado constante a fls. 3 a 7, 21 a 24, atestaram, sem hesitações e recuos e, por isso, de forma credível, a presença dos arguidos no local, a existência de música audível pelos presentes nesse estabelecimento, a existência de um espaço reservado à colocação de música e de aparelhos para difusão e dos CD´s-R apreendidos. Estes depoimentos foram corroborados/reforçados pelo teor do expediente de fls. 3 a 7, 21 a 24, 75 a 79 (quanto ao número e características dos objetos existentes no local e aprendidos) e pelo teor do relatório pericial de fls. 120 a 127 (quanto ao juízo técnico ali formulado – características dos CD´s-R).
Quanto às concretas atividades do co-arguido C…, atendeu, ainda, ao depoimento da testemunha F…, sócio da empresa que explorava o bar, o qual, apesar da relação de proximidade com o arguido, atestou, em termos compatíveis com o teor do teor da certidão da matrícula da sociedade junto da Conservatória do Registo Comercial de fls. 220 a 225 e com o teor do documento de fls. 245 a 247 (informação do ISS) e, por isso, dignos de crédito, o exercício subordinado dessas mesmas funções.
No que ao exercício pelo co-arguido B… das funções de DJ e posse dos CD´s-R aludidos em J) concerne, o Tribunal considerou:
i) o depoimento da testemunha G… que, em razão da intervenção referida, circunstanciou a apreensão dos CD´s-R e o local onde a mesma foi efetuada (na mala que se encontrava junto à cabine de som) identificando a mala “como a mala de serviço”, tendo inclusive, naquela data, sido referenciada pelo co-arguido B… como sendo da sua propriedade;
ii) o depoimento do co-arguido C… que, confrontado com a “mala” e com o respetivo conteúdo, não reconheceu tais objetos como pertencentes à sua entidade patronal … antes, face às características dos mesmos, como provavelmente sendo da propriedade do co-arguido B…;
iii) as características dos objetos apreendidos e constantes a fls. 5 e 23, e examinados em sede de audiência de discussão e julgamento – CD´s-R com músicas diversas acondicionados numa mala, onde também se encontravam “cartões de visita” que anunciavam, também, o co-arguido B… como “DJ” – veja-se a compatibilidade quanto ao nome e morada por este indicada nestes autos e constantes em tais cartões – e
iv) o local onde os CD´s-R se encontravam (na mala junto à cabine de som).
…. Tudo para concluir que, de acordo com as regras da experiência e da normalidade, face à natureza técnica/artística e eminentemente dependente dos gostos musicais do próprio DJ é habitual e, o co-arguido B… não foi excepção, que cada um deles se faça acompanhar com o respetivo material, o que lhes permite conhecer com exactidão a localização de cada um dos CD`s-R e das músicas ali gravadas (no caso, de autores distintos), aceder aos/às mesmos/as com rapidez, organizar “as passagens”, assegurando, assim, um ritmo musical sem quebras ou espaços mortos … fatais neste tipo de atividade!
Ora, a mala que acondicionava os CD´s-R – distintos – e o que se encontrava no seu interior - CD´s-R e cartões de visita - eram, face ao que se disse, e à inexistência de qualquer justificação lógica para se atribuir a propriedade dos mesmos a outrem (salvo o outro DJ mencionado no cartão, que ninguém referiu se encontrar no local, quem tinha interesse, por exemplo, em transportar na mala os cartões de visita do arguido?!), obviamente, do co-arguido B…. A mala era a “tal mala de serviço” onde o arguido acondicionava as cópias dos CD´s--R, cuja posse detinha, e cujo som, na ausência de outras apreensões de CD´s-R ou da existência de outros CD´s-R no local, necessariamente, difundiu no estabelecimento!!!
No aspecto subjetivo, tivemos em conta o iter criminis apurado (O) a P)).
Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspeto subjetivo da conduta criminosa, assim, M. Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. Vol. II, 1981, pg. 292.
Em correção e simultânea corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta, in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pg. 172 e 173, que, excetuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indiretas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência.
Estando o arguido perfeitamente integrado, sendo apreciador de música (matéria de facto aludida em Q)) e, ainda que esporadicamente, DJ, face à consabida impossibilidade de reprodução dos CD´s-R originais (para tanto, basta atentar nas menções constantes nas capas de cada um dos respetivos originais e na publicidade que, a nível mundial, é feita quanto à interdição para efetuar cópias e, consequente, reprodução do som dessas cópias), à envolvência do arguido no meio musical, é, por demais evidente, que, de acordo com as regras da normalidade, tinha conhecimento, aliás, como qualquer cidadão médio, que não podia difundir o som dessas cópias, que lesava interesses de outrem e que a sua conduta era contrária à lei.
No que se refere ao mencionado em Q), o Tribunal considerou o teor do relatório social junto a fls. 263 a 265 corroborado, já que compatível com o que ali consta, pelas declarações do co-arguido B….
No que respeita ao aludido em R) a W), na ausência de qualquer outra prova, mormente de elemento objetivo que contrarie o aludido pelo co-arguido C…, às declarações do próprio.
No que respeita aos antecedentes criminais –X) –, o Tribunal valorou o teor dos certificados do registo criminal de fls.302 e 303.
Quanto aos factos dados como não provados:
Os factos dados como não provados, foram-no por falta de referência documental, testemunhal ou por declarações, por desconformidade/contrários a juízos e regras de normalidade e da experiência e a factos dados como provados.
Note-se, além do mais, que, apesar das multifunções exercidas pelo co-arguido C…, não resultou provado que, em razão, por exemplo, de frequentar, com regularidade, a cabine de som, ele tivesse conhecimento das características dos CD´s-R e poder de direção quanto à atividade do DJ.
Mais. Não foi feita qualquer prova que o co-arguido B… detinha os originais dos CD´s-R … circunstância que, a provar-se, serviria para reforçar o que se disse a propósito do elemento subjetivo do ilícito. A posse dos respetivos originais – face às informações que deles constam – não lhe permitia ignorar, como alegou em sede de contestação, que estava impedido de fazer cópias e de as utilizar!!! Aliás se as tivesse, face à consabida e atestada – pericialmente - perda de qualidade do som das cópias e, necessariamente, da reprodução do mesmo, que sentido fazia utilizar essas cópias em vez dos originais???!!! A resposta é evidente: nenhum.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[4].
No caso em apreço, resulta das conclusões do recurso que o recorrente delimita o respetivo objeto às seguintes questões:
● Se o incumprimento do prazo para sujeição das apreensões a validação da autoridade judiciária constitui nulidade sanável, ou irregularidade tempestivamente arguida, encurtando as garantias de defesa do arguido;
● Se a busca que precedeu as apreensões está ferida de nulidade ou, pelo menos, de irregularidade, por não se ter observado o disposto no artº 174º nºs 2 e 3 do CPP;
● Se a ausência de notificação ao arguido do despacho que ordenou a perícia constitui nulidade tempestivamente arguida e violadora do princípio do contraditório;
● Se entre a pena de prisão e a pena de multa substitutiva daquela deve haver uma correspondência aritmética;
● Se a taxa diária da pena de multa fixada na decisão recorrida se mostra adequada à situação económica e financeira do recorrente.
Vejamos:
a) Quanto ao incumprimento do prazo para sujeição das apreensões a validação da autoridade judiciária:
Dispõe o artº 178º nº 5 do C.P.P. que “as apreensões efetuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas”.
Antes de mais, importa referir que, como tem sido defendido pela jurisprudência que reputamos maioritária, “o prazo de setenta e duas horas referido no artigo 178.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, não é o prazo para a validação das apreensões mas para a apresentação das apreensões à autoridade judiciária com vista à sua validação”[5].
Ou seja, o que a lei exige é que o órgão de polícia criminal que efetuou a apreensão a submeta, no prazo de setenta e duas horas, à apreciação da autoridade judiciária competente, com vista à sua validação.
Vejamos então se o órgão de polícia criminal que efetuou a apreensão dos objetos a que se reporta o auto de notícia de fls. 3, os submeteu à apreciação do Mº Público dentro do prazo acima referido.
Como resulta do próprio auto de notícia, a apreensão foi efetuada no dia 28 de Abril de 2007, pelas 2h30m. Contudo, só no dia 03.05.2007 o expediente e os objetos apreendidos deram entrada nos serviços da Procuradoria da Republico do Tribunal de V. N. Famalicão.
Contrariamente ao referido na decisão recorrida, o órgão de polícia criminal não cumpriu o prazo previsto no artº 178º nº 5 do C.P.P., na medida em que entre a apreensão e a apresentação ao Mº Pº decorreu período superior a 72 horas.
Importa, porém, apurar qual a consequência jurídico-processual para tal omissão, designadamente se a mesma importa a nulidade da apreensão, como sustenta o recorrente.
Como é sabido, a exata correspondência do ato aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição permite a produção dos efeitos que lhe são próprios, mas a falta ou insuficiência dos requisitos, tornando o ato imperfeito, é susceptível de consequências jurídicas diversas em razão da gravidade do vício. As invalidades vêm a ser os efeitos dos desvios ao modelo prescrito na lei e a que esta faça corresponder uma invalidação mais ou menos extensa de atos processuais. Os artºs 118º a 123º regulam as consequências da inobservância das prescrições legais estabelecidas para a prática dos atos processuais[6].
Ora, a omissão levada a cabo não é sancionada por qualquer disposição legal especial, nem constitui nulidade insanável, art.º 119º do Código Processo Penal, pois não consta desse apertado catálogo. Também não faz parte do elenco das nulidades previsto no art.º 120º do Código Processo Penal.
Sabido que a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é meramente irregular, a omissão em causa apenas seria suscetível de constituir uma irregularidade, art.º 118 nºs 1 e 2 do Código Processo Penal.
Contudo, como muito bem salienta o Prof. P.Pinto de Albuquerque[7] “Todas as ilegalidades cometidas no processo penal podem ser irregularidades (princípio da atipicidade da irregularidade). Mas nem todas as ilegalidades cometidas no processo penal são irregularidades: só são relevantes as irregularidades que possam afetar o valor do ato praticado (princípio da relevância material da irregularidade). […] Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afetar o valor do ato praticado, não se verifica o vício previsto no artº 123º, isto é, a ilegalidade do ato é inócua e juridicamente irrelevante”.
No caso sub judice, o incumprimento do prazo de 72 horas para apresentação da apreensão à autoridade judiciária com vista à respetiva validação, não afeta a validade substancial da própria apreensão. E tanto assim é que o Mº Público a veio a “validar” por despacho proferido em 08.05.2007 (cfr. fls. 9), e o próprio recorrente jamais questionou a sua validade substancial, invocando nomeadamente que o OPC carecia de base legal para apreender os concretos objetos ou que os mesmos não estavam destinados a servir para a prática de qualquer crime.
O prazo de 72 horas referido naquele normativo é, a nosso ver, um prazo de mera ordenação processual e a sua ultrapassagem não tem qualquer reflexo sobre a validade das apreensões levadas a cabo. Com efeito, se bem vemos tal prazo tem tão-somente por escopo controlar os atos processuais com reflexos sobre direitos, nomeadamente sobre o direito de propriedade, impondo-se à autoridade que tome posição sobre o motivo das apreensões levadas a cabo de forma a evitar que se conservem apreendidos bens cuja apreensão já se não legitime.
Conclui-se, assim, que a omissão cometida não constitui sequer irregularidade para os efeitos do disposto no artº 123º do C.P.P., na medida em que não afecta o valor do ato de apreensão.
E ainda que se entendesse estarmos perante uma irregularidade, o certo é que até ao momento da respetiva arguição pelo interessado, o Ministério Público (por estarmos na fase de inquérito) conservava o poder de a reparar, nos termos do artº 123º nº 2 do C.P.P. Ora, tendo a apreensão sido validada pelo Mº Público, antes de ter sido arguida a sua irregularidade (v. fls. 139 a 146), desapareceu o pressuposto em que o recorrente assentou o fundamento da sua arguição, na medida em que na ocasião em que a veio suscitar, já a mesma, a existir, se mostrava reparada, porque validada não obstante a sua apresentação tardia.
O mesmo se diga relativamente à apreensão efetuada a fls. 75. Com efeito, embora o Mº Público a não tenha validado expressamente, o certo é que, ao deduzir acusação, incluindo nos meios de prova que indicou, aquela concreta apreensão (v. fls. 136), podemos afirmar que o Mº Público fiscalizou a legalidade da apreensão dos objetos ali identificados e considerou de forma tácita, mas inequívoca, que essa apreensão havia sido válida.
Com efeito, a única via para satisfazer a exigência de “validação pela autoridade judiciária” não passa necessariamente pela prolação de uma decisão expressa e autónoma acerca da validade da apreensão. Como se decidiu no Ac. da R.Lx de 06.11.2007[8], “sempre que houver no processo elementos que demonstrem, de forma inequívoca, que o Ministério Público fiscalizou a legalidade das apreensões efetuadas pelos órgãos de polícia criminal e que, embora de uma forma tácita, as considerou válidas, deve considerar-se cumprido o disposto no n.º 5 do artigo 178º.”
E não se diga que tal interpretação da norma do artº 178º nº 5 do C.P.P. ofende qualquer preceito constitucional. Na verdade, em duas recentes decisões do tribunal constitucional (acórdão n.º 274/2007, publicado no DR II série de 18 de Junho de 2007, e acórdão n.º 278/2007, publicado no DR 2º série de 20 de Junho de 2007) foi abordada a questão da validação tácita de buscas realizadas por órgãos de polícia criminal sem precedência de autorização judicial. Na primeira decisão afirmou-se, além do mais, a propósito desta questão “…independentemente de saber-se se a validação tácita corresponde à melhor interpretação do direito infraconstitucional, não poderá, também, deixar de mencionar-se que, na ótica dos direitos invocados pelos recorrentes – traduzidos na inviolabilidade do domicílio e na nulidade das provas obtidas mediante abusiva intromissão naquele – fundamental será apenas que o tribunal tenha por válida a obtenção da prova materializada numa busca domiciliária: existindo essa validação, expressa ou implícita, ficará sempre sancionada, legitimada a realização da diligência”.“E idêntica conclusão é imposta quando, para lá daqueles parâmetros fundamentais, se invoquem as garantias de defesa e o direito ao recurso dos arguidos”.
Por seu turno, no acórdão n.º 278/2007, escreveu-se que “embora se possa considerar que seria «melhor direito» a exigência de uma pronúncia judicial autónoma e expressa sobre a validação da busca, entende-se que a validação implícita, desde que inequívoca, satisfaz claramente os objetivos constitucionais: confirmar que estavam preenchidos os requisitos que permitiam a busca sem dependência de prévia autorização judicial”.
O que se escreveu nas decisões supra referidas a propósito da validação tácita das buscas realizadas sem precedência de autorização judicial é válido para as apreensões efetuadas por órgãos de polícia criminal sem prévia autorização judicial.
Como se decidiu no Ac. R. Lx acima citado “o que é decisivo para o cumprimento da lei é que a legalidade das apreensões seja fiscalizada pela autoridade judiciária. Daí que, (…) sempre que o processo demonstre, de forma inequívoca, que esse controlo foi feito, não é a circunstância de não existir uma decisão expressa a declarar a validade da apreensão que faz com que o controlo não tenha existido.
Improcede, assim, a nulidade/irregularidade invocada no que respeita às apreensões efetuadas pelo OPC.
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b) Quanto à nulidade ou irregularidade da busca que precedeu as apreensões:
Sustenta o recorrente que não tendo ocorrido a detenção de arguido pelo OPC nem tendo sido imediatamente comunicada ao Mº Público, com vista à validação da “detenção” e da subsequente busca, ocorre a nulidade do ato (busca), tendo a decisão recorrida violado o disposto nos artºs. 120º nº 2 al. d), 122º nºs 1 e 2, 126º nº 3, 20º nº 4 e 32º nºs 1 e 5 da CRP e 174º nºs 3 e 5 do C.P.P.
Ora, refira-se, antes de mais, que em momento algum dos autos se faz referência a qualquer busca efetuada pelo órgão de polícia criminal. As apreensões efetuadas a fls. 6 e 75 não foram realizadas na sequência de uma busca.
Por outro lado, tais diligências efectuadas pela autoridade policial não integram o conceito legal de busca a que aludem os artºs. 174º a 177º do C.P.Penal.
Como se sabe, as buscas e as apreensões efetuadas no decurso do inquérito são meios de obtenção de prova, estando sujeitas aos regimes previstos no CPP, respetivamente nos artºs. 174º a 177º (das revistas e buscas) e 178º a 186º (das apreensões).
Quando houver indícios de que os objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca (art. 174º nº 2 CPP).
As buscas (tal como as revistas) são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência - art. 174º nº 3 CPP.
As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária (art. 178º nº 3 CPP).
A regra é a autorização ou a ordem da busca por despacho da autoridade judiciária competente (art. 174º nº 3 CPP).
Excepções a essa regra são desde logo as previstas no art. 174º nº 4 do CPP e no art. 251º do C.P.P. (medida cautelar de polícia).
Estando em causa o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio[9] (art. 34º nº 1 da CRP) – enquanto “forma de tutela do direito à reserva da vida privada”[10] (art. 26 nº 1 da CRP) – a busca domiciliária segue o regime previsto no art. 177º do CPP.
Assim, conjugando o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 177º do CPP, a busca domiciliária tem de ser ordenada ou autorizada pelo Juiz (juiz que é o garante dos direitos fundamentais) e, só nos casos excecionais previstos no art. 174º nº 5 do CPP, podem ser efetuadas por OPC (órgão de polícia criminal), sendo correspondentemente aplicável o disposto no nº 6 do mesmo preceito (que se refere a situação dependente de validação judicial).
A regra da intervenção jurisdicional em determinados atos na fase de inquérito (arts. 268º e 269º do CPP), v.g. no caso das buscas domiciliárias, justifica-se por estarem em causa direitos fundamentais das pessoas.
O Estado, como titular do ius puniendi, quer que «os culpados de atos criminosos sejam punidos», mas também «está interessado em garantir aos indivíduos a sua liberdade contra o perigo de injustiças»[11].
Por isso, também, em processo penal, a “descoberta da verdade material não pode ser obtida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas”.
A intervenção jurisdicional com vista à tutela e garantia dos direitos fundamentais das pessoas significa, assim, o acolhimento da “afirmação de que o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado”[12].
Para autorizar judicialmente uma busca domiciliária (portanto, busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada, a efectuar entre as 7 e as 21 horas) o juiz tem que proceder a uma apreciação dos indícios existentes no caso concreto tendo em vista precisamente a garantia dos direitos fundamentais que possam vir a ser afectados por aquela diligência.
Nesse controlo judicial (cf. arts. 34º nº 2 da CRP, 269º nº 1 al. a) e 177º do CPP), valorando o substrato factual (com base nos indícios existentes nos autos), o juiz vai ponderar os interesses em jogo (por um lado o interesse de uma investigação eficaz e da realização da justiça e, por outro, o direito à inviolabilidade do domicílio) com vista a determinar qual deles deve prevalecer, tendo em atenção o princípio da proporcionalidade.
Porém, todas as cautelas de que se deve revestir a autorização judicial antes de ordenar a realização de uma busca domiciliária, deixam de ter qualquer fundamento quando se trate de realização de uma busca não domiciliária. Acresce que, como decorre da própria letra do artº 174º nº 2 do CPP, só se pode falar verdadeiramente em “busca”, quando “os objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público”.
Não é o caso, quando os objetos a apreender se encontram num estabelecimento comercial de acesso não reservado e cujo interior e respetivo recheio é perfeitamente visível por qualquer pessoa que nele entre e permaneça.
Assim sendo, o acto em causa, praticado pela autoridade policial apenas é susceptível de integrar o conceito de apreensão, a que aludem os artºs 178º e ss. do C.P.P.
Ora, o artº 178º nº 4 do C.P.P. permite que os órgãos de polícia criminal efetuem apreensões “quando haja urgência ou perigo na demora nos termos previstos na al. c) do nº 2 do artº 249º”. Porém, mesmo neste caso, as apreensões são sujeitas a validação pela autoridade judiciária no prazo máximo de setenta e duas horas – nº 5 do mesmo preceito.
Trata-se, contudo de dois tipos diferentes de apreensões. Como acentua Maia Gonçalves[13], cada uma daquelas normas tem o seu campo de aplicação específico: o periculum in mora, pressuposto da regulamentação da alínea c) do n.º 4 do artigo 174.º, é apenas aceitável no caso de haver lugar a detenção em flagrante delito, enquanto que como pressuposto do artigo 251.º basta a fuga iminente de um suspeito, o que não é recondutível ao conceito de flagrante delito (pode nem haver delito), ou que haja razões para crer que os revistados ocultam armas ou outros objetos com os quais possam praticar actos de violência.
No caso do artigo 251.º trata-se de uma nítida medida cautelar, de uma atividade típica de polícia, visando evitar a perda de um meio de prova que poderá desaparecer se não forem tomadas cautelas imediatas, por parecer iminente a fuga de um suspeito ou por existir fundada razão de que o lugar onde ele se encontra oculta objetos relacionados com o crime, suscetíveis de servir a prova, e que de outra forma poderiam perder-se.
O artigo 251º aplica-se naturalmente a situações fora de flagrante delito, bastando que se verifique uma das situações ali previstas.
Por seu lado, ensina o Prof. Germano Marques da Silva[14] que «além das hipóteses excepcionais admitidas pelo artigo 174º, n.º 4, o artigo 251º admite também como medida cautelar que, em caso de urgência, os órgãos de polícia criminal procedam à revista de suspeitos e a buscas nos lugares onde eles se encontrem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objetos relacionados com o crime, suscetíveis de prova e que, de outra forma, poderiam perder-se. A urgência da medida e a utilidade para o processo justificam a atribuição de competência às polícias para a sua prática, ainda antes de lhes serem ordenadas ou autorizadas».
São portanto medidas urgentes, que importa adotar em face das circunstâncias do caso, com vista a evitar, nomeadamente, a perda das provas presumidamente albergadas pelo objeto da busca ou revista. E cuja execução eficaz é incompatível, por isso mesmo, com qualquer dilação, nomeadamente a condição de imposição de prévia autorização judicial.
Se é certo que o respeito pelos direitos fundamentais há-de ser sempre o farol que ilumina o processo penal, à luz, nomeadamente, do estatuído no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, importa, todavia atentar em que, por um lado, o regime da inviolabilidade de domicílio - art.º 34.º da Lei Fundamental - não tem aplicação em casos como o presente já que se reveste de uma consistência mais densa do que a de outros locais ou objetos, ou não demandasse ela uma disposição específica no próprio texto constitucional. E, por outro, que, esses direitos, sendo embora fundamentais, não podem, individualmente, sobrepor-se à prossecução de outros de cariz individual ou coletivo que a própria Constituição coloca à sua frente.
Daí que importe salvaguardar um mínimo de eficácia à investigação criminal sob pena de muitos desses direitos fundamentais não lograrem efetiva proteção.
Essa salvaguarda implica a necessária e proporcional compressão de alguns desses direitos, dentro dos limites que o legislador tem como suportáveis.
Voltando ao caso, esses limites recebem consagração no citado artigo 251.º do Código de Processo Penal.
Tratando-se, como se viu, de uma disposição processual de natureza eminentemente cautelar, voltada para situações de emergência em que a suspeita de existência de prova de um crime não se compadece com demoras sob pena da sua “evaporação”, a sua aplicação tem de bastar-se com tal suspeita, seja ela anterior ou concomitante à intervenção da autoridade judiciária, desde que suportada em fundamento razoável e que, pela natureza das coisas, nem sequer carece de ser isenta de toda a dúvida.
Estes procedimentos cautelares, justamente porque o são, não podem prescindir do imediatismo da decisão e da ação, sob pena de a investigação criminal ser relegada ainda mais para o rol das inutilidades. Com efeito, que resultados seriam de esperar se os arguidos tivessem feito desaparecer os fonogramas que continham música de vários autores e que não tinham sido editados pelos próprios, legítimos detentores dos direitos de criação intelectual, se fosse exigível que os órgãos de polícia criminal, depois de se terem apercebido da existência de tais fonogramas, tivessem de diligenciar pela obtenção de prévia autorização judicial?
A diligência tinha de ser, como foi, efetuada de imediato, o que a lei permite e o bom senso sempre exigiria.
No caso em apreço, estamos, assim, perante uma apreensão efetuada como medida cautelar prevista no artº 249º nº 2 al. c) do CPP, sujeita a validação pela autoridade judiciária no prazo de setenta e duas horas, pelo que não ocorreu qualquer “busca” ilegal.
Improcede assim mais esta nulidade/irregularidade invocada.
*
c) Quanto à nulidade por ausência de notificação aos arguidos do despacho que ordenou a perícia:
Alega o recorrente que, não tendo sido observado quanto à perícia, o disposto nos artºs 154º nº 3 e 155º nº 1 do C.P.P., tal omissão constitui nulidade nos termos do artº 120º nº 2 al. c) do C.P.P., ou pelo menos irregularidade tempestivamente arguida.
Vejamos:
O art. 154º do C. de Processo Penal regula o despacho que ordena a perícia nos seguintes termos (ora úteis):
«1. A perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária, contendo o nome dos peritos e a indicação sumária do objeto da perícia, bem como, precedendo audição dos peritos, se possível, a indicação do dia, hora e local em que se efetivará.
3. O despacho é notificado ao Ministério Público, quando este não for o seu autor, ao arguido, ao assistente e às parte civis, com a antecedência mínima de três dias sobre a data indicada para a realização da perícia.
4. Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos:
a) Em que a perícia tiver lugar no decurso do inquérito e a autoridade judiciária que a ordenar tiver razões para crer que o conhecimento dela ou dos seus resultados, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis, poderia prejudicar as finalidades do inquérito;
b) De urgência ou de perigo na demora».
No caso em apreço, o Ministério Público ordenou a realização da perícia (cfr. fls. 88) e insistiu pela sua realição, ignorando completamente o comando do art.º 154º n.º 3 do Código Processo Penal, quando é certo que não se verificava circunstancialismo para subtrair a perícia ao contraditório mitigado do arguido[15].
Impõe-se então determinar qual a consequência do não cumprimento do art.º 154º n.º 3 do Código Processo Penal.
No tocante à prova - quer quanto aos meios de prova, quer quanto aos meios de obtenção de prova - estabeleceu o legislador um regime especial de proibições de prova, art.º 118º n.º 3, 125º, 126º [disposições gerais, especiais] e concretamente em relação a alguns meios de prova e meios de obtenção de prova, um regime especialíssimo, v.g. prova testemunhal art.º 129 depoimento indireto, 130º vozes públicas, 187º, 188º e 189º admissibilidade e formalidades das escutas, etc.
O regime especial de proibições de prova não trata concretamente nem dá relevo à omissão em causa. Por outro lado, no capítulo da prova pericial não há qualquer disposição que atribua consequência à dita omissão, pelo que nos resta o recurso ao regime geral das nulidades.
É sabido que a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei. E nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular, art.º 118º nºs 1 e 2 do Código Processo Penal.
Percorrido o apertado catálogo dos artºs 119º e 120º do Código Processo Penal, constata-se que a omissão em causa não configura nulidade, contrariamente ao defendido pelo recorrente. Daí que o ato ilegal do Ministério Público de ter omitido a notificação do arguido prevista no art.º 154º n.º 3 do Código Processo Penal, é apenas irregular - art.º 118º nºs 1 e 2 do Código Processo Penal[16]. Ora qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo. Assim, no caso, aquando da notificação da acusação o arguido/recorrente teve conhecimento de que a perícia foi feita sem para tal ter sido notificado.
Considerando que o ilustre defensor nomeado suscitou a referida irregularidade no prazo de três dias subsequente à notificação da acusação, forçoso se torna concluir que a irregularidade em causa foi tempestivamente arguida.
E não se diga que não se encontrando o processo em segredo de justiça, o arguido poderia em qualquer momento tê-lo consultado e verificado que tal notificação havia sido omitida. Na verdade, antes da dedução da acusação, os arguidos não tinham advogado constituído no processo, nem lhes havia sido nomeado defensor oficioso, o que só veio a acontecer no despacho de acusação.
Ora, a arguição de nulidades ou irregularidades constituem uma reação jurídica, que pressupõe necessariamente conhecimentos técnico-jurídicos; ou seja, é necessário conhecer o direito e a legalidade, para poder reagir contra qualquer ilegalidade.
A possibilidade de reação efetiva não se reduz a uma aparência de possibilidade de reação. Só o arguido acompanhado de advogado que o represente no processo, reúne as condições para poder reagir no próprio ato ou mesmo nos três dias subsequentes àquele em que tiver conhecimento do ato ilegal; só a assistência de profissional/técnico competente investe o arguido na plena capacidade de exercício dos seus direitos processuais, nos quais se incluem sem qualquer dúvida o direito de arguição de irregularidades.
À mesma solução conduzem os valores ou princípios do “fair trial”, do processo transparente, leal e justo; do processo que deve constituir um espaço de segurança e de justiça.
Assim, não tendo os arguidos defensor antes da dedução da acusação, só depois da notificação que dela lhes foi feita, estavam em condições de arguir, como arguiram a referida irregularidade.
E não se diga, como na decisão recorrida, que o arguido/recorrente poderia ter requerido, ao abrigo do disposto no artº 158º do C.P.P., em qualquer altura do processo a realização de nova perícia ou a prestação de esclarecimentos complementares aos peritos que realizaram a perícia e, se não o fizeram, fica sanada a irregularidade da omissão de notificação a que alude o artº 154º nº 3 do C.P.P.
Trata-se de diligências de prova com âmbito processual e objetos completamente diversos. No primeiro caso trata-se de prova a constituir e no segundo de um mero complemento da prova já produzida. A circunstância de o interessado poder usar das faculdades previstas no artº 158º do C.P.P., não remedeia a omissão cometida pelo Mº Público na fase de inquérito.
É certo que as faculdades a que aludem os artºs 154º nº 3 e 155º do C.P.P. não têm o alcance de fazer intervir diretamente no resultado da perícia o consultor técnico eventualmente nomeado pelo arguido, na medida em que a intervenção do consultor na perícia é muito limitada, restringindo-se o seu papel aos atos expressamente previstos no artº 155º do C.P.P.
Contudo, tendo o direito de nomear consultor para os efeitos legalmente previstos, a omissão de notificação do arguido nos termos do artº 154º nº 3 do C.P.P., não deixa de constituir omissão suscetível de afetar o valor do ato praticado, na medida em que viola uma garantia de defesa atribuída ao arguido, justificando-se assim que se determine a invalidade de tal ato e a sua consequente repetição, ficando prejudicado o julgamento e os atos processuais subsequentes em que se inclui a sentença recorrida, apenas no que concerne ao recorrente.
Atenta a reconhecida irregularidade da perícia, ficam prejudicadas as restantes questões suscitadas no recurso.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, declarando a invalidade da perícia efetuada nos termos dos artºs. 154º nº 3 e 123º do C.P.P., que deverá ser repetida com observância do legal formalismo, considerando prejudicado todo o demais processado em relação ao arguido/recorrente.
Sem tributação.
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Porto, 06 de Fevereiro de 2013
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
António José Alves Duarte
_________________
[1] Em sentido não coincidente, sem menção de qualquer justificação/argumentação, mas apenas com a menção telegráfica do preceito, cfr. o referido por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª Edição Actualizada, Universidade Católica, 2009, pg. 490.
[2] Neste ponto, importa referir que apesar de o arguido estar impedido de depor como testemunha (isto é, de prestar depoimento sob juramento), quer quanto aos factos que lhe são imputados, quer quanto aos factos que são imputados a co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, o certo é que, as declarações por si prestadas, constituem um meio de prova a apreciar livremente pelo Tribunal e, como tal, podem ser valoradas para fundar a sua convicção acerca dos factos que dá como provados. Não se tratando, porém, de terceira pessoa em posição de imparcialidade que caracteriza a testemunha e fundamenta o seu dever de verdade, as declarações do co-arguido têm de ser acompanhadas de outros elementos independentes que confortem a sua credibilidade, neste sentido, cfr. entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 1994 e de 23 de Outubro de 1997, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
[3] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[4] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[5] V., entre outros, Ac. STJ de 07.05.2007, Cons. Pereira Madeira, Proc. nº 07P1231; Ac. RP de 17.01.2007, Des. Custódio Silva, Proc. nº 0644955; Ac. RP de 07.11.2007, Des. Artur Oliveira, Proc. nº 0745888;
[6] Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 4ª edª., pág. 85.
[7] In Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edª. atualizada, anotação ao artº 123º, págs. 310 e segs.
[8] Proferido pelo Des. Emídio Santos, Proc. nº 4233/2007-5, disponível em www.dgsi.pt
[9] Domicílio entendido, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., Coimbra Editora, 1993, pp. 212 e 213), como «projecção espacial da pessoa» (espaço fechado e vedado a estranhos onde a pessoa desenvolve a sua vida privada e familiar). Defende-se no Ac. TC nº 67/97, BMJ nº 464/75 que «O conceito constitucional de domicílio deve ser dimensionado e moldado a partir da observância do respeito pela dignidade da pessoa humana, na sua vertente de reserva da intimidade da vida familiar, de modo a acautelar um núcleo íntimo onde ninguém deverá penetrar sem o consentimento do próprio titular do direito – e sem necessariamente pressupor uma plena e exclusiva disponibilidade do espaço físico que consubstancia o domicílio».
[10] Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2005, p. 372.
[11] Assim, Ac. do TC nº 578/98, DR II Série de 26/2/1999. Ainda, citando Eduardo Correia, acrescenta: o Estado está, por isso, «interessado, desde logo, em defender [os indivíduos] “contra agressões excessivas da actividade encarregada de realizar a justiça penal”».
[12] Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 4ª ed. Revista e actualizada, Verbo, 2000, p. 94.
[13] In Código de Processo Penal 13.ª edição, 2002, págs. 528.
[14] In Curso de Processo Penal III, edição Verbo, 2000, págs. 68.
[15] Cfr. Rodrigo Santiago, in RPCC, Ano 11, Fasc. 3º pág. 398.
[16] Cfr., neste sentido, Ac.R.Porto de 24.05.2006, Des. Luís Gominho, com o nº convencional JTRP00039214, disponível em www.dgsi.pt